Depois de ouvir a opinião de vários cidadãos moçambicanos, que apelam ao consenso no diálogo político entre o Governo e a Renamo, a equipa do DEBATE foi ao encontro do analista político especialista em Diplomacia, Direito e Negócios, Hilário Chacate, PARA decifrar as estratégias da resolução definitiva de um conflito político-militar como este vivido no país. Chacate reiterou que a solução deste problema não é imediata, sublinhando que um diálogo ao alto nível, entre Nyusi e Dhlakama, pode iluminar a vida dos moçambicanos, que temem a divisão do país; “Dhakama não tem fé na divisão do país, esta é mais uma estratégia política para poder pressionar o Governo”, explicou o analista.
Como especialista em Diplomacia, quais são as equações PARA a resolução do conflito político entre o Governo e a Renamo?
- Antes de dizer o que deve ser feito ou não para resolver este problema, preciso avançar as causas deste conflito, ou agitação política. Em princípio, vivemos uma tensão política que durou cerca de dois anos, resultando nos acordos do dia 5 de Dezembro do ano passado, que colocavam o fim das hostilidades entre o Governo e a Renamo. Depois disto entramos numa outra fase, a da aprovação de acordos, que coincide com o período eleitoral. Vamos às eleições e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, e os outros candidatos manifestam as suas expectativas. No entanto, a forma como o processo eleitoral foi conduzido é que constitui a causa destes pronunciamentos de Dhlakama. Não é preciso ser especialista para perceber que o processo eleitoral foi marcado por irregularidades. Por isso, o líder da Renamo encontrou um pretexto para pressionar o Governo. Ele não é louco, como muitos podem pensar, embora as estratégias que ele está a usar não sejam aceitáveis.
Governo sofre pressão de vários segmentos sociais
- A solução deste problema não é imediata, é a longo prazo. Agora, podemos remediar este problema, a partir do momento em que o nosso interesse é a paz, e Unidade Nacional. Ninguém está interessado em ver Moçambique dividido. Portanto, no estudo de conflitos existe o que chamamos de paz instável e paz precária, isto dentro da paz negativa. Neste momento estamos a viver uma paz negativa, aquela caracterizada pela ausência de um conflito ou uma confrontação armada. Esta paz negativa é, infelizmente, instável e bastante precária. A paz precária deixa todas as pessoas numa situação tensa. No entanto, os políticos numa situação de paz instável e precária têm variam soluções, algumas podem ser boas e outras fatais. Isto remete-nos para uma situação de crise política. É difícil tomar decisões numa situação desta natureza, o Governo está a sofrer pressão de vários segmentos sociais, que olham para o Chefe de Estado como a pessoa indicada para resolver este conflito com o líder da Renamo. Portanto, Filipe Nyusi como Chefe de Estado tem uma oportunidade ímpar para reverter este cenário que há anos persiste. Ele deve accionar todos os ângulos de diálogo com o líder da Renamo.
Há diálogo todas as semanas, mas continua a ameaça da divisão territorial
- Não acredito que Dhlakama tem fé na divisão de Moçambique. Um indivíduo que sai de Maputo, vai casar uma mulher de Nampula, e decide viver numa outra província da região norte do país, este não se identifica apenas com a região sul, norte ou centro do país. Identifica-se com todo o Moçambique, não há como dividir este indivíduo com uma cultura difusa. Dhlakama não tem fé na divisão do país, esta é mais uma estratégia política PARApoder pressionar o Governo. Com isso quero dizer que o líder da Renamo pode estar a usar estes discursos, da divisão territorial oudo governo de gestão, como forma de protestar ou ser ouvido pelo Governo. O Chefe de Estado deve sentar-se, ao mais alto nível, dialogar com o líder da Renamo.
Se a estratégia de diálogo accionada recentemente não surte efeitos desejáveisé preciso mudar, de modo a encontrar outras estratégias. O Centro de Conferências Joaquim Chissano não está a trazer soluções neste momento.As pessoas vão lá despender recursos de Estado sem trazer resultados. Portanto, acredito muito neste Governo, tendo em conta a postura do novo Chefe de Estado, em relação aos outros governantes com discursos sem abertura de espaço para o diálogo. Ele deve tomar decisões mais acertadas, sentando-se com o líder da Renamo.
Como olha a questão do discurso do líder da Renamo, que para muitos analistas infringe a Constituição da República?
- Essa ideia de dizer que o discurso do líder da Renamo é inconstitucional, penso que, não funciona. Vários segmentos sociais sabem que o processo eleitoral foi violento e fraudulento. Aqui estamos a dizer que o Conselho Constitucional (CC) anunciou e validou resultados eleitorais que nem tinham editais originais, o próprio CC violou a lei. Por isso, temos de parar com acusações, porque a violação da lei não acontece apenas com Dhlakama. Não vale a pena perder tempo com acusações, vamos procurar soluções concretas para este problema.
Em Moçambique há um problema muito grave na criação de um Estado de direito, democrático. Um Estado democrático deve ter uma divisão clara de poderes, onde o poder executivo é independente do judiciário e do poder legislativo. No nosso país há uma grande promiscuidade entre estes três poderes. Enquanto existir esta promiscuidade, vamos sempre discutir as mesmas situações. Precisamos ter instituições com capacidade de organizar o processo eleitoral, num ambiente em que A, B e C estão tranquilos. Ninguém vai viciar o processo eleitoral, devendo respeitar-se a decisão popular. As nossas instituições são frágeis, precisam ser fortificadas para não voltarmos a discutir as mesmas situações de fraudes eleitorais.
