Wednesday, May 20, 2015

Ensino Superior em Moçambique: Caracterização e Desafios - Por Patrício Langa

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Ensino Superior em Moçambique:
Caracterização e Desafios
Patrício Langa1
Palestra alusiva a celebração do décimo aniversário do Jornal o País,
Centro de Estudos Brasileiros, 18 de Maio 2015
I. Agradecimentos e nota introdutória
II. Tipos de conhecimento sobre ensino superior em Moçambique
III. Como se caracteriza o ensino superior em Moçambique?
IV. Alguns desafios
V. Considerações finais
1 Professor Associado de Sociologia e Estudos do Ensino Superior, Universidade Eduardo Mondlane (Maputo, Moçambique) e Universidade de Western Cape (Cape Town, África do Sul). Contacto: patrício.langa@gmail.com
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Agradecimentos e Nota Introdutória
Permitam-me que comece por agradecer a honra e o privilégio de proferir esta palestra por ocasião da celebração do décimo aniversário do Jornal o País. O País ficou mais país com o O País!
Em Sociologia, minha disciplina de formação ou deformação, diz-se que a sociedade se constitui no debate.
Por outras palavras, a sociedade é produto da nossa interação e da informação que temos e partilhamos sobre os acontecimentos nos diferentes espaços de sociabilidade.
Damos materialidade a nossa existência como sociedade, e como país, a partir da descrição e partilha do sentido da descrição das coisas da vida.
Essa descrição torna-se naquilo que sabemos sobre nós e sobre os outros, sobre a nossa e sobre as outras sociedades. Isso faz o país!
Neste processo, o jornalista desempenha um papel crucial. Alguns, como eu por exemplo, que passamos tempo considerável fora do país, quer dizer, fora das fronteiras físicas e geográficas, recuperamos o sentido de existência e de pertença ao país através, entre outras formas de interação, do que sabemos lendo sobre o país em particular na imprensa.
É através e a partir daquilo que se escreve e se fala sobre o país, que temos a possibilidade de nos Moçambicanizarmos. Neste sentido, o debate crítico constitui um mecanismo essencial para a melhoria da qualidade da descrição do país, e já agora, do conhecimento que temos sobre o país.
Aí também, a imprensa, de modo geral, mas os jornais, em particular, desempenham um papel fundamental, noticiando o país.
Ser cidadão é também participar na construção da sociedade por via do debate crítico. O Jornal o País veio enriquecer o espaço público e a possibilidade de descrição cada vez mais rigorosa e plausível do país que vamos sendo.
É assim como entendo, ou como acho que deveria ser entendido, o slogan “a verdade como notícia”.
Mas preciso fazer um reparo. O país não se produz e reproduz apenas como notícia. Há 10 anos, enquanto um grupo de jovens audaciosos produziam “a verdade como notícia”, eu estava empenhado em garantir a continuidade do país pela via reprodutiva.
A nossa existência como país também se produz e reproduz assim! Multiplicando-nos! Mas não é sobre natalidade que eu vim aqui falar. É sobre o ensino superior!
Antes de abordar o tema que me foi proposto, gostaria de reiterar o meu agradecimento ao grupo SOICO, na pessoa do Jeremias Langa, que me endereçou o convite. Já viram por que é importante a reprodução da espécie?
Felicito o jornal O País por se ter mantido unido durante os 10 anos, sem ameaças de se desintegrar em jornais “autónomos” ou secções autónomas do mesmo Jornal! Ai se a moda pega!
Reconheço a presença dos meus estudantes do Mestrado em Estudos do Ensino Superior e Desenvolvimento (MESD), a quem agradeço.
O tema que me foi proposto é: “Ensino Superior em Moçambique: Caracterização e Desafios”. Não hesitei em aceitar o repto. No entanto, cheguei a considerar que a melhor formulação seria: Ensino
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Superior em Moçambique: Desafios da ou para caracterização. Não se trata apenas da troca da ordem dos termos, mas do seu sentido. Uma coisa é caracterizar e apontar desafios, a outra é reflectir sobre os desafios para a caracterização. Vou tentar fazer as duas coisas.
Julgo que a condição de possibilidade da “verdade como notícia” alegadamente produzida e disseminada pelo Jornal o País, depende, em parte, da capacidade de produção da verdade como conhecimento rigoroso e plausível.
A produção de conhecimento rigoroso e plausível não é apanágio exclusivo do ensino superior. Mas o ensino superior tornou-se, historicamente,na instituição depositária da legitimidade de velar pela produção do conhecimento rigoroso e plausível a que podemos considerar de “verdade”,
por via do método científico.
Ao longo da sua existência o ensino superior usou esta prerrogativa para lançar um olhar crítico à todas as esferas da vida em busca do entendimento rigoroso dos princípios que gerem a vida em sociedade assim como a natureza.
De dentro da academia para fora, os académicos partiram para a conquista do conhecimento do mundo. Esqueceram-se, no entanto, que a instituição para a qual regressavam com o conhecimento do mundo faz parte desse mesmo mundo, para o qual durante muito tempo não haviam lançado um olhar crítico e auto-reflexivo. A célebre frase de Arquimedes (cito) – “Dê-me um ponto de apoio e uma alavanca que moverei o mundo” representa fielmente o lugar a partir do qual o ensino superior e os académicos se posicionavam para conhecer o mundo. Quanto mais o mundo externo conheciam, menos se conheciam a si próprios. O ensino superior se tornava um mundo desconhecido para quem habitava nele. Há aqui um paralelismo muito interessante com o jornalismo. Quase não existe jornalismo sobre o jornalismo. O jornalismo surge para descrever o mundo, menos a si próprio.
