Dois dias depois do grupo
de mediadores para
o diálogo político entre
o Executivo da Frelimo
e a Renamo e a delegação governamental
terem vindo a público
manifestar o seu desalento pelos
constantes impasses nas últimas
sessões, Afonso Dhlakama deu
uma entrevista ao SAVANA em
Caia, norte de Sofala, na qual
acusou o partido no poder de recorrer
a manobras para que “as
coisas não andem”.
“A Frelimo não quer que as coisas
andem. Toda a confusão está com
a Frelimo. O problema está com a
Frelimo, que não quer reintegrar
os comandos da Renamo nos lugares
de chefia”.
Lourenço do Rosário, que deu a
cara em nome dos mediadores,
disse que o grupo tinha conhecimento
de que o líder da Renamo
terá entregue ao Presidente da
República a lista dos seus militares
que estão nas FADM, que devem
ser enquadrados nos cargos
de chefia militar. Em entrevista
ao SAVANA, Afonso Dhlakama
confirmou este facto e garantiu
que fez chegar três mapas de reintegração
dos comandos da Renamo
ao Chefe de Estado, via General
Ossufo Momade.
Contudo, apesar de todos os contratempos,
Afonso Dhlakama
voltou a manifestar confiança no
diálogo no Centro de Conferências
Joaquim Chissano e garantiu
para breve mais um encontro com
Filipe Nyusi, para desbloquear
assuntos controversos. Pelo caminho,
desvalorizou a ideia de um
debate público do ante-projecto
das autarquias autónomas e acredita
que o mesmo será aprovado
nesta sessão da Assembleia da República
porque o documento “é a
solução para permitir que a Frelimo,
sem que tenha ganho, possa
governar”.
Eis o resumo da nossa conversa
com Dhlakama:
Os mediadores manifestaram
desconforto com o ritmo do diá-
logo no “Joaquim Chissano”. O
que está a falhar?
Facilmente poderei comentar, mas
também não estou lá, não faço parte,
embora estejam lá elementos
que pertençam ao partido que dirijo
há bastante tempo. É claro que
aí há uma mistura de coisas. Não
quero atacar os mediadores, mas a
maioria dos mediadores são mo-
çambicanos, e escolhidos por nós, e
alguns têm o cartão ou simpatizam
com o partido Frelimo. São membros
do partido Frelimo, isto é outra
coisa, a importância de Dhlakama,
ser o Dhlakama a propor elementos
da Frelimo para serem mediadores,
depois da Frelimo ter rejeitado que
os mediadores fossem estrangeiros.
Eu nunca fui obstáculo para que estes
mediadores estejam a facilitar.
Veja esta capacidade de um africaDhlakama
responde a Nyusi sobre os impasses no diálogo
“Toda a confusão está com a Frelimo”
no aceitar que, apesar de tudo, a saber
que muitos dos mediadores são
membros da Frelimo, mas eles a
mediarem, quererem estar no meio,
portanto se alguém é membro da
Frelimo, custa alguma coisa serem
chamados ao Comité Central para
serem apertados para atacar a Renamo
ou o Macuiana. Eu não estou
a acusar, não é por aí, há-de chegar
o tempo de acusar, mas quero
dizer para o povo saber, aqueles
são membros do partido Frelimo,
se calhar o bispo Dinis não é, mas
simpatiza. Se calhar (reverendo
Anastácio) Chembeze, Lourenço
do Rosário, o padre (Filipe) Couto,
estes podem ser chamados no Comité
Central para receberem orientações
sobre como devem tratar os
outros.
A Frelimo não quer que as coisas
andem. Eu assinei um acordo com
o ex-presidente Guebuza. Agora já
temos o novo presidente o (Filipe)
Nyusi, já estive com ele, já tivemos
um acordo, não foi escrito, mas verbal.
Ele chegou a dizer nas câmaras
de televisão que Afonso Dhlakama
pode submeter o projecto de lei das
autarquias à Assembleia da Repú-
blica. O projecto está lá, porque
houve um acordo verbal.
