segunda-feira, 20 de abril de 2015

-Declarações incendiárias do Rei zulu (Goodwill Zwelithini) por detrás do caos na África do Sul

Por Simião Panguane*
Milhares de moçambicanos, que vivem na cidade sul-africana de Durban, procuraram desesperadamente abrigo em esquadras de polícia, igrejas e campos de refúgio, no meio de uma onda de ataques contra comunidades de imigrantes. Algumas das vítimas foram queimadas e outras espancadas até à morte. A África do Sul é o país mais industrializado do continente africano. Muitos jovens olham para aquele país como a terra prometida, onde se encontram as maiores e melhores oportunidades econó- micas do que nos seus respectivos países de origem. Desde o fim do sistema de segrega- ção racial naquele país vizinho de Moçambique, milhões de imigrantes, com destaque para moçambicanos, zimbabueanos, malawianos e zambianos, dirigiram-se à África do Sul em busca de trabalho e protecção. Contudo, acabaram por ser considerados por muitos como responsáveis por alguns dos problemas sociais do país do rand, como a alta taxa de desemprego, a falta de habitação e a alta taxa de criminalidade. A 23 de Março passado, Goodwill Zwelithini, o rei dos zulus, o maior grupo étnico na África do Sul, pediu aos imigrantes que vivem na terra do rand, que regressem aos seus países. Zwelithini, cuja autoridade real é reconhecida pela Constituição e é financiado pelo Estado, acusou o Governo de Zuma de não proteger os sul-africanos da entrada massiva de estrangeiros e lamentou que os imigrantes tenham “tomado” as lojas que eram geridas pelos locais. Vinte e cinco por cento da força de trabalho activa não tem emprego na economia formal, o que correspondente a mais de cinco milhões de jovens sul-africanos desempregados. A maior parte não tem formação académica e/ou técnico-profissional e disputa oportunidades com estrangeiros no sector informal da economia. Frustrados com a falta de oportunidades na economia do seu país, sul-africanos recorrem à violência contra estrangeiros menos qualificados com os quais disputam oportunidades no sector informal, atacando, pilhando e ocupando os seus pequenos negócios um pouco por todos os bairros dos principais centros urbanos. Os pronunciamentos Zwelithini foram entendidos em vários sectores como “a gasolina” que fez deflagrar a onda xenófoba que lavra a África do Sul. Kwazulu-Natal As últimas duas semanas de Março e a primeira quinzena de Abril de Badwill Zwelithini 2015 foram marcadas por violentos ataques contra imigrantes nos bairros de Isipingo, Chatsworth e Umlazi, na periferia da cidade de Durban, depois dos ataques e pilhagens registados no início do ano em Joanesburgo e Pretória. Na província do Kwazulu-Natal, por sinal a mais populosa da África do Sul, os ataques forçaram mais de 1500 imigrantes de Moçambique, República Democrática do Congo, Zimbabwe, Malawi e de outros países africanos a abandonarem suas residências, refugiando-se nas esquadras da Polícia, de onde foram depois transferidos para campos improvisados de acomodação em Isipingo, Chatsworth e Greenwood. O Consulado de Moçambique baseado Durban estima em 2.500 o número de moçambicanos que vivem na província de Kwazulu- -Natal, sendo que mais de 200 imigrantes foram afectados pela violência. Belmiro Manhiça vive na África do Sul há mais de 15 anos e tem esposa sul-africana e filhos. Manhiça conta que perdeu seus negócios durante ataques registados semana passada em Chatsworth. Levou sua esposa e filhos para casa de um familiar e ele refugiou-se no campo de Chatsworth. “Fomos inocentemente atacados”, disse Belmiro Manhiça, visivelmente agastado para depois acrescentar: “o argumento é que somos estrangeiros. Dizem que todos os estrangeiros devem regressar aos seus países de origem”. Manhiça precisou que tem a sua “vida toda enterrada nesta terra”, mas reconhece que não se pode garantir segurança para continuar a viver na África do Sul, porque tem experiência da violência de 2008. As primeiras vítimas refugiaram- -se numa esquadra da Polícia, em Isipingo, mas o espaço era pequeno para acomodar mais de 500 pessoas, que tinham abandonado as suas residências à procura de melhor segurança. Os refugiados foram transferidos para um campo de futebol, no qual foram montadas tendas para abrigo temporário. Ricardo Maunze, refugiado no campo de Isipingo, descreve as condições do campo como precá- rias. “Apenas recebemos duas fatias de pão e um copo de chá, sem leite. As mulheres que estão a amamentar nem podem conseguir alimentar as suas crianças”, lamentou Ricardo Maunze, que vive na África do Sul, há mais de 12 anos e é casado com uma mulher sul-africana. Perante a situação de insegurança nas comunidades, alguns imigrantes querem regressar aos seus países de origem, mas outros dizem que perderam quase tudo e não podem voltar a casa de mãos a abanar depois