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Transição e consolidação democrática em África
Como limpar as nódoas do processo
democrático? Os desafios da transição e democratização em Moçambique
(1990–2003)
ANÍCIA LALÁ
GLOBA
Prefácio
Desde que se constatou o inicio das “democracias de terceira vaga” em África, muitos
livros e artigos foram escritos abordando aspectos específicos inerentes aos processos de
transição. Contudo, volvidos cerca de dez anos, verifica-se ainda uma ausência de pesquisa
comparativa assente em bases metodológicas consistentes, assim como um défice na
elaboração de estudos de caso.
A Konrad-Adenauer-Stiftung, fundação política alemã, iniciou em 2002 um projecto
de avaliação do processo de democratização nos Países da África Sub-Sahariana. Este
projecto centrou-se na análise do Estado e dos problemas de transição democrática, tendo
sido realizado com base num conjunto de questões comuns, por forma a estabelecer uma
comparação entre a situação dos vários Países.
O estudo sobre o primeiro grupo de Países desenrolou-se em 2002, abrangendo o
Zimbabwe, Kénia, Nigéria e Burkina Faso, estendendo-se em 2003 ao Malawi,
Moçambique e Zâmbia.
Um factor decisivo para a selecção dos estudos de caso foi o carácter débil e
inconclusivo dos seus processos de democratização. Com efeito, nos sete Países atrás
referidos, os mesmos nunca foram realizados com sucesso em toda a sua plenitude ou,
após um início prometedor, o seu percurso era invertido. Deste modo, o processo de
democratização nos Países mencionados pode até ser apelidado de “processo de transição
prolongado”.
1
A abordagem comparativa do estudo, visa ilustrar as diferenças e os pontos comuns
detectados nos processos de democratização, bem como identificar as origens dos
problemas. Adicionalmente, a análise qualitativa procura fornecer alicerces académicos
para o desenvolvimento de políticas de apoio adequadas à sustentação da democracia em
África no geral e, para a Konrad-Adenauer-Stiftung, em particular.
Os sete estudos de caso foram levados a cabo por equipas de académicos alemães e
africanos, sendo estes últimos originários dos Países em questão. Visto que os estudos
adoptam uma análise qualitativa da democracia, a sua elaboração baseia-se em
observações pessoais (aproximadamente 200 entrevistas) e fontes secundárias, que
incluem inter alia, informações empíricas obtidas em várias pesquisas.
Tendo em consideração os paradigmas sobre a democracia desenvolvidos por Robert
A Dahl e Larry Diamond, as análises centram-se nos aspectos de competição e
participação política, direitos civis, pluralismo político e civil, construção do Estado de
direito e análise sobre “checks and balances”. Adicionalmente, os estudos reflectem
aspectos da cultura política e do comportamento dos principais actores. A fim de evitar as
insuficiências de uma mera avaliação do status-quo, a qual poderia implicar uma
identificação incompleta das causas subjacentes aos obstáculos à consolidação
democrática, as análises destacam o carácter processual e têm em consideração os
desenvolvimentos intrínsecos do processo de transição e legado histórico que ainda
possam ter impacto.
O estudo sobre a democratização em Moçambique decorre num momento em que o
País avança para um outro patamar crucial deste processo. Dez anos após as primeiras
eleições multipartidárias, Moçambique pode ser caracterizado como um País onde vigora
uma democracia eleitoral, com eleições regulares, livres e mais ou menos justas.
No entanto, a consolidação das suas estruturas democráticas tem sido continuamente
posta em questão por uma cultura política caracterizada por estruturas neo-patrimoniais
e corrupção endémica, dentro do aparelho de Estado. Este facto, para além de possuir um
impacto negativo no desenvolvimento sustentável do País, o qual requer instituições
políticas estáveis e responsáveis, afecta de igual modo as relações entre a sociedade e o
Estado, conduzindo à erosão da legitimidade deste último.
Este descontentamento crescente foi observado no último “Afrobarometer Survey”,
2
onde 39% dos entrevistados caracterizou o actual sistema político como uma democracia
com grandes deficiências e apenas 10% considerou Moçambique como uma democracia
completamente enraizada. No entanto, esta atitude céptica não se reflectiu em grandes
níveis de abstenção do eleitorado nas eleições nacionais (1999: 69.5% participarem).
Porém, a reduzida participação dos eleitores nas eleições locais de 2003 – somente
24.16% decidiu votar –deve ser entendida como um sinal de advertência para aqueles que
pretendem entrar na competição política em 2004.
Por último, importa mencionar que o projecto implicou um elevado grau de
cooperação e debate entre as autoras, com o propósito de alcançar uma posição
concertada relativamente à maioria dos assuntos abordados e por forma a produzir uma
versão integrada e coerente.
Em nome da Konrad-Adenauer-Stiftung, gostaríamos de agradecer à co-autora
Moçambicana, Anícia Lalá, pela sua devotada dedicação e inexcedível apoio durante todo
o projecto.
Andrea E Ostheimer Burkhard Margraf
Coordenador de Pesquisa/ Representante Residente
Vice-Representante Konrad-Adenauer-Stiftung
Konrad-Adenauer-Stiftung Maputo, Moçambique
África do Sul
ANOTAÇÕES
1 G Erdmann, oder de Neopatrimoniale – Herrschaft: Warum es de Afrika no gibt de Hybridregime do
viele assim, em: P Bendel/croissant/F Rüb (eds.), und Diktatur de Zwischen Demokratie.
Demokratischer Grauzonen de Empirie do und de Zur Konzeption. Opladen 2002, pp. 323-342.
2 JCG Pereira/YD Davids/R Mattes, Mozambicans’ view of democracy and political reform: a
comparative perspective, Afrobarometer Paper No. 22, <www.afrobarometer.org>.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE viii
De acordo com o primeiro presidente da Comissão Nacional de Eleições de Moçambique
e actual Reitor da Universidade Eduardo Mondlane, Brazão Mazula, a democracia
moçambicana deve proporcionar:
“uma capacidade e oportunidade de convivência social, política e económica, na
diversidade de ideias, opiniões e culturas, para a realização de um desenvolvimento
real, em cada tempo e lugar”.
3
Apesar deste estudo adoptar como questão fulcral uma abordagem institucional com vista
a avaliar o estado da democracia moçambicana (seguindo a tradição de Robert Dahl, Juan
Linz e Larry Diamond), toma igualmente em consideração a cultura política e o
comportamento dos actores intervenientes. No que concerne à analise dos obstáculos e às
fraquezas do processo de consolidação democrática em Moçambique, parece
especialmente válido recorrer à abordagem filosófica (ex: Habermas), a qual realça a
natureza dialogante de uma democracia ideal e a procura de consensos.
Neste contexto, o presente estudo visa, não apenas fazer uma avaliação da actual
situação política de Moçambique, mas também analisar o desenvolvimento da sua
transição democrática. As características específicas e sobretudo os défices democráticos e
estruturais que impedem uma maior consolidação da democracia, necessitam ser
identificados, na medida em que devem constituir alvo de qualquer programa que envolva
aspectos de promoção democrática. Infelizmente, a maior parte das análises existentes
segue a abordagem clássica dos teóricos de democratização, não se debruçando
suficientemente sobre a interdependência entre consolidação democrática e
desenvolvimento económico.
Contudo, de acordo com os resultados das pesquisas empíricas,
4
grande parte das
populações nos países em desenvolvimento associa a democratização à esperança de
melhoria das suas condições de vida, embora isto nunca se materialize, para a maioria.
“Many people realised that it was not that nothing had changed; rather it was that
things had changed, but not for them. There was a consciousness since liberalisation
that some were taking advantage of the socio-economic conditions created to begin to
accumulate wealth.”
5
1
Introdução
Com vista a uma aferição qualitativa da democracia moçambicana, este estudo baseia-se essencialmente em constatações pessoais, fontes secundárias e entrevistas realizadas. No
entanto, a análise foi enriquecida com dados empíricos obtidos a partir de várias pesquisas
conduzidas em Moçambique, durante os últimos cinco anos.
Ambas as autoras, Andrea E Ostheimer, da Fundação Konrad Adenauer (FKA) em
Joanesburgo (RSA) e Anícia Lalá, docente do Instituto Superior de Relações Internacionais
(Maputo-Moçambique), actualmente adstrita ao Projecto “Global Facilitation Network
for Security Sector Reform” (GFN-SSR) sediado na Universidade de Cranfield em
Shrivenham (GB), têm estado a monitorar a situação política em Moçambique ao longo
da última década, contando, para o efeito, com uma vasta rede de contactos. Assim, foram
efectuadas entrevistas de forma independente por cada uma das autoras, em Abril e Maio
de 2003, assim como, utilizados dados de estudos recentemente realizados,
respectivamente, sobre o conflito interno em Moçambique
6
e a avaliação do sistema de
justiça do Pais.
7
Igualmente, declarações proferidas por actores políticos participantes
numa conferência recentemente realizada pelo Instituto Eleitoral da África Austral (EISA)/
Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento (CEDE) subordinada ao tema:
“Consolidação da paz e democracia em Moçambique através de iniciativas de gestão de
conflitos relacionados com eleições” (Maputo, 22–23 de Julho de 2003), foram tidas em
consideração.
Embora uma das autoras seja membro do pessoal da FKA, Joanesburgo, os pontos de
vista expressos no presente estudo não reflectem, necessariamente, as opiniões da FKA,
tanto em Maputo como em Berlim.
Finalmente, acresce referir que ambas as autoras contribuíram para este estudo como
pesquisadoras independentes, na sua qualidade de cientista político e, pesquisadora de paz
e desenvolvimento, respectivamente.
Com vista a garantir a confidencialidade e protecção das fontes de informação
utilizadas para este estudo, os nomes das pessoas entrevistadas não serão revelados.
Todavia, faz-se uma descrição geral das funções da pessoa (ex: representante do governo)
no texto principal e uma lista detalhada dos entrevistados consta do anexo.
ANOTAÇÕES
3 B Mazula, As eleições moçambicanas: uma trajectória da paz e da democracia, in: B Mazula (ed),
Eleições, Democracia e Desenvolvimento, Maputo, 1995, pp. 26-77, p.73.
4 Por exemplo, O Jalilo/B Fungulane/MJ Brito dos Santos, Democracia não se come. Estudo sócio-antropológico sobre democratização e desenvolvimento no contexto moçambicano, Fundação Konrad-Adenhauer/UCM, Maputo, 2002 (documento de trabalho não publicado).
5 [Trad.: “Muitas pessoas foram-se apercebendo que não é que nada tenha mudado; pelo contrário, as
coisas tinham mudado, mas não para eles. Houve consciencialização para o facto de que, desde a
liberalização alguns se aproveitaram das condições socio-económicas criadas para começar a acumular
riqueza.”.] G Harrison, Democracy in Mozambique: The significance of multi-party election, Review
of African Political Economy, 67, 1996, p. 19-35, p. 26
6 N Grobbelaar/A Lala, Managing group grievances and internal conflict: Mozambique country report,
Working paper 12, Netherlands Institute for International Relations, Clingendael, June 2003.
7 AE Ostheimer, Schwächen und Herausforderungen des mosambikanischen Justizsystems: Analyse
Struktureller Dysfunktionalität, DASP-Conference paper, December 2002.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 2
1.1 LIBERTAÇÃO DO REGIME COLONIAL PORTUGUÊS
Embora o impacto da herança colonial sobre os processos políticos do período pós-colonial não deva ser sobrestimado e explicações unívocas devam ser evitadas, a
influência do regime colonial em África permanece evidente. Enquanto que as colónias
francesas e britânicas se tornaram independentes nos anos de 1950 e 1960, Portugal sob
a ditadura de Salazar, rejeitou a concessão das independências às suas províncias
ultramarinas até à revolução militar de 1974 – “Revolução dos cravos”.
Enquanto que as elites indígenas nas colónias francesas e inglesas tinham acesso à
formação académica nos seus respectivos países e possuíam contactos com valores
democráticos, Salazar (1932–1968) e Marcelo Caetano (1968–1974) mantiveram um
regime autocrático e corporativista apoiado pela Igreja Católica, Exército e Polícia
Internacional de Defesa do Estado (PIDE). A forte postura anti-comunista e tratamento
violento contra qualquer oposição,
8
constituiu característica essencial do Estado Novo
Português sob a governação de Salazar. Além disto, nas províncias ultramarinas de Portugal
o conceito de assimilação
9
era implementado de modo contrário ao seu teor semântico,
impedindo como tal, a formação adequada da população indígena, a consolidação das elites
locais e a sua possibilidade de participar nas estruturas sócio-políticas.
Porém, não se deve ter somente em consideração o contacto e a experiência das
culturas democraticamente formadas como a principal variável sobre os desenvolvimentos
políticos após a independência. De acordo com Christian Coulon, por exemplo, o estilo
de uma liderança moderada e mais ou menos democrática como a do Senegal, pode ser
visto como resultado de um processo de descolonização que não envolveu mobilização de
massas ou uma guerra revolucionária de libertação.
10
No caso do Zimbabwe, contudo, Masipula Sithole identificou que o cariz de comando
directo, de mobilização e de “politização” da sociedade sob circunstâncias clandestinas,
conduziu mais tarde a uma política de intimidação e medo.
11
No que respeita às antigas colónias portuguesas e particularmente Moçambique, a
cultura política foi forjada pela luta armada de libertação. Muita da legitimidade da Frente
de Libertação de Moçambique (FRELIMO), assim como do Movimento Popular pela
Libertação de Angola (MPLA) em Angola e do Partido Africano de Independência da
Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC) na Guiné-Bissau, continua a dever-se ao seu papel
histórico na libertação do País.
3
Capítulo 1
1990– PONTO DE PARTIDA: CARACTERÍSTICAS DO ANTERIOR
REGIME E DÉFICES DEMOCRÁTICOS
A inexistência de ‘concorrência’ e ‘participação’ tornou-se característica dos sistemas
políticos em todos os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), visto que,
após obtenção da sua independência, os novos governos nunca procuraram alcançar
legitimidade mediante a realização de eleições. Antes pelo contrário, hierarquias de
representação política indirecta foram desenvolvidas no contexto do sistema de partido
único. Assim, em cada nível (local, regional, nacional) os membros do partido elegiam ou
anunciavam, de forma aleatória, novos quadros para o patamar superior das assembleias
populares, pelo que a participação política permanecia, deste modo, ligada à adesão ao
partido e, por conseguinte, ocorria única e indirectamente.
No caso concreto de Moçambique apenas um pequeno grupo de elite estava
qualificado ideologicamente para aderir ao partido de vanguarda, a Frelimo. Somente um
circulo menor dentro deste partido, tomava decisões relativas à composição dos governos
nacionais. Tal como no caso de Samora Machel em Moçambique e Agostinho Neto em
Angola, as mudanças na liderança política ocorriam muitas vezes após a morte da primeira
geração. A competição sócio-política ou político-partidária era inexistente em face da
incorporação de forças da sociedade civil – tais como sindicatos, associações e meios de
comunicação social – nas estruturas socialistas do partido único.
Após a independência, as forças de oposição existentes tiveram que se exilar ou optar
pela via da luta armada, tal como sucedeu nos casos de Angola e Moçambique. Neste
contexto, o pluralismo social ficou reduzido às igrejas.
1.2 ESTABELECIMENTO DO SOCIALISMO EM MOÇAMBIQUE
Quando o regime autoritário de Marcelo Caetano foi derrubado em Portugal em 1974, a
Frelimo
12
– que vinha lutando pela independência desde 1962 – já mantinha sob seu
controlo três das 10 províncias de Moçambique. A Frelimo, sob pressão continua do
conflito vigente, forçou a antiga potência colonial a abandonar o país mais cedo e a
entregar o poder sem realização de eleições (Acordo de Lusaka, 7 de Setembro de 1974).
Consequentemente, foi criado antes da independência (25 de Junho de 1975) um
governo de transição, maioritariamente composto por ministros da Frelimo e liderado por
um primeiro ministro. Com a independência de Moçambique em 1975, foi adoptada uma
Constituição, a qual definia o papel da Frelimo como força de liderança do Estado e da
sociedade, bem como assegurava a legitimação do regime de partido único, eliminando,
deste modo, qualquer forma de pluralismo social.
Nestes termos, as autoridades tradicionais foram abolidas por decreto e substituídas
por comités locais do partido, os grupos dinamizadores.
13
Os dissidentes da Frelimo e
membros da oposição política que não optaram pelo exílio, rapidamente se viram
forçados a integrar campos de reeducação e de trabalho na Província do Niassa (operação
produção).
Enquanto que a década de 1970 pode ser, em larga medida, descrita como a fase da
consolidação do poder pela Frelimo, a de 1980 revelou os primeiros sintomas de um
estado em crise. Em termos estruturais, materiais e económicos, o conceito do estado,
14
enquanto agente exclusivamente responsável pelo desenvolvimento económico nacional,
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 4
provou ser um fracasso. O estabelecimento de aldeias comunais e a consequente
recolocação de populações à força, despoletaram forte resistência por largos sectores da
população rural. A tradicional economia de subsistência dos camponeses não tinha lugar
no modelo socialista de desenvolvimento implantado, marginalizando grandes segmentos
populacionais da sociedade rural que se desiludiam, cada vez mais, com o governo de
então.
15
A exclusão era o sentimento de largos segmentos da população, face a um sistema
político que incluía características patrimoniais, tornando o estado numa fonte de
acumulação de privilégios e recursos materiais para os que a ele tinham acesso.
1.3 CRIAÇÃO DA RENAMO E A GUERRA CIVIL MOÇAMBICANA
A aplicação do processo de recolocação das populações, a quase inexistência de serviços
prestados pelo Estado e a abolição de estruturas tradicionais, desgastaram os alicerces
sociais da Frelimo. Esta situação provocou um desagrado que foi utilizado pela Renamo
16
para formar a sua própria base de apoio no seio da população moçambicana. Enquanto a
Renamo ganhava apoio nas províncias centrais de Sofala e Manica, bem como nas do
Norte, esta continuava a ser um movimento essencialmente militar que Christian Geffray
caracterizou deste modo:
“La Renamo n’est certes pas une association de brigandage, contrirement à ce que
laisse entendre la propaganda du Frelimo [...]. Mais elle n’est certainement pas non
plus une organisation politique, elle ne nourrit aucun projet pour les populations du
pays qu’elle saigne abondamment depuis prés de quinze ans.”
17
A esperança da Frelimo de que a Renamo iria perder o seu apoio externo depois dos
Acordos de Lancaster House e a derrocada do regime de Smith no Zimbabwe (1980), bem
como a sua crença baseada no facto de que a vitória militar do conflito constituiria
somente uma questão temporal, provou estar errada. No entanto, o apoio logístico
prestado à Renamo continuou a efectuar-se através da África do Sul, integrado no
conceito militar de ‘Estratégia Nacional Total’
18
deste País.
Deste modo, a complexidade do processo de transição de Moçambique e os problemas
subjacentes, podem ser atribuídos à situação política do país, caracterizada pela guerra
civil e dominada pela conjuntura estrutural de conflito, então existente na África Austral.
Fácil e de crer que um processo de democratização bem sucedido em Moçambique, não
necessitava meramente de mudanças no quadro institucional e adopção de um sistema
multipartidário, sendo que os pré-requisitos para a transição democrática passavam
igualmente pela criação de um ambiente estável para o processo de paz e pelo fim da
guerra civil. Assim, havia necessidade de se ponderar dois processos interdependentes,
cada um deles determinado por factores internos e externos.
Contrariamente a Angola, a guerra civil em Moçambique nunca foi uma guerra “por
procuração” das superpotências, nomeadamente da URSS e dos EUA. Embora
Moçambique recebesse assistência militar da URSS e de outros países do Pacto de
Varsóvia, a Frelimo nunca seguiu Moscovo ideologicamente, como fez o MPLA em
5 LALÁ&OSTHEIMER
Angola. O Governo moçambicano procurou sempre manter uma política externa
independente
19
e recusou continuamente os pedidos da URSS para o estabelecimento de
bases militares no território moçambicano.
20
Mais ainda, a Renamo jamais atingiu o nível
de legitimidade da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) no
seio do Departamento de Estado dos EUA.
21
Embora a dimensão internacional do conflito moçambicano estivesse num patamar de
menor desenvolvimento do que em Angola, os enlaces e disfunções regionais contribuíram
com as suas próprias dinâmicas.
22
A crescente percepção dos vários actores relativamente
às mudanças regional e internacional e a possibilidade de um impasse militar, foi decisiva
para os desenvolvimentos iniciais com vista às conversações de paz.Com a mudança na
política externa regional da África do Sul,
23
o apoio logístico à Renamo cessou e esta teve
que passar a depender, cada vez mais, de armas capturadas à Frelimo.
Paralelamente, o modus operandi brutal da Renamo foi documentado no Relatório
Gerson do Departamento de Estado dos EUA, manchando deste modo a reputação
internacional deste agrupamento. O terror espalhado pela Renamo no seio da população
rural reduziu o apoio popular ao agrupamento, provocando uma certa resistência
passiva.
24
Simultaneamente, o Governo via-se confrontado com crescentes constrangimentos
económicos, submetendo-o a forte pressão com vista a pôr fim à guerra civil. A ajuda
financeira externa diminuía e o Programa de Reajustamento Estrutural (PRE)
implementado a partir de 1986 não obtinha sucesso no alivio à pobreza das populações.
No campo militar, assistia-se a um impasse e as Forças Armadas de Moçambique (FAM)
não conseguiam alcançar qualquer sucesso, dependendo largamente dos contingentes
zimbabweanos. Nos finais de 1980, o Zimbabwe, igualmente confrontado com uma débil
economia, começava a considerar retirar as suas tropas. Outra agravante residia no facto
de, em 1989, a URSS ter anunciado que os seus conselheiros militares deixariam
Moçambique dentro de dois anos.
Foi neste contexto que uma primeira ronda de negociações teve lugar em Nairobi em
Agosto de 1989, tendo depois prosseguido, através de outras adicionais, em Roma, a
partir de Julho de 1990.
1.4 ADESÃO AO PROCESSO DE LIBERALIZAÇÃO POLÍTICA
Paralelamente às conversações de paz, o Governo Moçambicano continuou com o
processo de liberalização política. Durante o quinto congresso do partido em 1989, a
Frelimo separou o Estado do partido e retirou as referências de Marxismo-Leninismo dos
estatutos do partido. As justificações apresentadas pela Renamo para continuar com a
guerra diminuíam paulatinamente.
25
A Constituição de Novembro de 1990 abrangeu,
finalmente, tudo o que a Renamo “dizia lutar para alcançar”, nomeadamente:
• a garantia dos direitos básicos individuais, tais como, liberdades de crenças, opinião e
associação;
• pluralismo partidário;
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 6
• independência dos tribunais;
• eleições livres e secretas; e
• uma eleição directa do Presidente da República.
Inicialmente, estas reformas unilaterais conduzidas pela Frelimo tiveram um impacto
negativo nas conversações de paz. A Renamo viu-se confrontada com o dilema da sua
posição negocial ter sido reduzida. Resumidamente, a Renamo tinha que aceitar as regras
do jogo estabelecidas pela Frelimo e aguardar por um sucesso eleitoral, apesar da
fragilidade do seu programa e das suas fraquezas políticas ou então, boicotar a
continuação das negociações. Este último facto, implicaria o reiniciar as hostilidades com
a consciência de que a guerra não seria vencida, aumentando assim o apoio internacional
à Frelimo.
O trajecto adoptado pela Renamo foi caracterizado por Alden e Simpson como sendo
o de “to be as obstructionist as possible, in the hope that Frelimo would make concessions
that might favour them during the elections”.
26
Apesar destas dificuldades, as negociações de paz em Roma prosseguiram, embora
lentamente, culminando no Acordo Geral de Paz (AGP), o qual traçava o quadro para a
transição democrática.
27
O AGP proporcionou, igualmente, um ambiente que possibilitou
a transformação estrutural da Renamo e garantiu a sobrevivência do partido em tempo de
paz.
Com base nos ensinamentos colhidos da experiência eleitoral em Angola, um processo
efectivo de desmobilização de forças de ambos os contendores, tornou-se pré-condição
essencial para a realização de eleições multipartidárias. Neste contexto, o mandato da
Organização das Nações Unidas (ONU) para Moçambique incluía, especificamente, a
monitorização da implementação do acordo de paz e das eleições, assim como o
fornecimento de assistência humanitária. Apesar de dificuldades iniciais relativas à
implementação dos acordos de paz e desmilitarização, a ONU conseguiu desmobilizar,
com êxito, ambas as forças e preparar as eleições nacionais em Outubro de 1994.
A transição democrática em Moçambique demonstra a relevância que os factores
externos, encerram em si próprios, para o inicio de um processo desta natureza. O
processo de paz e a subsequente implementação de estruturas democráticas com vista às
eleições multipartidárias realizadas em Outubro de 1994, caracterizaram-se,
essencialmente, por pressões exercidas pela comunidade internacional.
Porém, o quadro institucional do processo da democratização foi, primariamente,
determinado pelos antigos beligerantes: a Frelimo e a Renamo. Os denominados partidos
não armados, criados a partir de 1990, tiveram poucas oportunidades para influenciar e
moldar o processo de transição,
28
conforme demonstrou a conferência multipartidária
para a preparação do projecto de lei eleitoral. A oposição, sentindo-se excluída, assumiu
que qualquer acção política desencadeada pela Frelimo visava somente o seu próprio
beneficio. Este sentimento de desconfiança não só foi alimentado como também
confirmado pelo partido no poder, o qual veio a ditar, consequentemente, as condições e
o direccionamento do processo de democratização.
Esta desconfiança permanece até ao presente. Veja-se o caso da Renamo que manteve
7 LALÁ&OSTHEIMER
e mantém a guarda armada de Dhlakama, a qual, de acordo com o AGP deveria ter sido
desarmada imediatamente após as primeiras eleições em 1994. No caso da Frelimo, a
desconfiança impediu a integração dos combatentes da Renamo na força policial. Com um
novo exército composto por militares provenientes de ambos os beligerantes, o partido no
poder procurou manter dentro da força policial, e particularmente dentro da força de
intervenção rápida, tropas leais ao partido.
1.5 INICIANDO O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO
Moçambique empenhou-se na edificação do seu processo de democratização, através do
acordo de paz firmado em 1992. As primeiras eleições multipartidárias realizadas em
1994 não só marcaram formalmente o fim da guerra civil, como constituíram, igualmente,
o passo inicial no caminho tortuoso rumo a uma estabilidade política e à implementação
de estruturas democráticas. O sistema multipartidário implantado em Moçambique
caracterizou-se, desde o início, pelo legado do anterior conflito estrutural e pelo
antagonismo existente entre a Frelimo e a Renamo. Não obstante as características
bipolares do sistema partidário, a Frelimo tem conseguido dominar o panorama político
nacional. Patenteado nas eleições parlamentares e presidenciais bem sucedidas de 1994, o
processo de democratização em Moçambique enfrentou o primeiro grande teste de relevo
quando as eleições locais tiveram lugar em Maio de 1998. Nesta ocasião, o boicote da
Renamo, acrescido da fraca participação de eleitores - na ordem de 14.58% - questionou
o processo de transição democrática.