Na prática, o Presidente Nyusi já
sabe o que se está a passar no Centro
Joaquim Chissano. Eu continuo
a ser o presidente da Renamo,
com a mesma equipa de diálogo no
Joaquim Chissano, mas o Pacheco
e os outros já obedecem ao Nyusi
como Presidente. Tomem nota
disto, porque pode estar a afectar,
quem sabe se o (Armando) Guebuza
pode estar a chamar o Pacheco
para retardar as coisas.
A Frelimo não quer seguir as coisas,
porque o acordo que assinámos a 5
de Setembro de 2014 é de reintegração
dos quadros e comandos da
Renamo nos lugares de chefia nas
correram quase com a metade dos
homens da Renamo integrados,
que até hoje apanham lixo sem
reintegração qualquer, expulsos das
FADM. Outros receberam reformas
com 35 anos, mas já licenciados
e já são Generais, só porque a
Frelimo não queria que tomassem
conta e dirigissem também ramos
ou unidades do Exército.
Integração e enquadramento dos
homens da Renamo continua na
discórdia. Há algum problema
que trava a entrega de lista? Porque
ao que apurámos do lado da
delegação governamental, a Renamo
ainda não entregou a lista
para a reintegração e enquadramento
dos seus homens?
As pessoas é que não sabem porque
é que há problemas no Centro
Joaquim Chissano, mas é porque a
Frelimo não aceita a partilha de poder,
a reconciliação nacional. Não
quer que as FADM sejam técnicas,
profissionais, que os comandantes
sejam nomeados pela confiança
técnico-profissional, sem que digam
viva, viva. A Renamo não tem
culpa. Já cheguei a dizer se a Frelimo
não quer, vamos submeter às
Nações Unidas para criar duas for-
ças, uma da Renamo que vai ficar
no Inchope e outra da Frelimo que
vai ficar em Maputo, mas eu não
sou voluntário, porque não podemos
obrigar aos nossos irmãos o
que eles não querem. E porque eles
dominam os embaixadores, têm
cooperação internacional, apontam
dedo à Renamo. Se eu fosse mau, já
teriam criado problemas. Até agora
estamos nas conversações porque
é o único caminho. Mas este novo
presidente, que foi antigo ministro
da Defesa, vai tentar fazer algo, estou
à espera, mas em termos da lista,
só vamos produzir indicando os
nomes que foram marginalizados
nas FADM.
Eu já fiz três mapas. Fiz um mapa
e pintei a cor vermelha, onde a Frelimo
ocupa tudo nas FADM. Fiz
um mapa a cor-de-rosa, que indica
onde a Frelimo está e onde a Renamo
está. Fiz outro de cor azul,
onde propomos onde a Renamo
deve estar, onde os comandantes da
Renamo podem estar. Já passa um
mês e meio desde que foi entregue.
Quando estive em Maputo, fiz secretamente
e entreguei ao General
Ossufo que foi entregar ao assessor
do Presidente Nyusi e ele me ligou
agradecendo que tudo estava bem
feito. Se não passou para o Pacheco
são os conflitos deles, porque na altura
Guebuza puxava a brasa à sua
sardinha.
Toda a confusão está com a Frelimo.
Não digo que a minha equipa
não tenha errado, talvez haja
algumas coisas pequenas, mas em
termos daquilo que está a arrastar
o diálogo até hoje, é problema da
Frelimo, que não quer reintegrar os
comandos da Renamo nos lugares
de chefia.
O mandato da EMOCHIM já
teve uma prorrogação de 60 dias,
depois dos 135 dias sem avanços.
O diálogo está lento e está a frustrar
os mediadores e a sociedade
em geral. Que esforços reais o
Presidente Dhlakama está a fazer
para que o processo não falhe?