Suponhamos que o tema da palestra fosse “Jornalismo em Moçambique: Caracterização e Desafios”. A quem iríamos confiar a missão de nos trazer a “verdade” sobre o jornalismo? E que tipo de verdade? Iriamos quer saber sobre a linha editorial dos jornais ou sobre número de jornais no país? O que significaria caracterizar o jornalismo em Moçambique?
Um jornalista desportivo não precisa saber quantos jornais existem no país ou no mundo para ser “bom” jornalista. Mas ser um “bom” jornalista desportivo não o qualifica, necessáriamente, para caracterizar o Jornalismo em Moçambique?
Assim, como um professor de física não precisa saber quantos departamentos de física existem, com quantos estudantes para ser um ‘bom’ professor de física.
Para falar do Jornalismo como uma instituição social é preciso um tipo de conhecimento que vai para além da competência jornalística. Por outras palavras, para caracterizar o Jornalismo em Moçambique seria preciso um tipo de conhecimento que vai para além da prática do jornalismo.
A experiência como jornalista pode ser um bom ponto de partida, mas não é suficiente. Para conhecer e poder caracterizar o jornalismo em Moçambique é preciso estudar o ‘campo jornalístico’.
Para poder caracterizar o campo jornalístico e apontar seus desafios é, portanto, preciso conhecer desde as estruturas constitutivas até as dinâmicas das lutas quotidianas desse campo.
É, portanto, preciso investigar o campo jornalístico como objecto de estudo. Mas, mais uma vez, estou a fugir ao tema que me foi proposto. Não vim aqui falar de jornalismo.
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No entanto, a mesma lógica se aplica ao campo do ensino superior. Para poder caracterizar o ensino superior, não basta estar no ensino superior. É preciso estudar esse espaço como um campo social, como um objecto de estudo, de modo a fazer uma descrição rigorosa das suas características. Este é o meu ponto de partida.
Portanto, o ponto de partida não é o que nós achamos que sabemos sobre o ensino superior para poder descrevê-lo, mas como sabemos o que achamos que sabemos?
Interessa-me a questão sobre como temos a certeza do que achamos que sabemos sobre o ensino superior. Ou por outra, mais do que caracterizar o ensino superior interessa saber de onde vem o conhecimento que nos permite caracterizá-lo de uma ou de outra maneira.
Quais são as fontes do conhecimento que temos sobre o ensino superior?
Ao aceitar proferir esta palestra, coloquei-me, portanto, um duplo desafio, senão mesmo um duplo constrangimento.
O primeiro desafio consiste em olhar criticamente para as condições de produção conhecimento que nos permitem uma caracterização rigorosa e plausível do campo do ensino superior.
O segundo desafio consiste em propor uma caracterização. Caracterizado o ensino superior em Moçambique, pede-se-me que aponte alguns dos seus desafios. Esse seria, portanto, para mim, o terceiro desafio.
Como já devem ter-se apercebido, o ensino superior interessa-me particularmente enquanto campo social e objecto de estudo.
Não me interessa o que se acha que o ensino superior deva ser, mas como o que diferentes actores acham o que deve ser influência o que o ensino superior acaba sendo.
Todos nós estamos de alguma maneira, directa ou indirectamente, implicados com o ES. Um exemplo é que se não estamos dentro, estamos fora! Mas em qualquer dos casos é uma relação com a entidade.
De qualquer das posições temos visões e di-visões, entendimentos distintos do que é, do que deve ser, de como se caracteriza o ensino superior.
Essa é uma maneira que muitos de nós têm de experimentar o ensino superior e de conhecê-lo através da relação que estabelecemos com o campo e pela posição que ocupamos dentro desse mesmo campo.
O estudante acha que conhece o ensino superior a partir da experiência da faculdade e do curso. Como estudante, claro que tem um conhecimento experiencial e ao qual se pode juntar o eventual interesse pelo que se debate na esfera pública sobre o ensino superior.
O docente acha que conhece o ensino superior pela experiência que teve enquanto estudante e que continua tendo como docente, e até mesmo como gestor no e do ensino superior.
O jornalista acha que conhece pelas reportagens e notícias que produz dos diferentes eventos que ocorrem no e em nome do ensino superior: graduações, seminários, palestras, e por aí em diante.
O político também acha que conhece pelas diferentes experiências, debates, produção de legislação e outras situações em que tem de lidar com assuntos do ensino superior.
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Cada um, do seu lugar particular, pode reclamar uma visão, um tipo de conhecimento, e de caracterização do ensino superior.
É, portanto, comum cada um destes actores sustentar fortes convicções sobre o que acha que deve ou não ser o ensino superior com base nessa relação experiencial.
Abordar um tema que suscita fortes convicções, requer um exercício de resgate do objecto dos pressupostos do debate popular e jornalístico assente na experiência social e reformulá-lo numa perspectiva mais metodológica que pressupõe questionar os fundamentos do conhecimento.
Como sabemos que sabemos?
O ensino superior é um tema que suscita várias inquietações. Desde questões do acesso até aos do sucesso. A qualidade, a empregabilidade dos graduados, a produção de conhecimento, a inovação, enfim, é um fenómeno complexo e total, com implicações em todas as esferas da vida.
Com que tipo de conhecimento podemos caracterizar de forma rigorosa e plausível o ensino superior?
