Por Simião Panguane*
Milhares de moçambicanos,
que vivem na
cidade sul-africana de
Durban, procuraram
desesperadamente abrigo em esquadras
de polícia, igrejas e campos
de refúgio, no meio de uma
onda de ataques contra comunidades
de imigrantes. Algumas das
vítimas foram queimadas e outras
espancadas até à morte.
A África do Sul é o país mais industrializado
do continente africano.
Muitos jovens olham para
aquele país como a terra prometida,
onde se encontram as maiores
e melhores oportunidades econó-
micas do que nos seus respectivos
países de origem.
Desde o fim do sistema de segrega-
ção racial naquele país vizinho de
Moçambique, milhões de imigrantes,
com destaque para moçambicanos,
zimbabueanos, malawianos
e zambianos, dirigiram-se à África
do Sul em busca de trabalho e protecção.
Contudo, acabaram por ser considerados
por muitos como responsáveis
por alguns dos problemas
sociais do país do rand, como a
alta taxa de desemprego, a falta de
habitação e a alta taxa de criminalidade.
A 23 de Março passado, Goodwill
Zwelithini, o rei dos zulus, o maior
grupo étnico na África do Sul, pediu
aos imigrantes que vivem na
terra do rand, que regressem aos
seus países.
Zwelithini, cuja autoridade real é
reconhecida pela Constituição e é
financiado pelo Estado, acusou o
Governo de Zuma de não proteger
os sul-africanos da entrada massiva
de estrangeiros e lamentou que
os imigrantes tenham “tomado” as
lojas que eram geridas pelos locais.
Vinte e cinco por cento da força de
trabalho activa não tem emprego
na economia formal, o que correspondente
a mais de cinco milhões
de jovens sul-africanos desempregados.
A maior parte não tem formação
académica e/ou técnico-profissional
e disputa oportunidades com
estrangeiros no sector informal da
economia.
Frustrados com a falta de oportunidades
na economia do seu país,
sul-africanos recorrem à violência
contra estrangeiros menos qualificados
com os quais disputam
oportunidades no sector informal,
atacando, pilhando e ocupando os
seus pequenos negócios um pouco
por todos os bairros dos principais
centros urbanos.
Os pronunciamentos Zwelithini
foram entendidos em vários sectores
como “a gasolina” que fez deflagrar a onda xenófoba que lavra a
África do Sul.
Kwazulu-Natal
As últimas duas semanas de Março
e a primeira quinzena de Abril de
Badwill Zwelithini
2015 foram marcadas por violentos
ataques contra imigrantes nos
bairros de Isipingo, Chatsworth e
Umlazi, na periferia da cidade de
Durban, depois dos ataques e pilhagens
registados no início do ano
em Joanesburgo e Pretória.
Na província do Kwazulu-Natal,
por sinal a mais populosa da África
do Sul, os ataques forçaram mais
de 1500 imigrantes de Moçambique,
República Democrática do
Congo, Zimbabwe, Malawi e de
outros países africanos a abandonarem
suas residências, refugiando-se
nas esquadras da Polícia, de
onde foram depois transferidos
para campos improvisados de acomodação
em Isipingo, Chatsworth
e Greenwood.
O Consulado de Moçambique
baseado Durban estima em 2.500
o número de moçambicanos que
vivem na província de Kwazulu-
-Natal, sendo que mais de 200
imigrantes foram afectados pela
violência.
Belmiro Manhiça vive na África
do Sul há mais de 15 anos e tem
esposa sul-africana e filhos.
Manhiça conta que perdeu seus
negócios durante ataques registados
semana passada em Chatsworth.
Levou sua esposa e filhos para casa
de um familiar e ele refugiou-se no
campo de Chatsworth.
“Fomos inocentemente atacados”,
disse Belmiro Manhiça, visivelmente
agastado para depois acrescentar:
“o argumento é que somos
estrangeiros. Dizem que todos os
estrangeiros devem regressar aos
seus países de origem”.
Manhiça precisou que tem a sua
“vida toda enterrada nesta terra”,
mas reconhece que não se pode garantir
segurança para continuar a
viver na África do Sul, porque tem
experiência da violência de 2008.
As primeiras vítimas refugiaram-
-se numa esquadra da Polícia, em
Isipingo, mas o espaço era pequeno
para acomodar mais de 500 pessoas,
que tinham abandonado as suas
residências à procura de melhor
segurança.
Os refugiados foram transferidos
para um campo de futebol, no qual
foram montadas tendas para abrigo
temporário.
Ricardo Maunze, refugiado no
campo de Isipingo, descreve as
condições do campo como precá-
rias.
“Apenas recebemos duas fatias de
pão e um copo de chá, sem leite. As
mulheres que estão a amamentar
nem podem conseguir alimentar as
suas crianças”, lamentou Ricardo
Maunze, que vive na África do Sul,
há mais de 12 anos e é casado com
uma mulher sul-africana.
Perante a situação de insegurança
nas comunidades, alguns imigrantes
querem regressar aos seus países
de origem, mas outros dizem que
perderam quase tudo e não podem
voltar a casa de mãos a abanar depois
de vários anos de trabalho e
sacrifício.
