OPINIÃO
15/05/2015 - 06:06
Mais um inquérito, mais uma rodada!
Na passado mês de Março, a revista VIP divulgou a existência de um “grupo secreto formado por juízes e procuradores no Facebook” que fazia “piadas sobre José Sócrates”, transcrevendo diversos comentários aí publicados pelos membros do referidos grupo, tais como:
“Da série ‘Quem se mete com o PS, leva’. Basta mesmo! Mas não se esqueçam que o PS vai para o Governo e aí é que vamos ver... Estão ansiosos para nos pôr a pata no pescoço... Daí que quem estiver na ASJP (Associação Sindical dos Juízes Portugueses) e no SMMP (Sindicato dos Magistrados do Ministério Público) tem de ter a força suficiente para os bloquear. Em altura de eleições isto também é uma coisa para nos fazer pensar”. Ou ainda:
“Por estas e por outras é que eu tenho licença de uso e porte... nunca posso ter arma porque em dias como estes iam Claras Ferreiras Alves, Sousas Tavares e no Rato só ficava a porteira...”. Para terminar:
“Que corrupio na cadeia de Évora... Estarão todos com o rabo preso??? Dizem que quem lá vai são os entalados do regime. Se assim é, ainda a procissão vai no adro. E saem todos satisfeitos. Talvez porque se sentem aliviados... por enquanto lol... mas atenção que o homem não se cala. Eu diria apenas: é um sítio in... ‘da moda’... tenho dito! Vêm todos dizer que ele está muito animado (...). Todos os dias vai alguém para dar notícia. Qualquer dia temos apostas da betwin quanto aos dias e personagens que vão à visita...”.
João Araújo, o advogado do ex-primeiro-ministro, já se tinha referido a este grupo do Facebook falando da “garotada que invadiu os tribunais e que se entretém com estas parvoíces, em vez de estar a despachar processos”, mas, desta vez, quem se pronunciou sobre esta idiossincrática actividade comunicacional foi o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), que, no passado dia 14 de Abril, se decidiu por “instaurar um inquérito para averiguação de eventual responsabilidade disciplinar de magistrados do Ministério Público relacionada com comentários publicados no Facebook”.
A decisão não foi unânime, tendo votado a favor da abertura do inquérito oito membros do CSMP e contra cinco membros, entre os quais a procuradora-geral da República. Vai-se, assim, investigar se terá havido violação do dever de reserva que obriga os magistrados do Ministério Público a não “fazer declarações ou comentários sobre processos, salvo, quando superiormente autorizados, para defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo”.
A procuradora-geral da República e os restantes membros do CSMP que votaram contra a abertura do inquérito também censuraram as “lamentáveis” expressões em causa e os eventuais magistrados que as terão escrito no Facebook, mas consideraram que a censura devia ser feita no plano ético-deontológico e não a nível disciplinar, tendo em conta que não havia nas expressões em causa nenhuma referência a processos concretos. No entender dos vencidos, devia-se apostar mais na prevenção: no fundo, na divulgação do bom senso e da contenção como valores a cultivar pelos magistrados do Ministério Público.
A corrente vencedora entendeu que a publicação das expressões em causa violou efectivamente o dever de reserva, pelo que se deve apurar quem “são os autores do referidos comentários e a sua eventual responsabilidade disciplinar, sob pena de se estar a abrir a porta a que este tipo de comportamentos se alastre”. No fundo, também uma preocupação preventiva, embora apostando, desde já, numa vertente repressiva.
Confesso que também me custa ver tanta falta de bom senso da parte dos magistrados ao escreverem esses e outros comentários numa rede social, mas não acredito, igualmente, na reacção disciplinar. Nem na sua legitimidade nem na sua eficácia.
Na sua legitimidade, desde logo porque as expressões em causa não se pronunciam sobre o processo em si. Mas sobretudo porque implicaria uma interpretação muito lata do dever de reserva, face ao exacto teor das afirmações, a que acresce o facto de terem sido produzidas num círculo fechado e sob anonimato. Embora não se possa dizer que estavam a “falar” no âmbito de um círculo íntimo ou familiar onde a liberdade de expressão tem de ser praticamente absoluta sob pena de asfixiarmos a própria liberdade de pensamento, parece-me que havia uma legítima expectativa de que tais afirmações nunca seriam reproduzidas perante terceiros. Sendo certo que as expressões em causa se situam no domínio da opinião e da opinião política onde a liberdade deve ser especialmente protegida.
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