Que critérios podemos usar para caracterizar o ensino superior em Moçambique? Quem detém o repositório do conhecimento sobre o ensino superior?
Quem são os principais actores sociais que produzem o conhecimento sobre o ensino superior?
Que tipo conhecimento existe sobre o ensino superior em Moçambique?
Julgamos que não se pode correr para caracterizar o ensino superior sem antes abordar algumas destas questões.
Tal como o jornalista que não se dedica a investigação do campo jornalístico não é depositário do conhecimento sobre o Jornalismo como campo social, o docente, estudante ou o gestor universitário que não se dedica ao estudo do campo do ensino superior não pode ser depositário do conhecimento sistémico sobre o ensino superior.
PARTE I
Tipos de conhecimento sobre ensino superior em Moçambique
Um breve olhar sobre a produção literária sobre o ensino superior em Moçambique sugere, pelo menos, três tipos de conhecimento relacionados com os seus principais produtores.
(i) um primeiro conhecimento popular & jornalistico; (ii) um conhecimento político e/ou de formulação de política pública; e (iii) um terceiro conhecimento baseada na investigação sistemática.
O primeiro tipo de conhecimento é o mais comum e baseia-se na competência social e experiencial. O ensino superior caracteriza-se como a maioria das pessoas acham que se caracteriza e a prova disso reside precisamente no facto de acharmos o que a maioria ou a opinião dominante acha.
Se a maioria ou a opinião dominante acha que o ensino superior não tem qualidade, a competência social consiste em saber reproduzir os argumentos dominantes daqueles que defendem tal posição. Por exemplo, se os empregadores acham que os graduados não têm qualidade, porque não correspondem ao perfil desejado nas suas empresas, então, esse será o parâmetro social de qualidade.
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Não importa muito questionar a validade do critério em si, prevalece a opinião dominante. Esse tipo de opinião é tão dominante que logo a seguir podemos ouvir gestores do ensino superior a reproduzirem esse tipo de generalizações sem o cuidado da contextualização.
Em que condições e circunstâncias o ensino superior pode estar em harmonia com as demandas das empresas? É possível desenhar currículos que se ajustem a generalidade e a especificidade da multiplicidade de eventuais empregadores? Ao fazer isso, uma Universidade ainda é uma Universidade? Não estou a defender que as universidades não possam responder as demandas societais, incluindo as das empresas. A questão é como isso se faz, sem perder o ethos da Universidade.
Uma vez um membro do governo disse que as Ciências Sociais eram inúteis para o desenvolvimento, mesmo sendo essa pessoa cientista social. Paradoxalmente, estava esse mesmo governante a mostrar a sua inutilidade. Desse tipo de gestores o instituto de bolsas recebu orientações para retirar qualquer financiamento para as ciências sociais. Quando é que uma ciência é útil ou inútil para essa coisa também pouco entendida chamada desenvolvimento?
O tipo de evidência comum, neste tipo de casos, tem sido anedótico. Conheço alguns graduados desempregados, logo, há crise de emprego, os curricula estão desajustados, a qualidade do ensino superior é má, as ciências sociais são inúteis e por aí em diante.
Conheço graduados de letras e ciências que foram parar ao ensino superior por acidente e falta de alternativas úteis na vida, e julgavam que um diploma seria a solução, logo o problema é das ciências sociais.
O nosso jornalismo tem servido de caixa-de-ressonância e de propagação deste tipo de conhecimento apressado e popular do ensino superior, tornando-o numa espécie de senso comum erudito. Isto ocorre mesmo quando ilustres painelistas, especialistas na generalidade, em programas televisivos, engravatados, legitimam este tipo de conhecimento popular, sem fundamento plausível.
O segundo tipo de conhecimento é o que designei de político e de política pública. A questão que se coloca aqui tem a ver com a base do conhecimento que fundamenta as políticas públicas do ensino superior em Moçambique.
De onde vem o conhecimento que guia a normação, regulação e projecção do ensino superior em Moçambique? Onde o Governo e os gestores do ensino superior buscam o conhecimento que usam para a tomada de decisões?
A resposta não parece difícil. Basta olhar para os documentos dessas mesmas políticas públicas e instrumentos de regulação.
Logo a seguir a independência, a regulação e as políticas públics eram feitas numa base intuitiva e espontânea. Lembro-me de um episódio caricato. Em 1976, a 1 de Maio, o então presidente Samora Machel, no seu estilo característico, movido pelo ópio da revolução, foi visitar a então Universidade de Lourenço Marques (ULM). Essa visita ficou histórica porque marcou a mudança do nome da instituição para a actual Universidade Eduardo Mondlane – a minha Universidade.
Passaram-se 19 anos até que os fazedores das normas do ensino superior se apercebessem que a UEM continuava legalmente ULM. Em 1995, quando o então Instituto Superior Pedagógico quis se elevar ao estatuto de Universidade procurou os estatutos da UEM, para se inspirar, e não os
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encontrou. Ou melhor encontrou os estatutos da ULM. Portanto, a UEM só se tornou legalmente UEM em 1995, num decreto com efeitos retroativos.
A intuição e espontaneidade ainda hoje têm um peso significante na formulação da visão normativa sobre o ensino superior no país. A medida que o país foi se normalizando após a revolução, os estudos encomendados passaram a ser mais solicitados para informar as decisões e políticas públicas.
Académicos, alguns deles estrangeiros, baseados ou não no país e nas IES, passaram a ser solicitados a dar seu parecer. A produção de conhecimento que informa as políticas públicas sobre o ensino superior passou a ser feita por alguns desses académicos ligados a área de educação em geral, mas também a outras disciplinas cujo objecto de estudo não era necessariamente o ensino superior.
