Terça, 13 Outubro 2015
MOÇAMBIQUE possui uma área total de 801.590 quilómetros quadrados, dos quais mais de 90 por cento são constituídos por terras cultiváveis, o que quer dizer que também podem ser habitáveis para os mais de 24 milhões de cidadãos, dependendo das circunstâncias.
Há dias, o Conselho Municipal da Cidade da Matola foi tema nos mais variados espaços noticiosos devido a um grupo de famílias que se instalou numa zona completamente inabitável, o que constitui um autêntico atentado à saúde pública, por causa das péssimas condições de saneamento existentes no local.
Este foi apenas um dos pontos de ruptura, dentre vários que podem ser encontrados em todo território municipal.
Trata-se do chamado bairro Magude, que compreende parte de dois bairros dos municípios da Matola e Maputo, junto à portagem, nomeadamente Trevo e Luís Cabral, respectivamente, onde cidadãos que recorrem à desculpa da falta de espaço encontram ali uma solução para construir as suas casas sem se preocuparem com as consequências.
O mais caricato é que mesmo debaixo das placas que indicam as zonas de risco, colocadas pelas autoridades municipais em parceria com o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), proibindo liminarmente a sua ocupação, por não serem próprias para habitação, as pessoas teimam em erguer as suas cabanas.
Como estas, existem na Matola muitas outras pessoas que ocupam linhas de escoamento das águas pluviais e as bacias que têm a função de amortecimento das fortes correntes que se formam nos dias de chuva abundante, o que propicia o surgimento de inundações que afectam milhares de cidadãos.
Recentemente, o Fórum Nacional de Previsão Climática anunciou a previsão climática sazonal referente ao período 2015/2016, um instrumento que fornece indicadores de base sobre o comportamento hidrológico nos últimos três meses deste ano e os primeiros três de 2016.
Esta informação é direccionada a todos os cidadãos que querem viver seguros e de forma definitiva, para além de ser um instrumento de gestão que deve ser levado em conta tanto pelas autoridades como pelas comunidades na planificação das suas actividades.
Serve também para fundamentar determinadas decisões administrativas que devem ser tomadas a tempo de evitar, por exemplo, que as chuvas que caem anual e ciclicamente em época própria continuem a ser motivo de preocupação colectiva devido aos danos que invariavelmente causam à sua passagem.
Há bem pouco tempo o Executivo da Matola iniciou um programa de capacitação dos secretários de bairro e chefes de quarteirão sobre matérias de gestão do solo urbano e demais posturas, o que pode vir a mudar o cenário em que estes elementos da administração local são apontados como sendo os mentores da ocupação de áreas sem condições de habitabilidade, nalguns casos em troca de valores monetários.
Com uma população estimada em 672.508 habitantes, segundo o último senso de 2007, o município da Matola ocupa uma área de 373 quilómetros quadrados, correspondendo a uma densidade populacional de 5546 habitantes por quilómetro quadrado, distribuídos por 42 bairros dos três postos administrativos.
Nestes bairros podemos encontrar três zonas distintas, nomeadamente, urbana, peri-urbana e rural, o que deixa claro que na Matola existe muito espaço habitável para dar lugar ao nascimento de muitos bairros de expansão, não havendo justificação nenhuma para a ocupação de áreas impróprias.
Fazendo jus a isso, muitos bairros habitacionais estão a surgir, uns por iniciativa individual dos munícipes, outros por reassentamentos para dar lugar a diversos projectos de desenvolvimento. O facto de fazer fronteira com os distritos de Moamba, Marracuene, Boane e cidade de Maputo leva alguns munícipes da Matola a emigrarem para essas áreas, deixando ainda mais espaço para habitar, mesmo admitindo que outras pessoas são atraídas pelo seu rápido crescimento.
Importa recordar também que para dar lugar à construção da Estrada Nacional Número Quatro (EN4), que constitui o Corredor de Desenvolvimento de Maputo, ligando o Porto de Maputo à zona industrial de Witbank, na África do Sul, a Trans Africa Concession (TRAC), em coordenação com o Governo moçambicano, representado pela Administração Nacional de Estradas (ANE), reassentou famílias que se encontravam no traçado da via e muitas outras foram indemnizadas.
As primeiras 71 famílias foram transferidas no último trimestre de 1998 para Machava-Socimol, numa altura em que estavam em curso obras para acolher outras 161, provenientes de diversos pontos que compreendiam o traçado daquela auto-estrada.
No total foram construídas nesse período 700 casas, sendo 200 em Magoanine, para albergar residentes que se encontravam do lado da cidade de Maputo e 500 no quilómetro 15, na Matola, destinadas aos residentes do lado da província de Maputo.
Na altura, os residentes do bairro Magude reconheceram que deviam sair da zona para dar lugar aos trabalhos da estrada, mas, passados aproximadamente 20 anos, retornaram às antigas casas ou arrendaram-nas, para além de novos residentes que vão aparecendo à luz de negócios menos claros que ocorrem diariamente.
SURGIMENTO DO BAIRRO MAGUDE
Esta zona pantanosa que deu lugar ao chamado bairro Magude ganhou forma nos princípios da década de 1980, quando a guerra de desestabilização se acentuou em diversos lugares na província de Maputo, tendo chegado a albergar nessa altura mais de 300 famílias, com maior destaque para pessoas provenientes do distrito de Magude, um dos mais afectados pelo conflito armado.