As eleições parlamentares e presidenciais de Dezembro de 1999 mostraram,
igualmente, que Moçambique está longe de constituir uma democracia consolidada.
Embora as eleições tenham sido declaradas ‘livres e justas’, a disponibilização tardia dos
fundos para a campanha eleitoral, a cobertura jornalística tendenciosa e ainda o uso de
recursos do Estado por parte da Frelimo, vieram questionar a existência de um processo
equilibrado. Mais ainda, a credibilidade do processo eleitoral foi minada por problemas
técnicos durante a contagem dos votos, tendo a ausência generalizada de transparência
elevado as suspeitas políticas, conduzindo finalmente à desintegração da Comissão
Nacional de Eleições (CNE).
Para a Renamo-União Eleitoral (Renamo-UE), isto constituiu prova suficientemente
palpável para reclamar a eventual fraude e recusar aceitar os resultados eleitorais, mesmo
após o Supremo Tribunal os ter validado. Nos meses subsequentes, a Renamo contestou
a decisão do Supremo Tribunal, mediante ultimatos e ameaças de destabilização do País.
O que desde o inicio sugeria ser uma mera retórica política, transformou-se, mais tarde,
em violência política (Montepuez, Novembro de 2000).
Por seu turno, a Frelimo assenhorou-se do sistema político e administrativo
centralizado, impedindo assim qualquer mecanismo de partilha de poder, sustentando a
situação de “winner-takes-all”.
Presentemente, Moçambique é considerado um exemplo de uma “democracia de
terceira vaga”, na qual o fosso entre a democracia eleitoral e a democracia liberal e
consolidada, continua ainda patente.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 8
ANOTAÇÕES
8 M Soares, Portugal’s struggle for liberty, London, 1975.
9 O conceito de assimilaçãofoi estabelecido durante a primeira República em Portugal (1910). A sua
ideia era conferir aos Africanos os mesmos direitos que os cidadãos portugueses possuíam. Para obter
o estatuto de assimilado, a pessoa devia ser maior de 18 anos, fluente em português, ter um
determinado salário e possuir uma certidão de nascimento e atestado médico. Adicionalmente, duas
cartas de referência e um juramento de lealdade tinham que ser apresentados. Uma vez que apenas
um pequeno grupo de Africanos era capaz de preencher estes requisitos, a maioria das populações
permaneceu no grupo dos indígenas. Pertencer a este grupo significava trabalho forçado e restrição
de movimentos. A pessoa era excluída do sistema de educação do Estado e tinha que andar com um
“passe” específico (W Van der Waals, Portugal’s war in Angola, 1961-1974, Rivónia, 1993, p. 35).
10 C Coulon, Senegal: The development and fragility of semidemocracy, in: L diamond/J Linz/SM
Lipset (eds.), Democracy in Developing Countries, 2, Africa, London, 1988, pp. 141-178, p. 161.
11 M Sithole, Zimbabwe: In search of a stable democracy, in: L Diamond/J Linz/SM Lipset (eds.), ibid,
pp. 217-258, p. 248.
12 A Frente de Libertação de Moçambiquefoi criada em 1962 com a união de três movimentos de
libertação (UDENAMO, UNAMO,UNAM). Quando o seu primeiro presidente Eduardo Mondlane
morreu em 1969, a liderança foi assumida por Samora Machel. Após sua morte num acidente aéreo
em 1986, Machel foi substituído pelo actual presidente da Frelimo, Joaquim Chissano.
13 J Cabaço, A longa Estrada da democracia moçambicana, in: B Mazula (ed.), op cit, pp. 79-114, p. 82.
14 Os objectivos principais eram a socialização das zonas rurais através do estabelecimento de
machambas estatais e aldeias comunais, desenvolvimento de uma indústria pesada nacional, educação
e formação de uma força de trabalho qualificada para a administração do Estado e uma economia
planificada.
15 J Cabaço, op cit, p. 93.
16 A Renamo foi formada em 1976/7 com o apoio dos serviços secretos Rodesianos. Ela consistia
inicialmente de dissidentes da Frelimo e antigos membros dos aparelhos do exército e segurança
portugueses. Os ataques da Renamo visavam as bases do movimento de resistência zimbabweano
(Zimbabwe National Liberation Army – ZANLA) a funcionar a partir de Moçambique. Esperava-se
que actos de sabotagem com alvos cuidadosamente escolhidos colocariam o Governo da Frelimo, que
permitia as operações da ZANLA no território moçambicano, sob pressão. Contudo, analisar a
Renamo meramente como um instrumento de manipulação de actores externos, acarreta o perigo de
adoptar explicações monocausais e por isso, limitadas. No seu estudo, Christian Geffray sublinha a
dinâmica interna do conflito Moçambicano e a forma como a Renamo proporcionou às populações
locais possibilidade para estas mostrarem resistência à governação da Frelimo.
17 C Geffray, La cause des armes au Mozambique. Anthropologie d’une guerre civil, Paris, Nairobi,
1990, p. 41.
18 O Regime do Apartheid tentou criar um “cordon sanitaire” de países circundantes da África do Sul,
por forma a dificultar ao Congresso Nacional Africano (ANC) a recepção de apoios militares ou
políticos. Em Moçambique, grupos de libertação ligados ao ANC mantiveram-se activos desde 1978.
19 Em 1983 Moçambique tentou perdeu o estigma de Estado cliente da União Soviética, reavivando as
suas relações diplomáticas com os EUA. G Kuhn, Die Politik der Reagan-Regierung im Suedlichen
Afrika. Zur Aussenpolitik der USA unter besonderer Beruecksichtigung innernpolitischer Faktoren,
Frankfurt a.M. [et.al.], 1995, p. 157.
Ao aceitar o Standard-Berlin-Klausel (1980), Moçambique esperava intensificar os seus contactos
com a Comunidade Europeia e desejava aumentar a sua assistência financeira. B Weimer, Die
mozambiquanische Aussenpolitik 1975-1982. Merkmale, Probleme, Dynamik, Baden-Baden, 1983, p.
187f.
20 R Weitz, Continuities in Soviet foreign policy: The case of Mozambique, Comparative strategy,
11(1), 1992, pp. 83-98, p. 85.
21 CA Crocker, High Noon in Southern Africa. Making Peace in a Rough Neighbourhood, Johannesburg
1994, p. 293.
9 LALÁ&OSTHEIMER
22 O apoio Sul-Africano à Renamo deve ser visto no contexto da sua ‘Estratégia Nacional Total’. O
Malawi sob governação do Presidente Banda permitiu o abrigo da Renamo em seu território até
1986, prestando igualmente apoio logístico. Uma das razões para tal era a necessidade de assegurar
as suas rotas de abastecimento via Corredor de Nacala. O Quénia, por sua vez, acolheu dissidentes
Moçambicanos exilados, por algum tempo, e de 1984 em diante permitiu a abertura de um escritório
oficial da Renamo. Na primeira fase do processo de paz, o Presidente do Quénia, Arap Moi, agiu
como mediador, embora viesse, mais tarde, a perder muita da sua influência, com o início das
negociações de Roma. O Zimbabwe foi igualmente um actor crucial na guerra, bem como no
processo de paz. O Presidente Mugabe era um aliado íntimo da Frelimo e esta recebia apoios maciços
do Governo Zimbabweano. Para além do sentimento de solidariedade, o apoio do Zimbabwe era
principalmente motivado pelo seu interesse nacional em assegurar o Corredor da Beira, que
salvaguardava a independência económica do Zimbabwe, visto ser um país do interior. Todavia,
quando em 1988 ficou patente que uma solução militar ao conflito era improvável, o Zimbabwe
tentou, autonomamente, uma aproximação à Renamo. Vide A Vines, Renamo. From Terrorism to
Democracy?, London, 1996.
23 A África do Sul terminou oficialmente o seu apoio militar à Renamo, após um encontro realizado
entre Chissano e Botha no Songo em 1988.
24 Uma resistência activa surgiu primeiro por volta de 1990, a partir do movimento dos neo-tradicionalistas “Naparamas”, composto por camponeses da província da Zambézia. C Alden/M
Simpson, Mozambique: A delicate peace, Journal of Modern African Studies, 31(2), 1993, pp. 109-130, p. 122f; O Roesch, Mozambique unravels? The retreat to tradition, Southern Africa Report,
May 1992, pp. 27-30.
25 M Simpson, Foreign and domestic factors in the transformation of Frelimo, Journal of Modern
African Studies, 31(2), 1993, pp. 309-337, p. 331.
26 [Trad.: “...ser o mais obstrucionista possível, na esperança de a Frelimo fazer concessões que
pudessem favorecê-los durante as eleições”.], C Alden/M Simpson, op cit, p.122f.
27 O Acordo de Roma incluía disposições referentes a: lei de partidos (Prot. II); legislação eleitoral e
condução das eleições parlamentares e presidenciais (Prot. III); os direitos dos meios de comunicação
social e direitas básicos cívicos e humanos (Prot. II e III); e amnistia a presos políticos. S Fandrych,
Mosambik: Transformation Vom Krieg Zum Frieden durch <sensibles. Peace-keeping, in: V Matties
(ed.), Der gelungene Frieden. Beispiele und Bedingungen erfolgreicher Konfliktbearbeitung, Bonn,
1997, pp. 220-249.
28 JM Turner, A conferência multipartidária de 1993 sobre a lei eleitoral de Moçambique: um processo
de transição em microcosmo. Papernão publicado apresentado na Trigésima Sétima Reunião Anual
da Associação de Estudos Africanos, Toronto 1994, No. 1994:181.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 10
O discurso académico relativo à conceptualização de democracia e ao processo de
democratização, é útil para se avaliar o progresso democrático de Moçambique no
contexto da transição política. A conceptualização da democracia conduz necessariamente
a um discurso académico baseado na definição de Schumpeter, que considera as eleições
processuais como a essência de um sistema democrático.
29
A concepção mais influente da
definição de Schumpeter é apresentada por Robert A Dahl, que ao elaborar o seu conceito
de “poliarquia” sublinha que a concorrência política (vide Cap. 2.4) e a participação (vide
Cap. 2.3), pressupõem pluralismo e direitos políticos (liberdade de expressão, imprensa,
associação, etc.; vide Cap. 2.1). Ao povo deve ser permitido desenvolver e expressar as
suas preferências políticas de uma forma significativa.
30
Larry Diamond, partindo da noção de “democracia eleitoral”, desenvolve-a e elabora
o seu próprio modelo de “democracia liberal”.
31
Concretamente, uma democracia liberal
requer, para além da competição eleitoral regular, livre, justa e de sufrágio universal, a
ausência de poderes reservados às forças militares, sociais e políticas (incluindo potências
externas), que não sejam directa nem indirectamente responsabilizadas perante o
eleitorado. Ainda, a responsabilização de cariz “vertical” do executivo (através de eleições
regulares, livres e justas), implica que a democracia liberal exija um controlo de natureza
“horizontal” do executivo por instituições independentes, tais como a legislatura e um
sistema judicial independente (vide Cap. 2.5).
Concretamente, no contexto africano e considerando os desafios colocados pela
corrupção, clientelismo e patrimonialismo, bem como por outros abusos de poder, a
qualquer democracia emergente (vide Cap. 2.6), é crucial que a responsabilização
horizontal constitua uma vertente cada vez mais importante da democracia, requerendo,
como tal, maior atenção.
32
Por outro lado, a democracia liberal compreende, igualmente, vastas cláusulas sobre
pluralismo político e cívico (vide Cap. 2.4), entendidas como relevantes no contexto da
concorrência eleitoral e participação democrática. Estas são, de igual modo, vistas como
essenciais para assegurar uma variedade de características democráticas, como sejam o
acesso a fontes alternativas de informação e meios de comunicação social independentes,
aos quais os cidadãos devem possuir um acesso ilimitado.
33
Para além destes elementos,
uma democracia liberal necessita de reconhecimento substancial e protecção dos direitos
pessoais e colectivos.
11
Capítulo 2
ANÁLISE DA DEMOCRACIA
2.1 DIREITOS HUMANOS, LIBERDADES CÍVICAS E DIREITOS DAS MINORIAS
A Constituição da República de Moçambique (CRP) de 1990 reconhece e protege, de
forma abrangente, os direitos civis e políticos mais relevantes. A redacção de algumas
cláusulas foi retirada da Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados,
indicando que Moçambique progrediu ao adoptar padrões da lei internacional.
34
Todavia, a discrepância entre a lei e as realidades socio-políticas e judiciais é ainda
abismal. O Artigo 66 proclama a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e garante a
igualdade entre homens e mulheres. Contudo, a discriminação baseada nas relações de
género continua a existir na sociedade moçambicana. Esta deriva, parcialmente, de
práticas costumeiras, bem como de desequilíbrios existentes nas relações de género
patentes em sociedades ocidentais.
O Artigo 70 garante o direito à vida e à integridade física, proibindo a tortura e o
tratamento cruel ou desumano. Apesar do referido, tal como a maior parte dos direitos
cívicos, este artigo é violado, principalmente, pelo comportamento abusivo dos órgãos de
segurança do Estado. Somente um número diminuto de casos é referente a razões políticas,
tais como a dispersão violenta de manifestações populares organizadas pela oposição em
Novembro de 2000 e a subsequente morte por asfixia de 119 prisioneiros na cidade de
Montepuez. O desconhecimento dos direitos dos cidadãos por parte da polícia é visto
como motivo para continuação de abusos violentos, tais como tortura e espancamento de
cidadãos. Para alem disto, somam-se as tentativas de extorsão de dinheiro, com fonte
adicional de rendimento, conduzindo, por vezes, a abusos físicos e mentais.
Embora as violações do direito do cidadão à vida e sua integridade física estejam a
reduzir no domínio público, casos comprovados e reportados de violência doméstica estão
a aumentar. A organização não governamental (ONG) moçambicana Associação
Moçambicana de Mulheres de Carreira Jurídica (AMMCJ), com especial ênfase no que
respeita a prestação de assistência jurídica a mulheres e juventude, vem alegando um
crescimento no número de novos casos (de 23 em 1996 para 179 em 1999),
35
tendo este
sido em 683
36
(pendentes) em 2000.
Embora estas estatísticas não possam ser necessariamente entendidas como um
aumento na incidência da violência doméstica, as mesmas evidenciam que um maior
numero de mulheres se tornaram conhecedoras dos seus direitos legais e com coragem
para denunciar estes casos e procurar assistência jurídica.
A liberdade de expressão e informação está prevista no Artigo 74 da CRM.
Moçambique possui uma lei liberal que expressa claramente o conceito de liberdade de
imprensa, bem como o relativo aos direitos dos cidadãos à informação. Contudo, a
liberdade de expressão depara-se com limitações institucionais, socio-políticas e socio-culturais.
O Artigo 71 prevê o direito à honra, bom nome e reputação, assim como o direito à
privacidade. Na interpretação dos tribunais, o direito de defesa da imagem do indivíduo
está intimamente associado à liberdade de expressão e informação, conforme previsto no
Artigo 74.
37
Todavia, pode-se observar que, por parte do Governo, existe uma
perspectiva que distingue profundamente a aplicação da liberdade de expressão aos
cidadãos e aos jornalistas.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 12
Parece existir, no seio dos representantes do governo, um sentimento generalizado de
que os jornalistas críticos e de investigação abusam dos seus direitos ao empolar os factos,
não os verificando minuciosamente ou divulgando informação confidencial.
38
Um caso
ilustrativo foi o do Dr. Mário Mangaze, Presidente do Supremo Tribunal, que processou
o jornal Zambezesob acusação de o ter difamado. Isto sucedeu após o referido semanário
ter publicado um artigo alegando a sua interferência no processo judicial de uma
instituição, sobre a qual ele supostamente mantinha um conflito de interesses.
39
Adicionalmente, o assassinato de Carlos Cardoso demonstrou que o jornalismo de
investigação – particularmente nas áreas de corrupção, crime organizado e envolvimento
de elites políticas – pode ser perigoso para os que ousem investigar.
Embora existam fontes independentes de notícias, tais como os jornais diários por fax
e os semanários (Demos, Savana, Zambeze), a auto-censura está a tornar-se cada vez mais
evidente e, apesar da existência de mais de 30 jornais, o pluralismo dos mediadificilmente
tem impacto fora da capital e da província de Maputo. Infelizmente, somente um jornal
pode ser encontrado em todo o país, o diário pró-Frelimo Notícias. Para além deste, o
único meio de comunicação social que dissemina informação para todo o país e em línguas
locais é a Rádio Moçambique que, apesar de ser pertença do Estado, possui uma
reputação jornalística independente e de boa qualidade.
Um factor determinante na análise da liberdade de expressão em Moçambique, é o que
foi designado, em anteriores pesquisas, como “cultural inhibition to criticise people in the
same social network”.
40
Neste sentido, constata-se que a maioria dos Moçambicanos é
relutante quando se trata de criticar aqueles que pertencem ao mesmo grupo social ou
mantenham alguma afinidade, sobretudo quando a situação implique denuncias relativas
a corrupção ou outras práticas ilícitas.
Interessantes, neste âmbito, são as constatações apresentadas no Inquérito Nacional
de Opinião Publica, realizado em 2001, no qual a maioria das 2,265 pessoas entrevistadas
acredita que os Moçambicanos que falam mal do governo e/ou do sistema político não
deveriam ter direito de voto, participar em manifestações, concorrer a cargos públicos,
falar na televisão/rádio ou leccionar.
41
Associada a esta falta de vontade, no respeitante a
criticar o Governo, pode estar também o medo de represálias, particularmente no seio
daqueles grupos que são favorecidos pelo sistema estatal vigente.
“A critical state employee could lose his job or be suddenly transferred to a remote
district. Even a businessperson with independent sources of income could find that his
applications for licenses languish interminably, and access to subsidised government
credit is curtailed.”
42
Os Artigos 75,76 e 77 da CRM, consagram a liberdade de reunião e associação, bem como
de formação de partidos políticos. Contudo, os artigos 75 e 76 são limitados pelas leis de
execução. Um exemplo elucidativo, refere-se às manifestações encetadas pelos partidos da
oposição em Novembro de 2000, as quais foram dispersadas por meios violentos. De
acordo com a legislação moçambicana então vigente, estas manifestações eram ilegais, pois
só eram permitidas aos Sábados, Domingos, Feriados Públicos e após as 5 horas da tarde
13 LALÁ&OSTHEIMER
nos dias úteis. Após a celeuma gerada pelos eventos, o Parlamento Moçambicano
modificou a lei no sentido de se adaptar às necessidades de uma sociedade pluralista e
democrática.
Entretanto, na opinião da Renamo, esta reformulação era passível de alguma
subjectividade, tendo, para o efeito, proposto a discussão da redefinição do conceito de
manifestação ilegal (contra a Constituição, lei, moral e ordem pública, bem como contra
os direitos dos órgãos colectivos e individuais), gerando assim controvérsia. Igualmente
encarada com suspeitas e desconfiança por parte do Governo, foi a exigência da Renamo
de que em nenhuma circunstância deveria ser permitido o uso de armas letais pela Polícia.
Em ambos os casos atrás referidos, compromissos satisfatórios para as duas partes foram
alcançados e uma nova lei foi ratificada em 2001.
Um aspecto de monta que necessariamente convém referir, prende-se com o advento
da independência nacional, perante o qual Moçambique sofreu a transformação de um
Estado em que a Igreja Católica detinha uma posição privilegiada, para um Estado laico,
em que as congregações religiosas eram respeitadas e tratadas com igualdade (Artigo 9
CRM).
Outro facto relevante que é de todo o interesse ressaltar, é que apesar da
heterogeneidade étnica do povo moçambicano, a Frelimo conseguiu estabelecer uma
identidade de ‘moçambicanidade’ com sucesso, através da sua luta armada de libertação
contra o colonialismo e o subsequente estabelecimento de estruturas sócio-políticas e
sócio-económicas. As questões raciais e étnicas eram consideradas como um tabu político,
sobretudo durante a era de Samora Machel, visto que os conflitos internos no seio da
Frelimo sempre assumiram conotação racial e regional, originando frequentes
discrepâncias e até mesmo dissidências. Assim, ao mesmo tempo que se introduzia a
democracia multipartidária, o Governo procurava evitar divisões étnicas e regionais,
influenciando para que a lei inicial dos partidos políticos, exigisse um número mínimo de
assinaturas em cada província, antes que um partido se pudesse registar legalmente.
43
No entanto, estrutura estatal de Moçambique predominantemente centralizadora e a
sua concentração no sul do País, bem como a predominância de representatividade de
grupos étnicos do sul no Governo e Administração Pública, conduziram à alienação de
grupos de cariz socio-políticos regionais. Esta situação foi reforçada com a identificação
do Estado à ideologia política seguida pela Frelimo, resultando, consequentemente, na
crescente marginalização de elites especificas.
Actualmente e exceptuando os conflitos localizados,
44
as clivagens étnicas coincidem
com as disparidades regionais, relativamente ao desenvolvimento humano. Por exemplo,
o índice do desenvolvimento humano (IDH) para a Província de Maputo é de 0.622,
enquanto que o da Província da Zambézia é de 0.202. À medida que as clivagens regionais
se tornam óbvias no comportamento do voto dos moçambicanos, o local de nascimento
tem, alegadamente, sido usado de forma crescente pela Frelimo para fins políticos.
Conforme argumentado por um entrevistado, este referiu que na era de Samora Machel,
os cargos eram distribuídos de acordo com as qualificações e competência, originando que
muitos brancos e indianos pudessem ser encontrados no executivo. Actualmente, por
exemplo, o actual Ministro da Justiça encontra-se no desempenho das suas funções por
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 14
ser Makwa,
45
permitindo assim à Frelimo angariar eleitores nas províncias do centro-norte, onde perdeu votos a favor da oposição nas últimas eleições legislativas (1999).
Actualmente, constata-se que as bases de apoio da Frelimo tenderam a ficar limitadas ao
sul e ao extremo norte do País, enquanto que as da Renamo se confinaram às províncias
do centro e norte.
É de lamentar que as assimetrias regionais existentes estejam a ser instrumentalizadas
e transformadas em clivagens políticas. Todavia, o discurso político dai resultante, ignora
os processos históricos que levaram ao seu despoletar,
46
e pelo contrário, denuncia estas
assimetrias como produto deliberado de um grupo dominante que exclui os outros.
Concomitantemente, o resultado traduz-se numa redução do espaço para debate sobre
alternativas políticas que possam resolver estes problemas.
Igualmente relevante para a discussão da identidade, é a questão da cidadania
moçambicana, a qual é definida com profundidade e regulada na CRM. O discurso
político oficial é verdadeiramente anti-racista, embora a elite política, tanto do governo
como da oposição, tenha até ao presente, mantido uma atitude silenciosa sobre o
questionamento público da identidade moçambicana dos brancos e indianos. Contudo, a
intolerância racial para com estes grupos, cresce na esfera pública e ‘na rua’. Este tipo de
racismo é principalmente dirigido à posição sócio-económica que os referidos grupos
detém e isto poderá, facilmente, ser utilizado por um partido político para instigar maior
radicalização contra os brancos e indianos.
47
2.2 ESTADO DE DIREITO
A simbiose entre o Estado e o partido Frelimo durante a era socialista e a retenção do
sistema presidencial, não só fortaleceram a hegemonia do partido no governo, como
também originaram um impacto negativo na independência do sistema judicial. A
nomeação dos juizes do Tribunal Supremo e do Procurador-Geral pelo Presidente da
República, vieram colocar em questão a sua neutralidade política. Contudo, o Parlamento
aprovou no ano de 2002 uma lei visando a criação do Conselho Constitucional (CC),
cujas tarefas inerentes, vinham sendo, até então, desempenhadas pelo Tribunal Supremo,
de acordo com o disposto na CRM. Todavia, a neutralidade exigida a um Tribunal desta
natureza, foi motivo de preocupação no seio dos políticos da oposição, com especial
incidência no julgamento das reclamações de fraude alegadamente observadas durante as
eleições de 1999.
Genericamente, o novo CC é constituído por cinco juizes, os quais são nomeados pelo
Parlamento. Para além destes, o Presidente da República nomeia o juiz-presidente e os
restantes membros seleccionam o sétimo membro do CC. Esta composição foi alcançada
com base num compromisso político, uma vez que a Renamo vinha persistindo na ideia
de que este órgão deveria ser politizado, à semelhança da CNE. O CC responsabiliza-se,
inter alia, pela verificação das leis e estatutos dos partidos políticos em face da CRM e
constitui o órgão de decisão em casos de disputas inter-institucionais. Conforme
demonstrado pelo resultado relativo às disputas eleitorais geradas em torno das eleições
locais realizadas em 2003, o CC através do seu elevado grau de profissionalismo e
15 LALÁ&OSTHEIMER
imparcialidade foi capaz de conferir credibilidade ao processo eleitoral e conseguiu
criticar construtivamente as deficiências do processo eleitoral e suas instituições.
No caso concreto do perfil desejável para o desempenho de funções de Procurador-Geral, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de este possuir uma personalidade
forte, capacidade de resistência a pressões políticas e influências (formais e informais) do
Executivo. Até mesmo o próprio Joaquim Madeira, actual Procurador-Geral, sendo uma
personalidade pró-reformas, vem demonstrando algumas limitações na sua actuação. No
relatório apresentado ao Parlamento, relativo ao ano 2001, Madeira insurgiu-se contra as
actividades ilegais da elite política, a qual, segundo ele, tem vindo a ignorar intimações
para comparecer perante o Ministério Público, fazendo uso da sua “intocabilidade”.
48
A título ilustrativo, uma afirmação contida num relatório de avaliação da USAid, refere
que:
“[…] rhetoric notwithstanding, the culture of legality in the government is very
limited. Hierarchical pressures from senior to more junior judges – for example a cell
phone call from a higher court judge, uninvolved in the case, instructing that a
prisoner be released – are also common and distort not only the equal application of
the law but also the professional culture among the nation’s magistrates.”
49
Embora Moçambique possua um quadro legislativo adequado para um Estado de Direito,
verificam-se determinados impedimentos na sua implementação apropriada, em face de
factores históricos, culturais e institucionais existentes. Apesar da Constituição de 1990
garantir todos os direitos básicos relevantes (direito à vida, liberdade, propriedade, etc.) e
dos decretos regularem as respectivas leis aprovadas pelo Parlamento, a implementação do
Estado de Direito é dificultada pelas disfunções estruturais do sistema de justiça.
Por outro lado, o sector da Justiça em Moçambique carece de infra-estruturas
próprias, pessoal devidamente qualificado e financiamento adequado. De acordo com
dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça, somente 90 dos 128 distritos rurais
possuem tribunais distritais, embora alguns analistas reduzam este número para 80,
evocando a pobreza das condições legais existentes e o facto de alguns tribunais
considerados como distritais serem, na verdade, comunitários.
50
Conforme demonstrado por um estudo efectuado em meados dos anos 90, o sistema
judicial em Moçambique carecia de 120 juizes, ou seja, apesar dos 122 juizes existentes,
somente 27 possuíam um grau académico em direito (incluindo sete juizes do Tribunal
Supremo).