Este tipo de conhecimento, nos primeiros anos da independência, era informado pela necessidade de responder as demandas de planificação de um estado em construção e particularmente as exigências estabelecidas por entidades supranacionais como a UNESCO e o Banco Mundial. Há pouco mais de uma década o MINED começou a recolher e sistematizar dados estatísticos sobre o ensino superior para responder a inquéritos da UNESCO e fornecer ao INE.
A necessidade de solcitar financiamentos externos também obrigou a que se produzissem documentos de política comuns nesse tipo de relacionamento: planos estratégicos, planos operacionais, planos de acção e por aí em diante. Desse jeito, foi surgindo um jargão típico para caracterizar as transformações no ensino superior, como por exemplo: acesso, massificação, qualidade, nem sempre denro do contexto téorico e científico em que estes mesmos conceitos surgiram e foram usados nos países que os geraram.
A fonte de produção de conhecimento sobre o ensino superior, neste sentido, assenta fundamentalmente em comissões de estudo para determinar tendências e estabelecer políticas públicas de regulação e gestão do sistema.
Nem sempre, porém, estes estudos comisionados estão libertos dos vícios da competência social. A este respeito fez relativamente pouco progresso em termos da institucionalização da capacidade de produção de conhecimento sistemático sobre o sistema do ensino superior.
Quarenta anos depois o país não dispõe de uma entidade cuja função primordial é produzir conhecimento rigoroso sobre as políticas públicas que informa as decisões sobre o sistema do ensino superior.
As próprias IES não dispõem, grosso modo, de unidades de investigação que se dediquem a produção de conhecimento sobre o ensino superior. O ensino superior é visto na sua relação funcionalista e utilitarista com a sociedade informada por concepções populares e simplistas como a ideia da necessidade de formar quadros para o mercado!
O terceiro tipo conhecimento é baseado na investigação sistemática. Na verdade, as duas formas de conhcimento anteriores, a popular e jornalística e a formulação de políticas públicas, também podem basear-se na investigação. Mas o estatuto dessa investigação difere no rigor metodológico-analítico e na sua sistematicidade.
O conhecimento baseado na investigação científica sistemática fundamenta-se no princípio da busca da inteligibilidade do fenómeno, sem um fim utilitarista imediato. Este tipo de conhecimento assenta na investigação sobre as características, as condições de existência,
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funcionalidade e transformação dos sistemas de ensino superior desde a génese até aos processos mais recentes de mudança.
Este tipo de conhecimento pressupõe o desenvolvimento e a institucionalização de um campo autónomo de investigação com estatuto científico próprio, mais ou menos dependente de quadros conceituais, metodológicos e teóricos de outros campos das ciências sociais e humanas.
As teses de pós-graduação, Mestrado e Doutoramento, até agora constituem a principal forma de produção do conhecimento académico sobre o ensino superior nesta categoria no país. Trata-se ainda de um campo incipiente e marginal no nosso país, mas que se mostra cada vez mais indispensável até pela complexidade que o próprio ensino superior vai ganhando.
A gestão das instituições e a formulação de políticas públicas consistentes com o estágio de desenvolvimento da própria sociedade exige que o conhecimento sobre o ensino superior seja ainda mais especializado, rigoroso e actualizado.
PARTE II
Mas afinal, como se caracteriza o ensino superior em Moçambique?
Algumas notas controversas para reflexão
Na primeira parte da minha reflexão procurei mostrar como o conhecimento e a caracterização do ensino superior não é tarefa simples, e que requere investigação mais rigorosa. Falei dos três tipos de conhecimento sobre o ensino superior, destacando a predominância dos primeiros dois tipos em Moçambique. Nesta parte, vou, a título ilustrativo, dissertar sobre algumas características estruturais e estruturantes do ensino superior em Moçambique.
Não dispondo de tempo para falar de todas características, vou usar como critério de seleção baseado em algumas variáveis de entrada (inputs) e de saída (outputs). O acesso ao ensino superior, por exemplo, representa uma variável de entrada. Por seu turno, a graduação seria uma variável de saída. Existem também as variáveis referentes ao processo de gestão e formulação de políticas.
Caracterização geral:
O sistema do ensino superior em Moçambique nos últimos 20 anos, em particular, pode ser descrito, grosso modo, como tendo passado por um processo de transformação radical, significativamente, marcado pela expansão do acesso e aumento do número de instituições provedoras, tanto públicas como privadas.
Não obstante, a expansão do acesso e o crescimento do número de IES, o sistema ainda se caracteriza por baixas taxas de participação, baixas taxas de sucesso, níveis de produção e produtividade científica aquém dos padrões médios do continente. Trata-se de um sistema fundamentalmente de ensino – livresco – centrado no docente, que privilegia o método de transmissão vertical (de baixo para cima, docente para estudante), estruturado em torno da sala de aulas. A investigação representa uma actividade subsidiária que, quando se faz, ocorre quando sobra algum tempo após, a actividade principal, dar-aulas.
O sistema de governação por via da regulação e da formulação de políticas públicas, não obstante alguns avanços, continua bastante ineficiente e a basear-se nos primeiros dois tipos de conhecimentos descritos na secção anterior: intuitivo e em alguns estudos encomendados ocasionalmente.
