segunda-feira, 20 de abril de 2015

Toda a confusão está com a Frelimo.

Dois dias depois do grupo de mediadores para o diálogo político entre o Executivo da Frelimo e a Renamo e a delegação governamental terem vindo a público manifestar o seu desalento pelos constantes impasses nas últimas sessões, Afonso Dhlakama deu uma entrevista ao SAVANA em Caia, norte de Sofala, na qual acusou o partido no poder de recorrer a manobras para que “as coisas não andem”. “A Frelimo não quer que as coisas andem. Toda a confusão está com a Frelimo. O problema está com a Frelimo, que não quer reintegrar os comandos da Renamo nos lugares de chefia”. Lourenço do Rosário, que deu a cara em nome dos mediadores, disse que o grupo tinha conhecimento de que o líder da Renamo terá entregue ao Presidente da República a lista dos seus militares que estão nas FADM, que devem ser enquadrados nos cargos de chefia militar. Em entrevista ao SAVANA, Afonso Dhlakama confirmou este facto e garantiu que fez chegar três mapas de reintegração dos comandos da Renamo ao Chefe de Estado, via General Ossufo Momade. Contudo, apesar de todos os contratempos, Afonso Dhlakama voltou a manifestar confiança no diálogo no Centro de Conferências Joaquim Chissano e garantiu para breve mais um encontro com Filipe Nyusi, para desbloquear assuntos controversos. Pelo caminho, desvalorizou a ideia de um debate público do ante-projecto das autarquias autónomas e acredita que o mesmo será aprovado nesta sessão da Assembleia da República porque o documento “é a solução para permitir que a Frelimo, sem que tenha ganho, possa governar”. Eis o resumo da nossa conversa com Dhlakama: Os mediadores manifestaram desconforto com o ritmo do diá- logo no “Joaquim Chissano”. O que está a falhar? Facilmente poderei comentar, mas também não estou lá, não faço parte, embora estejam lá elementos que pertençam ao partido que dirijo há bastante tempo. É claro que aí há uma mistura de coisas. Não quero atacar os mediadores, mas a maioria dos mediadores são mo- çambicanos, e escolhidos por nós, e alguns têm o cartão ou simpatizam com o partido Frelimo. São membros do partido Frelimo, isto é outra coisa, a importância de Dhlakama, ser o Dhlakama a propor elementos da Frelimo para serem mediadores, depois da Frelimo ter rejeitado que os mediadores fossem estrangeiros. Eu nunca fui obstáculo para que estes mediadores estejam a facilitar. Veja esta capacidade de um africaDhlakama responde a Nyusi sobre os impasses no diálogo “Toda a confusão está com a Frelimo” no aceitar que, apesar de tudo, a saber que muitos dos mediadores são membros da Frelimo, mas eles a mediarem, quererem estar no meio, portanto se alguém é membro da Frelimo, custa alguma coisa serem chamados ao Comité Central para serem apertados para atacar a Renamo ou o Macuiana. Eu não estou a acusar, não é por aí, há-de chegar o tempo de acusar, mas quero dizer para o povo saber, aqueles são membros do partido Frelimo, se calhar o bispo Dinis não é, mas simpatiza. Se calhar (reverendo Anastácio) Chembeze, Lourenço do Rosário, o padre (Filipe) Couto, estes podem ser chamados no Comité Central para receberem orientações sobre como devem tratar os outros. A Frelimo não quer que as coisas andem. Eu assinei um acordo com o ex-presidente Guebuza. Agora já temos o novo presidente o (Filipe) Nyusi, já estive com ele, já tivemos um acordo, não foi escrito, mas verbal. Ele chegou a dizer nas câmaras de televisão que Afonso Dhlakama pode submeter o projecto de lei das autarquias à Assembleia da Repú- blica. O projecto está lá, porque houve um acordo verbal. Na prática, o Presidente Nyusi já sabe o que se está a passar no Centro Joaquim Chissano. Eu continuo a ser o presidente da Renamo, com a mesma equipa de diálogo no Joaquim Chissano, mas o Pacheco e os outros já obedecem ao Nyusi como Presidente. Tomem nota disto, porque pode estar a afectar, quem sabe se o (Armando) Guebuza pode estar a chamar o Pacheco para retardar as coisas. A Frelimo não quer seguir as coisas, porque o acordo que assinámos a 5 de Setembro de 2014 é de reintegração dos quadros e comandos da Renamo nos lugares de chefia nas correram quase com a metade dos homens da Renamo integrados, que até hoje apanham lixo sem reintegração qualquer, expulsos das FADM. Outros receberam reformas com 35 anos, mas já licenciados e já são Generais, só porque a Frelimo não queria que tomassem conta e dirigissem também ramos ou unidades do Exército. Integração e enquadramento dos homens da Renamo continua na discórdia. Há algum problema que trava a entrega de lista? Porque ao que apurámos do lado da delegação governamental, a Renamo ainda não entregou a lista para a reintegração e enquadramento dos seus homens? As pessoas é que não sabem porque é que há problemas no Centro Joaquim Chissano, mas é porque a Frelimo