EDITORIAL
Erdogan bem gostaria de poder mudar a Constituição sozinho e à sua maneira. Felizmente, não conseguiu
Recep Tayyip Erdogan, que gosta de se mostrar ao mundo de pé e peito inchado no seu belo Cadillac descapotável, conseguiu nas eleições deste domingo uma parte do que queria, mas felizmente não o suficiente para mudar sozinho a Constituição da Turquia.
O seu partido AKP tem agora a maioria absoluta que tentou – e falhou – nas legislativas de Junho. Em cinco meses, e com a ajuda dos efeitos do atentado terrorista de Julho, em Suruç, ganhou muitos deputados novos – pelo menos mais 58. Ainda sem resultados finais, o AKP já tem garantidos 316 dos 550 lugares do Parlamento de Ancara, o que lhe permite formar governo sem dificuldade. Os últimos meses da vida política turca foram dominados pela instabilidade e por sucessivos fracassos das negociações com possíveis parceiros para formar um governo de coligação.
Mas se os turcos deram mais votos ao partido de Erdogan (roubados sobretudo à extrema-direita), ficou claro que não gostam da ideia de o seu presidente se tornar num novo sultão.
Os 316 lugares conquistados – e mesmo que venham a ser mais alguns – estão longe dos dois terços exigidos para mudar a Constituição (367) e mais longe ainda da mítica super-maioria, um ideal que o Presidente repete há meses sem qualquer pudor. Erdogan queria 400.
O Presidente não queria que o seu governo ganhasse as eleições. Queria que o seu governo tivesse mais de 60% dos votos. Não queria estabilidade para o país. Queria fazer as coisas à sua maneira, ponto final. Apenas para sublinhar: 400 deputados são mais 33 do que os 367 necessários para mudar a Constituição. Erdogan sonha com o controlo absoluto, com risco zero, com o fim do debate, da discussão, do compromisso.
Em Fevereiro, o presidente chamou ao Palácio Presidencial um grupo de académicos turcos para lhes dizer que, após 13 anos como Presidente, concluíra que o melhor para a Turquia é adoptar um sistema presidencial. Disse que a oposição não gosta da ideia e queixou-se do facto de os outros partidos não compreenderem as vantagens da mudança. Não especificou o tipo de presidencialismo que defende, mas disse que os turcos poderiam criar um sistema “original”, “único”. Erdogan, que aos poucos constrói um Estado cada vez mais autoritário, com laivos de regime mais do que musculado a caminhar para o ditatorial, quererá criar o seu próprio sistema. Um sistema feito à medida do gosto e da vontade do próprio Erdogan.
Não conseguiu. E já esteve mais perto. O máximo de força que conquistou até hoje foram 363 lugares (em 2002) e a partir daí foi sempre a cair: 341 (em 2007), 326 (em 2011), 258 (em Junho). Agora voltou a subir, recuperando o orgulho ferido da derrota de Junho, vista como uma derrota pessoal. Mas subiu apenas quatro pontos percentuais.
Nesse sentido, Erdogan perdeu. Queria mudar a natureza do regime e os turcos não lhe deram essa força. Não é desta que a Turquia vai ter o seu “golpe civil”.
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