C- Moçambique na atualidade - Em pé de guerra outra vez (Jun. 2012 / Set. 2014).
Moçambique em pé de guerra, é o que resumirei em poucas linhas e muitos elos (links) remissivos, já que pelo Brasil o mutismo da imprensa sobre esta pauta parece indicar que o tema é, por aqui, destinado a cegos, surdos e mudos, pois África - em que pese o exotismo que exerce algum apelo por cá -, é pobre, primitiva e remota, estereótipos reducionistas prevalecentes. Por isso as atenções massificadas dos habitantes das terras brasismais se voltam, geopolítica e ludicamente, não sem deslumbramento e pasmo pela eficiência institucional e ordem social, para o eldorado do continente americano, sobretudo para os cenários do poder que emana de Washington, os recreios da Disney e o consumismo grato às pechinchas de Nova Iorque.
A irmandade lusófona é algo sublime mas, está visto, enreda-se na percepção do abstrato, do inerme e, ao que parece, das formalidades enfatuadas e homenagens estéreis ou do burocratismo maçante e até maningue chato.
A lusofonia, como causa agregadora de identidades e aglutinadora de solidariedade, mundo afora, parece mais fazer sentido para os utópicos e alguns poucos que na academia se originam ou ali se assentam. Menos bissextos que estes são os que nela reparam quando se apresenta como oportunidade e alternativa vantajosa para aliciar mercados de cooperação, de investimento e consumo, quase sempre permissivos e propositalmente vulneráveis, pela apetência de lucros fáceis pelo jabaculé: as comissões, de polpudos saguates, para saciar a venalidade voraz. Isto para além, claro está, dos que se desdobram, com o pires na mão, a pretexto de angariarem recursos para as nobres causas nacionais e as mazelas sociais expostas com crueza e ênfase, locupletando-se, não raro, da maior parte deles, em filantropia a proveito próprio.
Entretanto, na paradisíaca mas longínqua costa oriental de África, o Índico continua a lamber as feridas ainda abertas em Moçambique, desde as duas guerras (ya maputukesi, ya dhoropa) que no século XX dilaceraram aquele país, mormente a civil que se seguiu à desastrada descolonização, apressada e sovieticamente monocórdia, conduzida por Portugal na sequência do Abril de 1974 .
Pois foi no que ali deu a outorga dos destinos da nova nação a um só grupo político-militar, a Frelimo, então submisso e alinhado - como a seu modo chegou a ser Portugal -, à União Soviética: um confronto armado - fratricida, sanguinário e dissipador de preciosos e escassos recursos econômicos e financeiros -, no enfrentamento da Renamo - outro grupo político-militar -, deixando um rastro lancinante e purulento de 1 milhão de cadáveres, machambas de minas terrestres, que ainda hoje mutilam e matam muita gente, e uma multidão de refugiados e párias, que até o presente - embora já tivesse sido pior em passado recente - modelam a realidade de carência e infortúnio das populações moçambicanas. (Não deixe de ler o documento "Descolonização e o 25 de Abril", acostado ao tópico "Jornalismo em tempos arestosos: Moçambique e Portugal."
Após 16 anos, a guerra civil moçambicana teve o seu termo em 1992, pelo Acordo Geral de Paz assinado em Roma por Joaquim Chissano (Frelimo) e Afonso Dhlakama (Renamo), com a mediação da Igreja Católica, a qual chegou a ser nacionalizada, reduzida que foi à obediência e submissão extremada ao fundamentalismo dos dogmas marxistas-leninistas naqueles tempos impostos pela Frelimo em Moçambique.
Com a derrocada da União Soviética, em 1991, novos modelos de governança se impunham aos Estados Nacionais que antes se assentavam numa ou noutra trincheira dos dois blocos imanentes ao período da Guerra Fria: a democracia, nos moldes ocidentais, passou a ser adotada, após isso e para alguns na amarra, como padrão. E esta concebe-se, por um de seus vieses, pela representação popular através de múltiplos partidos políticos, que, por vezes, se coligam e alternam na condução dos destinos dos respectivos países.
Moçambique e a então exaurida Frelimo, qual hidra sobrevivente, de muitos artifícios e múltiplas faces, alinharam-se aos novos ventos e paradigmas. Contudo, só em parte, já que alternância de poder não é coisa por lá bem vista e muito menos quista.No mais, o modelo de democracia pluripartidária, com precariedades e adaptações idiossincráticas, na aparência fática é o sistema que ali vige. Não obstante, a Frelimo detém, desde a independência - Julho de 1975 -, o controle absoluto das rédeas do poder central, ajustando, desde sempre, as regras e os resultados dos pleitos eleitorais -, que depois passaram a realizar-se rotineiramente, para se manter a fachada democrática -, às suas conveniências de manutenção do poder.