51
Perante tal situação, a concentração dos juizes formados em desempenho de
funções, particularmente ao nível provincial, origina grandes congestionamentos no
sistema de justiça. Refira-se, a título de exemplo, que os tribunais penais de nível
provincial tiveram que albergar 95,445 casos pendentes no ano 2000. Com 12,488 novos
casos e 10,315 casos julgados, o número total de processos pendentes no ano 2000
aumentou para 97,618.
52
Todavia, relatórios anuais do Tribunal Supremo revelam inconsistências nos dados
obtidos relativos aos vários anos, sublinhando problemas estatísticos genéricos.
Concretamente, a compilação das estatísticas dos tribunais, principalmente dos níveis
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 16
inferiores, é efectuada por pessoal não qualificado e os processos jurídicos tidos em conta,
muitas vezes, incluem casos que já perderam o direito de admissão, devido a
contravenções contra o Código do Processo Penal. Uma análise pontual efectuada junto
do Tribunal da Cidade de Maputo, mostrou que dos 44,421 casos declarados pendentes,
somente 1,890 assim o eram efectivamente.
As estatísticas relativas ao ano de 2001, encerram, em si próprias, um problema
adicional, na medida em que houve processos que se perderam durante as cheias desse
ano. Dos 6,864 casos registados na província de Gaza, somente 1,135 sobreviveram às
inundações do Rio Limpopo.
53
Estas disfunções apresentadas no sistema de justiça, relacionam-se tanto com a falta de
recursos humanos e défices estruturais, como com a ética profissional dos advogados. É
do domínio comum, que os advogados abusam deliberadamente da vulnerabilidade das
estruturas judiciais, com vista a obterem prorrogação e transferencia dos casos para as
instâncias superiores. No caso concreto do Tribunal Supremo, isto significa que, de
acordo com o estipulado no Artigo 34 da lei 10/92, para além da responsabilidade de
primeira instância, este torna-se no tribunal de apelo para todos os julgamentos realizados
ao nível provincial. Com apenas sete juizes, vários dos quais em acumulação de funções,
(por exemplo, o presidente do Tribunal Supremo possui a seu cargo a administração do
tribunal e um outro juiz é o director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária), o
Tribunal Supremo teve que suportar 1,152 casos pendentes e 223 novos processos, no
ano 2000. Destes, somente 188 casos foram julgados.
54
17 LALÁ&OSTHEIMER
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Abuso de
confiança
Assaltos
a mão
armada
Roubos
e
assaltos
HomicídiosViolênciaDelinquênciaOutros
ofensas
> 8 anos
4-7 anos
3 anos
2 anos
1 ano
<1 ano
Figura 1: Penas aplicadas (1-8 anos) por abuso de confiança, assaltos a mão armada, roubos
e assaltos, homicídios, violência, delinquência e outras ofensas, em Maputo, 2001.
Fonte: Desenho gráfico de acordo com dados fornecidos por L de Brito, Os Condenados de Maputo, Maputo, 2002, p.14
A maioria dos casos criminais submetidos a tribunais de primeira instância, encontram-se acumulados ao nível provincial. Isto deve-se ao facto dos tribunais distritais de segunda
classe somente poderem julgar casos com pena prevista inferior a dois anos e os de
primeira classe só serem responsáveis perante casos com penas entre os dois e oito anos.
As penas criminais acima dos oito anos são da jurisdição do tribunal provincial.
55
Assim sendo e tomando em conta as penas administradas contra várias ofensas, parece
ficar claro que o sistema de justiça penal de Moçambique é extremamente duro para os
que forem sentenciados.
Segundo a perspectiva da psicologia criminal, na maioria dos casos, parece não ser a
severidade das penas imputadas ao criminoso que o persuade de continuar a cometer
crimes, mas sim a possibilidade de vir a ser capturado. Desta feita, a questão encontra-se
directamente ligada à eficácia e integridade da Polícia investigar e instaurar processos,
visto esta ser a principal instituição de prevenção e combate ao crime.
No fim da guerra civil em Moçambique, a Polícia da República de Moçambique (PRM)
viu-se confrontada com o desafio de ter que se ajustar aos requisitos contidos na nova
CRM e no AGP de Roma (1992), os quais previam uma força policial não politizada.
Embora os combatentes da Renamo tenham sido integrados nas forças armadas após
1992, este facto não se aplicou às forças policiais, tendo o Governo da Frelimo optado
por constituir uma força leal ao partido e ao Estado, com se pode constatar pelo exemplo
da Polícia de Intervenção Rápida.
56
Os polícias são agentes para servir e constituem parte integral do Estado e da
sociedade.
57
Em Moçambique, uma condição indispensável para um relacionamento
respeitável entre o cidadão e o polícia, é a necessidade imperiosa de a própria PRM se não
assumir como uma autoridade do Estado, perante a qual, à priori, os cidadãos não devem
oferecer resistência.
Para que a função da Polícia, como provedora de serviços seja galvanizada num
ambiente democrático, é imperativo que o contexto atinja maturidade necessária para o
seu desempenho. O processo de transformação da PRM iniciou-se em 1997 e, desde
então, tem vindo a receber apoio logístico, técnico e material diverso, do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (projecto MOZ 95/015; MOZ/00/007).
Este programa tem como principal objectivo o fortalecimento da capacidade da PRM para
prevenir e combater o crime, assim como a promoção de uma cultura interna que garanta
a manutenção do Estado de Direito e os direitos cívicos e políticos. Com a recém criada
Academia de Ciências Policiais, ACIPOL, a PRM recebe apoio adicional na formação e
educação dos seus oficiais superiores.
A primeira fase do projecto do PNUD (1997–2000) concentrou-se principalmente na
reorganização e restruturação do Comando Geral da PRM. Todavia, sem uma
contribuição substancial e com a falta de discussão sobre a transformação da sua
organização, o processo tem permanecido aquém das expectativas. Repare-se que das
cerca de 49 sugestões elaboradas e apresentadas, apenas três obtiveram anuência e mesmo
estas foram implementadas de forma hesitante.
58
Actualmente, um problema geral com que a PRM se debate é a sua heterogeneidade
resultante da fusão, em 1992, da polícia de trânsito, polícia de investigação criminal (PIC),
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 18
polícia de migração e guarda-fronteira. Concretamente, as reformas encetadas,
implicando inevitavelmente perda de poder e posição para certas pessoas, criou elevado
grau de resistência. O caso mais evidente recai sobre a PIC, já que, anteriormente, os seus
oficiais possuíam um posicionamento acima dos agentes das outras polícias, merecendo,
presentemente, tratamento por igual.
59
Concomitantemente, a PIC detendo uma
reputação de unidade fechada e não transparente, particularmente hostil às reformas,
60
deparou-se com uma descrição preocupante da sua Instituição, aquando da apresentação
do relatório do Procurador-Geral ao Parlamento em 2002.
61
Este relatório refere que os Procuradores devem conduzir as suas próprias
investigações, uma vez que as provas recolhidas pela PIC são rudimentares e deficientes e,
consequentemente, os processos legais deixam de poder ser instruídos. Salienta-se,
igualmente, a frequência com que os processos são extraviados e as requisições dos
agentes do ministério público são ignoradas.
Face ao nível da corrupção no seio da PIC, o Procurador-Geral sentiu a necessidade
de criar uma nova unidade da polícia, a Polícia Judiciária, que a médio prazo virá a
desempenhar as funções actualmente exercidas pela PIC.
62
Contudo, o posicionamento
concreto desta nova polícia e a questão relativa à sua integração e subordinação,
continuam ainda por clarificar.
Ao abordar-se a questão da corrupção no seio da Polícia, torna-se necessário efectuar
uma distinção entre “pequena corrupção” e o “estilo máfia” desencadeadas,
respectivamente, nos quadros da PIC. A pequena corrupção – como sejam detenções
arbitrárias, confiscações de bens, revistas corporais, extorsão de pequenas somas de
dinheiro – deteriora as relações entre os cidadãos e a Polícia, reduzindo, por outro lado,
a confiança dos cidadãos relativamente às instituições do Estado. A extorsão de largas
quantias de dinheiro, visando frustrar e paralisar o sistema de justiça, tem minado a
autoridade do Estado ameaçando, igualmente, a sua legitimidade. Aguarda-se com alguma
ansiedade que a recente unidade anti-corrupção, constituída sob os auspícios do
Procurador-Geral, venha a alterar esta situação, embora o seu sucesso dependa do devido
apetrechamento com os meios financeiros e legais adequados, bem como da existência de
vontade política para implementar cabalmente as leis vigentes.
A crise no sector da Justiça reflecte-se igualmente na gestão das prisões, como parte
integral do sistema de justiça criminal. Em Moçambique, as longas penas aplicadas
relativamente a delitos menores contribuem para a sobre-lotação das cadeias existentes, as
quais chegam a atingir o triplo da sua capacidade inicialmente prevista, agravando de
sobremaneira as violações dos Direitos Humanos e do Código do Processo Penal. Um
estudo do PNUD desenvolvido em 2000 revelou que, apesar do tempo legalmente
estipulado para a prisão preventiva ser limitado a 150 dias (120 + 30), na maioria dos
casos esta chega a exceder dois anos. De acordo ainda com o mesmo estudo, do total de
detidos nas cadeias do Ministério da Justiça, 37% foram julgados enquanto 67%
continuaram a aguardar julgamento. Esta situação era ainda mais desastrosa nas cadeias
do Ministério do Interior, com 74% dos detidos à espera de serem ouvidos em
julgamento.
63
Genericamente, poder-se-à referir que os longos períodos de detenção à espera de
19 LALÁ&OSTHEIMER
julgamento são o reflexo da ausência de assistência jurídica para defesa, de uma
administração prisional deficiente e de um congestionamento crónico do sistema de
Justiça. Para além do exposto, salienta-se ainda, o escasso número de advogados
disponíveis (aproximadamente 220 advogados estão registados na Ordem dos Advogados)
e a sua concentração em Maputo.
Por outro lado, o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), entidade que
supostamente deveria prestar serviços de apoio jurídico gratuitos, quase sempre cobra
taxas, as quais são, normalmente, insuportáveis para a maioria dos moçambicanos detidos.
Cumulativamente, poucos conhecem ONGs que lhes possam prestar aconselhamento
jurídico e a maior parte dos detidos ou seus familiares desconhecem a possibilidade de
poderem sair da prisão mediante o pagamento de uma caução, a qual, na maioria das
vezes, também apresenta valores dificilmente suportáveis de pagar. Perante esta realidade,
é notória a percepção de que o sistema de Justiça em Moçambique parece, por um lado,
reprimir as camadas mais desfavorecidas da sociedade e, por outro, agraciar os que detém
posses financeiras para contratar assistência jurídica qualificada ou subornar as respectivas
instituições, permitido-lhes a evasão ao veredicto.
Ao analisar o Estado de Direito em Moçambique, o focusda questão deve ser centrado
no facto de que o sistema judicial formal acima mencionado não existe isoladamente, visto
Moçambique ser uma sociedade caracterizada pelo pluralismo judicial, onde coabitam
várias instituições de resolução de conflitos, cada uma com a sua herança histórica e
cultural. Estas ultimas englobam grupos dinamizadores, tribunais comunitários
(normalmente com ligações à Frelimo), régulos e outras autoridades tradicionais
(frequentemente com conexões à Renamo), assim como instituições da sociedade civil e o
recém criado Centro de Arbitragem, o qual actua na área da Justiça.
Todavia, não são visíveis iniciativas políticas visando o enquadramento destas
configurações judiciais, muitas vezes paralelas e complementares, mas nalguns casos
antagónicas, numa estrutura judicial integrada.
64
Considerando o estado deplorável do
sistema judicial formal englobando tanto o sistema de justiça criminal como também o do
direito civil, torna-se evidente que o pluralismo judicial de Moçambique necessita ser
reconhecido oficialmente. Para além do expresso anteriormente, vislumbra-se que urge
desencadear uma reforma geral do sistema de Justiça, o qual requer o reconhecimento de
mecanismos extra jurídicos de resolução de conflitos, o regulamento das competências
que se sobrepõem e uma clara demarcação de esferas para o sistema judicial formal,
tribunais comunitários e autoridades tradicionais.
65
2.3 PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO
2.3.1 CONTEXTO INSTITUCIONAL: ELEIÇÕES E O SISTEMA ELEITORAL
As eleições em Moçambique, respectivamente, as primeiras eleições multipartidárias em
1994, as eleições locais em 1998 e as eleições parlamentares e presidenciais em 1999, não
constituem somente um indicador do processo de democratização e um importante
instrumento de participação popular no processo político, mas são igualmente uma fonte
geradora de conflito.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 20
Senão vejamos: as eleições de 1994 foram conduzidas num clima de desconfiança, sob
a ameaça de abandono por parte da Renamo, após o primeiro dia, evocando a ocorrência
de fraudes. Porém, em face da pressão exercida pela comunidade internacional e após ter
ficado decidido que as eleições iriam ser prolongadas por mais um dia, ela retrocedeu nas
suas intenções e decidiu participar no acto eleitoral.
Assim, as primeiras eleições em Moçambique revelaram a bi-polarização na arena
política e um forte apoio regionalista, tendo, nas eleições parlamentares, a Frelimo obtido
44.3% dos votos válidos, a Renamo assegurado 37.8% e os restantes 5.1% sido atribuídos
a um partido minoritário, a União Democrática (UD). Nas eleições presidenciais,
66
Joaquim Chissano (Frelimo) obteve uma esmagadora maioria de 53.3% dos votos válidos
e o principal líder da oposição, Afonso Dhlakama (Renamo), arrecadou 33.7%.
Anteriormente às eleições, a Frelimo rejeitava publicamente a constituição de um
governo de unidade nacional e assim permaneceu após a sua vitoria, elegendo um
Presidente e constituindo-se em maioria absoluta no Parlamento (129 assentos), deixando
a oposição sem voz activa na governação do país. Nos anos que se seguiram, a Frelimo
manteve o seu estilo de governação excludente e poucos esforços foram encetados para o
estabelecimento de uma confiança mútua e para estimular o diálogo entre os antagonistas.
O processo democrático em Moçambique viveu o seu primeiro revés com a realização
das eleições locais em 1998, através do boicote (relativo à participação) empreendido pela
oposição
67
e da abstenção do eleitorado em cerca de 85%. A falta de alternativas à
Frelimo,
68
o boicote da Renamo, as deficiências organizacionais e uma educação cívica
inadequada (com vista a explicar a importância das eleições locais) contribuíram para estas
“eleições sem eleitores”.
A fraca ida às urnas poder-se-à atribuir, em parte, à grande apatia e desilusão do
eleitorado. A vitória da Frelimo, ao eleger para todos os cargos municipais o seu
presidente (tendo apenas os candidatos independentes conseguido eleger membros para as
assembleias municipais), consolidou as estruturas do poder já existentes ao nível local e
fortaleceu a aliança existente entre a liderança política e as suas bases de apoio. Por sua
vez, a Renamo viu-se cada vez mais marginalizada e remeteu-se a uma posição de
inferioridade que não correspondia, de modo algum, à sua efectiva “força” nas eleições de
1994.
69
Assim, Moçambique “chumbou” no seu primeiro teste real de democratização, ao
nível de governação local.
No que respeita aos resultados obtidos nas eleições gerais parlamentares e
presidenciais,
70
que ocorreram em Dezembro de 1999, estes revelaram que Moçambique
está longe de ter uma democracia consolidada.
71
A participação dos eleitores nestas eleições apresentou melhorias significativas ao
atingir 68.5% do universo eleitoral, conferindo, tanto ao Parlamento como ao Presidente,
um grau legitimidade credível.
A comunidade internacional declarou estas eleições como tendo sido “livres e justas”,
contudo fácil se torna vislumbrar que estas o foram, só e apenas, nas urnas. Se o termo
“justas” for interpretado no seu sentido mais lato, tido como um tratamento que
pressupõe a aplicação de regras políticas de forma igualitária para cada um dos seus
actores e, simultaneamente, signifique igualdade de oportunidades de acesso aos recursos
21 LALÁ&OSTHEIMER
necessários, então o processo eleitoral realizado em 1999 foi ambivalente. ‘Justas’ neste
sentido abrange um espectro que implica, respectivamente:
• abstenção de usufruto dos recursos do Estado pelo partido no poder, durante a
campanha eleitoral;
• igualdade de acesso dos representantes dos partidos às mesas de voto;
• igualdade de tratamento das reclamações referentes a irregularidades; e
• aceitação dos resultados eleitorais por todos os participantes.
72
Contudo, em Moçambique, verificou-se o desembolso tardio dos fundos para a campanha
dos partidos,
73
uma cobertura tendenciosa dos media
74
e o uso dos recursos do Estado
pela Frelimo,
75
os quais colocaram em causa a existência de uma situação equitativa entre
os intervenientes. A credibilidade do processo eleitoral foi igualmente prejudicada por
problemas técnicos ocorridos durante a contagem dos votos, tendo a falta generalizada de
transparência gerado suspeitas políticas que culminaram na cisão da CNE.
76
Em
consequência, tanto a Aliança Eleitoral como o maior partido da oposição, a Renamo-UE,
recusaram aceitar os resultados das eleições, tendo decidido apresentar dois processos ao
Tribunal Supremo.
O primeiro, referia-se à exclusão de cerca de um milhão de votos em várias assembleias
(938 editais para as presidenciais e 1,170 para as parlamentares), em virtude de terem sido
declarados inválidos devido a irregularidades tais como ausência do número total nas
caixas de voto, ausência de números para os candidatos e para os partidos, não indicação
de votos válidos, etc. Uma vez que tais protocolos eram provenientes de áreas de
influência da oposição e com uma diferença de votos entre Chissano e Dhlakama de
205,593, a não aceitação de cerca de 370,000 votos foi interpretada pela oposição como
fraude, negando a sua vitória. O segundo processo levado a tribunal relacionava-se com a
discrepância entre o número de votos depositados nas eleições presidenciais e nas
parlamentares.
O argumento apresentado pela CNE assentava no facto de, apesar do processo de
votação ter sido desencadeado em simultâneo, muitos protocolos exclusivamente relativos
às eleições parlamentares tiveram que ser declarados inválidos, o que não sucedeu nas
eleições presidenciais, onde o número de votos tinha sido elevado. Apesar dos esforços
empreendidos pela Renamo, ambas as reclamações foram rejeitadas pelo Tribunal
Supremo, agravando ainda mais o clima de desconfiança vigente.
De acordo com o cientista político moçambicano, Luís de Brito, esta situação foi
retratada da seguinte forma: “trata-se de uma paz sem confiança entre as principais forças
políticas.”
77
Outras tentativas levadas a cabo pela Renamo com vista à revogação da decisão do
tribunal, como a emissão de ultimatos, acompanhada por uma campanha de intimidação
para destabilizar o país, mostraram claramente que o espectro político em Moçambique
ainda não funciona na base de regras de jogo aceites por todos.
Em face da situação, os protestos da Renamo contra o que apelidaram de fraude
eleitoral foram, numa primeira fase, de cariz político e legal (os deputados recusaram
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 22
ocupar os seus assentos no Parlamento), apesar de acompanhados por uma forte retórica
do seu líder, Afonso Dhlakama, o qual exigia, igualmente, a criação de governos paralelos
nas seis províncias do norte e centro, onde o partido detinha a maioria de votos. Mais
ainda, Dhlakama por diversas ocasiões, ameaçara publicamente paralisar o país e torná-lo
ingovernável, caso não fosse alcançado um acordo para a partilha do poder.
Numa segunda fase, em 9 de Novembro de 2000, os ataques verbais da Renamo
transformaram-se, finalmente, em manifestações à escala nacional, envolvendo os seus
simpatizantes, tendo alguns destes protestos culminado em violentos confrontos entre a
Renamo e a PRM, provocando mais de 40 mortos. Embora estas acções fossem
consideradas ilegais nos termos da legislação Moçambicana,
78
as mesmas foram toleradas
em locais como Maputo, não tendo originado, no entanto, fortes reacções. Os excessos
mais significativos tiveram lugar na cidade de Montepuez, província de Cabo Delgado,
onde antigos combatentes da Renamo e milícias dos camponeses (denominada
Naparamas) se reagruparam. A instalação prisional e o comando da polícia locais foram
invadidos e as armas saqueadas, tendo Montepuez vivido sob ocupação efectiva da
Renamo durante 24 horas, saldando-se o seu resultado em 25 mortos, incluindo 7
polícias. Os edifícios atrás referidos, assim como o da administração distrital e as infra-estruturas de telecomunicações que tinham sido recentemente construídas, foram
completamente destruídos.
Enquanto que a situação em Montepuez e noutros distritos de Cabo Delgado sugere
que as violentas provocações levadas a cabo pela Renamo constituíram uma séria ameaça
à lei e ordem, relatórios de outras províncias referem igualmente que, em alguns locais,
foi empregue o uso de força desmedido por parte da polícia, para controlar pessoas que
estavam meramente a expressar as suas convicções políticas. De acordo com a Liga
Moçambicana dos Direitos Humanos em Nampula, esta mencionou que a Polícia, numa
tentativa de dispersar a multidão reunida fora de um campo desportivo, abriu fogo sem
que antes se tenha verificado qualquer provocação por parte dos manifestantes da
Renamo.
Nalguns casos, o uso de munições letais pela PRM visando o controlo de tumultos,
questiona se as circunstâncias envolventes realmente justificavam o uso de tais meios, ou
se medidas mais apropriadas poderiam atingir o mesmo objectivo. O sucedido demonstra
claramente a necessidade de se proceder à reciclagem dos agentes da PRM e de dotá-los
de uma educação apropriada em direitos humanos, com vista a eliminar a sua tendência
endémica em recorrer à violência, quando em situações de confronto.
O incidente de Montepuez e o subsequente (a morte por asfixia de 119 detidos
encarcerados numa cela de 21m², após privação de comida e água) deixam transparecer
a negligência “por defeito” dos direitos humanos no País e a fragilidade do Estado de
Direito. De acordo com relatórios apresentados por associações de direitos humanos e da
sociedade civil,
79
a maioria dos detidos foi preso após os distúrbios, tendo os agentes
policiais procurado, porta a porta, sem mandatos de busca nem de captura, pessoas que
tinham sido denunciadas (como participantes nos distúrbios).
Conforme evidenciaram as ultimas eleições em Moçambique, as instituições políticas
continuam substancialmente frágeis e a ocorrência de violência política constitui uma
23 LALÁ&OSTHEIMER
ameaça à estabilidade do país. O problema fundamental centra-se na falta de confiança
entre os principais antagonistas políticos – a nível nacional e com maior ênfase ao nível
local – e na ausência de qualquer mecanismo que possa vir a incluir a oposição na
governação do país.
O sistema eleitoral vigente em Moçambique é, dentre muitos outros, um factor que
contribui determinantemente para a instabilidade política. O sistema de representação
proporcional, com listas partidárias e uma barreira de cinco por cento de votos a nível
nacional, é método utilizado na realização das eleições parlamentares. Em contrapartida,
nas eleições presidenciais, basta um candidato obter mais de 50% dos votos para se tornar
vencedor, podendo-se proceder a duas voltas, se necessário.
Embora o País tenha adoptado um sistema proporcional, o qual em geral apoia a
diversificação da representação, Moçambique tornou-se num dos raros exemplos em que
este método resulta num sistema maioritário, conduzindo à bi-polarização do cenário
político- partidário. Tomando em conta a pequena diferença de votos entre os dois
maiores contendores, é plausível conceber que, em futuras eleições, um resultado de
coabitação (característico do contexto francês) se venha a verificar. Nesta situação, o
presidente seria proveniente de um partido, enquanto que a maioria parlamentar seria
detida pela oposição, podendo originar não somente um impasse total no governo, assim
como colocar em risco a já frágil paz moçambicana.
Para além do sistema eleitoral moçambicano tender a excluir a representação de largos
sectores da população (particularmente das províncias do centro e centro-norte), a
deficiente congruência entre as províncias e a demarcação dos círculos eleitorais, gera a
enormidade destes últimos (ex: Nampula com 1,434,764 eleitores) e eleva a separação
entre o eleitor e o deputado. Por sua vez, o facto dos candidatos serem eleitos para o
Parlamento via listas de partidos, diminui a possibilidade do eleitor solicitar aos políticos
a devida prestação de contas. As duas situações referidas anteriormente (exclusão de
largos segmentos da população e a falta de contacto entre os políticos e a população),
eventualmente já se encontram reflectidas nas crescentes abstenções de eleitores (13% em
1994 e 30% em 1999),
80
embora nas de 1994 se tivesse assistido a uma situação especial,
visto que as pessoas votavam em prol da paz.
2.3.2 O CONTEXTO HISTÓRICO, CULTURAL, SÓCIO-ECONÓMICO E POLÍTICO PARTIDÁRIO
A participação de um largo número de moçambicanos na vida política do País é
constrangida por uma variedade de factores estruturais que datam do tempo colonial e do
pós-independência. Durante o período de governação portuguesa, o conceito de
assimilação implantado, claramente restringiu os níveis de participação para a maioria dos
moçambicanos. Por sua vez, a natureza autoritária do Estado no pós-independência
limitou a participação daqueles que não concebiam ou contestavam a política socialista e,
devido ao inicio do conflito interno armado a situação agudizou-se, podendo uma simples
declaração politicamente incorrecta, facilmente conduzir à perda de emprego ou mesmo
à deportação para os campos de “reeducação”.
Essa herança histórica continua a ser parcialmente responsável pela falta de confiança
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 24
vigente na sociedade moçambicana. Observe-se que, embora a maioria dos moçambicanos
(57.8%) considere que um governo democrático é o melhor sistema político e que os
problemas deveriam ser solucionados com a participação de todos (84.5% rejeitam um
governo autocrático), a perspectiva que os mesmos possuem sobre o seu relacionamento
com o Governo, revela um cenário interessante, que a seguir se explana resumidamente.
Quando inquiridos, numa pesquisa de opinião nacional, sobre se o Governo deveria agir
como um pai a tomar conta dos seus filhos, ou se este se deveria posicionar ao serviço
daqueles que o elegeram, 76.1% manifestou a sua preferência por um governo
paternalista.
81
Esta atitude reflecte-se no nível de participação na vida sócio-política de Moçambique,
caracterizada por um fraco relacionamento entre as populações e as instituições políticas,
bem como com a sociedade civil. Dificilmente, os cidadãos apelam aos órgãos
governamentais ou partidos políticos, para lhes prestarem assistência (apenas 6.6% e
7.2%, respectivamente, se tinham aproximado dos representantes daqueles órgãos) e, a
fraca participação dos cidadãos evidencia-se ainda mais, quando indagados sobre a
frequência com que consultam, relativamente a problemas locais os seguintes: Líderes
Tradicionais (nunca 29.8%; às vezes 22.4%); ONGs (nunca 50.5%; às vezes 12.8%); ou
Instituições de Estado (nunca 29.1%; às vezes 30.4%).
82
Salienta-se também o facto da participação ser ainda mais restringida devido a
constrangimentos estruturais, nomeadamente, pobreza, isolamento e analfabetismo. Com
69.4% da população a viver abaixo da linha da pobreza e com um índice de alfabetização
feminino de 25.9% (zonas rurais 14.9%) e masculino de 55.4% (zonas rurais 43.6%), o
conhecimento e a participação na vida sócio-política do País tem-se defrontado com
obstáculos naturais.