não aceita a partilha de poder, a reconciliação nacional. Não quer que as FADM sejam técnicas, profissionais, que os comandantes sejam nomeados pela confiança técnico-profissional, sem que digam viva, viva. A Renamo não tem culpa. Já cheguei a dizer se a Frelimo não quer, vamos submeter às Nações Unidas para criar duas for- ças, uma da Renamo que vai ficar no Inchope e outra da Frelimo que vai ficar em Maputo, mas eu não sou voluntário, porque não podemos obrigar aos nossos irmãos o que eles não querem. E porque eles dominam os embaixadores, têm cooperação internacional, apontam dedo à Renamo. Se eu fosse mau, já teriam criado problemas. Até agora estamos nas conversações porque é o único caminho. Mas este novo presidente, que foi antigo ministro da Defesa, vai tentar fazer algo, estou à espera, mas em termos da lista, só vamos produzir indicando os nomes que foram marginalizados nas FADM. Eu já fiz três mapas. Fiz um mapa e pintei a cor vermelha, onde a Frelimo ocupa tudo nas FADM. Fiz um mapa a cor-de-rosa, que indica onde a Frelimo está e onde a Renamo está. Fiz outro de cor azul, onde propomos onde a Renamo deve estar, onde os comandantes da Renamo podem estar. Já passa um mês e meio desde que foi entregue. Quando estive em Maputo, fiz secretamente e entreguei ao General Ossufo que foi entregar ao assessor do Presidente Nyusi e ele me ligou agradecendo que tudo estava bem feito. Se não passou para o Pacheco são os conflitos deles, porque na altura Guebuza puxava a brasa à sua sardinha. Toda a confusão está com a Frelimo. Não digo que a minha equipa não tenha errado, talvez haja algumas coisas pequenas, mas em termos daquilo que está a arrastar o diálogo até hoje, é problema da Frelimo, que não quer reintegrar os comandos da Renamo nos lugares de chefia. O mandato da EMOCHIM já teve uma prorrogação de 60 dias, depois dos 135 dias sem avanços. O diálogo está lento e está a frustrar os mediadores e a sociedade em geral. Que esforços reais o Presidente Dhlakama está a fazer para que o processo não falhe? Há um risco de prolongamento do mandato da EMOCHIM. Se calhar já levaram 20 dias dos 60 de prorrogação do prazo do seu mandato, e até agora não estamos a fazer nada. Eu acho que a EMOCHIM, quer os europeus e todos os outros já foram embora, ficaram os africanos. Acredito que a EMOCHIM que ficou é das tropas governamentais e da Renamo, assim como os países africanos de boa-fé. Os europeus não podiam esperar essa brincadeira, sabe que os europeus trabalham com tempo e prazos e todos foram-se embora, os americanos nem sequer vieram, parece que sonhavam. Quero também acreditar que esgotados os 60 dias de prorrogação, os africanos, como Botswana, Quénia e Zimbabwe, poderão ter paciência, porque queremos de facto que haja testemunhas nesta coisa de reintegração, sobretudo reintegração do exército, porque estamos a falar de uma instituição do Estado, que lida com armas, não podemos permitir sempre que dominem as FADM. Encontro com Nyusi em breve A eleição de Nyusi como presidente da Frelimo não dá ao lí- der da Renamo mais conforto de negociar directamente assuntos controversos? Não dá conforto a mim. Mas a ele mesmo de poder falar comigo à vontade. A mim não faz tanta diferença, porque eles são do mesmo FADM, mas até hoje não foi feito. A Frelimo andou a enganar toda a gente que está à espera da lista. Eu meti o dedo na ferida. Criei um modelo e mandei o General Ossufo para entregar ao Presidente Nyusi. Ele (Presidente Nyusi) agradeceu- -me e disse que duas semanas depois havíamos de resolver, quando eu ainda estava em Maputo no mês passado, e até agora o Pacheco fala de querer a lista? A lista para quem? Para enganar as pessoas? As pessoas que estão por preencher os lugares que pretendemos nas FADM estão lá. Estão sendo feitos de assessores, marginalizados, são brigadeiros, são coronéis, tenentes-coronéis, são majores. Eu poderia trazer a lista para elaborar bem. Eu sou General. Conheço muito bem, não há segredo, só que politicamente a Frelimo não quer que os da Renamo sejam chefes também no Estado Maior, nos departamentos do Estado Maior, nas brigadas, nos batalhões e outras unidades provinciais das FADM, querem-nos colocar como de terceira. Desde que foram formadas as FADM, há mais de três mil a quatro mil oficiais que estão nas academias militares a estudarem na América, Portugal, França e outros países africanos e nem sequer um é da Renamo, e porquê? Querem forçar que o Dhlakama crie o seu exército, para depois acusarem. Se eu sou uma pessoa com preparação político-militar, eu já teria criado as forças armadas, com argumentos, mesmo apresentados às Nações Unidas haviam de me dar razão. Foram criadas as FADM pela ONUMOZ em 1994. Estava muito bonito, onde havia um comandante da Renamo o adjunto era da Frelimo e vice-versa. Mas em 2000, alegando