A gota de água que transbordou os novos confrontos em Moçambique, entre a Frelimo e a Renamo, ameaçando a eclosão de outra guerra civil generalizada, foi a das eleições autárquicas de 2013. A Renamo recusou-se a participar delas, denunciando a farsa e as fraudes renitentes urdidas pela Frelimo. E Afonso Dhlakama, líder da Renamo, começou a ser caçado como proscrito, sendo atacado em suas terras pelas forças governamentais de Moçambique, ao que passou a responder com incursões de guerrilha em territórios nos quais suas milícias mantêm presença . Por isso há quem defenda, nos quadros da Frelimo, a sua eliminação física, tal como ocorreu em Angola com Jonas Savimbi, em 22 de fevereiro de 2002 . A lógica cosa nostra, de eliminação de rivais, é prática recorrente a que, desde há muito, lançam mão os líderes jurássicos da Frelimo - os documentos abaixo anexados põem isto às claras -,designadamente Sérgio Vieira, useiro e vezeiro nessa práxis, que agora advoga aplicar-se a Dhlakama, com a aprovação de Armando Emílio Gebuza e sua entourage, para o deleite especulativo dos dislates de alguns outros mais. (Recomenda-se a leitura, em documento abaixo anexado, da entrevista concedida, ao jornal Savana, pelo general Mariano de Araújo Matsinhe - que chefiou, depois de Sérgio Vieira, a SNASP (Serviço Nacional de Segurança Popular). a polícia política moçambicana criada por Machel -, onde afirma que "na Frelimo era norma fuzilar").
Neste entremeio, desmandos, atrocidades e ataques de guerrilha vitimam as populações moçambicanas, os estrangeiros lá residentes, levando total insegurança às rodovias e ferrovias, como vem ocorrendo em Nampula, ao norte, em Sofala, ao centro, e noutras regiões onde a Frelimo e a Renamo seconfrontam, enquanto em Maputo, a capital, prosseguem as arrastadas conversações para se alcançar o cessar-fogo, menos por vontade própria e mais para se atender o big boss, contando-se, para tanto, com a presença de observadores internacionais, muitos embates eimpasses bipolares de negação da alteridade.
Não promete ser de bonança o futuro de Moçambique, diante do acirramento dos confrontos militares protagonizados pela Frelimo (veja também o comunicado da Renamo, de 5 de março de 2014, abaixo anexado). Acrescem-se a este quadro turbulento as dissensões políticas açuladas pelo nome indicado, pelo governo moçambicano, para candidato da situação às próximas eleições presidenciais de 15 de outubro de 2014 - Filipe Jacinto Nyusi, o último ministro da Defesa -, em substituição de Armando Gebuza, com o objetivo de perpetuar a estiolada Frelimo no poder, que ocupa há 39 anos ininterruptos. A Renamo, por seu lado, insiste no nome de Dhlakama como candidato à presidência da República de Moçambique, tendo já se recenseado. E completa-se a lista a esta corrida eleitoral com outro participante: Daviz Simango, dissidente da Renamo, líder do MDM, filho de um dos muitos mártires do barbarismo e da maquiavélica autofagia da Frelimo, Uria Simango.
Adendo:
A propósito de todos estes e outros deploráveis exemplos que nos dão as ególatras lideranças políticas moçambicanas, e não só, pois no espaço lusófono sobram modelos de malversação do sistema democrático, que agudizam as crises políticas e econômicas que o afetam atualmente - haja vista o que vem ocorrendo presentemente em Portugal e no Brasil -, cabe transcrever o que disse José Mujica (El Pepe), presidente do Uruguai, líder sul-americano que desponta por sua postura de austeridade, audácia, humanismo e visão de vanguarda do mundo, em recente entrevista concedida ao jornal O Globo (aqui): "(...) As repúblicas não vieram ao mundo para estabelecer novas cortes: nasceram para dizer que todos somos iguais. E entre os iguais estão os governantes. Têm uma responsabilidade implícita, e penso que devem viver de forma bastante similar à maioria do seu povo. Têm de tentar representar a maioria desse povo e não devem deixar os resquícios de feudalismo e monarquia dentro da república. Na república, ninguém é mais que ninguém, começando pelo governante. Por faltar esta visão, muitíssima gente, especialmente os jovens, não crê na política. A política não pode ser máfia e tem limitações. Se os cidadãos não creem na ética da política, também não vão perdoar os erros humanos que inevitavelmente estamos fadados a cometer (...)".
Os líderes moçambicanos bem que podiam também espelhar-se (já é tempo!) nos exemplos legados porNelson Mandela, que extraiu preciosas lições de suas provações, das de seu povo e das nações circundantes, tendo a lucidez, bem como a coragem política e a grandeza moral, de não repetir na África do Sul os mesmos erros de rancor, de opressão, de impostura, de oportunismo às canhas e cobiça atávica - assurgentes e há muito institucionalizados na quase totalidade dos estados vizinhos ao seu país, em que pese os desvios e a contaminação também atualmente constatados na RSA -, balizado nos princípios éticos do humanismo africano Ubuntu: sou o que sou pelo que nós somos...(Carlos Alberto Didier - 24/02/2014 e atualizações até 18/09/2014 - Veja-se a Nota 5).