Concluindo, poder-se-à afirmar que, qualquer abordagem relativa à participação dos
cidadãos num contexto democrático deve ter em linha de conta a estrutura intrínseca do
sistema político. A realidade política bipolar Moçambicana e a exclusão de cerca de
38.81% (votos da Renamo) da população, mostra que a possibilidade de partilha do
poder, particularmente ao nível local, seria plausível. No entanto, constata-se que um
incremento da participação de cidadãos filiados em partidos políticos que não o do
governo, é actualmente limitada. Para além desta realidade, a elite governamental, apesar
de desprovida de receio em perder controlo e poder, continua a não manifestar interesse
em gerar novas fórmulas, sejam estas a criação de um maior número de municípios
autónomos ou a integração de elementos federais no sistema político.
2.4 CONCORRÊNCIA POLÍTICA
2.4.1 PARTIDOS POLÍTICOS
É condição indispensável em qualquer democracia, a existência de instituições políticas
viáveis e efectivas, com uma estrutura do sistema partidário desempenhando um papel
decisivo no funcionamento do sistema político reinante. O ideal, num contexto
democrático, é que os partidos políticos apresentem alternativas pessoais e funcionais,
sendo o impulso e a motivação de qualquer oposição para chegar ao poder, o garante do
25 LALÁ&OSTHEIMER
controlo sobre o partido no governo. Todavia, uma outra pré-condição fundamental para
este controlo efectivo é a existência de um sistema competitivo, em que, para além do
pluralismo partidário formal, a oposição deve possuir uma oportunidade efectiva de vir a
assumir o poder nas eleições subsequentes. Em última análise, a democracia reside na
possibilidade de alternância do poder.
2.4.1.1 Renamo
O processo democrático em Moçambique dependia da viabilidade de implementação de
um sistema político pluralista com uma estrutura competitiva. Por outro lado, este
processo requeria igualmente, uma correcta transformação da Renamo, de um movimento
primariamente militar para um partido político. Contudo, a Renamo defrontou-se com
um problema ímpar no contexto genérico dos partidos políticos africanos. Se em geral,
estes são compostos por grupos concentrados nas zonas urbanas e direccionados para a
elite intelectual, tendo, na maioria das vezes, necessidade de alcançar uma base de apoio
nas zonas rurais, a Renamo, contrariamente, tinha falta de apoio nos centros urbanos.
Em meados da década de 80, a Renamo estabeleceu uma ala política, tendo finalmente
consolidado as suas estruturas políticas no decorrer do seu primeiro congresso em 1989.
A nova liderança do partido englobava personalidades políticas de renome, as quais, do
antecedente, já tinham trabalhado de perto com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama. A
nova liderança tornou-se etnicamente heterogénea e afastou o estereótipo de a Renamo
ser um movimento étnico dominado pelos Ndaus e concentrado no centro de
Moçambique.
Todavia, um dos problemas dominantes relativos às actividades parlamentares, foi a
escassez de pessoal detentor de formação superior, tendo-se recorrido aos administradores
das áreas, outrora controladas pela Renamo e seus antigos simpatizantes na
clandestinidade.
83
No primeiro Parlamento democraticamente eleito, somente 18 dos 112
deputados da Renamo tinham participado na guerra civil, criando tensões entre os
tecnocratas recém recrutados (que eram acusados de oportunismo) e os guerrilheiros de
longa data.
84
Apesar destas fraquezas estruturais e dos problemas de consolidação, a
Renamo conseguiu transformar-se num partido político, dado que:
• desenvolveu um amplo processo de desmobilização dos seus combatentes;
• empreendeu estruturas nucleares inerentes a um partido político; e
• conseguiu afirmar-se nos centros urbanos.
Actualmente, a Renamo é o único partido que detém força suficiente para, eventualmente,
derrubar o Governo nas próximas eleições. A distribuição regional dos votos nas eleições
de 1994 e 1999, mostra que a Renamo conseguiu mobilizar eleitores na base do seu
discurso étnico-regional, nomeadamente, nas províncias centrais de Sofala, Manica e Tete,
nas regiões centro-norte da Zambézia e Nampula, bem como no Niassa, no norte.
A base de apoio da Renamo assenta numa coligação de marginalizados,
compreendendo a população rural esquecida, elites urbanas frustradas e dissidentes da
Frelimo. Com a adopção de uma estratégia de coligação eleitoral, a Renamo conseguiu,
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 26
igualmente, ampliar a sua capacidade intelectual. Todavia, devido a constrangimentos de
ordem financeira, o partido contínua ainda sem satisfazer as promessas efectuadas aos seus
antigos combatentes, o que se vem constituindo num potencial foco de destabilização
social. Para além disto, a democracia intra-partidária permanece como um assunto crucial,
ainda por solucionar.
Em Outubro de 2001, após vários adiamentos, a Renamo realizou o seu primeiro
congresso, no qual se efectuou, pela primeira vez a eleição do presidente. No entanto, a
forma como o processo decorreu coloca em causa o estado da democracia interna na
Renamo. António Pereira e Agostinho Murrial foram candidatos a par de Dhlakama para
a presidência do partido, mas enquanto que Pereira se tinha tornado infame pelas suas
ameaças de expulsão aos falantes de Shangana do centro e norte de Moçambique, Murrial
era um desconhecido, possuindo, cumulativamente, um fraco carisma dentro do próprio
partido. Desta feita, com um concorrente da ala dura do partido e um outro ‘sem nome’,
observadores exteriores advogaram que as eleições intra-partidárias se constituiram numa
espécie de ‘farsa’ democrática.
Esta situação realça a suspeita de que Dhlakama não desejava nem tolerava a
concorrência, sendo a expulsão de Raul Domingos em 2000, sob alegações dúbias, um
sinal evidente de que Dhlakama queria dirigir o partido à sua maneira. Outros exemplos
adicionais, foram as experiências de Joaquim Vaz e Chico Francisco. O primeiro, tornou-se secretário geral da Renamo durante o quarto congresso do partido em Novembro de
2001, mas visto não ter renunciado à sua amizade pessoal de longa data com Raul
Domingos, foi sucessivamente marginalizado e finalmente demitido das suas funções em
Julho de 2002. Chico Francisco, responsável pelo sector de relações internacionais do
partido, foi igualmente forçado a resignar ao desempenho das suas funções, vendo
consumada a sua expulsão, após ter revelado pensamento demasiado forte e de cariz
independente, na perspectiva da liderança da Renamo.
85
Embora se tenha verificado muita discussão, durante a realização do quarto congresso,
em torno da questão de transparência no processo interno de tomada de decisão e
administração financeira, muito pouco parece ter avançado neste aspecto. Isto, viria a
constituir no futuro um grande obstáculo ao funcionamento interno e à democratização
do partido. Actualmente, a mesma celeuma cria frustrações para os que preferem uma
abordagem diferente, mas, em contrapartida, preferem não agir receando represálias. A
longo prazo, esta atmosfera de estagnação do partido poderá originar mais saídas de
políticos ambiciosos, os quais poderão, eventualmente, participar na criação de uma
terceira força política, ou conduzir a um eventual motim intra-partidário.
2.4.1.2 Partido Frelimo e Governo
Após a morte de Samora Machel em 1986, o seu sucessor, Joaquim Chissano, iniciou a
“reversão” da preponderância da ideologia e a “tecnocratização” da liderança do partido,
possibilitando, deste modo, a introdução de um programa de ajustamento estrutural e a
realização dos primeiros passos em prol da paz. A liberalização e reorientação política
conduziram, no início da década de 90, às primeiras cisões internas na Frelimo. A divisão
entre socialistas ortodoxos e jovens tecnocratas tornou-se clara, manifestando-se na
27 LALÁ&OSTHEIMER
abordagem crítica da política económica do governo e na subordinação aos regulamentos
das instituições de Bretton Woods.
A estrutura governamental após as eleições de 1999 e a criação de um Ministério para
os antigos combatentes, vieram mostrar a inquebrável influência da linha dura do partido
Frelimo. A vívida influência dos antigos combatentes, revelou-se na eleição de Armando
Guebuza (de forma praticamente unânime), para próximo candidato presidencial, apesar
das tentativas de Chissano para promover um membro da nova geração.
O grupo ortodoxo obtém o seu apoio nos antigos combatentes e nos funcionários
públicos, ambos membros da Frelimo, os quais receiam que as reformas na administração
pública impliquem a perda das suas posições privilegiadas e o acesso aos recursos do
Estado. A ala do partido liderada por Armando Guebuza recebe, igualmente, apoio
estratégico dos quadros da Frelimo de descendência indiana e portuguesa (tais como
Marcelino dos Santos e Oscar Monteiro), que se opõem veementemente a um terceiro
mandato de Chissano ou à candidatura de um seu aliado. Em oposição à ala conservadora
e ortodoxa, encontra-se um pequeno grupo da liderança partidária que beneficiou do
processo de privatizações das empresas estatais, a qual, através deste, se tornou parte da
elite económica Moçambicana.
A transformação operada no interior da Frelimo no contexto de uma democracia
multipartidária, foi em geral, bem gerida, tendo o partido conseguido manter a sua
posição de liderança no processo político. A existência de uma sólida estrutura partidária
e a ausência de alternativas credíveis na arena política, em parceria com um sistema de
administração pública, intrinsecamente ligado ao partido, e o acesso a novos recursos
provenientes de um mercado de economia livre, contribuíram para cimentar a posição da
Frelimo. Os simpatizantes do partido podem ser encontrados principalmente nas zonas
rurais das províncias do sul, na província de Cabo Delgado, bem como nas zonas urbanas
de todo o País.
A Frelimo continua a dever muito da sua legitimidade, particularmente nas zonas
rurais, ao seu papel na luta pela independência. No entanto, o seu o futuro dependerá da
sua capacidade de reconciliar as três alas existentes no partido e de mobilizar largos
sectores populacionais, com vista a prolongar a sua governação, que já perdura há 25
anos. Cada vez mais, o partido está a ser usado como um instrumento para o auto-enriquecimento de certas elites e seus descendentes. Contudo, para os jovens
moçambicanos, as credenciais históricas da Frelimo, como um movimento de libertação,
significam cada vez menos e, para os que não beneficiam directamente do sistema de
“redistribuição” do partido, a necessidade de mudança é mais importante.
2.4.1.3 Outros partidos da oposição
Embora os resultados das eleições de 1999 em Moçambique tenham mostrado que a
estrutura unipolar de um sistema multipartidário de jurepoderá dissipar-se à medida que
a Frelimo começa a perder a sua posição hegemónica, desenvolvimentos recentes intra-partidários no seio da oposição poderão conduzir, a médio prazo, à dissolução da
estrutura bipolar, entretanto emergente no sistema partidário.
O desenvolvimento de um outro sistema político de partido único/dominante
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 28
(segundo a teoria de Giovanni Sartori) pela Frelimo, é provável. A sucessiva exclusão de
membros dissidentes do partido Renamo tem conduzido à redução de pessoal
politicamente capaz, experiente e internacionalmente reconhecido. É o caso concreto de
Raul Domingos que continuou como deputado independente no Parlamento e criou a
ONG Instituto Democrático para Paz e Desenvolvimento (IPADE). Aproveitando a
ocasião da celebração do 11º aniversário do Acordo Geral de Paz (4 de Outubro de 2003)
Domingos fundou um novo partido, o partido para Paz, Democracia e Desenvolvimento
(PDD), que irá concorrer nas próximas eleições de 2004. Ate à data, o estatuto de
Domingos no Parlamento não lhe permitia formar um novo partido, pois caso contrário
perderia o seu mandato como deputado.
Esta terceira força política liderada por Domingos poderá angariar apoios e tornar-se
num factor de contrabalanço nas próximas eleições gerais. É que, Domingos continua a
manter contactos dentro da Renamo, e granjeia auxílios, principalmente nos seguintes
grupos: militares desmobilizados, antigos quadros da Renamo integrados nas Forças
Armadas de Defesa de Moçambique, antigos exilados do chamado ‘grupo de Lisboa’, a
facção que estava aquartelada na sede da Renamo em Maringwé durante a guerra civil e
antigos simpatizantes da Renamo na clandestinidade. Por outro lado, este novo partido
político poderá ainda receber os votos de quadros frustrados da Frelimo, que não podem,
abertamente mostrar o seu apoio a outros partidos, já que isto lhe acarretaria uma perda
de privilégios. O PDD terá uma grande vantagem comparativamente aos outros pequenos
partidos, uma vez que, por intermédio do IPADE, Domingos tem vindo a edificar uma
estrutura partidária de baixo para cima, abrangendo a maioria dos distritos e
desenvolvendo infra-estruturas e programas partidários de uma forma participativa.
Em oposição a esta situação, a maioria dos 32 partidos políticos existentes desde a
entrada em vigor da Constituição multipartidária de 1990, parece não constituir mais do
que uma manifestação das megalomanias pessoais dos seus líderes. Os partidos têm-se
tornado quase insignificantes, em face das cisões e abandonos verificados em virtude de
rivalidades pessoais. Assim, nenhum dos numerosos e denominados ‘partidos não
armados’, conseguiu consolidar as suas bases desde a sua fundação em 1994, nem
expandir a sua influência. Com a excepção dos partidos unidos em torno da coligação
Renamo-UE, nenhuma das personalidades nem dos grupos politicamente concentrados
em áreas urbanas, conseguiu entrar para o Parlamento em 1999.
A representação da União Democrática (UD) no Parlamento pós-eleições realizadas
em 1999, pode ser descrita como uma coincidência, pois à semelhança da posição que o
Presidente Chissano ocupava no boletim de voto para as eleições presidenciais, também
a UD se encontrava colocada em último lugar, no boletim de voto, para as eleições
parlamentares. É francamente assumido que muitos dos eleitores de Chissano votaram
por associação, tendo dessa forma, a UD alcançado os cinco por cento da barreira
eleitoral.
Apesar de muitos dos partidos com menor expressão não possuírem influência
significativa no desenvolvimento político do País, estes mostram as clivagens existentes no
interior dos mesmos e das elites. Conforme Luis de Brito e outros argumentaram,
presentemente, existem quatro grupos de pequenos partidos:
86
29 LALÁ&OSTHEIMER
• Um primeiro grupo, composto por partidos cujos líderes compreendem antigos
membros da Frelimo, tais como: o Partido Liberal Democrático (PALMO), fundado
por antigos estudantes da Frelimo formados nos países do bloco do Leste; o PALMO,
dando origem, posteriormente, ao Partido Social e Liberal (SOL); o Partido Nacional
Democrático (PANADE), criado por um antigo membro da Frelimo que foi preso no
início da década de 80 sob acusação de espiar a favor da CIA; e o Partido Democrático
de Moçambique (PADEMO), que se ergueu por iniciativa de um quadro do Ministério
dos Negócios Estrangeiros e antigo guerrilheiro da Frelimo na guerra civil;
• Um segundo grupo, emergente da oposição ao regime colonial, e cujos lideres se
mantiveram exilados durante o período de governação de partido único da Frelimo.
São estes a Frente Unida de Moçambique (FUMO), criada por Domingos Arouca e o
Movimento Nacional Moçambicano (MONAMO), fundado por Máximo Dias;
• Um terceiro grupo, formado por académicos Moçambicanos do pós-independência, tais
como, o Partido de Convenção Nacional (PCN) e a Frente de Acção Patriótica (FAP);
• Um quarto grupo, compreendendo partidos cujas origens remontam aos emigrantes
Moçambicanos, particularmente nos países do Leste Africano, tais como, o Partido
Democrático para a Libertação de Moçambique (PADELIMO) e o Partido de
Progresso do Povo de Moçambique (PPPM).
A maioria dos partidos pequenos são desconhecidos dos eleitores. Quando indagados
sobre quais os partidos que eram do seu conhecimento, no âmbito da Pesquisa Nacional
de Opinião Pública realizada em 2001, o resultado saldou-se em: 70.2% mencionou a
Frelimo, 65.7% conhecia a Renamo, e 19.1% tinha ouvido falar do PADEMO. Cerca de
17.4% estava familiarizado com o PIMO e 10.3% com a FUMO. O SOL e o MONAMO
eram somente conhecidos por 6.8% e 5.9% de pessoas respectivamente, enquanto que
apenas 5.1% ouviram falar da UNAMO e 4.7% do PALMO. O grau de familiaridade
com a coligação de partidos, a UD, que até se encontrava representada no primeiro
parlamento multipartidário, era ainda mais baixo com 4.4%.
87
Estes dados indicam a falta de inserção dos pequenos partidos na sociedade
Moçambicana, revelando inter aliaas fraquezas estruturais e especialmente financeiras dos
partidos da oposição. Uma vez que a lei proíbe o financiamento directo dos partidos por
patrocinadores externos, as condições financeiras dos mesmos mantêm-se problemáticas.
A estabilidade da concorrência inter-partidária em Moçambique é também
demonstrada pela aplicação do índice de Pedersen sobre volatilidade eleitoral.
88
Entre
1994 e 1999 a volatilidade legislativa atingiu 8.9%, enquanto que nas eleições
presidenciais foi de 14%. Comparando com as médias de 28.4% e 29.6%,
respectivamente, registadas nos países africanos, isto atesta a estabilidade do sistema
partidário bipolar, mas comprova igualmente o impasse profundamente enraizado entre a
Frelimo e a Renamo.
89
2.4.2 SOCIEDADE CIVIL
Desde o advento da paz e democracia em Moçambique, tem-se vindo a registar uma
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 30
proliferação de movimentos e organizações da sociedade civil. Neste País, nela se integram
ONGs, confissões religiosas, autoridades tradicionais, sindicatos, organizações
académicas, organizações cívico-políticas, grupos femininos, associações de direitos
humanos e meios de comunicação independentes. Dentre esta miríade de actores não se
vislumbra nenhum plano concertado ou homogéneo relativamente às actividades
exercidas, organizando-se elas em torno de interesses diferentes, podendo, por vezes,
tanto assumirem posições comuns como divergentes. O seu papel na sociedade
moçambicana está paulatinamente a ganhar espaço e reconhecimento, embora este
desiderato varie de acordo com o tipo de organização de sociedade civil a que se refere.
O crescente despoletar de ONGs desde 1991 (aproximadamente 200 em 1991, 400
nos finais dos anos 90 e 813 registadas até 2002),
90
não significa necessariamente a
existência de uma sociedade civil vibrante. As ONGs começaram a ser formadas em 1991,
altura em que organizações dotadas de objectivos predominantemente religiosos ou
profissionais, iniciaram o seu contributo em prol das actividades de emergência e socorro
durante a guerra.
Com o advento da nova Lei sobre Associações (18/91), e do processo de transição
democrática, as ONGs passaram a concentrar-se nas actividades relacionadas com
educação cívica, direitos humanos, eleições, “accountability” (prestação de contas) e
participação numa sociedade pluralista, apoiando, deste modo, o surgimento de uma
cultura democrática. Tratou-se efectivamente, de uma contribuição válida para a
consciencialização das pessoas sobre as alterações políticas que decorriam. Apenas nos
finais da década de 90 é que as ONGs começaram a desempenhar actividades ligadas ao
desenvolvimento e advocacia, com o objectivo de influenciar a formulação de políticas.
91
As ONGs que se dedicavam ao desenvolvimento visavam ampliar as suas bases nas
zonas rurais enquanto que as que se empenhavam na advocacia centravam a sua conduta
no empreendimento de debates relacionados com a dívida externa, campanhas contra a
proliferação de minas terrestres, HIV-SIDA, debates sobre a lei da terra, eleitoral e da
família. Apesar disto as organizações da sociedade civil não possuem uma índole própria
de organização nem são relativamente autónomas do Estado ou dos doadores.
A maioria das ONGs são constituídas por elites urbanas e carecem de missão e de
objectivos sócio-políticos claros, para não referir a sua fraca capacidade de gestão. Isto
levanta dúvidas quanto à capacidade destas de se envolverem de forma proactiva em
actividades de advocacia e de reagir atempadamente perante políticas governamentais de
vulto que possam afectar a sociedade. A maioria das ONGs são provedoras de serviços e
orientam as suas actividades de acordo com os interesses das agências doadoras, mesmo
quando se encontram a desempenhar actividades complementares ao papel do Estado na
prestação de serviços. Uma vulnerabilidade adicional prende-se com o facto da maioria
dos doadores prestar apoio e proceder à concessão de fundos com base em projectos em
vez de programas, constrangendo deste modo a realização de actividades de longo prazo
e a criação/desenvolvimento de capacidade institucional. Deste modo, verifica-se
igualmente uma fraca coordenação no seio dos doadores quanto ao apoio prestado às
ONGs.
No que diz respeito à coordenação das actividades das ONGs, um esforço memorável
31 LALÁ&OSTHEIMER
vem sendo desenvolvido pela Link – uma rede de ONGs – com vista a agrupá-las sob sua
égide, por forma a manter um acompanhamento sobre “quem é quem” e “quem faz o
quê”. A Link organizou igualmente uma conferência, no início deste ano, para discutir
matérias relativas à sociedade civil em Moçambique.
Relativamente à interacção entre as ONGs e o Governo, continua a existir uma
lacuna, visto que ainda se sente a necessidade de criação de uma instituição formal para
agir como interlocutora no debate sobre iniciativas e problemas com que se defrontam as
ONGs. Parece ter vindo a registar-se progresso no que respeita à forma como o Governo
encara a existência e trabalho das ONGs, tendo algumas sido consideradas parceiras
válidas para o desempenho de certas actividades. Um exemplo recente desta mudança foi
o facto do Governo ter consultado as ONGs antes do início da preparação da Cimeira da
União Africana realizada em Moçambique, em Julho de 2003.
Contudo, persiste a limitação das bases sociais das ONGs, tornando-as vulneráveis a
influências de certas personalidades proeminentes, sobretudo nas pequenas comunidades
onde as estruturas da sociedade civil se encontram muitas vezes amalgamadas com o
partido no poder ou são atribuídas à oposição. Por sua vez, a falta de informação adequada
por intermédio dos meios de comunicação social e a inexistência de um público crítico, tem
criado um terreno fértil para rumores políticos, particularmente ao nível comunal.
É importante realizar-se uma avaliação da reputação que as ONGs granjeiam no seio
da população, contudo, a informação disponível pode ser contraditória, dependendo das
diferentes metodologias e amostras utilizadas na condução das pesquisas. Um relatório
elaborado para a Universidade Católica de Moçambique em Nampula-Rapale revelou que
96.5% da população naquela zona não pertencia a nenhuma ONG nacional, sendo que os
que estavam afiliados, mencionaram a Kulima e a OMM. O nível de conhecimento
populacional sobre as actividades realizadas pelas ONGs nesta zona, revela-se como
igualmente preocupante, visto que 86.5% afirmou não conhecer nenhuma, constatando-se que dentre os consultados, os melhor informados são as mulheres.
Relativamente a áreas de actividade das ONGs, o HIV-SIDA foi considerado o assunto
abordado pela maioria das ONGs, apesar de cerca de 95.75% dos inquiridos não terem
respondido a esta questão. Os indagados afirmaram ainda não existir apoio significativo
de ONGs estrangeiras, sendo que 75.5% revelou ser da opinião de que estas não poderiam
ajudar a manter a paz. Quando questionados sobre se as ONGs admitiam membros das
comunidades em que trabalham, 74.5% forneceram uma resposta negativa e somente
2.25% deram uma resposta positiva.
92
Um outro estudo realizado a nível nacional e, consequentemente, mais representativo,
revelou que apenas 37.5% dos inquiridos conhece as ONGs e o seu desempenho, em
contraste com os 52.3% que afirmou desconhecimento relativamente a estas. Dentre os
que declaram conhecer ONG’s” verificou-se um nível de confiança de 32.9%
(consideravelmente alto), contra 12.1% que mostrou não possuir qualquer confiança,
tendo 19.3% expressado um baixo nível de confiança, e 29.3% demonstrado um nível de
confiança mediano.
93
Todavia, dentre todas as organizações da sociedade civil, as
confissões religiosas foram as que receberam o índice mais elevado de confiança, cerca de
50.5%, seguidas pelos sindicatos com 9.2% e partidos políticos em geral com 7.8%.
94
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 32
Os grupos religiosos tem sido apreciados pelo seu valoroso trabalho em prol da
consolidação da paz e reconciliação, visto a sua actuação ter sido notável desde o início
dos esforços com vista à paz, durante as negociações de Roma, bem como durante o
período de transição. Os seus esforços têm incluído apelo ao diálogo quando surgem
tensões políticas, campanhas em prol da reconciliação e desenvolvimento de maior
compreensão na sociedade, envolvimento na resolução de conflitos locais, e em
actividades práticas, com vista à redução da pobreza e desenvolvimento das comunidades.
Sempre existiram sensibilidades políticas quanto ao papel assumido pelas
comunidades religiosas no que diz respeito ao seu apoio e ligações a certos partidos
políticos. A Igreja Católica, por exemplo, sobejamente conotada com o regime colonial e
marginalizada durante o regime socialista vem redimindo a sua imagem, enquanto que os
movimentos cristãos protestantes estão, cada vez mais, a ganhar notoriedade como sendo
os favorecidos pelo partido no poder. Esta situação originou rumores com a nomeação do
Reverendo Arão Litsuri como novo Presidente da CNE, especialmente por suceder a um
anterior presidente que era igualmente membro do Conselho Cristão de Moçambique.
Não obstante, as entrevistas revelam que as confissões religiosas continuam a ser as
instituições mais credíveis para transmitir uma mensagem válida, uma vez que elas não
dependem dos doadores e estão representadas em todo o país.
95
Uma outra categoria prolífica de organizações da sociedade civil são as organizações
sócio-políticas que desempenham um papel influente na congregação das pessoas em torno
de uma região, área ou zona de identificação. Isto aplica-se amplamente a associações que
se denominam de ‘amigos e naturais do distrito ou província de tal e tal’. A sua actividade
prende-se maioritariamente com o desenvolvimento das áreas territoriais de sua
implantação e realiza-se muitas vezes, através do exercício de lobbies junto do Governo,
com vista a obter políticas e compromissos favoráveis para as suas regiões, bem como
promover os seus valores culturais comuns. Estas organizações podem ser exemplificadas,
inter alia, pela Protete em Tete, Mociza na Zambézia e a Sotemaza no centro do país.
Quanto aos sindicatos, estes, embora activos na negociação de aumentos salariais e no
encaminhamento das reclamações dos trabalhadores sobre as condições de trabalho e
resultados das privatizações, parecem ter um impacto limitado, uma vez que constituem
um fenómeno urbano e carecem de força para desafiar as macro-políticas do País. Outra
organização da sociedade civil com impacto restringido é a classe académica, cujo papel
deveria ser o de gerar críticas construtivas e envolver-se no debate de assuntos públicos.
O facto de parte considerável deste grupo integrar a classe elitista da sociedade e do
sector do ensino superior estar a viver uma profunda transformação, originou uma
renitência dos académicos em proferir críticas abertas às estruturas do poder, com base no
receio de verem questionadas as suas posições. Os académicos tem sido igualmente
obrigados a procurar fontes de rendimento alternativas, visto que o sector público lhes
paga salários reduzidos. Como tal, este grupo tem vindo a desempenhar a sua actividade
profissional assumindo, principalmente, uma postura de mero provedor de serviços
académicos, em detrimento do papel de “consciência crítica da sociedade”, tudo indicando
que algum tempo decorrerá até que este estrato social comece a exercer um papel mais
proactivo.
