sábado, 14 de fevereiro de 2015

Dieudonné e as fronteiras da liberdade de expressão


OPINIÃO

Dieudonné e as fronteiras da liberdade de expressão

O crime de apologia do terrorismo é um crime político?
“Considerando que o exercício da liberdade de expressão é uma condição da democracia e uma das garantias do respeito de outros direitos e liberdades; que cabe às autoridades encarregues da polícia administrativa tomar as medidas necessárias ao exercício de liberdade de reunião; que as restrições, por razões de ordem pública, ao exercício destas liberdades fundamentais devem ser necessárias, adaptadas e proporcionadas”, o Conselho de Estado francês, no passado dia 6, decidiu que se podia realizar o espectáculo do humorista Dieudonné M’Bala M’Bala que se encontrava marcado para esse dia para a sala Zénith de Cournon na comuna de Cournon d’Auvergne.
Esta vitória da liberdade de expressão em terras de França tem um particular significado porque Dieudonné M’Bala M’Bala é uma figura especialmente polémica, dadas as suas habituais provocações politicamente incorretas e um humor com expressões antissemitas. Acresce o facto de, no dia anterior, Dieudonné ter sido julgado, por apologia do terrorismo por ter colocado na sua página do Facebook, no dia da grande manifestação pela liberdade de expressão na sequência do massacre do Charlie Hebdo, a afirmação “Sinto-me Charlie Coulibaly”, associando o nome do jornal das vítimas dos terroristas jihadistas ao nome de Améd Coulibaly, o terrorista que, na mesma altura, tinha matado quatro homens judeus num supermercado e uma mulher polícia municipal.
O espectáculo de Dieudonné fora proibido por Bertrand Pasciuto, presidente socialista da comuna de Cournon d’Auvergne, por, entre outras razões, entender que no mesmo seriam proferidas “numerosas afirmações antissemitas”, semelhantes a outras que já tinham determinado a condenação do humorista em anteriores processos, que a sua atuação, na sequência dos trágicos acontecimentos do Charlie Hebdo e tendo em conta que era atualmente réu num processo por “apologia do terrorismo”, era de natureza a pôr em causa a “coesão nacional” e a atentar gravemente ao respeito devido “aos valores e princípios republicanos” e ainda porque haveria o risco de “incidentes violentos”.
A proibição do espectáculo decretada pelo autarca socialista fora anulada pelo juiz administrativo do tribunal de Clermont-Ferrand que considerara que tal decisão constituía um injustificado e grave atentado, manifestamente ilegal, à liberdade de expressão e de reunião. Bertrand Pasciuto recorreu, então, para o Conselho de Estado, o mais alto órgão da Justiça administrativa francesa, mas não encontrou apoio para a sua lógica proibicionista. Dieudonné pôde realizar o seu espectáculo.
Mas se, desta vez, o aparelho de Estado lhe deu razão e o deixou falar, já não é certo que o fará de igual modo quando for proferida, no próximo dia 18 de Março, a sentença no processo em que foi julgado pelo crime de “apologia do terrorismo”.
No fim do julgamento, o Ministério Público pediu a sua condenação em 200 dias de multa a 150 euros por dia, multa que se não for paga será convertida em dias de prisão. Durante o julgamento, o Ministério Público lembrou que Dieudonné já fora condenado sete vezes por afirmações antissemitas e que as suas declarações públicas são “sempre voluntariamente provocatórias, sempre falsamente ambíguas”, procurando o impacto mediático; com aquela expressão, Dieudonné apresentava Coulibaly como um “herói” ao colocar no mesmo plano as vítimas dos atentados terrorista e os seus autores.
Dieudonné defendeu-se dizendo, entre outras coisas, que a mensagem, que o fazia comparecer em tribunal, era “uma palavra de paz” e que se se referira Coulibaly fora porque tinha sido ele quem tinha matado pelas costas a mulher polícia municipal, uma antilhesa que era muito parecida com a sua própria filha. Negou pretender fazer qualquer apologia do terrorismo e afirmou que evidentemente condenava “sem qualquer reserva e sem qualquer ambiguidade os atentados”. Os advogados de Dieudonné apontaram ainda a existência de “dois pesos e duas medidas” no entendimento da extensão da liberdade de expressão e que o processo contra o humorista era, essencialmente, um processo político movido pelo primeiro-ministro, Manuel Valls, e o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve.
            

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