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Algumas características específicas do sistema:
Primeira característica: Legado geo-histórico e colonial
Como consequência de uma implantação tardia da educação terciária nas colonias Portuguesas, contrariamente a experiência Anglo-Saxónica e Francófona, que teve as primeiras universidades na década de 1950, Moçambique teve apenas em 1962 a primeira instituição de ensino superior – Estudos Gerais e Universitários de Moçambique, para os filhos dos colonos.
Dos 53 anos passados, 13 foram de um ensino superior colonial e 40 anos da construção de um sistema de ensino superior Moçambicano.
Parte dos problemas estruturais que prevalecem hoje resultam também desta génese colonial. No entanto, pode-se igualmente argumentar que as características estruturais do sistema na actualidade diferem absolutamente daquelas do passado colonial.
Se no passado colonial o acesso era segregacionista e racista, (até 1976 havia apenas 40 negros frequentavam a única instituição existente) após a independência o acesso passou a ser de alguma forma meritocrático, democrático e popular.
A abertura do ensino superior para todos os estratos sociais sem descriminação de raça, género, região, etnia, credo é uma conquista da independência. No entanto, o acesso ainda está longe de ser massificado, muito menos universal.
Segunda característica: Baixa taxa de participação - expansão em massificação
Os últimos 20 anos viram os números de estudantes no ensino superior aumentar exponencialmente de pouco mais de 5000 mil na década 1990 para pouco mais de 140 000 em 2014.
A taxa bruta de participação, no entanto, continua abaixo dos 6%. Até 2013, a taxa de participação era de 5.3%. Quer dizer, o número de matriculados dividido pela população moçambicana e multiplicado por 100.000. Por cada, 100. 000 Moçambicanos apenas 12 estão no ensino superior. E desses 12, 11 estão nos cursos de licenciatura. A taxa bruta de matriculados entre os 18 e 29 anos em 2013 era de 1.9%. Para ter uma ideia, em 2008, a taxa bruta de matriculados em Moçambique era de 1.5%, no Gana andava aos 6.2%, África do Sul rondava aos 17% e nas Maurícias aos 25.9%. Países desenvolvidos como os Estados Unidos de América, Finlândia e Korea do Sul têm taxas de matriculados no ensino superior de 82.9%, 94.4% e 98.1%, respectivamente. O acesso nestes países tende ser universal. As diferenças nas taxas de participação reflectem as condições sócio-económicas estruturais e estruturantes das sociedades. Teoricamente, sistemas de ensino superior com taxas de matriculados abaixo dos 15%, como é o nosso, são considerados elitistas, não de massas. (12 em cada 100.000, podem imaginar o privilégio!) O sistema do ensino superior em Moçambique, neste sentido, caracteriza-se como sendo ainda, fundamentalmente, elitista, com uma expansão sem massificação.
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Diga-se que esta leitura contrasta com o discurso político e jornalístico da massificação do ensino superior. Há um movimento contínuo de crescimento e da expansão que poderá conduzir, no futuro, a uma situação de massificação e a eventual universalização do acesso. Por exemplo, o ensino primário está muito próximo do acesso universal, com taxas de participação acima dos 80 %. É, portanto, prematuro ainda, falarmos do acesso em massa no ensino superior em Moçambique, senão como retórica e desiderato. As massas estão ainda massivamente fora deste sistema.
Terceira característica: Expansão, diferenciação, diversificação e tendência isomórfica
Em termos globais, há evidência que sustenta a tese da expansão do ensino superior em Moçambique. Tudo indica que o número de instituições e de estudantes vai continuar a crescer.
Em 2014, o país contava 48 instituições de ensino superior, das quais, 18 públicas e 30 particulares. Entre as instituições públicas 4 são Universidades; 6 Institutos Superiores; 4 Institutos Superiores Politécnicos; 2 Escolas superiores e 2 academias. Em termos de ensino superior privado existem 10 universidades; 18 Institutos Superiores e 2 Escolas Superiores.
Não obstante a diferenciação em termos da tipologia de instituições, a maior parte tem o seu do foco no ensino de estudantes de graduação (Licenciatura). Por exemplo, do total de estudantes matriculados nas IES públicas em 2013, cerca de 90.9% eram estudantes de Licenciatura, 8.9% de Mestrado e 0.2% de Doutoramento. O sistema de ensino superior é fundamentalmente de ensino da licenciatura. Ao nível das próprias IES este padrão se repete, não nos graus, mas nos programas conduzindo a uma tendência isomórfica e memética.
Nas IES privadas, no mesmo ano, cerca de 97% eram estudantes de Licenciatura, 2.9% mestrado e 0,05% de Doutoramento.
Nas IES públicas as áreas predominantes de formação segundo a classificação da UNESCO, por ordem decrescente, são as de (i) Ciências Sociais, Gestão e Direito; seguido da (ii) Educação; (iii) Engenharia, Manufactura e Construção (iv) Ciências naturais (v) Agricultura, Florestal e Veterinária; (vi) Saúde e bem-estar (vii) Serviços. Nas IES privadas, o padrão é o mesmo mais numa proporção menor.
É importante referir, que até 2013, do total de estudantes no sistema, 75.8%, cerca de 3/4 estavam no sector público e apenas 24.2% (cerca de 1/4) no sector privado.
Do total de estudantes no sistema com 41 IES, em 2013, 60. 3% Estavam matriculados em apenas duas instituições, nomeadamente, a Universidade Pedagógica (UP) e a Universidade Eduardo Mondlane (UEM). O remanescente, 39.7% distribuíam-se pelas restantes 39 IES, entre públicas e privadas.