33 LALÁ&OSTHEIMER
Um outro grupo, as associações cívico-políticas, surgiu como um fenómeno urbano,
particularmente após a experiência das eleições locais realizadas em 1998. O objectivo
destas associações era, em larga medida, permitir a participação das pessoas na gestão
pública das suas localidades e constituir grupos de pressão pró ou contra a implementação
de determinadas políticas locais.
No que diz respeito à liberdade de associação, a CRM garante aos cidadãos este direito
(art.76) e um quadro jurídico regula o mesmo através da Lei 18/91, do Decreto 21/91
(que estabelece o seu reconhecimento pelo Ministério da Justiça) e do diploma ministerial
31/92 (sobre procedimentos para registo). Não existem impedimentos jurídicos para os
cidadãos representarem os seus interesses e participarem nas organizações da sociedade
civil. Porém, a falta de distinção entre estas e quaisquer outras associações de cariz
diferente, tais como as empresariais, parece restringir o seu desenvolvimento, uma vez que
não existe uma legislação adequada para regular questões fiscais, comerciais e laborais,
especialmente no que diz respeito às ONGs.
96
Os constrangimentos acima referidos
incluem a dependência financeira das organizações em relação aos doadores, a falta de
pessoal qualificado, e a alegada falta de vontade política que impede a criação de uma lei
específica, permitindo o crescimento das organizações da sociedade civil de uma maneira
organizada e institucionalizada.
97
Os mediaconstituem a principal fonte de informação e veículo de expressão para a
sociedade civil. A salvaguarda das suas actividades está contida no Artigo 74 da CRM, que
estabelece o direito de liberdade de expressão, liberdade de imprensa e direito à
informação.
98
Este sector é caracterizado pela predominância da rádio, uma vez que este
meio facilmente chega à maioria da população. A circulação dos jornais é muito limitada
(alcançando só as capitais provinciais e alguns distritos), e o acesso à televisão é ainda mais
restrito, tendo em conta as dificuldades económicas da população. Outro
constrangimento de monta é o elevado índice de analfabetismo, que se situa em cerca de
60.5% no geral, 33% nas zonas urbanas e 72.2% nas zonas rurais.
99
A dificuldade do
acesso à informação é agravada pelo uso da língua portuguesa, que se torna num obstáculo
para uma ampla disseminação de informação, uma vez que somente uma reduzida parte
da população usa esta língua, sendo que das 39.6% pessoas que falam português, 72.4%
estão concentradas nas zonas urbanas e 25.4% nas zonas rurais.
100
A diversidade dos media é assegurada pela existência de vários jornais, cujo capital
provém do sector público, assim como do privado. Apesar do elevado grau de tolerância
do Governo para com os media, existem problemas relativos à intimidação de jornalistas
por parte de elementos do crime organizado. Esta situação tem vindo a piorar desde o
assassinato de Carlos Cardoso (um proeminente profissional da comunicação social),
especialmente no que respeita a jornalismo de investigação. Em consequência, o impacto
tem vindo a revelar uma resposta mista: alguns profissionais têm mantido as suas atitudes
irrequietas e críticas, enquanto que outros têm-se abstido de envolvimento na investigação
de ‘dossiers críticos’.
A situação revela igualmente a necessidade de desenvolvimento da classe jornalística,
que precisa de uma formação e qualificação adequada, passível de conferir credibilidade
à informação veiculada ao público, visto que o argumento de protecção das fontes é
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 34
invariavelmente utilizado pelos mediapara não justificar a proveniência de determinada
informação (usualmente polémica).
Igualmente controversa é a natureza do sector, que embora livre, não se tornou ainda
pluralista.
101
Apesar da existência de um maior número de jornais, estações de rádio (a
UNICEF possui um amplo projecto que visa aumentar o número de estações de rádios
comunitárias) e canais de televisão, assim como de uma diversidade de proprietários, as
ideias expressas continuam “reféns da classe política”. À opinião pública é prestada pouca
atenção comparativamente às ideias dos partidos da oposição, nos mediade propriedade
privada, e do governo nos mediapertencentes ao Estado. Este processo necessita
igualmente do decorrer do tempo e poderá ser consolidado com o desenvolver do
processo de democratização. Outros meios de expressão política necessitam de ser
fortalecidos para os partidos, mediante o imperativo do desenvolvimento de uma cultura
de abertura e expressão pluralista na sociedade. Enquanto isso, deve-se considerar a
própria noção de tolerância para com a expressão e acomodação de posições políticas
diferentes como uma conquista.
Apesar dos constrangimentos existentes relativamente ao desenvolvimento das
organizações da sociedade civil, deve se reconhecer que embora difusas, pequenas vitórias
foram alcançadas. Estas podem ser identificadas nas áreas de liberdade de imprensa,
direitos humanos, participação indirecta no processo eleitoral, a questão da terra, revisões
salariais, a polémica relativa à indústria da castanha de cajú, o caso ‘Madjermanes’ e a
pressão com relação aos casos Cardoso e Siba-Siba.
As principais vitórias da sociedade civil, em Moçambique, ao longo da última década,
foram a sua própria emergência e constituição, bem como os esforços para alcançar
reconhecimento dentro da sociedade. Os principais desafios que se lhe afiguram
continuam a ser o fortalecimento da sua credibilidade, através de uma postura mais crítica
e intervencionista no processo de democratização (o seu papel de monitor), bem como a
redução da sua dependência relativamente aos doadores, ao governo e aos partidos
políticos, por forma a contribuir genuinamente na procura de soluções para os problemas
do país.
2.5 SEPARAÇÃO DE PODERES E SISTEMA DE CONTROLO MÚTUO(“CHECKS AND BALANCES”)
2.5.1 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS
A continuação da vigência da CRM de 1990, sob o novo modelo democrático emergido
do Acordo Geral de Paz, é actualmente encarada como um obstáculo de vulto para a
reconciliação política. A CRM, redigida sob a égide do regime de partido único da
Frelimo, definiu um sistema presidencialista e não contemplou nenhuma disposição que
previsse a partilha de poder aos níveis nacional e local. Os governadores provinciais
continuam ainda a ser nomeados pelo Presidente e as províncias são controladas pelas
autoridades do poder central.
Paradoxalmente, a tentativa de introdução de um sistema semi-presidencialista em
1999 foi gorada pela resistência da Renamo. Após quatro anos de consultas, o projecto da
nova Constituição, redigido por uma comissão parlamentar que integrou
35 LALÁ&OSTHEIMER
proporcionalmente membros da Frelimo e da Renamo propôs um sistema semi-presidencialista, com a eleição do Primeiro-Ministro a ser feita pelo Parlamento, e um
Chefe de Estado principalmente detentor de funções representativas. Previa-se igualmente
a criação de um Conselho Nacional, que iria incluir líderes da oposição, com vista a
aconselhar o Chefe de Estado relativamente a assuntos nacionais cruciais, tais como a
dissolução do Parlamento e do Governo, a declaração do estado de emergência, e de
guerra, entre outros. A proposta contemplava igualmente disposições com a finalidade de
melhorar a posição dos agrupamentos sociais. Esta foi, no entanto, vetada pela Renamo
que repentinamente e pouco antes das eleições de 1999, considerou o sistema semi-presidencialista inadequado para sociedades africanas, nas quais é suposto que o ‘chefe’
mande.
Uma preocupação de relevo que permanece relativamente à prestação de contas
‘horizontal’ é a independência do sector judicial. Esta continua a ser colocada em causa,
visto que, tanto o presidente como o vice-presidente do Tribunal Supremo, bem como o
presidente do Conselho Constitucional (a autoridade máxima em matérias jurídico-constitucionais) são nomeados pelo Chefe de Estado.
2.5.2 RELACIONAMENTO ENTRE O EXECUTIVO E O PARLAMENTO
Ao nível do sistema político interno, a “vertical accountability” (“prestação de contas
vertical”) é garantida segundo a disposição constitucional que define que as eleições
presidenciais e legislativas devem ocorrer em cada quinquénio e que o mandato
presidencial somente pode ser renovado duas vezes consecutivas (art. 118, CRM). Os
mecanismos de controlo ‘horizontal’ afiguram-se de extrema importância, uma vez que a
qualidade da democracia não se limitada somente às provisões eleitorais, dependendo
igualmente dos aspectos qualitativos que a tornam mais participativa. É neste contexto
que as maiores lacunas podem ser constatadas.
Embora a separação de poderes (legislativo, executivo e judicial) esteja formalmente
estabelecida na CRM, o relacionamento entre eles é passível de questionamento. Existem
algumas disposições de jure, para controlo mútuo entre o legislativo e o executivo, que se
manifestam, por exemplo, através do direito de interpelação. O Artigo 155 da CRM de
1990 estabelece que o Primeiro Ministro (assistido pelos seus Ministros) deve apresentar
o Programa do Governo, a proposta do Plano e Orçamento, assim como relatórios do
Governo perante o Parlamento. (Este artigo não se encontra sob as competências do
Parlamento, mas sim sob o capítulo que regula as actividades do Conselho de Ministros).
Estas apresentações são seguidas por uma sessão de perguntas e respostas que envolvem
tanto os deputados como os ministros.
Os primeiros dois documentos devem ser aprovados pelo Parlamento antes de
começarem a ser implementados, mas se o Parlamento não puder aprovar o Programa do
Governo pela segunda vez, o presidente pode dissolver o Parlamento. Estas sessões de
apresentação dos relatórios de actividade introduziram uma nova dinâmica uma vez que
o Governo é compelido organizar-se para responder às perguntas, reduzindo o sentimento
de impunidade e a ausência de prestação de contas, embora aquém dos padrões desejados.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 36
O impacto assertivo destas sessões nota-se especialmente, quando se trata de questões do
Plano e Orçamento, visto o Parlamento questionar sobre assuntos delicados e relativos à
transparência na gestão. A título de exemplo, os deputados têm debatido assuntos
relacionados com o facto dos fundos disponibilizados pelos doadores e ONGs, na
sequência de projectos implementados, não figurarem nas contas apresentadas, tendo
igualmente exigido que o sistema contabilístico existente seja revisto e passe a incluir estas
categorias.
Infelizmente, embora se discutam e analisem outras matérias em que o desempenho
parlamentar se considera positivo, tais como o questionamento em relação à condução
dos processos de privatização e o problema da indústria de cajú, este activismo parece não
se estender a muitos outros assuntos que efectivamente se poderão considerar do âmbito
da sua esfera de competências.
O parlamento possui a prerrogativa de criação de comissões de inquérito e de controlo
das comissões de trabalho, embora o exercício destes grupos tenda a fracassar devido à
elevada prevalência de conflitos. Uma perfeita ilustração desta realidade, foi a situação
gerada quando a comissão criada para investigar as mortes de Montepuez foi incapaz de
apresentar o seu relatório, devido à recusa (de última hora) do líder da oposição
responsável (na comissão) por assinar o relatório, alegando que a investigação tinha sido
parcial.
102
O domínio do Parlamento pelo partido no Governo, torna a função supervisora desta
instituição sobre o Executivo, pouco relevante. A forte disciplina partidária no seio da
Frelimo assegura que não haja contradições de vulto entre o Governo e a facção principal
da bancada parlamentar, embora por vezes surjam tensões, visto estarem (muitas vezes)
enraizadas nas clivagens e fricções existentes entre as diferentes alas da Frelimo.
Uma vez que a oposição constitui minoria no Parlamento, os seus níveis de influência
são baixos, só entrando em palco quando se trata de emendas constitucionais que
requerem uma maioria de dois terços e originando, consequentemente, uma situação em
que grande parte das propostas de lei são elaboradas pelo Executivo.
Enquanto que os debates parlamentares durante a primeira legislatura (1994-1999) se
afiguravam de elevada qualidade, com ambas as partes a cooperarem até certo ponto, a
legislatura actual é principalmente caracterizada por intolerância, confrontação e
sabotagem. Isto ficou claramente demonstrado quando em Dezembro de 2002 os
parlamentares da Renamo, em contravenção ao regimento do Parlamento, exigiram que
o mandato dos deputados que tinham resignado ou sido expulsos da Renamo lhes fosse
retirado.
Até ao momento, a oposição ainda não logrou nenhuma contribuição substancial no
respeitante a questões ou declarações desafiadoras relativamente ao discurso sobre o
estado da Nação efectuado pelo Presidente, ou mesmo durante o debate sobre o último
orçamento geral do Estado, apresentado anualmente. A oposição tem permanecido
silenciosa mesmo quando, os ministros demonstram claramente um fraco desempenho e
ministérios se mostram ineficientes. Os ministros parecem de factoquase intocáveis. Isto
poderá dever-se ao estilo de governação do Presidente Chissano, que lhes confere
discrição na direcção das instituições confiadas. Por outro lado, esta tendência poderá
37 LALÁ&OSTHEIMER
estar igualmente relacionada com uma certa lealdade enraizada desde os tempos do
socialismo.
Poder-se-á ilustrar esta situação, considerando casos sucedidos e da competência do
Ministério do Interior, nomeadamente, o assassinato de manifestantes desarmados, a
morte por intoxicação de 119 pessoas numa cela de prisão (em Montepuez), a fuga da
prisão do principal suspeito no caso Carlos Cardoso, culminando com o Ministro do
pelouro a comentar no Parlamento que o último caso descrito é uma situação comum em
todo o mundo, podendo, deste modo, afirmar-se que não existe prestação de contas, tanto
do âmbito político como legal, por parte dos ministros.
Outros factores estruturais, além do impasse político, têm igualmente contribuído para
limitar a função controladora do Parlamento. Por exemplo, ainda que o Governo não obstrua
o acesso à informação (uma vez que conhece as limitações do Parlamento), a capacidade de
procura e de acesso à informação, assim como o nível de análise técnica dos deputados,
permanecem reduzidos. Por outro lado, a sustentabilidade de um gabinete técnico criado para
apoiar os legisladores através do fornecimento de informação e da elaboração das leis e
decretos não pode ser garantida uma vez que os fundos dos doadores estão a reduzir e que
não existe do lado Moçambicano nenhuma disposição para assumir este financiamento.
Ainda, relativamente à função de ‘checks e balances’, os parlamentares eleitos por
intermédio de listas de partidos garantem uma forte disciplina partidária em ambos os
lados, conduzindo a uma situação em que os deputados só prestam contas às lideranças
dos seus partidos e não aos seus eleitores. O diálogo entre os deputados e o seu eleitorado
existe somente quando os fundos para as viagens são disponibilizados pelas lideranças dos
partidos ou através de projectos financiados pelos doadores.
103
A ainda vigente identificação do Estado Moçambicano com o partido Frelimo
relaciona-se igualmente com o facto de ainda não se ter desenvolvido uma burocracia
estatal independente e não politizada. Segundo Max Weber, uma burocracia estatal
independente e eficiente é um dos elementos centrais da democracia. Porém, Moçambique
encontra-se ainda distante desta realidade, visto que a maioria dos funcionários públicos
no país são membros do partido no poder e recebem benefícios por esse facto. A
identificação do Estado com a imagem do partido é originária nos princípios comunistas
do centralismo democrático e da dupla insubordinação das unidades administrativas
perante o Estado e partido.
2.5.3 O PROCESSO DE“AUTARQUIZAÇÃO”
104
E A IMPLEMENTAÇÃO VERTICAL DE POLÍTICAS NUM
SISTEMA POLÍTICO CENTRALIZADO
A discussão sobre a descentralização democrática em Moçambique deve ter em linha de
conta o contraste entre a situação actual e o objectivo de devolução do poder político às
autoridades locais eleitas. A concretização deste objectivo deveria resultar numa governação
própria e local, democrática e alargada, dotada de recursos jurídicos, financeiros e humanos
suficientes para constituir um elo com os cidadãos, formular políticas em resposta às
preferências das populações e, implementar efectivamente essas políticas.
105
No entanto, em Moçambique perdura um sistema político altamente centralizado, no
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 38
qual os governadores das províncias e os administradores dos distritos são nomeados
centralmente em Maputo pelo partido no poder. Se o actual impasse político se pretende
resolvido, uma reforma consensual da Constituição de Moçambique e o estabelecimento de
uma estrutura política descentralizada são necessários. Deste modo, um programa de
descentralização reformulado poderá constituir uma via para limitar a polarização regional,
permitindo simultaneamente a inserção da Renamo nas estruturas de governação.
A lei 3/94, de Setembro introduziu as autarquias comunitárias em Moçambique,
prevendo que os 128 distritos se transformassem em municípios, contudo esta foi
posteriormente declarada inconstitucional. A lei definitiva sobre esta matéria (Lei 2/97 de
Novembro) era bastante mais limitada no que respeita à cobertura territorial e no âmbito
das reformas, revelando a predominância dos conservadores no seio da Frelimo, que
demonstravam resistência contra qualquer tipo de partilha de poder. As eleições locais
realizadas em Junho de 1998 constituíram uma parte integral do programa de
descentralização do governo mas, em conformidade com o acima referido, a oposição
boicotou tais eleições e somente a Frelimo e alguns grupos da sociedade civil participaram.
De acordo com alguns estudos efectuados, a abstenção em massa pode ser entendida como
“a vote of popular protest against the competing political elites and their inability to reach
an agreement, and against the institutions of the state, charged with electoral
administration and supervision”.
106
Outros factores que provavelmente terão contribuído,
são a desconfiança generalizada entre os partidos políticos, devido ao seu centralismo
inerente, bem como o uso de discursos inflamatórios e violentos nas suas campanhas.
107
A ideia inicial de ‘gradualismo’, implicando o aumento paulatino do número de
municípios, acompanhado por uma ampliação do seu âmbito de poderes, tem-se mantido
‘dormente’ ao nível do Ministério da Administração Estatal. Actualmente, 75% da
população (principalmente das zonas rurais) continua excluída das estruturas já
descentralizadas. Por outro lado, um estudo realizado revelou que a maioria das pessoas,
entre 89.7% e 94.9%, (em zonas onde já existe descentralização), não se dirigem às
instituições locais na busca de soluções para os seus problemas.
108
Similarmente, o
presidente do município é o órgão menos contactado, o que demonstra que ou o cargo foi
assumido por indivíduos que desempenharam o seu mandato de forma pouco notável ou
as pessoas desconhecem a existência dessa estrutura, devido à sua limitada exposição e
divulgação nacional.
109
Isto reforça a ideia de que a legitimidade das instituições locais do Estado é fraca, que
se verifica um défice democrático e que a linha divisória entre as zonas urbanas e rurais
está a ser reforçada por um processo de descentralização que, em teoria, era suposto poder
eliminar as assimetrias existentes. Reformas dentro destes parâmetros e sem recursos
adequados, poderiam somente vir a agravar a situação e retirar a legitimidade ao processo
democrático de descentralização.
A actuação dos 33 municípios é limitada pelos constrangimentos técnicos e financeiros
existentes e os factores relevantes para a selecção geográfica não foram concebidos
segundo critérios de efectividade. Os municípios possuem uma base económica fraca e são
altamente dependentes do governo central. Somente em alguns casos, tais como
Vilanculos, o Presidente do Município foi capaz de constituir parcerias com o sector
39 LALÁ&OSTHEIMER
privado (o envolvimento da Sasol no sector de transportes), encontrando novas fontes de
rendimento para o município.
110
A administração distrital está inserida na estrutura de governação centralizada, o que
significa que mesmo nas comunidades onde o edil provém da oposição ou onde esta
possui a maioria no conselho municipal, o controlo dos recursos económicos continua a
ser efectuado pelo partido no governo ,i.e., ao nível central. Considerando os resultados
das eleições de 1998, o resultado pratico da descentralização em Moçambique continua a
ser negligenciado. Assim, o conflito gerado pela governação centralizada tem agravado as
relações entre as instituições e, por outro lado, a falta de clareza das responsabilidades
dos intervenientes, tem impedido a existência de uma estrutura governamental
transparente e de canais de comunicação e participação mais inclusivos.
No que diz respeito às implicações do processo de descentralização para a redução
efectiva da pobreza, uma oportunidade está a ser desperdiçada, já que a formação dos
cidadãos locais em gestão de recursos deve ser efectuada de acordo com as prioridades
locais e não centrais. Em processos de democratização, na sua fase inicial, as prioridades
estão normalmente adstritas, especialmente num governo de maioria, à manutenção das
suas redes locais e à promoção de soluções de curta duração, em vez de serem baseadas
em abordagens de longo prazo e sustentáveis para a resolução dos problemas.
O processo de governação local em Moçambique continua, em grande medida,
dependente do apoio da comunidade doadora e do aparecimento de novos impulsos para
o desenvolvimento sócio-económico, iniciados interna e externamente. No entanto, um
factor a sublinhar relaciona-se com o facto das assembleias municipais geralmente
convidarem membros da sociedade civil, ou mesmo da oposição não representada, para
participar em debates sobre importantes tomadas de decisão. Com maior incidência nas
cidades, a governação local tem vindo a tornar-se mais responsável perante o eleitorado e
a administração praticada tem procurado criar um estilo de governação que se insira nos
anseios da sociedade local.
111
Os obstáculos financeiros e humanos não constituem apenas um problema relacionado
com os municípios, como também se reflectem ao nível vertical da administração estatal,
das administrações distritais e dos denominados postos administrativos. Frequentemente,
estas estruturas de governação local não passam de meros símbolos do Estado,
dificilmente capazes de desempenhar os seus serviços em prol comunidade que servem.
Consequentemente, os chefes tradicionais e os régulos têm, de uma forma crescente,
vindo a preencher esta lacuna, por vezes em cooperação e por outras em oposição ao
administrador distrital.
112
Em geral, a implementação vertical de políticas em Moçambique está a desenvolver-se
de forma cada vez mais lenta. Políticas adequadas e sensatas que se iniciam no interior do
Governo, podem vir a fracassar nos respectivos ministérios, verem a sua intenção
deturpada (através de uma re-interpretação dos conteúdos), ao nível provincial e,
eventualmente, chegar ao funcionário público local (quando chega) com um sentido
diferente do concebido.
Um relatório recente sobre as limitações administrativas ao investimento em
Moçambique registava que: “private investors have increasingly complained about the
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 40
widening gap between the performance in Maputo and the central and northern
provinces”
113
Igualmente, a ‘dupla subordinação’ dos representantes dos ministérios ao
nível provincial, tanto em relação ao governador provincial como ao ministério da tutela
em Maputo, origina, frequentemente, tanto o ‘cruzamento’ de directivas emanadas pelas
autoridades, como embaraços no sistema administrativo.
Estas deficiências mostram a necessidade de se repensar e redefinir o processo de
reforma da descentralização, tomando em linha de conta outras reformas de vulto (tais
como a reforma do sector público) em implementação. Isto exige a necessidade de
recursos humanos e técnicos competentes. Este processo poderia, adicionalmente,
integrar-se no projecto de desenvolvimento do País, baseado no PARPA, e na Agenda
2025, assim como, originar que as estruturas de governação territorial se reorganizassem,
visando a consecução dos objectivos gerais. Finalmente, salienta-se ainda a importância
que a revisão Constitucional acrescentaria na clarificação da estrutura a adoptar quanto às
reformas institucionais, especialmente no que diz respeito à inclusão da disposição legal
relativa ao princípio de subsidiariedade.
114
2.6 CULTURA POLÍTICA: COMPREENSÃO DA DEMOCRACIA E APOIO ÀS NORMAS E VALORES
DEMOCRÁTICOS
Intimamente associada à consolidação democrática está a cultura política, a qual num
processo multidimensional de transição, pode possuir, tanto uma influência inibidora
como promotora. Tendo em mente os elementos centrais da democracia (concorrência e
participação), uma cultura política positiva manifesta-se na tolerância mútua dos
intervenientes, na vontade dos principais actores em assumir compromissos, na
capacidade dos partidos em formar coligações, e na aceitação dos resultados das eleições
por parte do partido(s) derrotado(s). Em contrapartida, certos elementos tradicionais, a
corrupção, o ‘favorecimento’ e a etnicidade politizada, constituem, entre outros,
elementos integrantes de uma cultura política que originam um impacto negativo em
qualquer processo de democratização.
115
Regra geral, a sobrevivência de qualquer sistema
democrático depende do apoio prestado pela elite política e pela população, tornando-se
assim necessário que exista um acordo entre as elites e a sociedade em geral, de que o
sistema democrático é a melhor, embora não perfeita, forma de governação.
116
Conforme indicado por um entrevistado, em Moçambique, os factores negativos
relativos à cultura política suplantam de longe os positivos. Esta tendência verificar-se-á
se novas formas políticas e cooperativas não forem implementadas, mais educação não for
providenciada e não se solucionarem os desequilíbrios económicos existentes.
117
A liberalização económica teve um efeito dicotómico manifestada pela substituição dos
valores africanos, tal como solidariedade social, por princípios mais individualistas e
egoístas, enquanto que o Programa de Recuperação Económica e Social (PRES),
sustentava o que Abrahamsson e Nilsson chamam de “economia de afecção”.
118
O sistema
tradicional de redistribuição dos recursos gerados por uma determinada comunidade e
caracterizado pela sua estrutura informal, baseada nas relações de parentesco, conduziu,
num clima liberal, a uma economia que reflecte as estruturas neo-patrimoniais do Estado.
41 LALÁ&OSTHEIMER
No decorrer do processo de privatização dos bens do Estado, funcionários superiores
têm vindo a usufruir das suas funções públicas para se assumirem posições vantajosas no
sector privado. As formas utilizadas pelos políticos no sentido de virem a obter vantagens
através dos cargos que ocupam, o conhecimento profundo e, por vezes, o controlo directo
do processo de privatização, são aspectos largamente referidos como ‘privatizações
silenciosas’, abordados no relatório do Procurador-Geral ao Parlamento em 1992.
119
No contexto moçambicano, altamente polarizado, um sistema neo-patrimonial no
âmbito da democratização, poderá implicar que a oposição ameace tomar conta de parte
das acções em empresas e retirar os privilégios económicos dos seus titulares.
120
A
tendência usurpadora e improdutiva das actividades económicas levadas a cabo pelas elites
no Governo, coloca-os perante elevados riscos, em eventual caso de mudança de regime.
Entretanto, as elites possuidoras de capacidade e conhecimento para manipular a
burocracia estatal, continuam a obter benefícios que variam desde possuírem assento no
conselho de administração de empresas, até empréstimos bancários ilimitados; privilégios
estes que resultam de ligações essenciais aos círculos políticos.
Um estudo recentemente levado a cabo em três províncias (Maputo, Sofala, Nampula)
pela ONG local Ética, mostra que a corrupção em Moçambique é generalizada. Dos
entrevistados, 22.6% admitiram terem pedido dinheiro ou terem subornado alguém nos
últimos seis meses. Perante tal percentagem, Moçambique coloca-se entre os regimes mais
corruptos do mundo, ao lado da Bolívia e Paraguay (26% e 19%, respectivamente).
