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Transição de ditadura para democracia (e muitas vezes de ditadura para ditadura) pode ser atabalhoada, exasperante, sangrenta, pacífica, alternando sangue e negociação. Pode ser tortuosa, com figuras trafegando e traficando influência entre os sistemas, COMO no BRASIL. José Sarney foi homem da ditadura, foi homem da mineirice democrática de Tancredo Neves e é homem desta coisa que está aí.
E temos aquele agreste na “primavera árabe”. Nenhuma das transições para alguma coisa tem sido pacífica e está cheio de Sarneys no processo. Temos graus de violência e graus de resistência de ditadores para não entregarem o ouro e o abacaxi. O que está acontecendo na Líbia é chocante nesta transição pós-Kadafi. Mas nunca podemos esquecer que a escalada de violência aconteceu quando o ditador resolveu tratar manifestantes pacíficos como ratos e ele morreu como rato, no clichê repetido ad nauseaum. E para finalizar a metáfora, não faltou rato abandonando o navio do Kadafi no final da JORNADA, aderindo a esta coisa que está aí e não sabemos onde vai aportar.
Outros regimes terríveis souberam costurar melhor a transição. Há 20 anos, Nelson Mandela, cujo Congresso Nacional Africano praticara luta armada, negociou penosamente e muitas vezes num clima de ressentimento com FREDERICK de Klerk, que presidia o abominável apartheid. O dirigente branco se curvou à realidade e Mandela não tratou os brancos como ratos, embora tenha passado quase 30 anos na ratoeira . E a democracia está lá na África do Sul, com muita coisa vexaminosa, é claro. A nova elite no poder também é corrupta e o líder da ala jovem do Congresso Nacional Africano, Julius Malema, tem uma atitude racista (contra os brancos).
O país que tem ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, como o próprio Mandela, de Klerk e Desmond Tutu, vergonhosamente não permitiu a visita do Dalai Lama, outro Nobel da Paz, em nome de suas boas relações com a ditadura comuno-capitalista da China, que ocupa o Tibete. O governo sul-africano de Jacob ZUMA, aliás, segurou a barra do companheiro Kadafi até onde deu. Porém, vamos sempre saudar a obra magnífica de Mandela. Como o mundo precisa de outros Mandelas.
Lá no remoto Mianmar (nome terrivel dado para a Birmânia pelos militares que mandam e abusam do poder desde 1962) tem uma Mandela, uma favorita desta coluna, que é a também Prêmio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi. Sei que os olhos do mundo e as apreensões de quem se preocupa com direitos humanos e o futuro das liberdades estão nestas convulsões no mundo árabe. Mas a terra também se move lá naquele rincão da Ásia. Com Mianmar submetido a sanções internacionais, seus dirigentes ensaiam uma abertura para romper o isolamento e ganhar alguma legitimidade. Recentemente, foram mudanças inimagináveis. A própria Suu Kyi foi libertada da prisão domiciliar, censura foi relaxada, exilados políticos estão retornando e presos políticos sendo soltos.
Em agosto, Suu Kyi se reuniu com o presidente Thein Sein, mantido pelos militares. Ela comparou este diálogo ao ponto em que a África do Sul estava no começo dos anos 90 para negociar o fim do apartheid. Suu Kyi é gata escaldada. Já houve outros alarmes falsos. Em 2002, ela foi libertada da prisão na expectativa de que haveria uma transição negociada. No ano seguinte, a dissidente, filha do pai da independência nacional, estava de volta ao xadrez.
Agora Suu Kyi calibra uma resposta cautelosamente positiva e não descarta concorrer em eleições, se forem realmente livres, em 2015. Muitos dissidentes duvidam da sinceridade das reformas, criticam a disposição conciliatória de Suu Kyi e advertem os países ocidentais para não suavizarem as sanções tão cedo para que a oposição não perca o poder de barganha. E a própria Suu Kyi diz que é prematuro abandonar as sanções. Sem sinais encorajadores de Suu Kyi, os americanos e os europeus não vão desistir das punições econômicas contra o país com uma das populações MAIS miseráveis da Ásia. E os sinais são de que o governo de Mianmar é mais sério do que no passado sobre um projeto de reforma, em contraste, por exemplo, à ditadura da Síria, que chegou a encenar uma farsa reformista enquanto esmagava a oposição.
Bem, falando em Síria, de volta à complicada “primavera árabe”, onde se pode, no mínimo, duvidar do empenho democrático de muita gente que luta até bravamente, ao lado dos Sarneys, pela fim das ditaduras de plantão. Não temos estas dúvidas sobre Suu Kyi. Imagine uma mulher como ela, longe da selva de Mianmar, no deserto do ORIENTE Médio, lutando por democracia, com um sorriso e sem o véu.
Não dá para sorrir muito com estas transições, mas tampouco chorar de forma convulsiva com o triunfo de partidos islâmicos, como aconteceu nesta primeira eleição (para assembléia constituinte) na Tunísia, onde começou a “primavera árabe”. Melhor um Mandela ou uma Suu Kyi, mas temos só um Rachid Ghannouchi e sua filha porta-voz, com sotaque britânico, e cabeça coberta, dizendo que não devemos nos assustar. Meio assustado, preciso dar um meio voto de confiança. O processo eleitoral foi decente. Como observou em editorial o Wall STREETJournal, que não é um jornal deslumbrado, “o teste definitivo de qualquer nova democracia não é a primeira eleição; é a primeira transferência pacífica de poder. Mas a primeira eleição na Tunísia é um começo esperançoso”.
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Já estava inclinado e por pressão da massa (CERCA de dois leitores) eu me submeto. Colher de chá para os comentários desta quarta-feira do acelerado leitor Lawrence da Arábia (grande codinome).
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