RENAMO -
História de Moçambique
Por José Martins
(Banguecoque)
Fui amigo do Cristina e travamos conhecimento e amizade na cidade da
Beira nos anos 1966. Foi um homem, sério, audaz e amigo do seu
amigo.
Na altura que conheci era proprietário de uma "Agência de
Leilões", na Beira no princípio da Munhava.
Um dia em frente ao estabelecimento estacionou um MGB descapotável,
usado e com uns bons 5 anos de rodagem. Saiu do veículo o Cristina e uma jovem,
de raça negra e de cabelo desfrisado. Não falava português e natural do Malawi.
O Cristina entrou no salão de vendas e desejou comprar um móveis usados, dando
na altura uma entrada e pagaria mais adiante o resto do montante.
Informou-me que o seu patrão era o Eng. Jorge
Jardim. Não houve sequer, de minha parte, uma ponta de dúvida em dar
crédito ao Cristina (que nunca tenha visto antes) e desde logo carreguei as
mobílias que adquiriu e eu próprio na ocasião fui levá-las à sua nova casa.
Numa das salas encontrei pendurada na parede um quadro do Che-Guevara e
legendado com um pensamento do Che que já não me lembro. O Cristina informou-me
qual era a sua missão na altura: junto à fronteira da Malawi e controlar as
actividades de guerrilha da FRELIMO.
Para as suas surtidas de espionagem na mata fazia acompanhar-se de um
jovem de raça negra que não só lhe servia de guia como elo de ligação com gente
da FRELIMO.
Entre a nossa amizade e beber uns copos o Cristina foi me dizendo qual
era o pensamento dele e do Eng. Jorge Jardim em
relação a Moçambique.
Um estado independente e onde pudessem todos os moçambicanos viver em
paz.
O Eng. Jorge Jardim era um homem que
jogava com um "pau de dois bicos". Existia de facto uma amizade entre
ele e o exército português (especial com general Kaulza
de Arriaga), mas coloco em dúvida se essa amizade seria
verdadeira... Ora o Orlando Cristina
(repito um homem extraordinário e uma honestidade incrível sem alimentar
ambições de poder), tinha sido um caçador de caça grossa no Niassa, que depois
o pai (um velhote que conheci) secava a carne e vendia às plantações do chá na
Zambézia.
Quando havia carga para uma camioneta, lá partida o Cristina para
Quelimane entregar a mercadoria; recebido o dinheiro e a junto a ele ninguém
tinha fome ou sede que fosse.
Poder-se-ía considerar um "Robim dos Bosques". Falava todos
os dialectos de Moçambique e enfrentava o elefante de caras e antes de o
abater gritava, a besta carregava sobre ele e uma bala certeira na testa fazia
recuar o animal e caía no solo ferido morte.
Para o propósito do Eng. Jorge Jardim
era o homem certo tanto pela sua audácia como de confiança.
Deixei a cidade da Beira e fui residir na cidade de Tete. Por meses
deixei de ver o Cristina. Os últimos contactos foram de quando juntos e mais um
grupo de civis treinámos o paraquedismo civil, no Aero Club da Beira
(patrocinado pelo Eng. Jardim). Eu apenas fiz 2 dos 10 saltos, dado
que torci um pé.
Por volta de 1967/68 o primeiro acto de terrorismo acontecido no
planalto da Angónia vitimou o cantineiro Taborda (que conheci) e a
mulher. A notícia correu célere em Tete, trazido pelos
camionistas da "picada" e dos cantineiros que se vinham abastecer à
cidade.
Houve consternação, dado que o Taborda era um homem sempre bem disposto
e muito popular não so na Angónia como em Tete. Começa haver a
preocupação entre os cantineiros e camionistas qual seria as consequências no
futuro. O primeiro aviso tinha sido dado.
O grupo da Joana Simião, ainda não tinha começado actuar entre Tete e a
Estima afim de travar o fornecimento de material e víveres para a construção da
barragem de Cabora Bassa.