121
Com a elevada prevalência de corrupção de pequena escala na administração estatal,
a confiança relativamente às instituições do Governo e do Estado está decadência, facto
devidamente espelhado nos 70.2% que acreditam que a polícia é corrupta, seguida pelo
governo com 58.8% e pelos tribunais com 58.1%. Nestes termos, constata-se que a falta
de confiança nas instituições do Estado, tais como o sector da Justiça, é alarmante, tendo
em conta que esta constitui a ‘coluna vertebral’ da democracia. Enquanto que a falta de
confiança no Governo pode ser manifestada assim que se proporcionem a realização de
próximas eleições, a ausência de crédito no sistema judicial pode induzir ao uso de
métodos violentos e não-democráticos para a resolução dos problemas emergentes.
122
Constatações de pesquisas efectuadas demostraram igualmente, que o nível de
tolerância política é ainda mais reduzido, existindo apenas uma limitada inclusão política
na sociedade moçambicana. Inúmeras pessoas acreditam que alguém que “fale muito mal
do Governo e do sistema de governação não devia gozar do direito de voto, de
manifestação, de trabalhar na função pública, falar à televisão ou rádio, ou ser professor
de uma escola”.
123
Uma distribuição provincial destes resultados torna-se elucidativa.
Veja-se que a correlação mais forte entre a intolerância e o interesse na política associado
ao apoio a partidos políticos, foi encontrada na província de Cabo Delgado,
124
enquanto
que em Maputo, um reduzido interesse na política se entrosava com um nível de
tolerância relativamente elevado. A existência de um elevado nível de politização e
intolerância política, acompanhado por um lento desenvolvimento económico, constitui
uma perigosa infusão que pode facilmente ser usada para destabilizar o país. À luz disto,
as confrontações violentas entre simpatizantes da Renamo e forças governamentais em
Montepuez, província de Cabo Delgado, não constituíram nenhuma coincidência.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 42
O estudo revelou ainda a existência de uma forte aversão cultural à confrontação
directa, constituindo um elemento de monta no contexto da cultura política de
Moçambique, contrapondo-se ao passado de mais de uma década de guerra civil. Todavia,
o facto de se atribuir escassa expressão à confrontação não implica que tal eleve
automaticamente a vontade de forjar compromissos e consensos, assistindo-se apenas a
um fenómeno de contenção das divergências, as quais podem, em determinadas
circunstâncias, entrar em erupção.
Quando questionados acerca da democracia ideal ser encarada como um sistema no
qual a maioria das pessoas decide, e os seus direitos e liberdades são protegidos, ou ser
vista como um processo no qual os cidadãos gozam de um igual acesso aos alimentos,
abrigo, saúde e educação, a maior parte dos moçambicanos (44.5%), associou a
democracia com a subsistência básica.
125
O Estado que é considerado provedor e protector, em vez de servidor dos cidadãos
que o elegeram,
126
tem em linha de conta, a cultura extremamente paternalista dos
moçambicanos, destacando-se a coexistência de duas tradições e trajectórias sócio-económicas diferentes. A primeira está patente nos discursos de Estado e refere-se ao
paradigma da democracia pluralista no contexto de uma tradição ocidental, e a segunda
encontra-se enraizada na tradição cultural africana, que absorve a noção de
governação.
127
Trata-se, não obstante, de uma visão que, em geral, continua altamente
autoritária, com critérios de precisão estabelecidos, não pela aplicação de regras
despersonalizadas, mas sim pela vontade do ‘chefe’.
128
Embora 62.1% tenham referido que se interessavam pela política e 58.3% que eram
membros de um partido político, o nível de conhecimento sobre as principais instituições
do Estado, tais como o Tribunal Supremo, era diminuto.
129
Igualmente, o conhecimento
dos líderes das principais instituições (excluindo o Chefe de Estado e o Líder da oposição)
mostrou-se reduzido, com cerca de 68.6% sem conhecerem o Presidente do Parlamento,
84% incapazes de referir o nome de um Ministro e 73% sem conhecerem o nome de
qualquer outro partido, além da Frelimo e da Renamo.
130
Uma outra tendência
preocupante, relaciona-se com o facto dos jovens se encontrarem dentre os que
apresentam um maior índice de desinteresse pela política,
131
levando a crer que a criação
de uma camada social interessada no desenvolvimento de uma cultura política
democrática se encontra comprometida, tanto no presente como no futuro.
Apesar de 57.8% dos entrevistados terem considerado a democracia como a melhor
forma de governação, torna-se difícil abandonar o pressuposto de que o compromisso
com as regras da democracia liberal em Moçambique continua superficial. A forte herança
do autoritarismo e os elevados índices de pobreza, analfabetismo e isolamento,
contribuíram para os défices na cultura democrática em Moçambique.
132
ANOTAÇÕES
29 “[…] o método democrático é o mecanismo institucional para chegar à tomada de decisões através
das quais as pessoas adquirem o poder de decisão por meio de uma luta competitiva pelo voto
popular.” JA Schumpeter, Capitalismo, Socialismo, e Democracia, terceira edição, Nova Iorque,
1950, p. 269.
43 LALÁ&OSTHEIMER
30 R A Dahl, Polyarchy. Participation and Opposition, New Haven, London, 1971, p. 8.
31 L Diamond, The End of the Third Wave and the Global Future of Democracy, Vienna: Institute for
Advanced Studies, Political Science Series No. 45, 1997.
32 H Waldrauch, Institutionalising horizontal accountability – a conference report, Political Science
Series, 55, Vienna: Institute for Advanced Studies 1998.
33 L Diamond, Is the Third Wave over? Journal of Democracy, 7(3), July 1996, pp. 20-37, p. 23ff.
34 L Mondlane, Mozambique: Nurturing justice from liberation zones to a stable democratic state, in:
Abdullahi Armed An-Na’im (ed.), Human Rights under African Constitutions. Realising the Promise
for Ourselves, Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 2003.
35 Encontro com Latifa Ibraimo, AMMCJ, 16 de Agosto 2000.
36 L Mondlane, op cit, p. 206.
37 L Mondlane, ibid, p. 189
38 Entrevista com funcionário do Governo, Maputo 2003.
39 Telefonema de Mangaze anula sentença do tribunal, in: Zambeze, 3 de Abril de 2003; Presidente do
Tribunal supremo processa o Zambeze, in: Zambeze, 17 de Abril de 2003.
40 [Trad.: “...inibição cultural de criticar pessoas do mesmo estrato social”], S Levy/JM Turner/T
Johnson/M Eddy, The state of democracy and governance in Mozambique. Evaluation report
produced for the USAid Democracy Centre and USAid/Mozambique by Management Systems
International, Washington, DC 2002.
41 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, Inquérito Nacional de
Opinião Pública 2001, Maputo 2002, p. 27.
42 [Trad.: “Um funcionário do Estado que seja crítico pode perder o seu emprego ou ser imediatamente
transferido para um distrito remoto. Até um empresário com fontes de rendimento independentes,
pode deparar-se com os seus requerimentos relativos à licença de actividade arquivados
indefinidamente e com o acesso a créditos subsidiados pelo governo cortado.”], S Levy/JM Turner/T
Johnson/M Eddy, op cit.
43 L de Brito/A Francisco/JC Pereira/Domingos do Rosário, Moçambique 2003: An Assessment of the
Potential for Conflict, Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane, 2003.
44 Na Beira, Católicos dos grupos étnicos Sena e Ndau têm disputado quanto à língua que deve ser
usada durante as liturgias. Em Maputo membros do grupo étnico Ronga fizeram uma exigência
concernente ao candidato que a Frelimo devia propor para o cargo de Presidente do Município. E
na Maxixe, um grupo da etnia Bitonga enviou um documento à assembleia municipal, no qual
instavam os Tswa (cuja presença era alegada como sendo parcialmente responsável pela degradação
da cidade) a regressar aos seus locais de origem. Ibid, p.38.
45 Entrevista com um representante de uma ONG, Maputo 2003.
46 A educação a que os Moçambicanos tiveram acesso foi principalmente ministrada pela Igreja
Protestante e particularmente pelos missionários Suíços. Uma vez que os seus principais centros
missionários estavam baseados no sul, maior número de pessoas originárias desta região do país teve
acesso à educação formal. Por outro lado, as assimetrias económicas regionais originam de um legado
histórico colonial, na medida em que este regime proporcionou uma integração da economia das
varias regiões Moçambicanas com a dos países limítrofes, nas respectivas fronteiras. Visto que a
África do Sul possuiu sempre uma economia mais forte isto produziu um efeito positivo
correspondente na zona Sul de Moçambique, ao mesmo tempo que a zona Centro e Norte se
integraram com as economias mais débeis do Zimbabwe, Zâmbia e Malawi, obtendo um
desenvolvimento económico proporcional aos influxos gerados por estes Países.
47 L de Brito/A Francisco/JC Pereira/Domingos do Rosário, op cit, p.39.
48 “PGR lança SOS na Assembleia da República”, Domingo, 10 March 2002.
49 [Trad.: “[…]não obstante a retórica, a cultura de legalidade no Governo é muito limitada. As pressões
hierárquicas exercidas pelos juizes seniores sobre os juizes juniores, são igualmente comuns e
distorcem não só a aplicação uniforme da lei, como também a cultura profissional no seio dos
magistrados da Nação. Refira-se que, para que um detido seja liberto, basta uma simples chamada
de telemóvel de um juiz de tribunal de alta instância, mesmo não envolvido no caso.”], S Levy/JM
Turner/Tjohnson/M Eddy, op cit.
50 JC Trindade/J Pedroso, A caracterização do sistema judicial e do ensino e formação jurídica, in: B de
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 44
Sousa Santos/JC Trindade (org.), Conflito de transformação social: uma paisagem das justiças em
Moçambique, 1, Porto 2003, pp. 259-218, p. 269.
51 J Pedroso/JC Trindade/ MM Leitão Marques, O sistema judicial: os recursos e o movimento
processual, in: B de Sousa Santos/JC Trindade (org.), Conflito de transformação social: uma paisagem
das justiças em Moçambique, 1, Porto 2003, pp. 319-350, p. 319.
52 Tribunal Supremo (ed.), Estatísticas Judiciais 1999, Maputo, 2000.
53 Entrevista com o Chefe do Departamento de Estatísticas/Tribunal Supremo, M Germano, 22
Novembro 2002.
54 Ibid.
55 F Manhiça, O funcionamento das instituições de administração da justiça em Moçambique.
Documento de trabalho não publicado.
56 J L Woods, Mozambique: The CIVPOL operation, <www.ndu.edu/inss/books/policing/
chapter5.html >, 19 September 2000.
57 A Hills, Towards a critique of policing and national development in Africa, Journal of Modern African
Studies, 34(2), 1996, pp. 271-291, p. 286.
58 Entrevista com o capitão J Gama, membro da Guarda Civil Espanhola envolvido no projecto de
formação e capacitação. Maputo, 22 de Agosto de 2000.
59 Entrevista com o Secretário Geral do Ministério do Interior, Dr. A Correia, e o oficial das relações
públicas, N Macamo, 21 de Novembro de 2002.
60 Entrevista com o representante da UNOPS, J Taberné, Maputo, Agosto de 2000.
61 ‘Procurador-Geral pinta quadro sombrio do sistema de justiça’, Aim, 6 de Março 2002.
62 Entrevista com E Nhavoto, assistente do procurador-geral Joaquim Madeira, 18 de Novembro de
2002.
63 UNDP (ed.), The Prison System in Mozambique, Maputo 2000.
64 B de Sousa Santos/JC Trindade, Conclusões, in: B de Sousa Santos/JC Trindade (org.), Conflito de
transformação social: uma paisagem das justiças em Moçambique, 2, Porto, 2003, pp. 525-580, p.
563.
65 B de Sousa Santos/JC Trindade, Algumas ideias para a reforma das justiças, ibid, pp. 581-592, p. 581.
66 Moçambique possui um sistema presidencial onde o Presidente é directamente eleito pelo povo.
67 A Renamo e nove outros partidos da oposição acusaram a Frelimo de irregularidades durante o
processo de recenseamento de eleitores. No entanto, uma vez que a Renamo não foi capaz de provar
a fraude eleitoral ou a existência de qualquer outra grande manipulação, especulações sobre a
verdadeira razão do boicote espalharam-se. Vários observadores interpretaram o boicote como uma
manobra táctica para melhorar as perspectivas do partido nas eleições gerais a ter lugar em 1999. O
objectivo de se procurar abster de qualquer responsabilidade política visava apresentar a oposição
como uma alternativa viável ao partido no governo.
68 Obstáculos e cláusulas burocráticas dentro da lei das eleições locais impediram a participação de
numerosos candidatos independentes e pequenos partidos.
69 L de Brito, Sistema eleitoral e conflito em Moçambique. Documento apresentado na conferência
organizada pela EISA/CEDE, Consolidação da paz e democracia em Moçambique através de
iniciativas de gestão de conflitos relacionados com eleições, Maputo, 22-23 de Julho de 2003.
70 Nas eleições presidenciais Joaquim Chissano obteve 52.29% dos votos enquanto Dhlakama
arrecadou 47.71%. Nas eleições parlamentares a Frelimo obteve 48.54% dos votos, e a Renamo-UE
apenas 38.81%.
71 S Fandrych/AE Ostheimer, Die Parlaments- und Prasidentschaftswahlen inMosambik: Auf dem Weg
zur konsolidierten Demokratie?, Afrika Spectrum, 34(3), 1999, pp. 401-413.
72 J Elklit/P Svensson, What makes elections free and fair?, Journal of Democracy, 8(3), 1997, pp. 32-46.
73 Embora a campanha eleitoral oficial tivesse começado a 19 de Outubro, a CNE só decidiu sobre o
esquema de distribuição e somas de dinheiro a distribuir pelos partidos políticos a 8 de Novembro.
A maioria dos partidos recebeu a primeira tranche (25%) três semanas depois do começo da
campanha. Tal como em 1994, ficou evidente que a Frelimo estava em melhor posição financeira e
possuía os recursos necessários para realizar uma campanha eficiente desde o seu início.
74 Artigo 19, uma organização internacional que presta atenção à liberdade de imprensa, confirmou que
45 LALÁ&OSTHEIMER
a Rádio Moçambique fez uma cobertura não tendenciosa do processo eleitoral. A televisão estatal
TVM e os jornais semi-privados, Notícias, Diário de Moçambique e Domingo, todos apresentaram
uma inclinação para a Frelimo, quando se tratou de reportar algo sobre a campanha eleitoral. Artigo
19/Liga dos Direitos Humanos, projecto de monitoria dos media, eleições em Moçambique 1999, <
www.ifex.org/alerts/view.html2id=5822>.
75 Por exemplo, nos dias de votação, quadros da Frelimo, no distrito de Magude, usaram veículos do
Estado para se deslocar de uma assembleia de voto para outra. Observação constatada por uma das
autoras enquanto observadora eleitoral em 1999.
76 Um relatório circunstanciado sobre as eleições de 1999 em Moçambique, abrangendo todo o
processo a partir do registo eleitoral até ao processamento electrónico dos votos, foi produzido pelo
Programa de Democracia do Carter Centre. The Carter Center, Observing the 1999 Elections in
Mozambique. Final Report. <www.cartercenter.org>
77 L Brito, Sistema eleitoral e conflito em Moçambique, op cit, p. 8.
78 As manifestações eram unicamente permitidas após as 5 horas da tarde.
79 Comissão da Sociedade Civil (ed.), Relatório sobre os Acontecimentos de Montepuez, Maputo 2000.
80 L Brito, Sistema eleitoral e conflito em Moçambique, p. 10,15.
81 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, op cit, Tab. 51 e Tab. 53.
82 Ibid, Tab. 21 e Tab. 24.
83 M Cahen, ‘Dhlakama é maningue nice!’. Une Ex-guérilla atypique dans la campagne électorale au
Mozambique, in: CEAN (eds), L’Afrique politique 1995. Le pire et l’ incertain, Paris, 1995, pp. 119-161, p.132.
84 C Manning, Constructing opposition in Mozambique: Renamo as political party, Journal of Southern
African Studies, 24(1), 1998, pp. 161-189, p. 187.
85 ‘Crise abala “perdiz”: Secretário-geral em ‘maus lençois’ e Chico Francisco cessa funções’, Noticias,
5 de Julho de 2002.
86 L de Brito/A Frencisco/JC Pereira/Domingos do Rosário, op cit, p. 63.
87 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, op cit, Tab. 58.
88 O índice mede a percentagem líquida de votos que, de uma eleição para a seguinte, mudam de um
partido para outro. Quanto menor for a volatilidade, mais estável se torna o número de votos que as
partes recebem ao longo do tempo e, como consequência, mais estável se torna a estrutura do
sistema partidário no seu todo.
89 GM Carbone, Emerging pluralist politics in Mozambique: The Frelimo-Renamo party system,
internet published research paper.
90 I Lundin, Uma leitura analítica sobre os espaços sociais que Moçambique abriu para cultivar a Paz,
in: B Brazão Mazula (ed.), Moçambique 10 anos de Paz, Imprensa Universitária, 2002, p. 118; UN,
Mozambique Common Country Assessment, 2000, p.103.
91 PNUD, Governação Democrática em Moçambique, 2000.
92 Relatório da pesquisa ‘Os caminhos da democratização em Moçambique’, Universidade Católica de
Moçambique, 2001, pp. 21-22.
93 Inquérito Nacional de Opinião Pública 2001. Centro de Estudos de População. Universidade
Eduardo Mondlane, 2002, p. 16.
94 Ibid, p. 13.
95 Entrevista com um representante de uma ONG, Maputo, 29 de Abril de 2003.
96 UN, Mozambique common country assessment, 2000, p. 103.
97 Entrevista com um representante de uma ONG, Maputo, 28 de Abril de 2003.
98 Constituição da República de Moçambique, 1990.
99 INR, Censo 97-II recenceamento geral da população e habitação, 1999.
100 Ibid.
101 UN, Mozambique Common Country Assessment, 2000, p. 100; E Namburete, Os Media, Paz e
Democracia, in: B Mazula (ed), Moçambique 10 anos de Paz. Imprensa Universitária, 2002, p. 84.
102 Este relatório não foi apresentado ao Parlamento, mas sim publicado na imprensa um dia depois da
discussão inter-partidária. O mesmo referia que tanto a Polícia como os manifestantes da Renamo
eram culpados.
103 S Levy/JM Turner/T Johnson/M Eddy, op cit.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 46
104 O termo autarquias significa cidades e vilas autogovernadas. Todas as funções de poder no município
estão formalmente sujeitas ao escrutínio eleitoral, tanto directa como indirectamente. O Presidente
do Município é directamente eleito e forma o seu Conselho Municipal, i.e., o governo local. Este
funciona de acordo com orientações definidas pela Assembleia Municipal. Metade dos vereadores
municipais tem que ser originários da assembleia municipal. E Braathen, Democratic decentralisation
in Moçambique?. Background paper for the LPD workshop, Local politics and development – focus
on Mozambique, Oslo, 20 May 2003, p. 7; AWEPA, Os ‘Laboratórios’ do processo moçambicano de
autarcização, Occasional paper series #9, 2001, p. 12.
105 E Braathen, op cit, p. 2.
106 [Trad.: “um voto de protesto popular contra as elites políticas em competição e sua incapacidade de
chegar a acordo, e contra as instituições do Estado encarregadas de administrar e supervisionar as
eleições”], Vide Weimer 1999 e Serra 1999, mencionado em Braathen, op cit, 2003.
107 Ibid.
108 Inquérito Nacional de Opinião Pública 2001, Centro de Estudos de População, Universidade
Eduardo Mondlane, p. 35.
109 Ibid, p. 34.
110 Entrevista com um representante dos doadores, Maputo, 23 de Abril de 2003.
111 E Braathen, op cit, p.10f; Weimar, 2002, op cit, p. 68.
112 B Weimar, Demokratisierung, Staat und Verwaltung in Mosambik. Unpublished paper, 6 April 2000.
113 [Trad.: “.“ os investidores privados têm vindo a reclamar o crescente fosso existente entre o
desempenho em Maputo e o desempenho nas províncias do centro e norte.”], Foreign Investment
Advisory Service, Moçambique: Continuando com a remoção das barreiras administrativas ao
investimento (Junho de 2001), citado em: S Levy/JM Turner/T Johnson/M Eddy, op cit.
114 O principio de subsidiariedade visa assegurar que a tomada de decisão seja realizada o mais próximo
possível aos intentos dos cidadãos e, que acções de verificação tenham lugar para controlar se a acção
ao nível local está em consonância com a dos níveis regional e nacional.
115 R Tetzlaff, Einleitung. Demokratisierungschancen Afrikas – auch eine Frage de politischen Kultur,
in: Meyns, Peter (ed.), Staat und Gesellschaft in Afrik. Erosions – und Reformprozesse, Humburg,
1996, pp. 1-16, p. 2.
116 SM Lipset, Political Man. The social bases of politics, New York, 1963, p. 64f.
117 Entrevista com um representante de uma ONG, Maputo, 29 de Abril de 2003.
118 H Abrahamsson/A Nilson, ordem Mundial Futura e Governação Nacional em Moçambique,
Goeteburg: PADRIGU, terceira impressão, 1998, p. 53.
119 G Harrison, Corruption as ‘boundary politics’: The stare, democratisation, and Mozambique’s
unstable liberalisation, Third World Quarterly, 20(3), 1999, pp. 537-550, p. 543f; vide também, MA
Pitcher, Transforming Mozambique, The politics of privatisation, 1975-2000, Cambridge, 2002.
120 M Bratton/N van de Walle, Democratic Experiments in Africa: Regime Transitions in Comparative
Perspective, Cambridge, 1997, p. 87f.
121 Ética Moçambique, Estudo sobre Corrupção em Moçambique, Maputo, 2001.
122 Ibid.
123 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, op cit, Tab. 19B.
124 Ibid., Gráfico 9.
125 Ibid., Tab. 49.
126 Ibid., Tab. 53.
127 Veja-se este argumento apresentado e desenvolvido no artigo de Brito, Os Moçambicanos, a Política
e a Democracia, Santos e Trindade, Conflito e Transformação Social: Uma paisagem das justiças em
Moçambique, Edições Afrontamento, Porto, 2003.
128 S Levy/JM Turner/T Johnson/M Eddy, op cit.
129 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, op cit. Tab. 17, p.21;
Tabs. 11 e 12, p. 10.
130 Ibid. Tabs 57, 58 e gráfico 63.
131 Brito, op cit, p. 183.
132 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, op cit.
47 LALÁ&OSTHEIMER
Em geral, a democratização pode ser definida como a transição de qualquer um outro
regime para um democrático. Todavia, na conceitualização da democracia e na distinção
entre uma eleitoral e liberal, é necessário que se realize, em primeira instância, a distinção
entre o processo de transição do autoritarismo para a instalação de um governo
democraticamente eleito em eleições instituídas, e posteriormente o de transição para uma
democracia consolidada e institucionalizada.
Do ponto de vista de uma interpretação teleológica, têm-se em conta, igualmente, os
critérios integrantes de uma democracia liberal, isto é, tal como foi definida pelo
académico Larry Diamond, como as pré-condições para uma democracia consolidada. Ao
adoptarmos a terminologia de democracia consolidada, uma clara destrinça deve ser
efectuada entre a referida anteriormente e usada nesta análise e, a consolidação no sentido
clássico, conforme usado por Samuel P Huntington, o qual a considera como a
sobrevivência de um sistema democrático, ao invés de um retorno às estruturas
autoritárias.
133
Consolidação no contexto teleológico, refere-se ao seu carácter processual e
qualitativo, no sentido do alargamento e aprofundamento das estruturas democráticas e
mudança de uma mera democracia eleitoral para uma democracia liberal.
Embora a interpretação de democracia por Huntington na sua análise expressa em
‘Third Wave of Democratisation’ (obra que considera a transição de regimes não
democráticos para regimes democráticos que teve início em meados da década de 70 em
Portugal) deva ser vista como minimalista, o autor, contudo, desenvolve o seu raciocínio
em torno de uma característica importante das democracias de ‘terceira vaga’. Assim, para
Huntington, a ameaça para Moçambique, País considerado como um exemplo clássico de
uma democracia de terceira vaga, não é tanto o risco de um Golpe de Estado ou implosão
político-social, mas sim a possibilidade de uma erosão gradual das estruturas
democráticas.
134
Confrontando-se a tese da erosão gradual das estruturas democráticas, é interessante
notar que os mesmos factores (ou a sua inexistência) para a mera sobrevivência de um
sistema democrático (perspectiva de curto prazo ou a interpretação clássica da
consolidação democrática), desempenham um papel significativo na estabilização e
fortalecimento da democracia (perspectiva de longo prazo ou interpretação teleológica).
A sobrevivência de um sistema democrático depende do apoio prestado, tanto pela
Capítulo 3
AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA
(PROGRESSÃO OU REGRESSÃO?)
49
elite política, como pela maioria da população. Ambos, têm de concordar que a
democracia deve ser aceite como a forma ‘menos pior’, se não a melhor, de governação.
135
Em Moçambique, isto levanta a questão se a elite política no Governo, que neste contexto
é idêntica à antiga elite socialista, adopta o sistema democrático de convicção, ou se
encara a democracia meramente como um meio para assegurar o poder e a influência, ou
ainda porque o “parecer comprometido” com a causa democrática garante o fluxo do
dinheiro dos doadores.
3.1 CONTEXTO SÓCIO-ECONÓMICO PARA A CONSOLIDAÇÃO DEMOCRÁTICA
Em Moçambique, a transição do socialismo (economia de mercado planificada) para o
liberalismo e capitalismo trouxe consigo índices de crescimento macro-económicos que
vieram a constituir “motivo de inveja” para muitos países da região. Entre 1997 e 1999,
o país atingiu uma taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de 10%.
Mesmo após uma estagnação em 2000, devido às cheias nas zonas centro e sul, o país
registou um índice de crescimento económico de 13.9% (2001) e cerca de 8% (2002).
Pela segunda vez consecutiva Moçambique manteve os seus rendimentos de exportação
na ordem de US$500 milhões (2002:US$680 milhões; 2001: US$703.4 milhões).
138
O cumprimento dos critérios de qualificação para a segunda ronda da Iniciativa dos
Países Pobres Altamente Endividados (HIPC II) demonstrou não só a vontade política do
Governo em implementar medidas de austeridade monetária e fiscal, mas também o seu
sucesso na redução do fardo da dívida do país em cerca de US$3.8 biliões. Apesar destes
desenvolvimentos favoráveis em relação à situação da dívida externa, o crescimento da
dívida interna veio ensombrar a brilhante situação económica, revelando a existência de
sérios problemas estruturais na economia de Moçambique. Entre 2001 e 2002 os juros
relativos à dívida interna subiram de 270 para 692 biliões de meticais.
139
As dívidas internas devem-se ao direccionamento de capitais para o re-financiamento
do sector bancário assolado pela crise, uma vez que este enfrentou perdas de cerca de
US$400 milhões desde que o Banco Austral e o Banco Comercial de Moçambique foram
privatizados. Em 2002, 54% do orçamento geral do estado continuava a ser financiado
por doadores internacionais.