Este padrão, mostra que o sistema se caracteriza pela superlotação de duas Universidades por 3/4 (75%) dos estudantes e pela dispersão fragmentária e minúscula de 1/4 (cerca de 25%) dos estudantes em pequenos números pelas 39 IES. Claramente, este padrão representa uma enorme pressão para as duas Universidades, em termos de capacidade de absorção e da qualidade da formação, por um lado, mas também uma ginástica de caça aos estudantes para a sanidade financeira das demais instituições com números reduzidos de estudantes. Basta ver a robustez das publicidades para atrair estudantes. A corrida para atribuir títulos honoríficos a figuras públicas que possam
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emprestar seu capital simbólico às IES, e outra estratégia. Existe também o recurso aos rankings de critérios duvisosos, que colocam algumas IES no topo de pirâmede.
Quarta característica: Expansão fragmentária e de múltiplos campus
Esta característica é na verdade, um subtipo da anterior. A expansão do ensino ocorreu de forma fragmentária com a distribuição de campus minúsculos um pouco por todo o país. A Universidade Pedagógica é neste sentido paradigmático.
Só a UP têm 10 delegações dispersas pelo país, praticamente uma por província. É, portanto, um padrão de expansão fragmentário bastante oneroso, uma vez que reproduz para cada delegação uma estrutura administrativa e de gestão para a atender a números reduzidos de estudantes por unidade.
Supostamente para atender as demandas e a pressão das comunidades em que encontra inserida, nalguns casos tendo sido a primeira IES, a UP viu-se forçada a torna-se numa MULTIVERSIDADE, oferecendo quase todo tipo de cursos e se descaracterizando como uma instituição especializada em questões pedagógicas.
O [P] da UP faz mais sentido para significar do Povo ou Popular, no sentido de atender a demanda resultante da crença política nas assimetrias regionais por via da expansão do acesso, do que estritamente pedagógico. Em 2008, cerca de 74% dos cursos da UP não tinham relação directa com a pedagogia, particularmente os cursos do pós-laboral e dos ditos virados para o mercado. Portanto, a “Universidade Popular”, nos moldes em actuais, parece responder mais a desígnios políticos da expansão do acesso popular ao ensino superior do que fundamentalmente científico-pedagógicos.
Este padrão de expansão fragmentária foi depois adoptado pela IES privadas, mas em resposta a outros factores de pressão.
Dada a concorrência que lhes é feita pelos dois colossos que são a UEM e a UP, partir para as províncias e distritos onde não existiam IES ou existem poucas tornou-se uma estratégia de sobrevivência de algumas IES privadas.
A pressão sobre as IES privadas aceentuou-se com a abertura dos cursos de regime pós-laboral nas IES públicas. Na verdade, as IES públicas, mas particularmente a UEM e a UP, tornaram-se semi-públicas e semi-privadas. Por outras palavras, públicas de dia e semi-privadas de noite. São semi-privadas porque os recursos são públicos, mas os estudantes são privados, não são directamente suportados pelo estado.
Os dados estatísticos centrais, i.e., do MINED, não permitem captar a proporção de estudantes do regime laboral e aqueles do pós-laboral, em parte por que respondem ao padrão universal de inquéritos da UNESCO onde a experiência do pós-laboral é estranha ao sistema nos moldes que ocorre no sistema nacional. O pós-laboral é o lado comercial e até certo ponto perverso da universidade pública. É nele, fundamentalmente, onde a relação com o saber se subverte e a busca de credênciais sem relação com o conhecimento se estabelece. E as ciências sociais e humanas são a principal mercadoria neste“negócio”.Daí também a sua má reputação, paradoxalmente, por quem promoveu a comercialização em nome da regulação por via do mercado livre.
Esta combinação de factores, políticos e comerciais, com envolvimento de universidades públicas, torna a capacidade do Governo precária.
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Num sistema que se expandiu com o argumento da incapacidade do Governo de prover o acesso para todos, tendo se socorrido da ideia da liberalização e da crença ingénua na capacidade de reguladora do mercado, a capacidade de regulação do sistema, por parte do governo, ficou extremamente limitada.
O governo, por exemplo, não pode impedir que instituições privadas, sem condições, abram delegações pelos distritos, quando as suas próprias instituições foram pioneiras nesse movimento que se mostra cada vez mais pernicioso.
Quinta característica: Baixa produção e productividade científica- Universidades de Ensino
Uma das principais lamentações sobre ciência em África refere-se a baixa participação do continente na produção científica global, medida pelo número de artigos científicos de investigadores baseados no continente publicados em revistas internacionais credenciadas.
Como isso reflete a actividade científica africana e seu potencial é questionável? Revistas internacionais acreditadas são registadas nas maiores bases de dados bibliográficas comerciais do mundo, como o Scopus da editora holandesa Elsevier (que abrange quase 18 000 revistas) e a Web of Knowledge dos Estados Unidos da empresa Thomson Reuters (com mais de 16 000 revistas).
Para ser incluído nesses bancos de dados, as revistas precisam de satisfazer um conjunto de critérios formais que os países em desenvolvimento muitas vezes não conseguem.
Isto resulta em muitos artigos publicados em África e outras regiões em desenvolvimento não serem catalogados e considerados.
Além disso, os artigos que não estão incluídos nesses bancos de dados são difíceis de encontrar e citar. Grande parte da produção científica de África, consequentemente, não é registada pelos bancos de dados bibliográficos internacionais e não são contados como parte da participação africana na ciência global.