Há um risco de prolongamento
do mandato da EMOCHIM. Se
calhar já levaram 20 dias dos 60
de prorrogação do prazo do seu
mandato, e até agora não estamos
a fazer nada. Eu acho que a
EMOCHIM, quer os europeus e
todos os outros já foram embora,
ficaram os africanos. Acredito que
a EMOCHIM que ficou é das tropas
governamentais e da Renamo,
assim como os países africanos de
boa-fé. Os europeus não podiam
esperar essa brincadeira, sabe que
os europeus trabalham com tempo
e prazos e todos foram-se embora,
os americanos nem sequer vieram,
parece que sonhavam. Quero
também acreditar que esgotados
os 60 dias de prorrogação, os africanos,
como Botswana, Quénia e
Zimbabwe, poderão ter paciência,
porque queremos de facto que haja
testemunhas nesta coisa de reintegração,
sobretudo reintegração do
exército, porque estamos a falar de
uma instituição do Estado, que lida
com armas, não podemos permitir
sempre que dominem as FADM.
Encontro com Nyusi em
breve
A eleição de Nyusi como presidente
da Frelimo não dá ao lí-
der da Renamo mais conforto de
negociar directamente assuntos
controversos?
Não dá conforto a mim. Mas a ele
mesmo de poder falar comigo à
vontade. A mim não faz tanta diferença,
porque eles são do mesmo
FADM, mas até hoje não foi feito.
A Frelimo andou a enganar toda
a gente que está à espera da lista.
Eu meti o dedo na ferida. Criei um
modelo e mandei o General Ossufo
para entregar ao Presidente Nyusi.
Ele (Presidente Nyusi) agradeceu-
-me e disse que duas semanas depois
havíamos de resolver, quando
eu ainda estava em Maputo no
mês passado, e até agora o Pacheco
fala de querer a lista? A lista para
quem? Para enganar as pessoas?
As pessoas que estão por preencher
os lugares que pretendemos
nas FADM estão lá. Estão sendo
feitos de assessores, marginalizados,
são brigadeiros, são coronéis,
tenentes-coronéis, são majores. Eu
poderia trazer a lista para elaborar
bem. Eu sou General. Conheço
muito bem, não há segredo, só que
politicamente a Frelimo não quer
que os da Renamo sejam chefes
também no Estado Maior, nos departamentos
do Estado Maior, nas
brigadas, nos batalhões e outras
unidades provinciais das FADM,
querem-nos colocar como de terceira.
Desde que foram formadas
as FADM, há mais de três mil a
quatro mil oficiais que estão nas
academias militares a estudarem na
América, Portugal, França e outros
países africanos e nem sequer um
é da Renamo, e porquê? Querem
forçar que o Dhlakama crie o seu
exército, para depois acusarem.
Se eu sou uma pessoa com preparação
político-militar, eu já teria
criado as forças armadas, com argumentos,
mesmo apresentados às
Nações Unidas haviam de me dar
razão. Foram criadas as FADM
pela ONUMOZ em 1994. Estava
muito bonito, onde havia um comandante
da Renamo o adjunto
era da Frelimo e vice-versa. Mas
em 2000, alegando que criaram
um novo organigrama nas FADM,
Por André Catueira, em Caia - Fotos de Ilec Vilanculos
“A Frelimo não quer que as coisas andem. Toda a confusão está com a Frelimo”, Afonso Dhlakama, líder da Renamo
EMA DA SEMANA Savana 17-04-2015 3
partido. Mesmo o Nyusi como presidente
da República pode continuar.
Lembra-se que assinei o AGP
com Chissano, depois houve sucessão,
e algumas coisas o Guebuza
consultava a Chissano, eu quero
acreditar que o Nyusi agora, embora
como Presidente da República e
da Frelimo, não deixa ser membro
do partido. Espero que com a saí-
da de Guebuza, Nyusi tenha poder
de decidir sobre questões de polí-
tica de defesa e segurança, quer a
política em geral, e o outro dossier
que ainda não esta terminado, que
é a questão da despartidarização
das instituições do Estado, que até
agora cada um muda uma vírgula,
mas o problema não é português,
não é o vocabulário, mas sim o sentido.
Se estamos a falar de despartidarizar,
estamos a falar que um administrador
não pode sair durante
as horas de expediente, por exemplo
às 10 horas, levar um carro do
Estado e ir fazer comício do partido
Frelimo. Não estamos a dizer
que o administrador não pode fazer
política, mas pode fazer depois das
15:30 horas.