A xenofobia coloca em risco de
separação de famílias inteiras compostas
por marido, esposa e filhos,
pois alguns imigrantes são casados
com sul-africanas.
O líder dos refugiados acomodados
em Isipingo, Daniel Dunia, por sinal
proveniente do Congo Democrático,
disse que os imigrantes dão
duas opções ao governo da África
do Sul: reintegração dos estrangeiros
africanos nas comunidades e se
falhar no processo de integração,
então que procure outro país mais
seguro para lhes deixar protegidos.
Declarações contraditórias
Entretanto, o governo sul-africano,
através do Ministro do Interior,
pediu desculpas aos imigrantes
pela violência. Segundo o Ministro
Malusi Gigaba, que visitou
os dois campos de refugiados, em
dias separados, a violência contra
estrangeiros é protagonizada por criminosos que agem, à revelia, em
nome dos sul-africanos.
O governante disse que a prioridade
do governo sul-africano é
restabelecer a segurança nas comunidades
para garantir o regresso
dos imigrantes às suas respectivas
residências.
O governante apelou aos líderes
sul-africanos a terem muito cuidado
com os seus pronunciamentos,
pois podem ser confundidos e
usados para espalhar ódio contra
estrangeiros, numa clara alusão às
declarações do Rei zulu, Goodwill
Zwelithini.
Paradoxalmente, uma das filhas do
Rei Zulu casou-se com um mo-
çambicano de nome Moses Tembe.
O Ministro do Interior disse que o
Governo vai falar com o soberano,
sobre a política externa e sua importância
para o bem da África do
Sul na sociedade das Nações.
Alguns estrangeiros acreditam que
a violência foi provocada pelas palavras
do Rei Zulu proferidas numa
reunião sobre regeneração e outros
consideram que a guerra sem quartel
contra imigrantes é feita por
oportunistas preguiçosos e consumidores
de drogas que aproveitam
a calada da noite para extorquirem
dinheiro e bens dos imigrantes.
No entanto, sul-africanos em
Chatsworth e Isipingo têm percep-
ções diferentes das do seu Governo
e dos imigrantes sobre os motivos
dos ataques.
Consideram que empresas locais
preferem empregar estrangeiros,
porque pagam pouco dinheiro e os
imigrantes aceitam e ocupam postos
de trabalho que seriam para os
locais.
Eles acusam igualmente os imigrantes
de mau comportamento,
tráfico de drogas e prática de criminalidade
nas comunidades.
Os residentes dos bairros de
Chatsworth Cross Mall e Isipingo
rejeitaram o apelo dos líderes
provinciais do ANC de Kwazulu-
-Natal, partido no poder, para viverem
em paz e harmonia com os
imigrantes nas suas comunidades.
Na reunião convocada para falar
sobre reconciliação entre a população
local e estrangeiros, a equipa
do ANC falou do passado em que
sul-africanos oprimidos pelo apartheid
receberam apoio dos outros
países.
Disseram que Moses Mabida, por
exemplo, cujo nome foi atribuído
ao majestoso estádio de desportos
de Durban construído em 2010
para acolher o campeonato mundial
de futebol, morreu em Moçambique e que os moçambicanos
consideram-no filho da terra e não
aceitam que os seus restos mortais
sejam exumados para terra natal.
Explicaram que África do Sul é
parte de África e por isso não pode
rejeitar outros irmãos africanos.
Mas os membros da comunidade
rejeitaram o apelo e disseram que
se o ANC insistir, então nas elei-
ções vai ser votado pelos estrangeiros
considerados criminosos.
O Governo sul-africano e o ANC
acreditam que os agitadores da xenofobia
são criminosos que devem
ser combatidos. Mas o Secretário-
-geral do ANC, Gwade Manthashe,
defendeu esta semana a reabertura
de campos especiais para
refugiados, reconhecendo que as
relações entre imigrantes e populações
locais estão envenenadas. O
Ministro da Polícia, Nathi Nhleko,
é citado como tendo afirmado que
estrangeiros cometem os crimes
mais graves na África do Sul.
O filho do Presidente Jacob Zuma,
Edward, é referenciado pela imprensa
como tendo manifestado
apoio às declarações do Rei Goodwill
Zwelithini.
Os discursos desencontrados dos
governantes sul-africanos são considerados
perigosos para as rela-
ções entre estrangeiros e populações locais.
Entretanto, o governo de Moçambique,
através do Cônsul baseado
em Durban, ofereceu apoio às vítimas da xenofobia refugiadas no
campo de Chatsworth.
Os refugiados agradeceram o gesto,
mas pediram apoio em transporte
para regressarem a casa. O pedido
foi encaminhado ao governo central
em Maputo, que concordou
enviar dois autocarros para o transporte
das pessoas e camiões para
levar os bens das vítimas.
O Embaixador de Moçambique,
Fernando Fazenda, chegou a Durban
no meio da semana para acompanhar
o processo do repatriamento
e foi ao campo de Chatsworth.
Fazenda disse aos refugiados que o
Governo quer os cidadãos nacionais
com vida mesmo pobres ou
empobrecidos.
*Jornalista da Televisão de Moçambique
(TVM)
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