OPINIÃO
08/03/2015 - 03:12
1. Olhando à nossa volta, para o país e para a Europa, a necessidade de um entendimento estratégico entre as principais forças políticas portuguesas é tão evidente que tudo o resto parece resumir-se a quase nada. Mas é com esse “quase nada” que estamos a viver de uma forma cada vez mais dramática. Só nos últimos meses, assistimos à queda do Grupo Espírito Santo e à queda, por arrasto, da PT. Temos um ex-primeiro-ministro na cadeia em prisão preventiva cuja necessidade não se percebe. Vivemos um episódio triste com a Grécia, em resultado do desespero próprio de quem vê ameaçada a sua estratégia do aluno diligente e um tanto graxista. Assistimos à triste figura do PSD quando resolveu achar graça, tanta graça, e ainda mais graça, já a tocar a graçola, à frase de António Costa (desnecessária, é verdade) dita perante um grupo de chineses, como se não tivessem mais nada para dizer. Observamos a agitação de um PS nervoso porque quer o poder a todo o custo e o seu líder, eleito para esse fim, não começa o dia a fustigar o Governo e a prometer o que não pode. E, finalmente, um primeiro-ministro que nos disse para aceitarmos os sacrifícios e não sermos piegas, que chegou a dizer que ficar desempregado podia ser uma oportunidade e que agora reconhece que fugiu a alguns desses sacríficos por ter tido dificuldades na vida (quem as não tem). O problema não são as dificuldades, é a total falta de coerência entre o que diz e o que faz. Passos Coelho era “um homem com uma missão” regeneradora, cortando com a elite anterior que fez pouco, gastou muito e está bem instalada na vida.
Estamos na recta final para as eleições. Não vai ser fácil a Passos recuperar a sua imagem de pessoa proba e modesta que tirou o país do desastre. Mas a tarefa de António Costa não será mais fácil. O líder do PS não pode fazer o mesmo que o actual primeiro-ministro fez nas legislativas de 2011, quando prometeu que a receita da troika, com ele, ia ser um passeio. Costa sabe até que ponto a Europa condiciona o nosso destino, mas sabe também que a sua missão é mostrar que as coisas podem ser diferentes para incentivar aeconomia e melhorar a vida das pessoas. Encontrar um equilíbrio é a sua tarefa “impossível”.
2. A social-democracia europeia anda à procura de um novo programapolítico praticamente desde a revolução neoliberal de Thatcher e Reagan (acompanhada em Pequim por Deng Xiaoping). Encontrou a “terceira via”, com a melhor resposta para conciliar a liberdade dos mercados com a justiça social. O objectivo era “dar poder às pessoas” através da educação e aos países através da investigação científica e tecnológica. Com a entrada do antigo mundo comunista nos mercados e com a revolução tecnológica, a globalização passou a ser a realidade económica, acrescentando um desafio ainda maior: como manter a competitividade europeia sem abdicar do modelo social europeu. Com os rendimentos da classe média cada vez mais “espremidos” praticamente desde finais dos anos 80, foi ainda possível manter a ilusão de bem-estar graças ao crédito barato (quando nos dizem que a culpa da crise é nossa porque quisemos todos ir para as Caraíbas, não acreditem). A crise acabou com ele. A crescente desigualdade entre os que beneficiaram da globalização ("os passageiros frequentes", como lhes chama o sociólogo alemão Wolfgang Merkel) e os que viram os seus rendimentos e empregos ameaçados acentuou-se, sem que os partidos de centro-esquerda conseguissem encontrar uma nova resposta. Ainda estamos aí. O sucesso dos partidos nacionalistas e populistas em muitos países ricos deve-se, em boa medida, ao insucesso dos partidos sociais-democratas. O sucesso do Syriza e do Podemos é em boa parte o resultado dessa falta de capacidade do centro-esquerda para gerar uma alternativa à austeridade. As dificuldades não são apenas nossas. Ed Miliband “esqueceu-se” de falar da política económica no seu último discurso no congresso do Labour antes das eleições de Maio. Desculpou-se com o facto de ter falado de improviso. Manuel Valls (um blairiano) combate como pode as velhas relíquias do Partido Socialista e ataca sem dó nem piedade a Frente Nacional. Em Madrid, há quem fale de uma coligação entre o PP e o PSOE (coisa nunca vista num sistema radicalmente bipolar) para evitar o Podemos. Sigmar Gabriel, o líder do SPD e vice-primeiro-ministro de Merkel, confessa aos seus parceiros europeus que, em matéria de política europeia, não tem qualquer margem de manobra, porque os alemães apoiam totalmente a forma como a chanceler está a gerir a crise. A própria Europa mudou de natureza, sem que o discurso social-democrata reflicta essa mudança. O caminho torna-se ainda mais difícil quando a divisão entre Norte e Sul não fica à porta do Partido Socialista Europeu, dificultando uma estratégia alternativa. Regressando a Portugal, António Costa tem de levar em conta esta realidade difícil para não prometer o que não pode cumprir.
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