O veterano da FRELIMO dá sinais de querer ter ainda uma palavra a dizer na governação do país e na gestão dos recursos naturais. Filipe Nyusi, o novo Presidente moçambicano, é um dos exemplos mais visíveis da sua marca.
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Alberto Chipande pode ser considerado um “dinossauro” raro na cena política moçambicana. O general na reserva começou por ser conhecido como o autor do primeiro tiro no início da luta armada que a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) desencadeou contra o colonialismo português, em 1964. Uma teoria que entretanto tem sido contestada, até pelos companheiros de luta.
O historiador moçambicano Yussuf Adam deixa claro que provar tal facto é difícil. “Antes tínhamos só o testemunho de Alberto Chipande, mas depois tivemos outros testemunhos de pessoas que estavam na casa do administrador, inclusivamente de um outro comandante da FRELIMO que também dizia que não foi lá que começou”, conta.
Segundo o historiador, Alberto Chipande participou, de facto, nesse ataque, mas “tanto faz se ele foi o homem que deu o primeiro tiro ou não porque na realidade era uma escolha simbólica da FRELIMO declarar o 25 de setembro [de 1964] o início da luta armada.”
“Pequenas questões” que, na opinião de Yussuf Adam, poderão ficar clarificadas quando os arquivos da FRELIMO estiveram “totalmente abertos.”
Destaque político
O certo é que Alberto Chipande se destaca politicamente. Foi ministro da Defesa, é quadro sénior da FRELIMO e membro do Comité Central, para além de conselheiro político do Presidente cessante, Armando Guebuza, desde 2005.
Alberto Chipande também tem influência sobre os antigos combatentes da FRELIMO, seus pares. Liderou os representantes da província de Sofala no Parlamento na legislatura passada.
O diferencial deste general assenta principalmente no passado, como relata Yussuf Adam. “Ele foi para a guerrilha muito novo e começou a participar em várias organizações, como a Sociedade Algodoeira Africana de Moçambique nos anos 50/60. Era professor numa missão católica e depois organizou uma cooperativa”, recorda.
O historiador lembra ainda que Chipande, um nacionalista, “não estava de acordo com o sistema colonial e achou que a melhor maneira de combater esse sistema e mudar a situação era ir para a guerra.” Tornou-se, então, um quadro da FRELIMO, partido onde se mantém até hoje.
Influência sobre Nyusi
Este homem não é apenas um símbolo histórico. Ainda é activo e bastante influente no seu partido. Foi também graças ao apoio de Alberto Chipande que Filipe Nyusi foi escolhido como o candidado da FRELIMO para as eleições de outubro passado. É visto como mentor do novo inquilino da Ponta Vermelha, que tal como ele nasceu na província nortenha de Cabo Delgado.
Em que medida o crescente poder deste general pode influenciar a governação de Moçambique? Que influência poderá ter Alberto Chipande sobre o novo Presidente Filipe Nyusi? O que se diz no país “em relação ao peso de Chipande sobre Nyusi é que, de facto, ele vai ter um peso enorme”, responde Marcelo Mosse,jornalista moçambicano que segue atentamente o xadrez político local.
Recentemente, no jantar de aniversário de Chipande, “ele foi muito claro em mostrar que chegou a sua vez”, conta o jornalista. “A sua vez de dominar a política em Moçambique, a sua vez de dominar os negócios. Como se sabe, a política e os negócios em Moçambique andam de mãos dadas.”
Por isso, considera Marcelo Mosse, “espera-se que, de facto, haja uma influência enorme de Chipande, embora também seja subjetivo o facto de Nyusi ter sido aceite como candidato.” Segundo o jornalista, “houve um acordo entre as três alas. Nyusi é produto de um acordo entre Armando Guebuza, Joaquim Chissano e Alberto Chipande”.
Homem de negócios do norte
Alberto Chipande também ganhou outra fama nos últimos anos: a de homem de negócios ou “general do norte”. Não só porque foi em Cabo Delgado onde nasceu, em 1942, mas porque tem interesses em vários investimentos nesta província nortenha, incluindo na área de hidrocarbonetos.
Cabo Delgado é considerado um dos maiores pólos de desenvolvimento do país por causa das suas reservas de gás natural, umas das dez maiores do mundo.
A crescente visibilidade do general na cena económica está associada a isso. Em que se pode transformar esta figura dado o seu crescente poder político e económico? “Aquilo a que vamos assistir nos próximos meses é a uma reconfiguração de poder não só ao nível da política doméstica, mas também no controle dos negócios do Estado”, antevê Marcelo Mosse.
“Nos últimos dez anos tivemos a família Guebuza no topo dos negócios públicos. E a transição que se está a verificar agora significa também uma transição na dominação dos negócios do Estado”, defende.
Conflito de interesses com Guebuza?
Entretanto, o Presidente cessante também tem os seus interesses económicos. Tal como Chipande, Armando Guebuza apoiou a candidatura de Filipe Nyusi, que é visto como seu delfim.
Poderá haver conflitos de interesses entre Armando Guebuza e Alberto Chipande? “Sempre houve”, lembra Marcelo Mosse, mas aumentaram, sobretudo agora com os investimentos no sector do gás, “onde há muita necessidade de investimento em logística.”
E dentro deste domínio, “há clivagens que resultam de interesses económicos, de luta por benefícios económicos.”
Por isso, o jornalista conclui que nos próximos tempos se vai assistir a “uma diminuição progressiva da influência de Armando Guebuza na determinação dos negócios públicos”.
DW – 23.09.2015
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