Viriam depois, com ataques raros mas que causaram mortes a motoristas e
o primeiro seria um dos caminhos de ferro. Passado uns três dias sentava-me
na esplanada do Hotel de Tete, na rua estaciona um Volksvagen e dentro sai
o Cristina o seu guia com roupa e cabelo empoeirado. Mandou-me esperar enquanto
ía tomar banho. Informou-me de onde vinha e o que ali tinha feito. Nada de
concreto sabia quem tinha emboscado o Taborda e a mulher, mas que havia
indícios que tinham sido homens da FRELIMO e que não tardaria o ataques
chegassem às proximidades de Tete. Entretanto o Cristina não estava ligado à
PIDE.
Deixei de ver o Cristina e fui trabalhar para Cabora Bassa; não me
agradou o serviço e fui procurar outro a Lourenço Marques. Dali por ano sigo
para o Distrito de Cabo Delgado: Macomia, Mueda, Diaca, contratado pela empresa
Azevedo Campos. Seguia desmoralizado, pela separação da mulher do meu
primeiro casamento e desejei conhecer o que era uma guerra a sério.
Não tinha sido apurado para o serviço militar e queria conhecer, aquilo
que pouco se sabia na Beira e Lourenço Marques em cima da guerra de Mueda.
Afinal quando se está na guerra até, mesmo não sendo soldado, se tem
receio dela e até se pensa que o tiro nunca será para nós para o outro do nosso
lado.
Vi a guerra, vi pernas decepadas, caixões com corpos para partirem e
bebi litros e mais litros de cerveja entre os civis e os militares. Chegou-me
de guerra e agora há que partir para a Rhodésia do Ian Smith, em 1970.
Esqueci-me das guerras e porque na Rhodésia havia paz e refiz nova vida.
Chegou a independência de Moçambique, politicamente a coisa muda na
Rhodésia surgem os primeiros focos de terrorismo na fronteira. Começaram
a ser transmitidas pela rádio emissões de "Moçambique Livre" com a
entrada de uma música e fácil de entrar no ouvido. Não fazia a mínima ideia de
quem partia a iniciativa.
Uma noite num bar de Salisbury encontrei um jovem moçambicano
(instruído) a falar português que era mais nem menos um dos locutores das
emissões. Fui informado que o Cristina estava a viver em Salisbury e desde logo
se prontificou levar-me a sua presença. Vivia numa vivenda palacial, que o
Governo rodesiano lhe tinha colocado à sua disposição e igualmente financiado.
Falou-me das actividades da Renamo e seus objectivos. Sobre o seu
patrão o Eng. Jorge Jardim diz-me está em Paris
e ia vivendo com os proventos dos livros que tinha escrito entre os quais um
intitulado "Moçambique Terra Queimada". O meu ex-patrão está
sem dinheiro!
Periodicamente fui fazendo visitas ao Cristina (já casado com uma
senhora que tinha sido funcionária do Consulado do Malawi na cidade da Beira).
Por ele vim a saber que o criminoso Zeca Ruço tinha sido nomeado, pelo
Samora Machel, para um cargo importante do departamento da Justiça e tinham-lhe
feito uma cilada na Africa do Sul e foi assassinado.
Tive que sair à pressa de Salisbury.
Uma cena de pancadaria que tinha tido com inglês que se tinha metido
com a minha namorada, que resultou ter-lhe partido uma clavícula,
certamente me levaria a problemas com a justiça no julgamento que iria ter
lugar passado dali a oito dias. Parti para Portugal, assim, assim à
pressa... fui me despedir do Cristina, contei-lhe o motivo da saída. Já a
preparar-me para descer as escadas chamou-me: "olha toma lá 20 dólares
para beberes uma cerveja no aeroporto de Johanesburg (África do Sul).
Já na Arábia Saudita e com a minha vida estabilizada (mais uma vez!),
ao ler um jornal inglês deparo com a notícia que o Orlando Cristina tinha sido
assassinado, numa cilada preparada pelos homens da Frelimo, na África do Sul.
Penso nos anos 1978/79. Parece que o Cristina teria ido ali para conversações
com gente do Samora Machel que acabaram por o matar.
José Martins
(Banguecoque)
In: Portugal Club
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