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Escrito por Sérgio Fernando em 30 Outubro 2014 |
Em Moçambique, a situação de exploração da mão-de-obra infantil tende a aumentar a cada dia que passa, sob o olhar impávido e sereno das autoridades e dos próprios pais das crianças. Vários petizes são aliciados com promessas de uma vida melhor no centro urbano e submetidos a trabalhos domésticos pesados, retirando-lhes, assim, o gozo pleno dos seus direitos. A história de Razaque Eusébio, de 14 anos de idade, é exemplo disso.
Segundo o adolescente, há muito que ambicionava conhecer uma zona urbana. Foi, nos finais de 2013, que a “sorte” bateu à porta do rapaz. A avó, cujo nome não apurámos, que reside na zona da Camionagem, no bairro de Carrupeia, cidade de Nampula, dirigindo-se aos pais de Razak, no distrito de Eráti, pediu para que o menino passasse a viver consigo. Na altura, houve promessas de que o adolescente iria prosseguir com os seus estudos.
Para o efeito, foi-lhe solicitada uma declaração de passagem da 2ª classe e outros documentos necessários. Em consequência disso e sem suspeitar da (má) intenção da anciã, os pais de Razak permitiram que o filho passasse a viver com a idosa. “É desejo de qualquer pai ter a sua criança a evoluir num centro urbano para, futuramente, se tornar um profissional e ajudar os irmãos mais novos”, pensavam, assim, os progenitores do rapaz.
A mudança do destino
Chegados à cidade de Nampula, Razak passou os primeiros dias a viver num mar de rosas numa região almejada há bastante tempo. Estava ansioso. Esperava que, logo no ano lectivo seguinte (2014), se pudesse matricular e continuar os seus estudos. Contudo, para a sua surpresa, o rumo dos acontecimentos mudou drasticamente.
Razak contou que, primeiro, foi informado de que não podia matricular-me em nenhuma escola da urbe porque não tinha a Cédula Pessoal. “Fiquei muito triste. Não reagi a essa situação, pois não tinha mecanismos para reivindicar e pressionar a minha avó. Depois de dois meses, fiquei conformado”, recorda o adolescente.
Os dias que se seguiram, conta, foram muito tristes. Além de fazer os trabalhos domésticos, o menor começou a ser privado dos seus direitos, sobretudo, o de brincar com crianças da sua idade. A avó é doméstica e não desenvolve nenhuma actividade de geração de rendimentos que lhe propicie o sustento da família. Dada a gravidade da situação financeira, a avó começou a preparar chamuças para vendê-las nas ruas da cidade.
Os rendimentos seriam usados para, entre outras necessidades, o sustento da família. Além da sua avó, Razak vive com outros dois menores de idade, um dos quais também é natural do distrito de Eráti e foi trazido nas mesmas circunstâncias. Nenhum deles frequenta a escola.
O dia-a-dia dos petizes resume-se a acordar e ajudar a idosa nos trabalhos de casa. Ao adolescente foi confiada a responsabilidade de comercializar as chamuças em diferentes artérias da cidade de Nampula. O outro rapaz é responsável pelos trabalhos caseiros, embora Razak tenha estado a ajudar em algumas actividades antes de se fazer à rua. “Quando acordo, devo varrer o pátio todos os dias e só depois disso é que vou vender as chamuças”, disse.
Vendedor ambulante
No princípio, Razak vendia-as no mercado improvisado nas imediações da linha férrea, na zona da Padaria Nampula. Mas o negócio não andava bem. Em média diária levava entre 150 e 200 chamuças. Era obrigado a comercializar tudo, sob o risco de sofrer represália em casos de fracasso.
Na tentativa de cumprir as exigências, o menor passou a deambular pelas artérias da cidade. Os produtos acabavam em tempo recorde e, muito cedo, regressava à casa. Ao sentir que o comércio estava a ter sucessos, a avó decidiu então aumentar as quantidades e começou a confeccionar 300 chamuças por dia. Mesmo assim os níveis de venda não mudaram. A receita diária melhorou. Por dia, ele consegue amealhar 600 meticais, pois cada chamuça custa dois meticais.
No que diz respeito às dificuldades por que passa no exercício da sua actividade, Razak disse que o único aspecto digno de realce é a perseguição dos agentes da Polícia Municipal, uma situação a que já não se assiste, actualmente, desde que a edilidade passou a ser liderada por Mahamudo Amurane, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM). Embora reconheça que o mercado é o único lugar apropriado para os comerciantes, a nossa fonte insiste em vender na rua devido às facilidades de contacto com os clientes.
Voltar à escola é o maior desafio
Com o aumento dos rendimentos, Razak passou a auferir um salário estimado em 500 meticais mensalmente. Com o valor, ele consegue comprar vestuário para si e para os irmãos mais novos que se encontram no distrito de Eráti. Contudo, ele afirmou que voltar a estudar constitui o seu maior desafio. Para o efeito, o adolescente está a juntar dinheiro para tratar da Cédula Pessoal para poder matricular-me.
Para evitar impedimentos por parte da anciã com quem vive, ele prefere não revelar o assunto. Mesmo desiludido com a sua avó devido às falsas promessas, Razak não está, de forma alguma, arrependido, tendo dito que vai continuar a viver na casa dela e a lutar para regressar aos bancos da escola.
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Sunday, November 2, 2014
Razak Eusébio: a face das crianças exploradas
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