O ano de 2015 foi muito difícil. Fechou com a inflação em níveis muito elevados, com a generalização da subida dos preços dos principais produtos básicos, como consequência da desvalorização do metical face às principais moedas de transacção comercial, numa economia que sobrevive de importações de quase tudo. Não há sinais credíveis de que a situação possa a vir a alterar-se a breve trecho, até porque a estabilidade política do país, que faz cortejo nessas situações, ainda não se desanuviou.
Mais do que não dar sinais de melhoria, a situação político-militar repousou sobre um terreno muito fértil para que brote, mais uma vez, o extremismo da confrontação armada.
Em entrevista exclusiva ao “Canal de Moçambique” desta semana, Afonso Dhlakama, presidente da Renamo, o maior partido da oposição em Moçambique, diz, com uma assustadora convicção, que em Março vai tomar o poder nas seis províncias onde reivindica vitória eleitoral. São elas as províncias de Manica, Sofala, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa.
Dhlakama diz que em Março, ou seja, daqui a cerca de sessenta dias, será a Renamo a governar nestes territórios, desde o nível provincial até ao povoado, e ninguém irá impedir este plano.
A justeza, ou não, desta reivindicação reside na forma como o processo eleitoral foi conduzido de modo irresponsável e banditesco, em que os órgãos da administração eleitoral consagraram vencedor o partido que mais garantias podia oferecer para a sobrevivência pessoal dos indivíduos pertencentes a esses órgãos. Foi o que se viu, e até hoje não temos nenhum documento que comprove que, de facto, os declarados vencedores e vencidos o são de facto.
Os ensaios sobre soluções para se ultrapassar a crise que está instalada desde Outubro de 2014 são prova suficiente de que há um reconhecimento implícito de que houve uma golpada eleitoral, que devia envergonhar qualquer Estado que se pretenda civilizado.
Mas voltemos ao anúncio de Afonso Dhlakama. Vale a pena sublinhar, aqui, que o presidente da Renamo, durante a entrevista, nos pareceu excessivamente confiante no sucesso deste seu plano “març(ial)”.
Podem ser feitas duas leituras deste prazo de assalto ao poder. A primeira tem um condão histórico tradicional que a sustenta. É que não é a primeira vez que Dhlakama faz este tipo de ameaças, e, chegado o prazo “combinado”, enceta uma fuga para frente, numa espiral de falta de palavra que tem contribuído grandemente para a corrosão da sua credibilidade nos sectores mais lúcidos.
A segunda leitura assenta na capacidade militar sustentada pela assustadora legitimidade popular que Afonso Dhlakama tem, que vem juntar-se a uma saturação popular perante uma Frelimo que já provou que não está interessada em melhorar a vida das pessoas que vivem nesses locais. É que, apesar de essas províncias serem as que produzem mais recursos, são as menos beneficiadas pela política centralista. Estes locais passaram a ser vistos como simples depósitos de produtos, e com cidadãos de segunda, vistos como incapazes de decidirem, por si só, as suas prioridades. Daí que tudo precisa de sair de Maputo, incluindo as ideias iluminadas sobre como devem ser exploradas as suas riquezas e sobre o que lhes deve ser dado como dividendo.
A marginalização da população dessas zonas pode constituir-se em combustível suficiente para mobilizar a população contra a classe dominante predadora de Maputo.
Com o desespero a atingir níveis insuportáveis, é pouco provável que a população dessas zonas olhe em primeiro plano para a viabilidade de um projecto de mudança, em vez da própria mudança. É o que nos parece que pode vir a acontecer. A população dessas zonas pode mobilizar-se pela simples ânsia de mudança.
“Tudo, desde que não seja a Frelimo”, pode ser a palavra-de-ordem.
Portanto, sob este prisma, o plano e o prazo de Afonso Dhlakama podem arrastar consigo as multidões que sempre o têm acompanhado, e criar-se, assim, uma situação de agitação generalizada suficiente para desembocar no caos. Analisando sob este ponto de vista, Dhlakama tem de ser levado a sério.
