sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Desarmamento

Se Afonso Dhlakama está hoje vivo e de saúde, isso se deve, sem margem para dúvidas, à sua guarda pessoal, eficiente e disciplinada. Sem ela, teria sido morto nas duas emboscadas que sofreu na província de Manica, executadas ainda hoje não se sabe bem por quem. Embora se suspeite... Igualmente, na Beira, se a sua guarda não fosse disciplinada, acatando a ordem de não disparar, Dhlakama teria sido abatido. Hoje essa guarda foi desarmada. Se aqueles “desconhecidos” homens armados, que fizeram as emboscadas, atacarem de novo não haverá quem defenda Dhlakama. E lá teremos os papagaios do costume a dizer que foram divergências internas da Renamo. E que a vida tem que continuar... A segunda emboscada foi a 25 de Setembro. Quase parece que foi para embelezar o bolo festivo de alguém com a cereja sangrenta que seria a cabeça de Afonso Dhlakama. Só que falhou, como estão a falhar todas essas tentativas. E isto está a conduzir-nos para uma situação em que Filipe Nyusi ou se livra dos seus mentores militaristas ou vai acabar como um fantoche de um guebuzismo nórdico, talvez maconde. E, quando chegar o momento do ajuste de contas, vai aparecer sozinho a ser acusado, porque os demais desapareceram na paisagem, entre os imbondeiros e os cifrões. A pessoa Filipe Nyusi é-me simpática. Creio que podia ser uma solução para este momento. Mas Filipe Nyusi no meio da floresta frelimista não é solução para coisa nenhuma. É um agravar do cancro que nos corrói, agravado desde que AEG tomou o poder há 10 anos. Espero que não consigam matar Dhlakama, nem fisicamente nem humilhando-o. Longe de ser o meu político moçambicano preferido, tem-se mostrado um homem da Paz muito para além do que me parece exigível. E eu diria que é tempo de enterrar (figuradamente) os donos dos últimos 40 anos nos seus actuais benefícios, afastando- -os dos circuitos do poder. Eles, os filhos, os netos e os primos afastados. Toda essa camarilha.

Novas vagas
Coincidência ou não, a verdade é que a cidade de Maputo sofreu (e ainda sofre) graves restrições de energia eléctrica logo após o segundo desfile de tiros entre a Renamo e as forças governamentais, danificando ainda mais as relações entre ambos. No dia seguinte ao indesejável episódio ficamos sem corrente nas tomadas, convencidos que no final do dia estaria tudo resolvido. Quando o sol se pós fomos cobertos pela escuridão. Infelizmente, como que a ecoar, tivemos no segundo dia uma espécie de reedição do primeiro. Ao terceiro e quarto dias, na sequência da manutenção da “situação”, mas com a gravidade progressivamente em queda, começamos a perceber que a reposição total da normalidade levaria cerca de mês e meio. Tanto tempo, tanta ansiedade!  Ora bem, a questão da energia eléctrica é crucial para qualquer cidade ou vila dependente da mesma. Não pode ser negligenciada sob nenhum pretexto. A cidade de Maputo não escapa a essa regra. Nos poucos lugares onde a corrente eléctrica criava ou cria alguma satisfação, deu para acompanhar, pela televisão, não só o desespero dos clientes da Electricidade de Moçambique como também, em geral, o quotidiano moçambicano. É que o sumiço da corrente eléctrica está associado aos problemas de fornecimento de água. Sem água, como sempre se repete, não há vida. Uma cidade sem vida transforma-se numa “cidade fantasma”. Torna-se desagradável e multiplicam-se paulatinamente os focos que se podem constituir em potencial atentado à saúde pública ou mesmo à segurança pública. A vaga de calor, associada ao problema de fornecimento de energia eléctrica, contribuiu para que muitos optassem por um bom mergulho nas nossas praias. Um mergulho que funcionou como uma boa receita para esquecer a nossa paz-podre, esquecer como o whatsapp pode fazer emergir “verdades inconvenientes” no palco de conflitos político-militares, receita para relembrar que um debate político é tempo perdido quando nele só está uma única corrente de opinião borbulhando os seus desesperos, …esquecer, enfim, que há muita ironia na fervura da paz. Mas agora já não é só a “situação” da energia eléctrica, da paz e/ou “guerra” e das vagas de calor e de deterioração deste e daquele alimento, é também a “situação” da vaga de subidas de preços tsunamizados pelo dólar norte-americano e outros factores. Os impactos, esses, poderão ser minimizados pela folga que cada um conseguir criar no processo do “apertar do cinto”. Cá entre nós: a vaga da “suposta” derrapagem do metical está a deixar bastante febril a economia moçambicana, está a obrigar-nos a reapertar um cinto que já não oferece novas oportunidades e que, por isso, deve ter um outro nome; está a (re)enervar quem tinha na sobrevivência uma prática diária. Como reequacionar a questão da sobrevivência do cidadão comum que luta incansavelmente por conquistar o lugar de digno cidadão neste ambiente crescentemente severo? Como parar esta subida surda, cega e galopante do custo de vida? Resta- -nos sempre, por detrás de uma lágrima, uma nova vaga de esperança por atracar.

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