Tem falado com o Presidente
Nyusi nos últimos tempos?
Não tenho estado a comunicar-me
com ele, mas indirectamente temos
falado. Eu falo com os meus para
fazerem chegar a mensagem e ele
com os deles para fazerem chegar
a mensagem a mim. Por exemplo,
estamos a preparar um possível encontro
para dentro em breve. Não
sei onde, mas é para breve.
O Presidente Nyusi lamentou
no Chókwè, no término de uma
visita presidencial, que algumas
coisas que falaram no primeiro
encontro não estão a andar. Qual
é o seu comentário?
Não, não houve nenhuma coisa que
ele me disse, que eu não esteja a fazer
avançar. Se calhar ele estava a
referir-se aos homens dele, que ainda
não aprovaram o ante-projecto,
porque o que combinamos foi do
ante-projecto, e o que combinamos
também foi o mapeamento da reintegração
dos comandos da Renamo
nos lugares chaves nas FADM,
que a bola está do lado dele. Só foi
bom, que estava a se confessar, por
isso precisamos de nos encontrar
para ultrapassarmos isso.
Quanto ao projecto-lei das autarquias,
antes de ser discutido na
AR, decorre a auscultação pública
e já há recados, que é preciso ir devagar
para se chegar longe. Tem a
mesma percepção?
Não, isso é política. Quando interessa
a Frelimo, a bancada da Frelimo
em 24 horas pode elaborar
uma lei e mexer na Constituição
da República, mas como interessa
ao povo de Moçambique e à Renamo
estão a falar de prazo, não há
prazo, é só aprovar e transferir tudo
que está previsto no ante-projecto,
é só transferir os poderes dos governadores
nas províncias autónomas
indicadas para os presidentes
dos conselhos provinciais e este
ser ratificado pelas assembleias sa-
ídas destas eleições. Não vejo nenhuma
coisa, até pode haver, mas
isso não vai impedir que no início
do segundo semestre comecemos
com os governos das autarquias
provinciais. Se houver boa vontade
da parte do Governo, mas eu acho
que se não houver essa boa vontade
a Frelimo será forçada, porque
aquelas multidões que me seguem
estão a exigir-me. Porque a Frelimo
queria que o ante-projecto fosse
implementado após as eleições
de 2019, após ter governado neste
mandato. A Frelimo não sabe que
o ante-projecto é a solução para
permitir que a Frelimo, sem que
tenha ganho possa governar. Para
acalmar as pessoas é preciso que o
Nyusi ordene à sua bancada a aprovar
para governarmos juntos. Isso
não é dividir como ele dizia em
Gaza, que não gostaria de governar
um país em que um cidadão para
sair de Maputo para Sofala precisaria
de passaporte. Não é assim.
As autarquias provinciais não vão
exigir passaportes. Mesmo a Governadora
de Maputo para ir ao gabinete
do presidente do município
de Maputo não precisa passaporte.
Só se eu estivesse a exigir a independência
das províncias. Aliás,
as autarquias provinciais vão fazer
com que haja competição na governação.
Quero acreditar que dentro
em breve tudo estará bem.
Nos últimos dois debates em Chimoio,
falou de pretender ver novos
Dhlakamas. Estaria a ensaiar
o debate da sua sucessão?
Não é bem assim, porque eu não
sou régulo na Renamo. O meu pai
é que é régulo Mangunde, desde
o tempo colonial. No dia que ele
morrer já sabemos qual dos nossos
irmãos irá substituí-lo no regulado
de Mangunde.
Quando eu digo quero mais
Dhlakamas, quero dizer que haja
jovens que trabalhem, que tenham
coragem, que trabalhem para o
povo de Moçambique, porque o
povo e a Frelimo dizem que é único
Dhlakama, por isso quero milhares
de Dhlakamas, não é no contexto
de preparar a minha sucessão. Não
sou eu quem vai preparar a minha
sucessão, mas será o partido a fazer
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