de vários anos de trabalho e sacrifício. A xenofobia coloca em risco de separação de famílias inteiras compostas por marido, esposa e filhos, pois alguns imigrantes são casados com sul-africanas. O líder dos refugiados acomodados em Isipingo, Daniel Dunia, por sinal proveniente do Congo Democrático, disse que os imigrantes dão duas opções ao governo da África do Sul: reintegração dos estrangeiros africanos nas comunidades e se falhar no processo de integração, então que procure outro país mais seguro para lhes deixar protegidos. Declarações contraditórias Entretanto, o governo sul-africano, através do Ministro do Interior, pediu desculpas aos imigrantes pela violência. Segundo o Ministro Malusi Gigaba, que visitou os dois campos de refugiados, em dias separados, a violência contra estrangeiros é protagonizada por criminosos que agem, à revelia, em nome dos sul-africanos. O governante disse que a prioridade do governo sul-africano é restabelecer a segurança nas comunidades para garantir o regresso dos imigrantes às suas respectivas residências. O governante apelou aos líderes sul-africanos a terem muito cuidado com os seus pronunciamentos, pois podem ser confundidos e usados para espalhar ódio contra estrangeiros, numa clara alusão às declarações do Rei zulu, Goodwill Zwelithini. Paradoxalmente, uma das filhas do Rei Zulu casou-se com um mo- çambicano de nome Moses Tembe. O Ministro do Interior disse que o Governo vai falar com o soberano, sobre a política externa e sua importância para o bem da África do Sul na sociedade das Nações. Alguns estrangeiros acreditam que a violência foi provocada pelas palavras do Rei Zulu proferidas numa reunião sobre regeneração e outros consideram que a guerra sem quartel contra imigrantes é feita por oportunistas preguiçosos e consumidores de drogas que aproveitam a calada da noite para extorquirem dinheiro e bens dos imigrantes. No entanto, sul-africanos em Chatsworth e Isipingo têm percep- ções diferentes das do seu Governo e dos imigrantes sobre os motivos dos ataques. Consideram que empresas locais preferem empregar estrangeiros, porque pagam pouco dinheiro e os imigrantes aceitam e ocupam postos de trabalho que seriam para os locais. Eles acusam igualmente os imigrantes de mau comportamento, tráfico de drogas e prática de criminalidade nas comunidades. Os residentes dos bairros de Chatsworth Cross Mall e Isipingo rejeitaram o apelo dos líderes provinciais do ANC de Kwazulu- -Natal, partido no poder, para viverem em paz e harmonia com os imigrantes nas suas comunidades. Na reunião convocada para falar sobre reconciliação entre a população local e estrangeiros, a equipa do ANC falou do passado em que sul-africanos oprimidos pelo apartheid receberam apoio dos outros países. Disseram que Moses Mabida, por exemplo, cujo nome foi atribuído ao majestoso estádio de desportos de Durban construído em 2010 para acolher o campeonato mundial de futebol, morreu em Moçambique e que os moçambicanos consideram-no filho da terra e não aceitam que os seus restos mortais sejam exumados para terra natal. Explicaram que África do Sul é parte de África e por isso não pode rejeitar outros irmãos africanos. Mas os membros da comunidade rejeitaram o apelo e disseram que se o ANC insistir, então nas elei- ções vai ser votado pelos estrangeiros considerados criminosos. O Governo sul-africano e o ANC acreditam que os agitadores da xenofobia são criminosos que devem ser combatidos. Mas o Secretário- -geral do ANC, Gwade Manthashe, defendeu esta semana a reabertura de campos especiais para refugiados, reconhecendo que as relações entre imigrantes e populações locais estão envenenadas. O Ministro da Polícia, Nathi Nhleko, é citado como tendo afirmado que estrangeiros cometem os crimes mais graves na África do Sul. O filho do Presidente Jacob Zuma, Edward, é referenciado pela imprensa como tendo manifestado apoio às declarações do Rei Goodwill Zwelithini. Os discursos desencontrados dos governantes sul-africanos são considerados perigosos para as rela- ções entre estrangeiros e populações locais. Entretanto, o governo de Moçambique, através do Cônsul baseado em Durban, ofereceu apoio às vítimas da xenofobia refugiadas no campo de Chatsworth. Os refugiados agradeceram o gesto, mas pediram apoio em transporte para regressarem a casa. O pedido foi encaminhado ao governo central em Maputo, que concordou enviar dois autocarros para o transporte das pessoas e camiões para levar os bens das vítimas. O Embaixador de Moçambique, Fernando Fazenda, chegou a Durban no meio da semana para acompanhar o processo do repatriamento e foi ao campo de Chatsworth. Fazenda disse aos refugiados que o Governo quer os cidadãos nacionais com vida mesmo pobres ou empobrecidos. *Jornalista da Televisão de Moçambique (TVM)

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