Notas de Carlos Didier:
(1) No texto as palavras destacadas e sublinhadas remetem a fontes elucidativas, para respaldo e complemento informativo. Para a estas se ter acesso basta clicar sobre a palavra que uma nova janela se abrirá com seu conteúdo explanador. Em prol do humor, que muitas vezes permeia até as tragédias, destaque-se o burlesco para se mitigar o fardo do abatimento que se apodera de quem as vivencia ou assiste. É por isso que recomendo que se veja o vídeo do link associado à palavra boss, que foi acima grafada, atentando-se às imagens de seu início.
(2) O meu kanimambo a João Cabrita, historiador e escritor, por sua extrema gentileza de me municiar de notícias e informações sobre o que se passa atualmente em Moçambique.
(3) Para além dos desenhos que compulsivamente rabisco, a música e a poesia - sobretudo as dos outros, já que para estas últimas me faltam destreza e talento consistente -, permitem-me expressar sentimentos genuínos, mesmo correndo o risco de resvalar pelo pueril cafona e o meloso da pieguice. Mas que importa quando há sinceridade?
De Costa Neto, cantor e compositor moçambicano, abaixo registro o refrão da melodia encapsulada no vídeo adiante inserido. Convido a quem me leia a ouvi-la e comigo fazer coro votivo por Moçambique - (Aku rhula kutave kona, lita yandza tiko leli) -, que uma vez mais se esgarça pelos grotescos apegos venais e pelas sanguinárias ambições de poder de umas dúzias de don, consigliere e caporegime, que de novo se engalfinham. Vale aqui remeter à estrutura hierárquica da cosa nostra, a máfia italiana, já que foi em Roma, em 4 de outubro de 1992, que a Frelimo e a Renamo se beijaram nas faces, fazendo mútuas juras de paz. E embora esta não lhes seja conveniente aos propósitos atuais, pelos ecos que de lá se fazem ouvir é por paz, progresso e ausência de aferrado déficit democrático - pela não efetivação de uma verdadeira alternância pacífica de poder -, que anseia a nação moçambicana, ao invés de outra guerra fratricida.
(...)
“Ainda verei o sol nascer
Ainda verei o céu se abrir
Só por ti, oh terra amada,
Iluminando nossas vidas.”
(...)
(4) O Moçambique edênico mostrado na televisão brasileira, sem referências às anomias e aos conflitos armados que o abalam presentemente, para além da , que até se permite e ousa abater à bala, à luz do dia, na via pública e a poucos metros de delegacia policial, membro do poder judiciário - , juiz de instrução criminal do Tribunal Judicial -
(5) O consenso para se por termo aos confrontos entre a Frelimo e a Renamo foi, enfim, anunciado no passado dia 5 de agosto do corrente ano, conforme noticiado pelo "Verdade"
(aqui
). A ele seguiu-se norma legal para anistiar os que se envolveram nos confrontos que tiveram início em junho de 2012, aprovada pelo parlamento moçambicano em 13 de agosto de 2014
(aqui
2014
, já que não foi possível demover-se Afonso Dhlakama, líder da Renamo,
). A assinatura deste pacto de paz, por representantes de segundo escalão daqueles dois partidos, teve lugar no dia 24 de agosto
a sair de seu refúgio na Gorongosa para se deslocar até à capital moçambicana e ali subscrever o referido acordo, sob a alegação de saber que sua vida corria riscos se assim procedesse e por temer que algo pudesse ser tramado como ocorreu com o seu porta-voz António Muchanga
.
Entretanto,
(aqui
). Enquanto isso, o papel desempenhado por Gebuza, líder da Frelimo e presidente de Moçambique, é analisado por Vitor Igreja, docente da Queensland University da Austrália, como responsável por "uma governação que somente serviu para fomentar a discriminação, a exclusão social, da Renamo e de outros autores políticos da oposição ..."
.
Como na maioria dos palcos políticos o contorcionismo, a imprevisibilidade e as posições de ontem raramente guardam coerência com as de amanhã, assim também Guebuza e
aqui
).
A chegada de Dhlakama a Maputo e a recepção popular de que foi alvo é objeto de reportagem do Canalmoz, de 5 de setembro de 2014, abaixo anexada sob o título; "Dhlakama Regessa a Maputo". As assinaturas de Guebuza e Dhlakama que ratificam o acordo de paz entre a Renamo e Frelimo decorreu em ato testemunhado por muitos representantes de governos estrangeiros e de diplomatas credenciados em Moçambique
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