CRÓNICA
Lá fora há medo. Cá dentro há um piquenique improvisado no tapete da sala. Lá fora espreita a ameaça. Cá dentro espreitam dois pares de olhos escondidos debaixo de uma manta. Lá fora a cidade está morta. Cá dentro há danças, risotas e patetices.
Eles não fazem ideia que andam lá fora homens ruins a querer fazer coisas más. Não precisei de lhes explicar. Ainda são muito pequenos para entenderem. Bastou dizer que não podíamos ir à rua porque estava tudo fechado. O mais graúdo ainda insistiu. Não dá. Não deu. Será que vai voltar a dar, sem medo?
No dia em que Bruxelas acordou com pânico de sair à rua nós tinhamos outros planos. Toda a gente tem outros planos. Ficar fechado em casa contra vontade não é um plano. É uma contingência. Uma contrariedade. E isso é que me ofende. A nossa liberdade de acção estorvada. A nossa mobilidade à mercê de um livre-arbítrio desviado. À hora de jantar já não tínhamos pão. Nem brioches, como terá sugerido a outra senhora, vítima da revolucionária liberdade de que também não gozámos este fim-de-semana.
Sem pão e sem liberdade, ficámos com o básico dentro de portas: a paz e o amor. Enquanto eu os puder manter cá dentro embrulhados nisso, o ‘lá fora’ vai parecer menos assustador.
Jornalista portuguesa que vive há cinco anos em Bruxelas
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