Mesmo assim, não se pode descurar que a contribuição de África para a ciência global é baixa, aproximadamente, 0,7%. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o crescimento da ciência tem sido mais pronunciado na Tunísia, Malawi, seguido pela África do Sul, Quênia, Egipto, Etiópia, Uganda, Tanzânia, Camarões e Gana.
A questão é como a qualidade e a quantidade da produção científica africana pode ser reforçada. Uma das possíveis alternativas seria tornar algumas das várias universidades de ensino-intensivo em universidades de investigação. É o que a UEM está hoje a tentar fazer.
Para o efeito, seria preciso mudar o perfil de algumas IES de modo a apostarem na pós-graduação e na investigação.
Uma universidade ou instituição de ensino superior digna desse nome deveria contribuir com uma proporção significante na produção de conhecimento científico novo. O sistema de ensino superior Moçambicano caracteriza-se, grosso modo, por uma baixa taxa de produção de conhecimento científico.
As IES não são moldadas para gerar conhecimento novo, mas para transmitir conhecimento produzido noutras estações. A actividade ensino e aprendizagem, em quase todo o sistema, pressupõe fundamentalmente escutar o docente.
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O sistema, como nos referimos anteriormente, é praticamente livresco, mesmo nos cursos técnicos. É um sistema homogéneo em termos de ensino. A proporção de investigação, mesmo nas instituições mais estabelecidas, é insignificante e tende para nulidade.
Sexta característica: Financiamento inadequado e o espírito do socialismo.
O ensino superior, na verdade todo o ensino, tem custos e alguém tem que os suportar. A ideia de que existem sistemas onde o ensino é gratuito é superficial. Se o beneficiário não paga directamente, paga indirectamente, em princípio, por via dos impostos.
A nossa história recente, fez-nos interiorizar a ideia de que os serviços sociais como a educação e saúde são da responsabilidade do Estado. O estado também com reminiscência do socialismo comporta-se como um pai natal.
A verdade é que os custos do ensino superior público tornaram-se insustentáveis para mantê-lo apenas com as dotações orçamentais do estado sem a comparticipação directa dos beneficiários. Esta situação é mais premente quando os beneficiários não são de uma origem social e sócio-económica em desvantagem.
As proprinas que as IES públicas cobram aos estudantes diurnos são insignificantes, o que torna a apetência para o recurso aos cursos do regime pós-laboral, com todos os problemas que este regime representa. O risco que se corre é que os de origem humilde acabam atraídos pelas IES privadas de baixa qualidade e pelos cursos do regime pós-laboral. O filho do pobre estuda na escola primária e secundária pública e depois não consegue vaga para a universidade pública de dia. Este é obrigado a pagar mais caro na IES privada, de credenciais duvidos, ou frequentar os cursos do regime pós-laboral na universidade popular. Gera-se, portanto, uma situação de injustiça social e reprodução de desigualdades.
Há mais características, mas o tempo já não permite. Vou terminar apontando alguns desafios.
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III- PARTE
Alguns desafios
Primeiro- Desafio do conhecimento/desconhecimento:
Como país precisamos produzir conhecimento rigoroso sobre o sistema. Não podemos continuar a fazer políticas públicas e a informar decisões com base na intuição ou em estudos assistemáticos.
A produção de informação e dados estatísticos correctos é crucial. A etimologia da palavra estatística está relacionada ao Estado. Originalmente, dados do Estado. As estatísticas sobre o ensino superior em Moçambique repondem apenas aos requesitos mínimos dos formulários generalistas da UNESCO e do INE.
Uso apenas o exemplo das estatísticas, mas no geral a base de conhecimento que informa as acções e políticas públicas sobre o ensino superior é bastante deficiente.
Neste sentido, seria mesmo de se considerar a criação de um Centro de Investigação de Políticas Públicas do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação. Saber que não sabemos é o primeiro passo para o saber.
Segundo: O desafio de formulação de políticas públicas baseadas no conhecimento:
Os ministérios da Educação e já agora da Ciência, Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional (ufff), não têm por vocação fazer estudos científicos. Um ministério quando muito traça políticas, mas essas políticas, em princípio, deveriam ser baseadas no conhecimento profundo da realidade sobre as quais pretendem intervir.
O que se constata é que o nível de conhecimento sobre o sistema do ensino superior é bastante superficial. Este des/conhecimento verifica-se até no topo da estrutura de gestão das IES e dos órgãos do Estado que tutelam o ensino superior. Esta constatação remete-se para a observação que fiz antes sobre as fontes de conhecimento sobre o ensino superior. De onde vem o nosso conhecimento?
O sistema do ensino superior dispõe ou dispunha antes de se juntar a ciência e tecnologia de três conselhos consultivos. Conselho Nacional do Ensino Superior (CNES), Conselho do Ensino Superior (CES); Conselho Nacional de Avaliação de Qualidade (CNAQ). Nenhum destes órgãos, que supostamente devem aconselhar o governo sobre as suas políticas públicas e até emitir pareceres sobre a abertura ou não de novas IES, têm um suporte técnico-científico ou um gabinete de estudos.
As deliberações são baseadas na opinião dos membros – muitos deles parte directamente interessada nas matérias a deliberar. Um reitor que é convidado de uma universidade privada a emitir parecer sobre a relevância dos impostos sobre a sua actividade, claramente, vai tomar partido a seu favor.
Esses órgãos são cosméticos no sistema, na medida em que reduzem a sua relevância a oferecer legitimidade política e não necessariamente técnica às decisões.
