Jorge Dias
A multiculturalidade é um dos traços da obra de Jorge Dias, artista que, no seu ofício, manifesta a vontade de ser um cidadão do mundo. Para Dias, um dos problemas que os artistas moçambicanos devem combater é o coleccionismo conservador.
É um artista plástico muito conhecido no país. Qual é o seu projecto com as artes plásticas?
Esta é uma pergunta que de certo modo me coloca numa situação constrangedora. Por muitos anos, depois da min h a formação, estava voltado à produção da arte, naquela coisa romântica de ser pintor, e isso implicava estarmos focados naquilo que fazíamos sem olharmos para a transversalidade da arte e para o que a arte representa para a sociedade de hoje. Ao longo deste percurso, comecei a encarar a arte como um projecto diferente daquela ideia de ser artista e produzir as ditas grandes obras que muito atrai os jovens artistas. Portanto, o meu projecto neste campo vai para além do que sou como artista plástico. Preocupa-me perceber como é que me insiro nesta sociedade e que perguntas vou colocar a esta sociedade que me traz muitas questões identitárias, existenciais e sociais.
Uma das suas obras é intitulada Lugares de Passagem. Que lugares são esses?
São os lugares que pisamos, os sítios em que nos encontramos, principalmente. Esta exposição, que reúne 24 trabalhos, reflecte sobre questões que colocam conceitos cruzados. É um depósito de matérias e de conhecimento, um espaço de encontro de conceitos da vida e das fronteiras da própria arte.
A sua obra conduz-nos a várias culturas. Pretende ser autor do mundo?
Aqui está uma pergunta que me estimula muito reflectir sobre ela. Muitas vezes, nós negamos ser cidadãos do mundo, preferimos ser cidadãos da nossa terra. Gosto de estar em territórios culturais, geográficos e até temporais diferentes do que vivo no meu dia-a-dia. Ter vivido alguns anos no Rio de Janeiro e ter absorvido da multiculturalidade que este país nos oferece; ter vivido em Moçambique, inserido numa comunidade timorense e crescido numa família mestiça; ter à volta de mim uma pluralidade de experiências culturais, desde a escola primária, potenciou-me muito nesse sentido. A arte contemporânea em Moçambique, desculpem-me os mais conservadores, tem que responder à multiculturalidade, porque o país não possui uma só cultura.
A heterogeneidade é um dos traços da sua arte. Nela encontramos a pintura, escultura e instalação. Porquê esta opção?
O meu primeiro trabalho foi com cerâmica e pintura, durante quase 10 anos. Entre 1999 e 2003, a pintura deixou de fazer parte do meu vocabulário como minha ferramenta de trabalho, porque já não conseguia dizer o que pretendia com esse suporte da pintura silenciosa. Então, o contacto com os objectos permitiu-me dizer de forma mais imediata o que pretendo. Por isso, abracei a assemblagem e a escultura, pois, assim, o plano deixa de ser plano e passa a ser tridimensional.
Qual é o papel das artes plásticas na reconstrução de um determinado tempo e espaço, se bem que tem tal importância?
Ao longo da história, as artes plásticas foram sempre empurradas para este papel, porque sempre houve mecenas e políticos a responsabilizar o artista a fazer o retrato das sociedades. Moçambique não passou à margem disso. Se formos visitar a exposição permanente no Museu Nacional de Arte, podemos ver a história deste país que vai até aos anos 80. De lá para cá, a história está fragmentada.
Lida com muitos artistas jovens e consagrados. Como avalia as artes plásticas moçambicanas no presente?
Nós vivemos num país complexo, no que diz respeito às artes plásticas – falta-nos um pouco de tudo. Numa conversa com a Dra. Alda Costa, ela disse que é como se estivéssemos num jogo de xadrez com menos peças no tabuleiro e termos de jogar de igual com um adversário que tem as peças completas. Por exemplo, faltam-nos galerias comerciais. O nosso Museu Nacional de Arte tem alguma limitação na legitimidade da circulação da arte a nível internacional. Faltam instituições superiores neste ramo e marchais em maior número. Outra coisa: este país tem um problema sério de olhar para o mundo de uma forma muito voltada para as escalas, para a moldura e para o desenho, o que não estimula as praticas modernas. O coleccionismo conservador é limitado, sem falarmos da ausência da crítica.
Em algum momento da sua carreira, a sua obra era entendida como africana pelos brasileiros e como brasileira pelos moçambicanos. Como foi estar entre estes dois pólos conceptuais?
Fez-me confusão, de alguma maneira. Mas isso aconteceu porque nós temos muitos muros ainda. Como o nosso horizonte é limitado, qualquer coisa nova que aparece atribuímos-lhe estrangeirismos. Fui influenciado por moçambicanos, brasileiros e portugueses, porque não pretendo ter um trabalho ligado às raízes e à ancestralidade. De forma alguma. O meu trabalho tem que estar ligado à actualidade.
Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?
Há várias… Chicane, Mucavel, Reinata, Gemuce e Anésia Manjate.
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