Ainda no que se refere às decisões populares. Olhando PARA as massas populares que o líder da Renamo arrasta nos seus comícios, não estaríamos diante de pessoas que reivindicam alguma coisa, ou simplesmente são simpatizantes da oposição?
- Esta questão é muito difícil de responder. Muita coisa pode ser dita. Primeiro, Dhlakama é uma figura muito carismática. Há quem diga que, depois de Samora Machel, ele é a segunda figura mais carismática. Segundo, Dhlakama tornou-se numa lenda criada pela própria Frelimo. Tivemos muitas manifestações no país, em que houve uma intervenção opressiva da polícia, caso da manifestação dos Madjermanes, dos Combatentes, isto tudo criou um ninho de descontentamento popular. E Dhlakama conseguiu, de uma forma astuta e sagaz, dizer não à partidarização, não o enriquecimento de uma forma ilícita, conquistando assim seguidores. Ele foi capaz de dizer não, os recursos naturais que proporcionam o desenvolvimento económico e humano estão cá no centro e norte do país. Algumas pessoas acreditam que se a região sul do país se desenvolve mais rapidamente, em relação ao centro e norte, é porque alguém vem arrancar todos os recursos nesses cantos do país.
Recentemente, ouvimos o antigo Chefe de Estado, Armando Guebuza, dizer que o Governo está aberto ao diálogo. Em reacção, o Líder da Renamo, Afonso Dhlakama disse estar também disposto ao diálogo, embora tendo a certeza que se trata de mais uma propaganda popular. Com estas contradições, não corremos o risco de voltar à guerra?
- Penso que um conflito, ou uma guerra, desgasta indivíduos. Dhlakama ficou muito tempo nas matas, e vimos em que condição se encontrava quando regressou à capital do país. O Governo, por sua vez, perdeu muitos homens durante a guerra civil. Ambas as partes estão em situação de desgaste. Não há condições PARA um confronto armado, tanto por parte do Governo como da Renamo. Não há quem esteja interessado em ver o país numa situação de guerra. Por isso, as partes terão que encontrar um meio-termo para resolver este problema.
Governar Moçambique é quase impossível nas condições em que se encontra. Imaginemos que um Governador de uma das províncias da região centro e norte do país esteja a dirigir um comício, e que apareça no mesmo local o líder da Renamo a agitar a população. Com isto não estou a querer dizer que o Governo e a Renamo devem ter relações amigáveis, mas sim que devem encontrar uma plataforma de convivência política saudável. Há quem diga que o Governo já fez cedências demais. Sim já fez, mas é preciso mais cedências em nome de interesses supremos, tais como a paz, a estabilidade política e o desenvolvimento, hipotecado por causa destes confrontos.
Para terminar, qual deve ser o papel dos órgãos da comunicação e membros da sociedade civil neste ambiente de crise política no país?
- Penso que é normal que alguns órgãos, ou indivíduos, tomem posições, apoiando este ou aquele partido, porque espera receber algum proveito, mas é preciso perceber que temos uma responsabilidade que vai além dos interesses pessoais. Nós temos um Estado por consolidar, uma missão para que os nossos netos, filhos e próximas gerações não nos acusem de consolidar um estado que vai ser o melhor lugar para se viver para as gerações vindouras. E nós teremos o orgulho de ter contribuído na consolidação de um estado de direito. Entretanto, olhando as coisas nesse prisma, penso que o interesse supremo deve mover os órgãos da comunicação a promover a paz, a concórdia,unidade nacional, de promover um estado de direito, em que todos os moçambicanos se sintam parte integrante. Devo lembrar que a imprensa é considerada o quarto poder. Então, a comunicação social pode construir, assim como pode ajudar a destruir. Esta comunicação social pode cooperar para um ambiente de paz e harmonia, e não agitação. Cabe aos redatores, aos chefes de redacções, saber que nós temos um valor supremo de construir um estado de direito, onde todos se sintam parte integrante.
Para terminar, resta-me dizer que há uma preocupação, não só minha, o facto de o presidente Nyusi não ter plenos poderes para decidir. Em algum momento podemos apontar o dedo a este jovem, esquecendo que ele pode não ter poder para decidir. Pela primeira vez, na história do governo deste país, desde a independência, temos um chefe de estado que não é chefe do partido, o que limita este individuo no processo da tomada de decisão. Por isso, temos de tomar muita cautela ao apontar Nyusi, porque tem limitações. Mas para mim, esta é uma preocupação que o próprio partido Frelimo, num fórum próprio, deve saber resolver, estou expectante que o Governo da Frelimo encontre uma solução rápida para dar poderes plenos ao actual presidente da república, para poder decidir. Aí sim, podemos apontar o dedo e afirmar; “aquele senhor tem plenos poderes mas não decide”. Como sabemos, o Comité Central e a Comissão Política são órgãos de onde emanam as decisões políticas que devem ser implementadas no Governo, se este senhor não tem poder de influenciar estes órgãos, enfrentará dificuldades enormes na sua governação.
Carlos Macuácua (gildohr@gmail.com)
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