E qualquer conjectura responsável deve levar em primeira linha de conta este cenário de saturação do povo, cujo futuro continua a ser sucessivamente adiado pelos predadores instalados de Maputo. A ver vamos, sobre o que vai acontecer em Março. Se vai haver mobilização, ou se vamos apenas ouvir mais uma conversa sobre mais um prazo. (Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 08.01.2016
Vamos para o desastre?
A TALHE DE FOICE
Por Machado da Graça
Em termos de Paz para o país, o ano de 2016 começa de forma muito preocupante.
De paciência perdida, depois do chumbo de todas as suas propostas de solução pacífica do impasse, criado pelas eleições de Outubro passado, Afonso Dhlakama diz que não vai negociar mais coisa nenhuma e vai governar as seis províncias em que a Renamo teve maioria a partir de Março.
Ele diz que isso se fará pacificamente, sem derramamento de sangue, mas é óbvio que ninguém acredita nessa possibilidade. Bastou ver a demonstração de poderio militar que o Governo fez, em Maputo, para impedir um pequeno grupo de militantes da Renamo, desarmados, de irem à rua falar com as pessoas, para perceber que qualquer tentativa de ocupar o poder político naquelas províncias, por muito pacífica que possa ser, vai encontrar uma resposta violenta por parte das autoridades.
E Dhlakama está consciente disso.
Ameaça mesmo defender-se se for atacado.
Ora como não restam muitas dúvidas de que será atacado, isso só tem um nome: guerra. E uma guerra de consequências imprevisíveis, pois um dos lados tem imenso material militar mas gente sem experiência combativa, enquanto o outro lado tem veteranos calejados na guerrilha, embora aparentemente apenas com armamento ligeiro.
Na sua tentativa de ir ganhando tempo de presença no Poder, de forma absoluta, o Governo/Frelimo adiaram para a próxima legislatura a criação de uma comissão para a revisão constitucional. Tenho, no entanto, a sensação de que o elástico foi esticado demais e não vamos sair deste impasse sem que corra sangue inocente.
Em entrevista ao Canal de Moçambique, Dhlakama diz que só volta a negociar depois de estar já a governar as “suas” províncias. Isto quer dizer que só quer negociar a partir de uma posição de força e já não na circunstância de mero dirigente de partido a falar com o Governo do país.
Gostemos disso ou não (eu não gosto nada) uma tal situação pode descambar numa guerra civil entre o centro/norte e o sul, com Cabo Delgado numa desagradável posição de entalanço de encontro à fronteira tanzaniana.
Numa mensagem amplamente divulgada pelos órgãos de informação do Governo/Frelimo, Filipe Nyusi, dirigindo-se à Renamo, apela ao bom senso para se encontrarem saídas para esta situação.
Talvez seja altura de ele fazer esse discurso do bom senso dirigindo-se aos seus camaradas de gatilho fácil.
Não se pode apelar ao bom senso da contraparte enquanto se tenta matar o seu chefe em emboscadas e ataques sucessivos.
Talvez Filipe Nyusi possa começar por se colocar em frente de um espelho e recomendar bom senso à imagem reflectida..E, depois, ir alargando a abrangência do apelo.
Mas seria bom que isso fosse feito com rapidez, porque os prazos agora são muito curtos e arriscamo-nos a acordar, um dia destes, já no fundo do abismo.
E o descontentamento popular, de norte a sul do país, com as condições de vida insuportáveis para uma maioria, podem ser um acelerador determinante do desastre.
SAVANA – 08.01.2016
Do dogma da revolução desconseguida às emboscadas
Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Um caminho de repressão repleto de intolerância
A nossa situação neste belo e empobrecido Moçambique segue os contornos da sua génese. Uma República fundada ou proclamada sob o signo do decalque puro e simples de experiências mais ou menos falhadas de outros no chamado mundo socialista da altura evidenciou-se desde os seus primórdios num modelo de intolerância que se foi enraizando.
Com a intolerância reinando, era relativamente fácil ir experimentando e impondo os pontos de vista daqueles que se tinham como iluminados, mas que essencialmente eram os que exerciam o poder discricionário.
Eles pensavam, ordenavam e mandavam executar seja o que for que julgassem apropriado.
Muitos foram os termos enxertados ou importados, mas quase sempre era para consumo da populaça e nada para ser compreendido.