As instituições de onde eles provêrm e representam nesses conselhos, apesar de serem de ensino superior, não dispõm de nenhuma unidade dedicada ao estudo das matérias para as quais eles são chamados a emitir opinião. Um reitor não precisa, necessariamente, ser especialista da gestão
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universitária, mas, no mínimo, precisa de ter apoio técnico de especialistas das matérias sobre as quais tem que se pronunciar.
Terceiro: Desafio da diferenciação funcional:
Um sistema de ensino superior num país com as características de Moçambique, onde quase tudo é prioritário, não pode deixar todos a ensinarem e ninguém a produzir conhecimento. As políticas públicas do ensino superior poderiam estimular algumas instituições a dedicarem-se mais a investigação, a adoptarem modelos de ensino que dão primazia a formação com base na investigação.
O sistema precisa não apenas da diferenciação nominal, IESs com designações distintas, fazendo todas praticamente o mesmo, mas de uma verdadeira diferenciação funcional.
A UP não precisa se tornar-se a imagem da UEM. Nem o A Politécnica a imagem do ISCTEM. É possível num mesmo sistema criar estímulos e incentivos para que a especialização seja uma vantagem para todos.
Por exemplo, Moçambique praticamente não tem especialistas em educação médica. Enquanto a UEM forma médicos generalistas, e está mais ou menos dentro do seu perfíl institucional, a U[P] onde o [P] significa mesmo pedagógico e não popular poderia especializar os médicos em competências educacionais, ao invés de ir tentar formar médico a Xicuque a luz de velas, com recursos do mesmo Estado.
Ser um bom cirurgião não significa necessariamente ser um bom professor de cirurgia. Duas universidades públicas podiam muito bem associar-se para oferecer a melhor qualificação numa determinada área a partir da contribuição das suas especialidades. Mas aí está quem vai por o guizo ao gado?
Quarto: Desafio de aumentar o acesso e a relação com o saber:
Um grande risco do sistema hoje é produzir leigos escolarizados e credenciados. Há concidadãos que têm diplomas universitários, mas mantém uma relação problemática com a ciência.
O ensino superior é acima de tudo um espaço para o cultivo da ciência e da razão. Tudo o resto é subsidiário. Faltam-nos estudos profundos e sistemáticos sobre a relação que os estudantes no ensino superior têm com o saber.
Situações como a de Quissi Mavota, em que pseudo-cientístas (na falta de melhor termo para os classificar), formados pelas nossas IES revelam graves problemas de entendimento da ciência são um sinal de que alvo vai “mal”, “muito mal” na academia.
Uma coisa é ser cientista que estuda a superstição, a outra é ser supersticioso. Ou melhor, existe diferença entre ciência da superstição e superstição como ciência. Mas aí está! Não temos condições para afirmar de forma generalizada que os “cientistas”, supersticiosos, que lideraram os estudos dos supostos desmaios, são representativos do tipo de graduados que saem no ensino superior Moçambicano. Em vez da regra, podem ser a excepção.
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Quinto: O desafio da língua e da internacionalização
O facto de o ensino superior ter sido implantado tardiamente na colónia (para servir ao regime colonial), assim como o Português ser a nossa língua oficial constitui apenas um acidente histórico e não uma essência que nos define inexoravelmente.
Não há nada contra o Português ser língua oficial e de instrução no nosso sistema de ensino superior desde que este não seja usado para naturalizar a justificação que nos impede de vislumbrar outras possibilidades igualmente históricas.
Se uma parte das características do passado colonial foi descaracterizado durante o percurso histórico e das transformações dos 40 anos da independência, persistem entraves mentais e de conhecimento que nos impedem de tomar decisões estratégicas actuais.
Esses entraves são muitas vezes justificados com recurso a naturalização de algumas características desse mesmo passado histórico. Um dos exemplos é o da justificação que se tem avançado para que a língua Portuguesa seja o principal meio de instrução e trabalho no ES Moçambicano.
Alguns justificam a opção pelo Português como se este fosse uma língua natural (mente) Moçambicana. Esquecem-se que tal como nos apropriamos do Português, e própria universidade, podíamos nos apropriar de outras línguas que facilitariam a melhor integração do ES contexto da internacional.
Temos exemplos de vários países cuja língua de instrução, por exemplo, ao nível da pós-graduação, é o inglês, mesmo falando naturalmente outra língua materna e oficial.
Quase toda a Escandinávia usa o inglês como língua de internacionalização, mas mantém as línguas locais. Alemanha, Holanda, Dinamarca até Portugal são outros exemplos de países onde se adoptou o inglês como língua da internacionalização do ES.
O argumento de que não se pode adoptar o inglês como uma língua de instrução, pelo menos ao nível da pós-graduação, porque o Português é a “nossa” língua “oficial” mostra-se por isso problemático. O inglês é apenas o meio, a internacionalização o fim, mais com o Português apenas não saímos da pérola do índico.
Bónus: Desafio para o O País:
Volto a questão do jornalismo. Penso que o grupo Soico, seus vários órgãos e programas – por exemplo, MozEfo, MozTech, podem jogar um papel crucial para melhoria da qualidade do debate na esfera pública nacional e sobre o ensino superior em particular. Na verdade, penso que já o fazem. Esta palestra é apenas mais um exemplo das acções da SOICO pela cidadania activa. Julgo que seria altura do Jornal o País pensar num suplemento sobre o ensino superior. Assim, como ocorre na Inglaterra com o Times. Bom, o segredo é alma do negócio, portanto, as outras sugestões vou passar ao director do Jornal a porta fechada.
Muito obrigado pela vossa atenção.

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