21.01.2016
PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS
O semipresidencialismo - uma originalidade do modelo de democracia parlamentar adotado pela Constituição portuguesa em 1976 - consiste no papel especial atribuído ao Presidente da República que lhe permite demitir o Governo, dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas, por sua iniciativa e conforme a sua própria avaliação política, de acordo com critérios constitucionais explícitos. Este modelo vai completar 40 anos no próximo mês de abril e embora tenha dado um inestimável contributo para a consolidação da democracia, numa fase inicial, foi pena não aproveitar o período do último mandato do presidente cessante, para ponderar a conveniência de reformar o regime semipresidencial. Sobre isso, pronunciei-me com muita clareza e em devido tempo, mas chegados, enfim, ao final do mandato de Cavaco Silva, havia que escolher o sucessor. Por esse motivo, após as eleições legislativas de 4 de outubro, entendi que tinha chegado o momento de assumir o meu apoio à candidatura presidencial de Sampaio da Nóvoa.
A candidatura presidencial de Sampaio da Nóvoa suscitou um efeito curioso no interior do Partido Socialista, motivando uma espécie de coligação negativa cuja substância parece apenas destilar a amargura existencial de uma federação de ressentimentos. Por muito que se busque, não se encontra nada que efetivamente tenha algo a ver com o candidato, nem com a estatura cívica de uma candidatura construída à margem dos aparelhos partidários, nem com o programa que ele apresentou aos eleitores. Nem sequer entre as réplicas, tréplicas e picardias comuns nos debates televisivos da campanha eleitoral, se acha matéria capaz de indiciar alguma indignação - em nome de uma causa coletiva - algum desígnio político, qualquer imperativo da consciência crítica ou sequer uma corrente de opinião.
O menor denominador comum dessa difusa animosidade antes parece situar-se num incerto desconforto, num sentimento de abandono - porventura, alguma dificuldade de intervir ou compreender o novo contexto político que se começou a desenhar com a liderança de António Costa, há cerca de um ano. Não é por mera casualidade que nada mais, nada menos do que quatro dos atuais candidatos à presidência da República reclamem a pertença às fileiras do Partido Socialista. Pensando bem, contudo, esta agitação que tão intensamente comove militantes e simpatizantes socialistas, nada tem de absurdo ou surpreendente.
De facto, o diálogo que conduziu os partidos da Esquerda a formar um bloco de apoio ao Governo minoritário do PS - nas circunstâncias adversas de um resultado eleitoral ambíguo - representa uma conquista histórica no processo de construção do regime democrático inaugurado pela Revolução de Abril de 1974. Enquanto no centro da Europa, as forças políticas da extrema-direita e a violência racista e xenófoba ameaçam a sobrevivência dos sistemas políticos democráticos, em Portugal, a Esquerda desde sempre desavinda, soube agora entender-se para procurar uma alternativa política à perversão do euro, à invenção das "dívidas soberanas", às desigualdades crescentes e à fatalidade do empobrecimento coletivo, aos egoísmos nacionais, ao desprezo pelos povos vizinhos e à indiferença pela tragédia dos refugiados. Este "novo tempo" do diálogo à esquerda é a expressão virtuosa da capacidade de adaptação às mudanças impostas pela mesma crise que destruiu o Partido Socialista grego e presentemente ameaça os socialistas espanhóis.
De entre todos os candidatos a Presidente da República, aquele que melhor sintoniza com este espírito, com o sentido mais profundo desta mudança que abalou os sistema políticos do sul da Europa, quem melhor encarna a rotura com a deriva dos sociais-democratas que se deixaram atrelar aos dogmas neoconservadores do falso liberalismo ainda dominante, quem reacende a esperança nos valores da liberdade, da solidariedade e da participação democrática, é, justamente, António Sampaio da Nóvoa!
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