Eram dogmas de cumprimento obrigatório transformados em linha política dita revolucionária.
Logo que se começou a verificar uma contestação consistente e organizada a este modelo de República, vimos uma guerra civil eclodindo e um regime endurecendo os seus procedimentos para conter a rebelião. Mas esta era uma rebelião já anunciada e que teve as suas causas no tratamento que os dissidentes recebiam durante a luta armada anticolonial. Quando na Frente de Libertação de Moçambique começou a ser proibido ter opinião e se começou a rotular uns de revolucionários e outros de contra-revolucionários e reaccionários, estava encontrada a fórmula da exclusão com a intolerância adstrita.
Qualquer regime político tem direito de defender-se, mas quando a defesa é feita coarctando os direitos políticos e económicos de cidadãos, entra-se numa rota de colisão que aliena pessoas e torna tal regime numa ditadura.
Os que se arvoravam em revolucionários e detentores da verdade desnaturaram-se ao longo do processo, e hoje mostram de maneira irrefutável a sua verdadeira face.
Matou-se compatriotas em nome de supostas ideologias que hoje verificamos serem tambores vazios.
Antes de uma luta ideológica em defesa de um regime que tinha o povo no centro da sua agenda, somos obrigados a constatar que tudo se resumia ao exercício do poder para benefício próprio. O desdobramento das fortunas no país, a opulência de uns poucos em contraste com a indigência de milhões atesta quanto se mentiu em nome de um povo que continua vendo os seus filhos sentados no chão nas escolas espalhadas um pouco por todo o país. Ao mesmo tempo, os “queridos filhos” da elite detentora do poder são enviados para as melhores escolas do estrangeiro.
Isto, em si, demonstra o falhanço dos nossos “revolucionários”.
Chegados aqui e num quadro prenhe de condições para a eclosão de uma nova guerra civil, vemos uma ofensiva mediática para continuar a negar-se a milhões os seus direitos políticos e económicos.
O voto é roubado e anulado, quando se mostra que a derrota chegou para os que se julgavam “únicos e eleitos divinamente” para governar perpetuamente Moçambique.
A terra, que se dizia que era uma das causas da luta de libertação, é expropriada e entregue a “joint-ventures” constituídas pelos “revolucionários e libertadores” em associação com corporações estrangeiras. O camponês cantado é positivamente corrido e expulso da terra onde sempre viveu e cultivou, alegadamente para instalação de projectos que lhe darão trabalho e segurança. Nenhum camponês Moçambique pediu desenvolvimento ou algo que se pareça.
O camponês moçambicano não pediu favores nem caridade.
Não é preciso ter muita ciência para certificar que os “revolucionários e libertadores” se transformaram em negociantes de terras que diziam ser do Estado. Negociaram concessões ferro-portuárias em proveito próprio. Estabeleceram parcerias público-privadas onde o Estado ficou endividado e os privados enriqueceram.
Num “travesti” de democracia, até conseguiram inquinar o “procurement” eleitoral, e depois reclamam que os outros querem ferir a ordem constitucional. Aquisições de “software” e de material de votação são domínio exclusivo deles, e todos os outros têm de aceitar.
Isto é ditadura pura e simples. Jamais foi democracia, e há muita gente “iluminada” defendendo que a maioria dos moçambicanos tem de continuar a “engolir sapos”.
Se a revolução apregoada não vingou, é bom saber que as emboscadas também não vingarão. O abuso da força policial para limitar as actividades políticas da oposição política também não vingará.
Algo que poderia ser resolvido com rapidez e no interesse de todos pode tornar-se num problema de solução complexa e demorada.
A eliminação física de opositores políticos não vai abrir as portas da paz nem do desenvolvimento do país.
Também aclarar que qualquer guerra que ecloda em Moçambique será em detrimento da posição e da oposição e em benefício directo dos fornecedores de armas e exploradores dos recursos naturais estratégicos do país por eles.
Os moçambicanos anseiam que 2016 seja aquele ano em que irmãos desavindos entendam definitivamente que podem e devem compartilhar Moçambique em pé de igualdade e sem complexos de qualquer natureza. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 07.01.2016
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