140
Os “espantosos” índices de crescimento macro-económico de Moçambique devem-se,
principalmente, a mega-projectos, tais como, a fundição de alumínio, Mozal (encontra-se
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 50
Dados Demográficos 2001 Dados económicos e sociais 2001
População 17,656,200 BIP p.c. ($, PPP) 205
Crescimento Populacional 2.4 % Taxa de inflação 9%
Fragmentação étnica
136
26.4 % Taxa de desemprego
137
30-50%
IDH 0.322 Financiamento Externo 47.9% (2000)
do orçamento geral
IDG 0.304 (2000) Orçamento de educação 23.1%
(% do orçamento geral)
Índice de Educação 0.374 (2000) Prevalência do HIV/ Ca. 12%
da ONU Sida na população
agora na segunda fase de expansão) e o ‘pipeline’ de gás da Sasol que começa em Temane,
na província de Inhambane e se extende até Sasolburg, na África do Sul.
No que diz respeito a investimento externo, em termos capitais, a África do Sul é, neste
momento, o maior investidor, seguindo-se Portugal, com um número alargado de
projectos em execução. A proveniência dos investimentos em Moçambique constitui
motivo para preocupação, visto estes dependerem de dois grandes intervenientes, quando
uma multiplicidade de fontes (com valores de capitais equilibrados), seria desejável.
Assim, Moçambique depende largamente do bom desempenho daquelas economias (dos
países investidores) e, no caso concreto do sector bancário, onde existe praticamente um
monopólio de capitais portugueses, as implicações poderão provocar um revés
considerável no sistema financeiro moçambicano, caso uma crise atinja os grandes grupos
investidores em causa.
O sector de exportações em Moçambique, encontra-se também em transformação: o
alumínio (53%) – como resultado da produção da Mozal – e a electricidade (16%)
141
posicionam-se em lugar de destaque, enquanto que a agricultura e as pescas, sectores nos
quais a maioria da população (83%)
142
se encontra economicamente activa, estão em
declínio.
Relativamente ao ambiente empresarial, constata-se que as 10 maiores empresas (todas
a laborar nos sectores de energia e transportes) geram 62% do total do rendimento
empresarial. Consequentemente, as empresas de pequeno e médio porte, têm um espaço
de manobra limitado, sendo a sua “luta pela sobrevivência’ tarefa árdua, especialmente
tendo em conta o facto de que as taxas de juros se situam em mais de 30%.
143
A análise acima apresentada, é somente parcial, elaborada a partir de dados oficiais e
relativa à economia formal do país, havendo contudo necessidade de se chamar a atenção
para a existência de um sector informal, com um tamanho considerável.
Apesar das características económicas positivas, a redistribuição destes ganhos
continua ainda por se fazer e a maioria da população ainda não beneficiou de melhorias
substanciais nas suas condições de vida. Conforme um passageiro num voo para Maputo
afirmou: “A única coisa estável em Moçambique são os salários”. Deste modo, torna-se
plausível que ainda não se tenha desenvolvido uma classe média sólida, que 80% da
população viva nas zonas rurais e que desses, 71.2% vivam abaixo da linha de pobreza
(mesmo nas zonas urbanas 62% vivem na pobreza absoluta).
144
Embora o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Moçambique esteja a crescer
de forma estável e tenha atingido 0.317 em 2001, o país continua na categoria de países
com baixo desenvolvimento humano, realçando-se como uma preocupação específica
para a estabilidade política, o elevado nível das disparidades entre Maputo (HDI=0.622)
e por exemplo Zambezia (HDI=0.202) (vide Figura 2).
Conforme Seymour Martin Lipset indicou há algumas décadas atrás, o
desenvolvimento económico que produz níveis de educação elevados e que promove a
redução de disparidades sociais, reduz a possibilidade de políticas extremistas, apoiando
simultaneamente o desenvolvimento de um sistema democrático e estabilizando a classe
média. Presentemente, isto verifica-se apenas na cidade de Maputo. A maioria do país
continua apartada do célere desenvolvimento que está a ocorrer no sul de Moçambique.
51 LALÁ&OSTHEIMER
Do ponto de vista de desenvolvimento e constituindo motivo para alarme é o facto do
índice de educação ter atingido a estagnação desde 1994. A taxa de alfabetização cresceu
somente de 39.5% para 43.3%, podendo-se observar, também aqui, diferenças regionais
substanciais, com a taxa de analfabetismo a atingir os 13% em Maputo, em contraste com
os 77.3% em Cabo Delgado. Adicionalmente, as expectativas, tanto no sector de educação
como no da saúde encontram-se obscurecidas pela epidemia do HIV/SIDA. A esperança
de vida dos Moçambicanos tinha aumentado de 41.7 anos em 1994, para 44.6 anos em
2000,
145
mas com o impacto do SIDA pode-se estimar a sua redução em cerca de um
terço, durante a próxima década.
O domínio étnico-regional do Sul do País, proporcional à concentração de
investimentos e indicadores de desenvolvimento nesta área, não se materializa apenas
através da enorme diferença económica, mas também em termos de representação
política. Ela encontra-se igualmente enraizada na hegemonia da antiga elite marxista-modernista, presentemente transformada em pragmática-tecnocrata,
146
dentro do
aparelho do Estado. Não obstante as tentativas realizadas pela liderança da Frelimo com
vista a diversificar os governantes de acordo com linhas étnicas, por vezes mesmo em
detrimento da eficiência, a maioria dos cargos de relevo dentro da burocracia estatal e da
Frelimo são ocupadas por pessoas do sul (províncias de Gaza e Inhambane).
Embora as raízes históricas da dominação étnico-regional possam ser encontradas na
herança do regime colonial, o fosso regional tem-se vindo a agravar, em termos de
potencial para a erupção de um conflito. Esta discrepância revela fortes elementos de
desigualdade que, quando interpretados e contrapostos às linhas políticas, podem tornar-DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 52
0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7
Mozambique
Maputo City
Maputo Prov.
Gaza
Inhambane
Sofala
Manica
Tete
Zambezia
Nampula
Cabo Delgado
Niassa
Figura 2: Índice de Desenvolvimento Humano, Moçambique, 2000
Fonte: PNUD, (ed.), Moçambique: Género, mulher, e desenvolvimento humano: Uma agenda para o futuro. Relatório
Nacional de Desenvolvimento Humano 2001, Maputo 2002.
se críticos, constituindo terreno para a instrumentalização.
147
O Sul é economicamente
mais desenvolvido e tem atraído mais investimentos, pois apesar dos esforços do Governo
para tornar as condições de investimentos nas províncias do Centro e Norte mais
atractivas, elas carecem de infra-estruturas.
148
Desta feita, uma convergência letal é
motivada pelo facto acima descrito, i.e., a proveniência da maior parte da liderança ser do
Sul. Uma vez que a influência da Renamo se encontra concentrada nas províncias do
Centro e do Norte, ela consegue mobilizar as populações com base no argumento de ser
o partido que representa os ‘excluídos’.
Um outro factor revelador de discrepâncias, é fosso urbano-rural com cerca de 70%
da população a residir em zonas rurais e cerca de 30% em zonas urbanas, acarretando,
igualmente, elevadas disparidades económicas no contexto destes parâmetros. As zonas
urbanas tendem a ser dominadas pela Frelimo (que mesmo assim continua a manter uma
forte presença rural), enquanto que a prevalência da Renamo se verifica nas zonas rurais.
Um outro factor de atrito, embora menos perceptível, é o da etnicidade que, sem
constituir excepção à regra, reforça os elementos propensos ao conflito anteriormente
referidos. Não existem grupos étnicos maioritários ou minoritários que possam estar
associados com a manutenção do poder, porque estes são numericamente equiparados,
com excepção dos Makua que constituem o maior grupo. Contudo, uma análise
simplística, constataria que os Shanganas predominam no Sul e governam o país
(Frelimo), enquanto que os Ndau e Sena são representados pela Renamo. A validade de
tal análise é, todavia, colocada em causa, quando se observa a composição dos órgãos
superiores dos partidos e esta apresenta uma ampla diversidade étnica. A generalização
poderá, contudo, ser considerada em termos da conexão entre o partido e o respectivo
eleitorado.
Felizmente, não existem problemas de monta no que respeita à distribuição da terra.
O País tem terra arável em quantidade suficiente para todos, embora a que se encontra
nas províncias do norte e menos povoada, apresente melhores condições para cultivo. O
facto da terra continuar a pertencer ao Estado e das comunidades terem que estar
envolvidas em qualquer projecto relativo à sua exploração, garante que os camponeses
não sejam coercivamente desprovidos do seu “ganha-pão”, facto que, eventualmente,
poderia suceder se o resultado do debate sobre a terra se tivesse direccionasse para a
privatização e liberalização. No entanto, o debate sobre a terra continua a ser o fulcro da
discussão na sociedade moçambicana, com alguns dos seus constituintes a defenderem que
a liberalização permitiria aos camponeses terem acesso a empréstimos, contribuindo assim
para a melhoria da sua actividade agrícola e consequente aumento dos índices de
produção.
Todavia, ao nível dos países fronteiriços (âmbito externo/regional), a problemática da
questão da terra e a forma como ela foi abordada, prejudicou a economia Moçambicana.
Em consequência da crise económica e política vivida no Zimbabwe, este não tem
conseguido pagar o uso do Corredor da Beira e o fornecimento de água. Igualmente, outra
questão altamente contestada, foi o facto de alguns fazendeiros brancos deste País
decidirem estabelecer-se como produtores agrícolas comerciais na província de Manica,
embora, após um debate público altamente polarizado nos meios de comunicação social,
53 LALÁ&OSTHEIMER
esta questão tenha sido minimizada. As fazendas apresentam, actualmente, um bom
desempenho económico e os seus proprietários parecem estar a trabalhar pacificamente
com as populações locais.
Em termos de perspectivas para o desenvolvimento regional, as expectativas em torno
do Corredor de Desenvolvimento de Nacala, que irá ligar Moçambique ao Malawi,
penetrando, igualmente, até à Zâmbia, são elevadas. Espera-se que este Corredor venha a
incrementar o comércio e a rede de transportes entre estes países. Este projecto terá a
assistência da Corporação de Investimentos Privados Ultramarinos dos Estados Unidos e
USAID.
149
Intrinsecamente associado aos negócios, perfila-se o elevado índice de corrupção nos
sectores público e privado de Moçambique. Os dirigentes políticos têm vindo a usar a sua
influência e o seu poder de decisão com vista a obterem rendimentos extras através, de
processos de privatização. Os casos do Banco Comercial de Moçambique e do Banco
Austral, mostraram que os beneficiários de empréstimos não liquidados, que conduziram
ambos os bancos à falência, possuíam fortes ligações ao partido no poder.
Estes casos possuem conexões com redes criminais, que se acredita estarem na origem
das mortes trágicas de Carlos Cardoso e Siba-Siba Macuácua, reforçando o argumento
radical de que Moçambique constitui um exemplo avançado de um Estado
criminalizado.
150
Esta tendência para a corrupção tem vindo a ser ‘mascarada’ através
dos grandes projectos em curso no País, onde um pequeno grupo de dirigentes
Moçambicanos está, invariavelmente, representado.151
As práticas desenvolvidas
parecem prevalecer nas estruturas burocráticas do Estado, principalmente devido aos
baixos salários usufruídos.
De acordo com um estudo conduzido pela Ética Moçambique, com o apoio da
Transparência Internacional,
152
revelou que para a compreensão do fenómeno, os
Moçambicanos concebem duas noções: uma moralista e outra legalista.153
Para a maioria,
não existe razão para se distinguir entre ‘grande’ e ‘pequena’ corrupção, uma vez ambas
serem consideradas atitudes erradas. Igualmente, o facto de se receber um baixo salário
não justifica atitudes corruptas. A implantação da corrupção na sociedade foi atribuída,
por grande parte dos inquiridos, a razões políticas e factores estruturais. Consideraram
ainda, o Governo e os doadores como sendo os principais responsáveis pela corrupção,
sendo da competência do primeiro agir e implementar medidas efectivas para o seu
combate.
154
O Parlamento aprovou, recentemente, uma lei anti-corrupção e uma unidade, sob
responsabilidade da Procuradoria da República (subordinada directamente a um órgão
central), foi criada para o combate à mesma. Na realidade, críticas têm surgido pelo facto
desta revelar uma abordagem jurídica para a resolução do problema, quando,
efectivamente, se deveria optar por uma solução multidisciplinar (que incluiria educação,
investigação, etc).
155
Contudo, o debate sobre a corrupção continua em curso, caracterizado por uma cada
vez maior pressão da sociedade civil e da comunidade internacional, sobre o Governo.
Existem, por conseguinte, enormes expectativas em torno do novo Governo a eleger nas
próximas eleições gerais, sobre a sua capacidade para a resolução efectiva do problema.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 54
3.2 ESTRUTURAS INSTITUCIONAIS: CONTINUIDADE E MUDANÇA
3.2.1 OS PERIGOS DO PRESIDENCIALISMO
Conforme anteriormente referido, a continuação da CRM de 1990 que endossa um
sistema presidencial poderá constituir um desafio à estabilidade política em Moçambique
depois das próximas eleições. Considerando a estrutura bipolar da arena política
Moçambicana e a aproximação dos resultados das eleições realizadas em 1999, a previsão
mais plausível seria a de um cenário de coabitação, no qual existiria um Presidente da
Renamo a governar contra um Parlamento dominado pela Frelimo, ou vice-versa. No
âmbito de uma cultura de desconfiança profundamente enraizada esta situação pode
impedir qualquer tentativa sólida de governação.
À parte este cenário, o presidencialismo como tal é problemático uma vez que
funciona através da regra “the winner-takes-all”. Embora as eleições parlamentares
possam produzir maioria absoluta para um partido, a partilha do poder e a formação de
coligações têm sido comuns, criado espaço de acomodação para os partidos pequenos. O
efeito do “zero-sum game” (jogo de soma-zero) característico dos sistemas presidenciais é
agravado pela rigidez do mandato fixo de governação. Os vencedores e os derrotados
permanecem nas mesmas condições até ao final do mandato e não existe forma de se
alterar alianças ou de se envolver novos parceiros de coligação, possibilidade esta que é
permitida num sistema parlamentar.
156
Não obstante, a oposição ainda não se apercebeu
das vantagens da reforma do sistema, o que ficou claramente expresso quando as
tentativas de introdução de um sistema semi-presidencial em 1999 foram goradas pela
resistência da Renamo.
3.2.2 BUROCRACIA ESTATAL
Conforme advogado pelo cientista político, Larry Diamond:
“To be stable, democracy must be deemed legitimate by the people; they must view it
as the best, most appropriate form of government for their society. Indeed, because it
rests on the consent of the governed, democracy depends on popular legitimacy much
more than any other form of government. This legitimacy requires a profound moral
commitment and emotional allegiance, but these develop only over time, and partly
as a result of effective performance. Democracy will not be valued by the people
unless it deals effectively with social and economic problems and achieves a modicum
of order and justice.”
157
Em Moçambique, prevalece actualmente uma situação de insuficiência de mecanismos de
controlo efectivos, na qual o novo ambiente liberal tem estimulado práticas corruptas,
impedindo o desenvolvimento de instituições públicas funcionais, ou do que Max Weber
apelida de elemento essencial de um Estado responsável – a burocracia do Estado.
158
Uma
observação do falecido jornalista Carlos Cardoso ilustrava esta situação argumentando
que Moçambique está a sair do Estado de Direito para um “Estado de arranjos”.
55 LALÁ&OSTHEIMER
Por outro lado, a burocracia estatal Moçambicana, não só se encontra profundamente
misturada com o aparelho partidário da Frelimo, como possui, igualmente, as características
ultra-formais e ultra-burocratizadas, herdadas da administração colonial portuguesa. Para
Joseph Hanlon, a burocracia Moçambicana é um refúgio para os incompetentes:
“The Portuguese left behind a complex system requiring formal petitions, fax stamps
and rubber-stamped signatures. Frelimo never dismantled this system, and for
anything difficult or unusual, the answer is often that the petition is not right, another
signature is needed, or someone else is responsible.”
159
Estas características têm reforçado a íntima ligação existente entre o Estado e o partido e
tornarão lenta qualquer mudança prevista. Apesar disto, é relevante o facto de que uma
nova geração com afiliações políticas diversas está a integrar esta burocracia, embora
também estes se abstenham de assumir posições críticas, receando represálias (apesar deste
cenário ser agora menos frequente). O facto é que os jovens não querem ‘manchar’ os seus
currícula ou envolver-se em algo que possa deixar mácula nas suas carreiras.
160
Por conseguinte, qualquer reforma do sector público deveria abordar estes receios e
expectativas e, favorecer a criação de uma mentalidade em que os funcionários públicos
sejam encorajados, através de uma gestão melhorada e eficiência, a servir melhor os
cidadãos.
3.2.3 FORÇAS DE SEGURANÇA (POLÍCIA, FORÇASARMADAS E SERVIÇOS SECRETOS)
Com a assinatura dos Acordos de Roma em 1992, o sector de segurança confrontou-se
com a necessidade de uma reestruturação que teve início com a desmobilização de 92,881
soldados
161
das forças armadas, de acordo com o estabelecido no Protocolo IV do Acordo
Geral de Paz (AGP), que definia as bases para a criação das novas Forças Armadas de
Defesa de Moçambique (FADM). O processo de criação das FADM implicou primeiro a
desmobilização total das forças governamentais e das unidades guerrilheiras da Renamo,
e em seguida, a incorporação de voluntários de ambos os lados, numa base de 50:50. O
objectivo de se alcançar um total de 30,000 tropas, conforme estabelecido no AGP, nunca
foi, contudo, realizado, visto poucos voluntários se terem apresentado. Ainda como parte
da restruturação foi posteriormente instituído um novo sistema de recrutamento, que tem,
no entanto, revelado deficiências, contribuindo assim para que os jovens não encarem as
forças armadas como uma opção de carreira atraente.
As Forças Armadas tem vindo a comportar um processo de reorganização demorado e
com exiguidade de recursos, dado não constituir prioridade para o Governo nem para os
doadores. Porém, problemas de outra natureza (técnica) se deparam neste processo,
referentes à dificuldade de integrar elementos provenientes de uma força de guerrilha e
de forças armadas profissionais. O impacto tem-se revelado no baixo nível de eficiência
das FADM, apesar dos esforços levados a cabo em treinamento e formação, por forma a
alcançar maior equilíbrio entre os seus constituintes. Por outro lado, do ponto de vista de
uma perspectiva política, esta integração tem sido concebida como sendo bem sucedida,
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 56
uma vez que o processo decorreu calmamente, contribuindo para uma reconciliação
efectiva, sucesso este provavelmente atribuível aos princípios de disciplina e hierarquia,
apanágios do aparelho militar.
No que concerne à relação entre as Forças Armadas e o Estado democrático, esta pode
ser considerada positiva, visto não existir um passado de tentativas militares com o intuito
de assumir a governação do País. Esta ausência de golpes de Estado
162
(característicos em
vários países Africanos), pode dever-se ao facto de durante a luta pela independência e sob
a governação do regime socialista, as forças armadas terem permanecido intrinsecamente
ligadas, mas sempre subordinadas à política.
As FADM continuam ainda a depararem-se com desafios de vulto, relacionados com a
imprescindível necessidade de levar a cabo o processo de “Defense Review” (revisão do
Conceito de Defesa Nacional) e de Análise da Situação Estratégica. Uma minuciosa
reorganização do sector afigura-se pertinente, por forma a permitir às FADM realizar as
suas tarefas tradicionais de defesa do país, bem como responder a novas missões, tais
como a assistência às populações em situações de calamidade e o envio de tropas para
integrar operações de paz.
No que diz respeito aos Serviços Secretos, e ao abrigo do Protocolo IV do AGP, foram
criados órgãos para o controlo destes (a Comissão Nacional de Informação – Cominfo) e
da Polícia (a Comissão Nacional de Assuntos Policiais – Compol). Elementos nomeados
pela Frelimo e pela Renamo compuseram estes órgãos, mas uma vez que ambas as
instituições foram dissolvidas após as primeiras eleições democráticas(em conformidade
com o AGP), a Renamo perdeu intendência sobre estes sectores, que presentemente se
encontram bastante ligados à Frelimo.
163
Assim, pode-se inferir que, se por um lado,
parece altamente improvável que as Forças Armadas venham a ameaçar a democracia, por
outro, a fidelidade do aparelho policial e dos serviços secretos a um Governo, que não da
Frelimo, mantém-se por provar.
A transformação dos serviços secretos numa agência de informação do Estado tem
vindo a ocorrer; contudo, existe pouca informação disponível que permita a elaboração
de uma análise nesta fase. O grau de confiança e efectividade da agência constitui motivo
de inquietação, uma vez que as suas tarefas aumentaram, com a responsabilidade adicional
de apoiar a Polícia no desmantelamento das redes de crime e no desenvolvimento da
capacidade para investigar possíveis actividades relacionadas com o terrorismo que
possam surgir no País e/ou na região.
Não obstante as acima referidas, outras preocupações estruturais devem ser
consideradas para um desenvolvimento sadio destas instituições, no contexto de um
ambiente democrático. Por exemplo, apesar dos esforços para a formação da Polícia em
direitos humanos,
164
as forças policiais são vistas ainda como uma das instituições mais
corruptas do Estado,
165
granjeando do nível de confiança populacional mais reduzido,
comparativamente a outras instituições.
166
Esta conjuntura afigura-se problemática do
ponto de vista da legitimidade do Estado e da confiança social, bem como relativamente
às operações e actividades da Polícia. A ausência de confiança, corroborada por
constatações de pesquisas de opinião que atestam que 76.2% das pessoas não contactam
a Polícia para solicitar ajuda na resolução dos problemas locais,
167
pode prejudicar a nova
57 LALÁ&OSTHEIMER
iniciativa de policiamento comunitário, na qual se apela aos cidadãos para cooperar com
a Polícia, com vista à detenção de criminosos.
Um outro desafio enfrentado pela Polícia é a criação de capacidade para pôr cobro às
redes transnacionais de criminosos que operam em Moçambique. Estas redes dedicam-se
ao tráfico e comercialização de drogas, lavagem de dinheiro, tráfico de órgãos humanos,
contrabando, roubo de veículos, assaltos a bancos, organização de grupos de assassinos, e
envolvem-se ainda no estabelecimento de redes criminosas dentro do aparelho do Estado
e das empresas, obstrução da justiça e corrupção.
168
Face a este cenário, existe necessidade
de se adoptarem políticas adequadas para lidar com o crime.
Embora a Lei sobre Defesa e Segurança (17/97) estabeleça as missões e
responsabilidades dos três ramos de segurança, a lei específica sobre segurança pública,
que deveria regular a actividade da Polícia, nunca foi concluída. Está em curso um
trabalho com vista ao desenvolvimento de um plano estratégico para a área, mas a sua
pertinência torna-se questionável do ponto de vista de sequência organizacional, se se
considerar que, até ao momento, nenhuma política de segurança pública foi elaborada.
Em geral, refira-se que, no que diz respeito à reforma do sector de segurança, bastante
há para ser feito. Para além da prestação de assistência técnico-militar, poucos esforços
foram desenvolvidos pela comunidade internacional no sentido de encorajar o Governo a
rever a forma e a estrutura do sector, para além dos apelos genéricos de que as forças de
segurança se devem submeter a um controlo democrático. A vulnerabilidade institucional
e organizacional das principais instituições de supervisão do sector de segurança, tais
como os Ministérios da Defesa, Finanças e Interior, as Comissões Parlamentares de Defesa
e Ordem Pública, assim como outros grupos da Sociedade Civil, não têm recebido a
devida atenção da comunidade internacional. Apesar do referido e não menos importante,
deparamo-nos com um Governo apático, principalmente concentrado na resolução das
tarefas que, primariamente, é incumbido, tais como, reconstrução, criação de um
equilíbrio macroeconómico e melhoramento dos sectores de educação e saúde.
169
Certas concessões políticas ‘imperativas’ no que diz respeito às forças de segurança,
foram feitas no período de transição imediato ao AGP, causando algumas dificuldades,
que não foram até ao presente solucionadas. Estes começam a ressurgir de forma
problemática e, por exemplo, soldados que não foram desmobilizados, tendo-lhes sido
permitido continuar armados, como guardas pessoais do presidente da Renamo se
envolvido em vários actos violentos na Gorongosa, província de Sofala. O problema que
se coloca na actualidade é que já não existe um quadro jurídico para desmobilizar e
integrar estes homens na sociedade, tal como aconteceu com os seus colegas e deste modo,
eles utilizam as suas armas para perpetrar acções duvidosas, embora as justifiquem como
sendo uma questão de sobrevivência. Os seus actos são considerados criminais, e
declarações inflamatórias feitas pelo Governador da província de Sofala tem denunciado
esta situação, preparando o terreno para o crescimento de tensão política.
170
3.2.4 PADRÕES DE COMPORTAMENTO DOS ACTORES POLÍTICOS
Conforme descrito, a Renamo tem, no passado, agido de uma forma politicamente
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 58
imatura, tentando utilisar a divisão étnico-regional e económica para atingir os seus
próprios objectivos, mesmo sabendo-se que esta abordagem pode aprofundar as clivagens
étnicas, e até criar novas estruturas de conflito. Em vez de se constituir numa alternativa
credível ao partido no poder, a Renamo continua a utilizar o seu antigo estilo de
confrontação e obstrução. Por outro lado, a Frelimo tem, igualmente, demonstrado falta
de vontade de partilhar o poder, e de abertura para o alcance de mecanismos consensuais
de governação. A desconfiança contínua por parte de ambos os lados, impede o trabalho
de instituições vitais, tais como, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e Comissões
Parlamentares, como por exemplo, a da reforma constitucional.
3.2.5 LACUNAS DA OPOSIÇÃO POLÍTICA
As fraquezas estruturais e financeiras dos partidos da oposição são enormes e o
financiamento partidário continua problemático, uma vez que a lei proíbe o
financiamento directo por parte de patrocinadores externos. No período antecedente às
eleições de 1994, as Nações Unidas criaram um fundo monetário que atribuiu à Renamo
US$17 milhões, para além desta continuar a receber, numa base anual, US$1.4 milhões do
Estado. Todavia, as finanças do partido continuam a ser do domínio do seu líder e até ao
momento, nunca foram tornadas públicas as contas relativas aos gastos e rendimentos.
171
Os fundos raramente são canalizados para o nível distrital e até as infra-estruturas do
partido, continuam fracas, como se ilustra através do seguinte comentário: “Renamo’s
branches on the ground are often little more than a flag on a member’s house.”
172
A democracia intra-partidária continua crítica e constitui assunto ainda por resolver.
Verificam-se fortes tendências de centralização, tanto ao nível da Renamo como da
Frelimo, embora se constate uma crescente resistência a este fenómeno, no seio da Frelimo.
Adicionalmente, a abrangência do programa do principal partido da oposição é
limitada, pois fácil é de observar que documentos estratégicos de políticas a desenvolver
sobre assuntos de relevo, elaborados pela Renamo, ou são inexistentes ou não são
publicamente divulgados. A última campanha eleitoral no nível nacional mostrou,
contudo, que as políticas preconizadas pela Renamo, não são de modo algum diferentes
das elaboradas pela Frelimo.