que criaram um novo organigrama nas FADM, Por André Catueira, em Caia - Fotos de Ilec Vilanculos “A Frelimo não quer que as coisas andem. Toda a confusão está com a Frelimo”, Afonso Dhlakama, líder da Renamo EMA DA SEMANA Savana 17-04-2015 3 partido. Mesmo o Nyusi como presidente da República pode continuar. Lembra-se que assinei o AGP com Chissano, depois houve sucessão, e algumas coisas o Guebuza consultava a Chissano, eu quero acreditar que o Nyusi agora, embora como Presidente da República e da Frelimo, não deixa ser membro do partido. Espero que com a saí- da de Guebuza, Nyusi tenha poder de decidir sobre questões de polí- tica de defesa e segurança, quer a política em geral, e o outro dossier que ainda não esta terminado, que é a questão da despartidarização das instituições do Estado, que até agora cada um muda uma vírgula, mas o problema não é português, não é o vocabulário, mas sim o sentido. Se estamos a falar de despartidarizar, estamos a falar que um administrador não pode sair durante as horas de expediente, por exemplo às 10 horas, levar um carro do Estado e ir fazer comício do partido Frelimo. Não estamos a dizer que o administrador não pode fazer política, mas pode fazer depois das 15:30 horas. Tem falado com o Presidente Nyusi nos últimos tempos? Não tenho estado a comunicar-me com ele, mas indirectamente temos falado. Eu falo com os meus para fazerem chegar a mensagem e ele com os deles para fazerem chegar a mensagem a mim. Por exemplo, estamos a preparar um possível encontro para dentro em breve. Não sei onde, mas é para breve. O Presidente Nyusi lamentou no Chókwè, no término de uma visita presidencial, que algumas coisas que falaram no primeiro encontro não estão a andar. Qual é o seu comentário? Não, não houve nenhuma coisa que ele me disse, que eu não esteja a fazer avançar. Se calhar ele estava a referir-se aos homens dele, que ainda não aprovaram o ante-projecto, porque o que combinamos foi do ante-projecto, e o que combinamos também foi o mapeamento da reintegração dos comandos da Renamo nos lugares chaves nas FADM, que a bola está do lado dele. Só foi bom, que estava a se confessar, por isso precisamos de nos encontrar para ultrapassarmos isso. Quanto ao projecto-lei das autarquias, antes de ser discutido na AR, decorre a auscultação pública e já há recados, que é preciso ir devagar para se chegar longe. Tem a mesma percepção? Não, isso é política. Quando interessa a Frelimo, a bancada da Frelimo em 24 horas pode elaborar uma lei e mexer na Constituição da República, mas como interessa ao povo de Moçambique e à Renamo estão a falar de prazo, não há prazo, é só aprovar e transferir tudo que está previsto no ante-projecto, é só transferir os poderes dos governadores nas províncias autónomas indicadas para os presidentes dos conselhos provinciais e este ser ratificado pelas assembleias sa- ídas destas eleições. Não vejo nenhuma coisa, até pode haver, mas isso não vai impedir que no início do segundo semestre comecemos com os governos das autarquias provinciais. Se houver boa vontade da parte do Governo, mas eu acho que se não houver essa boa vontade a Frelimo será forçada, porque aquelas multidões que me seguem estão a exigir-me. Porque a Frelimo queria que o ante-projecto fosse implementado após as eleições de 2019, após ter governado neste mandato. A Frelimo não sabe que o ante-projecto é a solução para permitir que a Frelimo, sem que tenha ganho possa governar. Para acalmar as pessoas é preciso que o Nyusi ordene à sua bancada a aprovar para governarmos juntos. Isso não é dividir como ele dizia em Gaza, que não gostaria de governar um país em que um cidadão para sair de Maputo para Sofala precisaria de passaporte. Não é assim. As autarquias provinciais não vão exigir passaportes. Mesmo a Governadora de Maputo para ir ao gabinete do presidente do município de Maputo não precisa passaporte. Só se eu estivesse a exigir a independência das províncias. Aliás, as autarquias provinciais vão fazer com que haja competição na governação. Quero acreditar que dentro em breve tudo estará bem. Nos últimos dois debates em Chimoio, falou de pretender ver novos Dhlakamas. Estaria a ensaiar o debate da sua sucessão? Não é bem assim, porque eu não sou régulo na Renamo. O meu pai é que é régulo Mangunde, desde o tempo colonial. No dia que ele morrer já sabemos qual dos nossos irmãos irá substituí-lo no regulado de Mangunde. Quando eu digo quero mais Dhlakamas, quero dizer que haja jovens que trabalhem, que tenham coragem, que trabalhem para o povo de Moçambique, porque o povo e a Frelimo dizem que é único Dhlakama, por isso quero milhares de Dhlakamas, não é no contexto de preparar a minha sucessão. Não sou eu quem vai preparar a minha sucessão, mas será o partido a fazer

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