Ana Sofia Antunes estava em 19.º lugar nas listas do PS pelo círculo de Lisboa. Foram eleitos só 18. Ficou à porta do Parlamento, mas entra agora para o Governo como secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência. Republicamos, com as devidas adaptações, um artigo publicado em Agosto.
Não gosta da expressão invisual, considera-a politicamente correcta. Prefere cega ou deficiente visual. Ana Sofia Antunes, 33 anos, é provedora do cliente da EMEL, presidente da ACAPO – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal e integrou as listas de candidatos a deputados do PS por Lisboa. Estava em 19.º lugar, posição que em Agosto se considerava elegível, pelo que se pensava que poderia ser a primeira deputada cega a sentar-se no hemiciclo depois das legislativas. Dizia ter vontade de mudar o que já devia ter sido mudado e não teve medo das palavras: “Um país que não respeita os seus deficientes não tem respeito por si próprio.”
Nasceu com deficiência visual, frequentou uma escola especializada nos primeiros anos e depois fez todo o percurso escolar até à faculdade enfrentando e superando as dificuldades que existiam, e existem. Isso fê-la perceber o muito que ainda há por fazer em relação a pessoas com deficiência visual ou outras deficiências. É uma activista, com um longo caminho na ACAPO, de que é presidente desde Janeiro de 2014.
Quando foi convidada para integrar as listas do PS como independente, ficou surpreendida, mas “feliz”. Se tivesse sido eleita seria a primeira deficiente visual a sentar-se no Parlamento como deputada. Seria simbólico mas mesmo assim já vinha tarde, lamentava.
“Nós, ao contrário de outros países europeus, nunca tivemos pessoas com deficiência a ocupar cargos como deputados ou no Governo”, nota, considerando que essa lacuna, em termos de representação, “diz muito” sobre a própria sociedade e sobre o país. Por isso, não podia recusar o desafio: “Aceitei com muito orgulho. Mais do que a minha ida para o Parlamento, é uma abertura de portas para as pessoas com deficiência.”
Sabia que o que esperavam dela era que levasse as questões relacionadas com a inclusão e a igualdade para a Assembleia da República. Ainda assim, não pretendia fechar-se “numa espécie de gueto”, com apenas uma causa, uma bandeira. Não se é eleito apenas por um conjunto de cidadãos, mas “por todos”, ressalvou.
Apesar de ter essa ideia presente, quando questionada sobre o que pretendia fazer caso viesse a sentar-se no hemiciclo, Ana Sofia Antunes tinha as respostas todas na ponta da língua. Eram muitas as propostas. Dois exemplos apenas: queria bater-se pelas medidas compensatórias dos custos da deficiência e pela criação de uma lei de bases da vida independente. Terá agora mais poder para o fazer.
Sobre o primeiro ponto, dizia haver “estudos de entidades independentes que demonstram aquilo que é a realidade das pessoas com deficiência e o que significa a mais no orçamento familiar”.
“Obviamente que existem algumas medidas a nível fiscal que tentam minorar o impacto a nível do IRS, mas não são suficientes. O que temos é uma dedução à colecta um pouco superior às restantes pessoas”, explicou. E o que Ana Sofia Antunes defendia que deve ser estudado é a existência de “um complemento” que permita fazer face a despesas adicionais.
“Se tenho uma deficiência motora, não tenho culpa de ter nascido com esta característica”, argumentou, acrescentando que apoiar estas pessoas chama-se Estado Social. Se tal não acontece, “é um país que não respeita os seus deficientes”. E um país que não respeita os seus deficientes é “um país que não tem respeito por si próprio”.
Sobre a criação de uma lei de bases da vida independente, explicou que se pretende analisar “de que forma é que as verbas investidas pelo Estado a institucionalizar pessoas podem ser atribuídas directamente à pessoa para viver de uma forma autónoma, na sua habitação”, ou seja, os montantes podiam servir para pagar a assistentes que auxiliassem as pessoas com deficiência em casa.
Ana Sofia Antunes trabalhou na Câmara Municipal de Lisboa entre 2007 e 2013, era então presidente o actual secretário-geral socialista e primeiro-ministro indigitado, António Costa. Licenciada em Direito pela Universidade de Lisboa, fazia assessoria jurídica no departamento da mobilidade.
Foi já depois de ter feito estágio, entrado na Ordem dos Advogados e exercido um ano de advocacia que recebeu o convite para ir para a câmara. Lá, começou a mexer-se, a querer fazer mais, a mostrar preocupação com as barreiras arquitectónicas em Lisboa, por exemplo. Fez parte de um grupo pequeno que começou um plano de acessibilidade pedonal na cidade.
Ana Sofia Antunes, que cresceu em Corroios, Seixal, frequentou uma escola especializada nos quatro primeiros anos. Além das outras disciplinas, aprendeu Braille, dactilografia “fundamental” no uso que faz do computador actualmente, e estenografia. Depois foi para o ensino regular, no qual já sentiu “lacunas a nível de apoios”.
Na faculdade, gravou muitas aulas para poder estudar. No 2.º ano os pais deram-lhe um computador, “uma grande revolução”. O computador de Ana Sofia Antunes tem um softwarepróprio, que lhe permite ler.
Quem são os novos secretários de Estado?
EDITORIAL
Não vale tudo em campanha, Parte II
Ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não basta ser sério; também é preciso parecer.
No dia 26 de Julho deste ano, neste mesmo espaço, escrevíamos um texto intitulado: “Não pode valer tudo na pré-campanha”. Na altura, o Presidente acabava de marcar a data das legislativas para 4 de Outubro e já estávamos em pleno clima de campanha eleitoral. Nessa mesma semana, o Governo começou a divulgar publicamente os dados relativos à evolução do crédito fiscal. Em tempo devido, chamámos aqui a atenção para o facto de a divulgação de dados provisórios sobre a devolução da sobretaxa de IRS ser apenas um exercício teórico, com uma matemática duvidosa, e feito fora de tempo, com um objectivo que parecia ser meramente eleitoralista.
Dito e feito. Em Junho, os números apontavam para uma devolução da sobretaxa de 19%, em Julho de 25% e em Agosto de 35%. Em Outubro, já depois das eleições, foram divulgados dados que apontavam para um tombo para os 9,7% e os dados divulgados nesta quarta-feira mostram que afinal a devolução deverá ser de 0%.
Nesta quarta-feira, o ainda secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, veio fazer uma espécie de mea culpa, admitindo “que a metodologia que foi utilizada para a comunicação mensal do crédito fiscal possa ter contribuído para criar a percepção errada de que se tratava de uma previsão de crédito fiscal para o final do ano ou mesmo uma promessa. Nunca foi essa a intenção do Governo".
Não foi, mas pareceu. Existe algum mérito com certeza em reconhecer os erros. Mas este de Paulo Núncio vem tarde e a más horas. Não se tratou apenas de poder eventualmente ter condicionado, com base numa informação parcial e incerta, o andamento da campanha eleitoral. Tratou-se de poder ter sido criada a expectativa errada de que iria haver dinheiro extra a receber no final do ano, o que poderá ter levado muitos contribuintes a incluir no seu orçamento familiar uma expectativa de receita que, soube-se ontem, poderá não existir.
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