A partir daí, o bairro foi crescendo sem obedecer nenhuma regra por parte dos deslocados de guerra que chegavam a todo o momento em busca de segurança. Outros residentes de zonas vizinhas procuravam também um lugar para erguer uma casa, o que foi acontecendo obedecendo apenas a lei da anarquia.
Depois das cheias de 1990, algumas pessoas foram forçadas a sair para outros lugares, mas logo que as águas baixaram voltaram em busca de segurança devido ao conflito armado. Terminada a guerra em 1992, algumas famílias abandonaram o local, voluntariamente, mas a maioria resistiu, apesar das grandes dificuldades enfrentadas na época de chuvas intensas que fazem transbordar o rio Mulauza, que separa as cidades de Maputo e Matola.
Os quintais ficam alagados, o mesmo acontecendo em dias de maré alta, porque a zona é de respiração da baía de Maputo.
As doenças e, consequentemente, as mortes passaram a ser frequentes com a concentração de pessoas, aliadas à formação de charcos, habitat propício para os mosquitos causadores da malária.
Mesmo com o fim da guerra, a incerteza manteve-se em relação à segurança nas zonas de origem, o que levou as pessoas a permanecerem no local e o Estado foi criando certas condições, incluindo a instalação de escolas para as crianças, até que veio o projecto de construção da EN4 nos finais de 1997 e início de 1998.
Assim começaram as movimentações de famílias que permitiram o nascimento de muitas áreas residenciais na cidade de Maputo e Matola, como é o caso de Magoanine, Matola-Gare, CMC, Nkobe, entre outras, para dar lugar às obras da própria estrada e da portagem que começaram a ganhar forma nos princípios de 1999.
A indefinição depois deste processo causou a reocupação dos lugares outrora evacuados e deixou-se que as famílias retiradas retornassem, arrastando outras que estão a aparecer nos últimos tempos.
Muitos dizem que vivem na zona há menos de cinco anos, o que leva a crer que nunca se deixou de repovoar aquele e outros lugares que são muitos na Matola com as mesmas condições. Pode-se apontar os exemplos da zona da Coca-Cola, baixas da Matola “A”, bacias da Liberdade e Nkobe, entre outros cantos, uma situação que podia ter sido evitada com medidas administrativas apropriadas.
Já nessa altura, a imprensa chamou à atenção para o facto de estes lugares voltarem a ser ocupados se as autoridades não tomassem medidas claras para impedir que tal acontecesse. E como as pessoas sabem que sempre que chove serão acomodadas e depois reassentadas em zonas seguras com direito a um talhão e algum material, ficam encorajadas a enveredarem pelo incorrecto.
OCUPAÇÃO DAS BACIAS UM PROBLEMA PROTELADO
EM diversas zonas da Matola encontramos ocupações que provocam grandes problemas ambientais e dificultam o saneamento do meio. São áreas que os próprios ocupantes reconhecem que não oferecem condições de habitabilidade porque nem permitem construir uma latrina.
Estamos a falar de construções que surgem diariamente em linhas e bacias naturais de retenção e de amortecimento das águas em bairros como Nkobe, Liberdade, Matola-Gare e Fomento, só para citar alguns exemplos, limitando o escoamento de água em dias de chuva abundante, o que provoca enormes transtornos.
Estas ocupações acontecem natural e despreocupadamente como se de um acto normal se tratasse, sob o olhar impávido e sereno das autoridades municipais.
São bacias de retenção as que se encontram em zonas baixas e recebem as águas de todos os lados sem nenhuma saída, permanecendo por muito tempo até que se verifique a infiltração natural no solo ou por via de evaporação.
As bacias de amortecimento servem para diminuir a força das águas pluviais no seu curso normal de escoamento superficial em direcção ao mar, e no fim da época chuvosa vão libertando aos poucos a água e podem levar mais ou menos tempo até secarem.
Estas bacias podem ser naturais ou artificiais. Em caso de artificiais, feitas de betão, depois das chuvas as águas retidas são bombeadas para o mar. No nosso caso, as bacias são naturais e desempenham um papel muito importante no controlo das inundações, mas neste momento estão a ser invadidas, o que contribui para complicar o sistema de saneamento de muitos bairros da Matola.
As chuvas ocorridas nos meses de Outubro de 2012 a Janeiro de 2013 vieram demonstrar a fragilidade das estruturas de drenagem no bairro Nkobe, onde vastas áreas estiveram inundadas, provocando consequências incalculáveis de danos materiais.
Neste bairro encontramos ocupações legais e ilegais, onde mesmo as consideradas legalmente atribuídas são postas em causa, para além das zonas de ocupação espontânea e/ou irregular e as bacias.
Dados disponíveis indicam que nas zonas parceladas começaram a emergir construções tipo vivenda em alvenaria acabadas ou dependências, onde na maioria dos casos existem ruas não pavimentadas com uma largura de cerca de 6/8 metros, quando o mínimo recomendável é de 10 metros.
Também existem zonas de ocupação irregular com edificações em material convencional e implantadas de forma desordenada, embora em alguns casos até possuem DUAT. Neste bairro, verifica-se também a ocupação das bacias com as zonas parceladas, cujos proprietários nem sequer poderão efectivamente ocupá-las por estarem localizadas sobre áreas de natural concentração das águas.
Estas bacias já parceladas são destino final ou temporário das águas pluviais de passagem para o rio Matola, constituindo uma linha de água de ligação ao mar e se efectivamente ocupar-se esta zona o bairro Nkobe fica sem saída para as águas, condenando a população local a viver ciclicamente com as inundações.
ISAÍAS MUTHIMBA




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