No que diz respeito aos pequenos partidos da oposição, estes têm muito pouco apoio
no seio da sociedade moçambicana, pois, quase sempre, estes se tornam insignificantes em
virtude de cisões internas e abandonos provocados por rivalidades pessoais. Nenhum dos
apelidados ‘partidos não armados’ conseguiu consolidar as suas origens que remontam a
1994 ou expandir as suas bases partidárias. Estes, raramente participam no debate político
e, cumulativamente, recebem uma cobertura muito restrita nos órgãos de comunicação
social, visto estes se centrarem, quase em exclusivo, nos dois maiores partidos existentes.
Cientes de que, no passado, a Renamo se sentia limitada, em toda a sua plenitude,
devido à falta de imaginação política que lhe concebesse um pouco mais do que a sua
conhecida estratégia de boicote, o actual discurso sobre o poder deve ser substituído por
uma discussão sobre alternativas políticas em prol da consolidação da democracia em
Moçambique, que assim se exige e todos almejam.
59 LALÁ&OSTHEIMER
3.3 CARACTERÍSTICAS DA TRANSIÇÃO
Quando, após as eleições de 1994, Brazão Mazula desenvolveu cinco cenários
173
possíveis, que variam da instabilidade militar até a uma democracia real, as esperanças
permaneciam elevadas em que Moçambique viesse a desenvolver uma abordagem
teleológica, com vista ao alcance de uma real democracia ou “real convivência
democrática”.
174
Todavia, a transição de Moçambique alterou-se de um cenário de
destabilização (o cenário da anarquia e ingovernabilidade) para um de co-optação política
e “re-patrimonialização”.
175
Resumidamente, uma situação de destabilização é caracterizada por acusações mútuas,
com a oposição a rejeitar tudo que emane do governo (faz-se uma oposição por oposição),
enquanto que o Governo utiliza os media para denegrir a imagem pública da oposição.
Tendências para radicalizar desconfianças profundamente enraizadas continuam a
persistir e, embora a governação se torne incomportável perante tais circunstâncias, a falta
de recursos financeiros e ausência de apoio público pode, facilmente, transformar esta
situação numa de militarização.
Com o cenário de co-optação e re-patrimonialização, o partido vencedor das eleições
centraliza o poder e procura, secretamente, captar as forças da oposição no sentido de
evitar, perante a opinião pública, uma imagem não democrática. Grupos cruciais que,
anteriormente, permaneciam fora das estruturas do Poder, são integrados em redes neo-patrimoniais e agraciados com vários benefícios. O objectivo final é erradicar forças que
possam perturbar a hegemonia do partido no Poder e unir, simultaneamente, a sociedade
e o Estado, com o partido (“[...] torna a sociedade e o Estado suas propriedades”).
176
A
reconciliação nacional torna-se condicional e baseada nos interesses do partido
hegemónico, assegurando apenas uma paz temporária, caracterizada, principalmente, por
uma resistência passiva no seio da sociedade, até à erupção do descontentamento social
latente.
Enquanto a fase inicial de transição em Moçambique (1990-1994) parecia indicar que
o País estava no caminho para a democracia e consolidação democrática, fomentando o
respeito mútuo entre os actores políticos, tolerância e clima de confiança social, os anos
subsequentes demonstraram, claramente, o ressurgir de estruturas patrimoniais e uma
falta de confiança profundamente enraizada no seio das forças políticas. A Frelimo tem
conseguido dominar e diluir o processo de transição de Moçambique, utilizando, para tal
e desde o início, o processo de liberalização económica e política,
177
atitude que vem
mantendo até aos dias de hoje. As conexões existentes entre o partido e o Estado, as redes
patrimoniais da Frelimo e o comportamento corrupto da elite política, constituem graves
obstáculos ao progresso democrático em Moçambique. Desde as primeiras eleições
democráticas realizadas em 1994, Moçambique tem respeitado as condições minimalistas
exigíveis a uma ‘democracia eleitoral’, embora a consolidação das estruturas democráticas
continue ainda por suceder.
O desenvolvimento sustentável e as reformas económicas bem sucedidas requerem a
existência de instituições políticas sólidas, embora em Moçambique se constate que,
apesar das tentativas de reforma empreendidas, a capacidade das instituições continua
limitada. Repare-se o Sistema de Justiça, em particular, o qual se caracteriza por
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 60
ineficiência, corrupção e redes neo-patrimoniais, embebidas dos mesmos atributos, que se
vêm tornando como elementos constitutivos da cultura política Moçambicana.
Nesta democracia, a interacção entre os partidos políticos é movida, essencialmente,
por desconfiança, ou seja, continua a verificar-se pouca vontade para se alcançar um
acordo ou atingir um consenso. O diálogo político está, neste momento, paralisado,
mesmo com as próximas eleições à vista. Parece que o “minimalismo” democrático
prevalecerá, pelo menos ate as próximas eleições gerais.
Ao longo do que foi exposto, este estudo procurou efectuar uma abordagem e
apresentar, em termos teleológicos, a evolução do processo de democratização
Moçambicano através, primariamente, da identificação dos elementos que parecem estar
a bloquear o processo de consolidação democrática. Todavia, torna-se necessário que se
reconheça igualmente e se aborde os aspectos positivos desta frágil democracia,
assumindo o potencial construtivo existente em prol da mudança.
O primeiro destes potenciais que se poderia enumerar, seria o sector da sociedade civil
em crescimento, o qual já aqui foi abordado. Se este for fortalecido e se tornar mais
independente, pode vir a constituir um controlo efectivo das actividades do Estado, não
se substituindo a ele, mas actuando como uma ‘voz de consciencialização apelativa’.
Um outro poder-se-à considerar o trabalho das várias OSCs, ONGs, confissões religiosas
e autoridades tradicionais, as quais se vem evidenciando na manutenção de uma posição de
conciliação quanto a questões polarizadas, tanto a nível nacional como local, assim como na
prestação de serviços sociais e alívio da pobreza, especialmente nas zonas rurais.
O terceiro factor a englobar é a liberdade dos media. Embora o jornalismo crítico
tenha sofrido um revés após a morte de Carlos Cardoso, os órgãos de comunicação social
parecem ter mantido a sua posição e continuam a denunciar e a criticar os acontecimentos
relevantes no País. Este sector debate-se, internamente, com um problema de polarização,
onde as duas principais correntes, uma pró-governo e a outra pró-oposição, propelam o
conflito, em vez de contribuir para a sua pacificação e ofuscando possíveis alternativas.
178
A liberdade permitida pelo Governo nesta área é assinalável, especialmente, quando
comparada à existente noutros países da região.
Um outro elemento positivo é o relacionado com a decisão do Presidente Chissano de
não se candidatar nas próximas eleições Presidenciais, demonstrando uma consciência
política democrática aturada por parte do líder Moçambicano. Em contrapartida, líderes
de muitos outros países Africanos procuram efectuar revisões constitucionais que lhes
permitam concorrer, ininterruptamente, às eleições, ou governar de forma vitalícia,
provocando um revés aos benefícios (nos Países onde estes se verificaram) alcançados
através da democratização.
Para além dos mencionados, existem ainda uma diversidade de factores positivos, que
não obstante não serem alvo de análise neste estudo, têm vindo a contribuir para o sucesso
parcial do processo de democratização em Moçambique. Neste âmbito, encontram-se
outros actores, muitas vezes excluídos dos discursos ocidentais democrático-liberais, tais
como as autoridades tradicionais, as famílias e comunidades, que como agentes sociais
possuem uma maneira especifica de lidar com os vários assuntos discutidos neste trabalho.
Visto que em Moçambique, as instituições formais parecem estar a fracassar, torna-se cada
61 LALÁ&OSTHEIMER
vez mais necessário considerar outros espaços sociais nos quais os conflitos são geridos (ou
não), até que se atinja um ponto de ruptura, ou que as instituições formais se transformem
adequadamente.
ANOTAÇÕES
133 SP Huntington, The Third Wave. Democratization in the Late Twentieth Century, Norman,
University of Oklahoma Press, 1993, p. 203ff.
134 SP Huntington, Democracy for long haul, Journal of Democracy, 7(2), 1996, p. 3-13, p. 8.
135 M Lipset, Political man. The social bases of politics, New York 1963, p. 64f.
136 Percentagem do maior grupo étnico (Macua).
137 Taxa da população economicamente activa oficialmente registada como desempregada (15-65 anos
de idade).
138 “Mozambique keeps up rapid economic growth”, in: AIM News Agency, 11.04.2002.
139 “Growth rate expected to hit 14.8 per cent”, in: AIM News Agency, 02.01.2002.
140 Ibid.
141 The Economist Intelligence Unit, Mozambique Country Report, April 2003, p. 26.
142 Em 1999, 83% da força laboral trabalhava na agricultura de pequena escala e de subsistência, Europa
Year Book, 2001.
143 The Economist Intelligent Unit, op cit, p. 25.
144 Ministério do Plano e Finanças, Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta (2002-2004),
Maputo, 2000, p. 13.
145 PNUD (Hrsg.), Moçambique: Género, mulher, e desenvolvimento humano: Uma agenda para o
futuro, Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano 2001, Maputo, 2003.
146 A composição do Governo tem se tornado num assunto de relevo nas discussões internas da Frelimo,
especialmente com relação à criação do equilíbrio entre a eficiência e a sensibilidade política. Com
efeito, uma grande crítica dirigida a Chissano foi de que para além de ter trazido pessoas jovens e
sem experiência para as estruturas governamentais, estes eram, na sua maioria, tecnocratas com
pouco historial político e fraca percepção da necessidade de manutenção de fortes laços com a base
partidária. Os que assim defendiam, capitalizavam os seus argumentos em torno do revés dos
resultados das eleições de 1999, após o que o Governo teve de ser restruturado tendo em conta linhas
mais políticas e étnico-regionais.
147 Vide Grobelaar/Lala, Managing group grievances and internal conflict: Mozambique country report.
Working paper 12. Netherlands Institute of International Relations – Clingendael, The Hague, 2003.
148 Centro de Promoção de Investimentos, CD-Rom, 2001.
149 The Economist Intelligence Unit, op cit, p. 24.
150 E Braathen, op cit, p.15; Bayart et al, Criminalisation of the State in Africa, 1999.
151 Alguns nomes sonantes de Moçambicanos estão ligados a grandes projectos de investimentos. Isto
não significa necessariamente que a corrupção exista, embora se sugira em alguns casos. Vide The
Economist Intelligence Unit, op cit, pp. 22-24, 25.
152 Veja-se o relatório publicado na Conferência do Lançamento da campanha anti-Corrupção, Maputo,
21 de Abril de 2003.
153 A concepção moralista implica o entendimento de que a corrupção é referente à não observância de
preceitos morais ou éticos e a concepção legalista refere-se à associação da corrupção ao
funcionalismo público e à não observância da lei .
154 Ibid.
155 Entrevista realizada em Maputo, 29 de Abril de 2003.
156 J Linz, The perils of presidentialism, Journal of Democracy, 1(1), 1990, pp. 51-70, p. 56.
157 [Trad.: “Para se tornar estável, a democracia deve ser considerada legítima pelo povo; o povo deve
encará-la como a melhor e mais apropriada forma de governo para a sua sociedade. Com efeito, e
porque assenta no consentimento dos governados, a democracia depende muito mais da legitimação
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 62
popular, do que qualquer outra forma de governo. Esta legitimidade requer um compromisso moral
profundo e obediência emocional, mas estes elementos apenas desenvolvem ao longo do tempo, e em
parte, como resultado de um desempenho efectivo. A democracia não será valorada pelo povo, a
menos que responda efectivamente aos problemas sociais e económicos e proporcione o mínimo de
ordem e justiça.”], L Diamond, Three Paradoxes of Democracy, Journal of Democracy, 1, Summer,
1990, pp. 48-60, p. 49.
158 M Weber, Wirtschaft und Gesellschaft, 5. rev. edition, ed. by J Winckelmann, Tübingen, 1976.
159 [Trad.: “Os portugueses deixaram para trás um sistema complexo que exige requerimentos formais,
selos fiscais e assinaturas autenticadas mediante selo branco. A Frelimo nunca desmantelou este
sistema, e consequentemente, perante qualquer situação de difícil resolução ou fora do comum, a
resposta obtida, é frequentemente,”... de que o requerimento não está conforme, precisa de mais uma
assinatura, ou outro alguém é que é responsável”.], Hanlon citado em: EA Alpers, ‘A family of the
state.’ Bureaucratic impediments to democratic reform in Mozambique, in: Hyslop, J. (ed.), African
Democracy in the era of globalization, Johannesburg: Witwatersrand University Press, 1999, pp. 122-138, p. 137.
160 Entrevista realizada em Maputo aos 10 de Maio de 2002.
161 Para análises sobre o êxito do processo de desmobilização, veja-se: S Barnes, Reintegration
programmes for demobilized soldiers in Mozambique, UNDP Evaluation paper, Maputo, 1997; S
Barnes, The socio-economic reintegration of demobilized soldiers in Mozambique: The soldiers
view, UNDP Evaluation paper, Maputo, 1997.
162 A única tentativa registada na história recente de Moçambique foi a do falecido General Mabote em
1991. Contudo, alegou-se que fora uma tentativa forjada pela Frelimo para desencorajar outras
futuras. O caso foi levado ao tribunal mas não houve provas suficientes para condenar o General.
163 L de Brito/A Francisco/JC Pereira/Domingos do Rosário, ibid., p. 72.
164 No que concerne aos direitos humanos, tem sido reportado uma melhoria em termos do tratamento
dos presos, efectuada pela Polícia. Veja-se Mozambique Country Report on Human Rights Practices
2000, US State Department, 2001.
165 70.2% dos entrevistados para uma pesquisa de opinião realizada pela Ética Moçambique pensam que
a maioria dos agentes policiais estão envolvidos na corrupção. Vide Ética Moçambique, Mozambique
Corruption Report 2001, Maputo 2001.
166 12% disseram que não confiavam na Polícia, enquanto que 6.2% não confiavam na CNE e 6% não
confiavam no Parlamento. Quando questionados sobre o grau de confiança em todos eles, as
respostas foram 23.6%, 33.6% e 27.4% respectivamente. Veja-se Inquérito Nacional de Opinião
Pública, 2001, tab. 12.
167 Ibid, tab. 20.
168 Estas ameaças são amplamente descritas e discutidas em Gastrow/Mosse, Mozambique; Threats posed
by the penetration of criminal networks, 2002.
169 A Lalá, Donor Conditionality and security sector reform, Conflict, Security and Development, 3(1)
Carfax Publishing, 2003.
170 O Governador de Sofala, Felício Zacarias, apelidou-os, publicamente, de terroristas após terem
sitiado o Comando Distrital da Polícia em Maríngué. Veja-se ‘Governador diz que amotinados da
Renamo são terroristas’, boletim de notícias da AIM, edição 3222, 8 de Setembro de 2003,
<www.sortmoz.aimnews>.
171 GM Carbone, op cit.; entrevista com um académico.
172 [Trad.: “As estruturas da Renamo no terreno não passam, na maioria dos casos, de uma simples
bandeira içada na casa de um membro.”], Ibid.
173 1) cenário da anarquia e ingovernabilidade; 2) cenário da cooptação política; 3) cenário da real
convivência democrática; 4) cenário misto e 5) cenário da instabilidade político-militar, in: B Mazula,
As eleições moçambicanas: uma trajectoria da paz e da democracia, in B Mazula (ed.), Eleições,
Democracia e Desenvolvimento, Maputo, 1995, pp. 26-77, p. 65f.
174 in B Mazula (ed.), Eleições, Democracia e Desenvolvimento, Maputo, 1995, pp. 26-77, p. 65f.
175 Braathen usa o termo ‘repatrimonialização’, visto que a cooptação dos opositores se tornou aparente,
desde o re-surgimento das estruturas neo-patrimoniais. Op cit, p. 3.
63 LALÁ&OSTHEIMER
176 B Mazula, As eleições moçambicanas: uma trajectória da paz e da democracia, in: B Mazula (ed),
Eleições, Democracia e Desenvolvimento, Maputo, 1995, pp. 25-77, p. 66.
177 Este processo começou anteriormente ao acordo de paz, antecipando-se a uma situação em que ela
poderia perder o poder. Como exemplo, o PRE começou em 1987, mas obteve resultados limitados
devido à guerra e a nova Constituição de 1990.
178 Para mais sobre este assunto, veja-se E Namburete, op cit; de Maia, ‘Savana e Domingo: Dois
Extremos, o Mesmo Erro’, in: B Mazula, Moçambique 10 Anos de Paz, Cede, Maputo, 2002.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 64
As eleições locais que tiveram lugar no dia 19 de Novembro de 2003 eram decisivas para
o futuro democrático de Moçambique. Surpreendentemente a Renamo só conseguiu
vencer em cinco municípios (Beira, Nacala, Ilha de Moçambique, Angoche e Marromeu)
e perdeu centros onde costumava ter uma presença forte como Milange, onde o partido
obteve os melhores resultados (76%) nas eleições de 1999. O seu sucesso limitado gerou
uma situação na qual o partido no poder continua a ser o competidor que aceita derrotas
localizadas. Especialmente para o Secretário Geral da Frelimo e candidato presidencial,
Armando Guebuza, a vitória massiva do seu partido nas eleições locais impulsionou a sua
candidatura e aglutinou as correntes intra-partidárias à volta da mesma.
179
O estabelecimento, em tempo útil, do CC, órgão responsável pela resolução das
disputas eleitorais, revelou-se como uma contribuição de vulto para o fortalecimento das
estruturas democráticas em Moçambique. As suas decisões profissionais e imparciais
conferiram credibilidade às eleições locais, permitindo assim que todos os participantes
aceitassem os resultados finais. Adicionalmente, o CC produziu uma análise profunda das
vulnerabilidades, erros e limitações do processo eleitoral e das suas principais instituições,
como é o caso da CNE.
Concomitantemente prevê-se que as futuras eleições presidenciais e parlamentares a
realizarem-se em 2004 constituirão um desafio de monta para todos os partidos políticos,
governo e comunidade internacional, no que concerne ao apoio às instituições eleitorais,
visando resolver as deficiências que actualmente colocam a transparência e a credibilidade
do processo eleitoral em risco em Moçambique.
A eclosão de um eventual conflito violento em larga escala em Moçambique, parece-nos improvável, especialmente porque as memórias e as marcas da guerra civil continuam
ainda frescas para a maioria dos cidadãos. Uma vez que se tratou de uma guerra de índole
ideológica, instigada pela elite política de ambos os contendores e em grande medida
efectuada por militares recrutados à força, actualmente, a capacidade de mobilização de
pessoas em número significativo afigura-se duvidosa. Os Moçambicanos estão hoje mais
interessados na luta pela sua sobrevivência do que com a política, à qual têm vindo a
atribuir importância secundária. Todavia, isto não poderá impedir o eclodir de confrontos
violentos, tais como o de Montepuez, particularmente nos casos em que as pessoas se
sentem continuamente ignoradas e marginalizadas pelo Governo.
Um outro factor que poderá limitar uma possível escalada do conflito, é a
65
Capítulo 4
AVALIAÇÃO DAS PERSPECTIVAS PARA MUDANÇAS ADICIONAIS
indisponibilidade de armamento. Embora possam existir arsenais de armas escondidas,
com mais de 10 anos de vida útil e sob a influência de um clima que é favorável a uma
rápida corrosão, estas estão, provavelmente, num estado de degradação que já não
permitem a sua utilização.
A dependência de Moçambique em relação aos doadores constitui outro factor
significativo de desencorajamento à erupção de hostilidades. Contrariamente aos seus
vizinhos zimbabweanos, os políticos Moçambicanos são suficientemente astutos para
compreenderem que o País continuará a prestar contas à comunidade internacional
doadora por muitos anos, sendo pouco provável que esta se venha a manter silenciosa
perante situações de contínuas confrontações violentas entre os antagonistas políticos.
Não obstante, do ponto de vista estrutural, institucional e mesmo sociológico, o
cenário de que Moçambique se venha a desenvolver rumo a uma ‘sociedade de medo’, este
não pode ser excluído por completo. É muito provável que ocorra esta situação,
considerando a impunidade das crescentes actividades criminais desenvolvidas por redes
de crime organizado, a incapacidade da polícia e do sistema de justiça. Neste âmbito, o
Estado poderá tornar-se cada vez mais conivente com estas redes criminais e corruptas ou,
mesmo que esta tendência seja invertida, poderá aumentar a sua vulnerabilidade em
termos de mecanismos de controlo que providenciam segurança aos cidadãos.
Um olhar sobre as próximas eleições parlamentares e presidenciais, deve incidir sobre
o que poderá suceder caso a oposição vença e qual o cenário previsível para mais uma
vitória da Frelimo. Ao verificar-se este último caso e ao abrigo da disposição
constitucional actual (sistema presidencial e governadores nomeados pelo governo
central), o cenário mais favorável seria o da Renamo prosseguir com a sua política
obstrucionista e de retórica, continuando assim a criar um clima de estagnação e
adversidade. O pior cenário projecta-nos para tentativas da Renamo em criar um ambiente
de destabilização nas províncias em que tiver ganho, organizando um movimento de
desobediência.
No caso de uma vitória da oposição e assumindo que a Frelimo, sem rodeios, assume
a sua derrota, a questão crucial será de se verificar se a burocracia estatal irá agir de forma
isenta e, em particular, se a Polícia, que até então nunca integrou membros da Renamo
nas suas fileiras, permanecerá neutra.
Podendo ainda considerar-se a possibilidade de uma coabitação, a questão a abordar
será verificar se a Frelimo acata a partilha do poder, procurando uma solução pragmática
para a situação. Neste caso, segundo analistas, existe o risco de que:
“Renamo’s lack of government and state experience, together with the inevitable
appetites aroused by controlling resources that the government provides would lead
almost inevitably to a situation of conflict, instability and economic difficulties.”
180
Deste modo, um Governo da Renamo obstruído por uma administração pública afiliada
à Frelimo ou um Governo da Renamo que tente afastar os elementos da Frelimo afectos
à administração pública, pode, desde já, ser previsto como uma falácia.
O melhor cenário para a consolidação da democracia Moçambicana seria realizar as
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 66
eleições de 2004 envoltas numa atmosfera de transparência e confiança mútua, garantido
assim a aceitação dos resultados por todas as partes, independentemente do resultado,
podendo contribuir, como tal, para a criação de um clima fértil para a resolução das muito
esperadas e altamente necessárias reformas institucionais.
ANOTAÇÕES
179 A candidatura de Guebuza não gozava de apoio ilimitado até então, particularmente no que dizia
respeito ao Presidente Chissano que teria preferido um candidato de uma geração mais jovem.
180 [Trad.: “A falta de experiência de governação e de Estado por parte da Renamo, em conjunto com
os irremediáveis apetites criados pelo controlo dos recursos que o Governo oferece, poderiam levar,
quase inevitavelmente, a uma situação de conflito, instabilidade e dificuldades económicas.], L de
Brito/A Francisco/JC Pereira/Domingos do Rosário, ibid., p. 7.
67 LALÁ&OSTHEIMER
Moçambique nunca foi “telecomandado” por qualquer das superpotências durante a
Guerra Fria e o seu Governo sempre tentou conduzir uma política externa independente.
Durante a guerra civil, o aliado mais próximo da Frelimo foi o Zimbabwe de Robert
Mugabe, enquanto a Renamo recebia a maior parte do seu apoio logístico da África do
Sul do Apartheid. No contexto da actual política Sul-Africana orientada para a resolução
dos seus problemas domésticos, Moçambique tem despertado maior interesse à
comunidade de negócios do que à elite política.
Adicionalmente, com a nova abordagem política de integração continental da União
Africana, as velhas alianças e a hesitação dos líderes africanos em criticarem os seus
homólogos, o principal actor externo com alguma influência sobre a vida política de
Moçambique torna-se a comunidade doadora internacional. Para esta, Moçambique
tornou-se num “filho pródigo” e houve tendência de se ignorar graves problemas.
Certamente, existem outros países Africanos onde a corrupção e auto enriquecimento no
seio da elite política é de longe pior ou pelo menos mais evidente, onde a censura dos
media é mais rígida e onde a oposição é raramente tolerada. Todavia, os últimos
desenvolvimentos em redor dos escândalos bancários, o assassinato do jornalista Carlos
Cardoso, o assassinato de Siba-Siba Macuacua, o processo jurídico movido pelo filho do
Presidente contra o jornalista Marcelo Mosse e o subsequente fecho do jornal
independente Metical, revelam sintomas de uma doença grave e que se agrava na
sociedade política moçambicana. Perante isto, a comunidade doadora internacional tem
mantido um silêncio surpreendente.
Em 1995, a comunidade internacional de doadores em Moçambique estabeleceu,
conjuntamente com o Governo, as áreas prioritárias para a consolidação da democracia
Moçambicana, respectivamente, o parlamento, as eleições, o sector da justiça, a polícia e
a identificação dos Moçambicanos com o sistema político vigente, assim como o
desenvolvimento dos media, numa fase posterior.
Volvidos oito anos, estes sectores denotam ainda uma certa fragilidade e consequente
necessidade de assistência. Contudo, tendo em linha de conta o apoio que tem vindo a ser
prestado e o escasso progresso alcançado, induz-nos a considerar que, no processo de
programação de actividades, se deve verificar pormenorizadamente, os recursos humanos
e a capacidade institucional dos parceiros no projecto, bem como a vontade política
existente para a sua implementação e sustentação.
69
Capítulo 5
PAPEL DOS ACTORES EXTERNOS, O SEU APOIO À DEMOCRATIZAÇÃO
E ÁREAS PARA FUTURO ENGAJAMENTO
As recomendações que a seguir se apresentam derivam da pesquisa realizada e pretendem
apresentar um espectro de intervenção amplo, mas não necessariamente completo.
O maior obstáculo para a consolidação da democracia em Moçambique, na actualidade,
parece ser a prevalência da actual cultura política que se caracteriza pela corrupção,
favorecimentos pessoais e pouca observância dos valores democráticos, particularmente, da
tolerância política. Nestes termos e especialmente entre os actores políticos, há que
promover o incremento da tolerância política. Por forma a apoiar este intento, as
organizações da sociedade civil necessitam de incentivo e treino por forma a que, antes e
após as eleições se empenhem no desenvolvimento da cultura de tolerância política.
Tendo em vista evitar mais “desilusões” relativamente ao processo democrático
(prestação de contas do Governo) ou renuncia ao mesmo, torna-se crucial restabelecer a
ligação entre as instituições estatais e a sociedade civil. Em geral, a participação da
sociedade no processo político necessita ser fortalecida e não apenas restringida ao
processo eleitoral. Concomitantemente, o papel das instituições e dos actores
participantes no processo político necessita ser do conhecimento público e daí, o seu
trabalho e organização precisarem ser disseminados e o eleitorado ter que adquirir a
capacidade de votar conscientemente.
De igual modo, torna-se necessário a consolidação do processo de descentralização em
Moçambique. Neste contexto e particularmente no que concerne aos funcionários
públicos ao nível do governo local nas áreas rurais, existe necessidade de lhes conferir uma
formação adicional, tendo em conta as carências específicas do local. Para além disso,
qualquer actividade de formação ao nível do governo local deve possuir como objectivo a
promoção da participação destas comunidades locais no processo de tomada de decisão
política (não se deve utilizar a formula de ‘one size fits all’).
A sociedade civil constitui um actor crucial para a mudança política e consolidação de
qualquer processo de democratização, devendo, consequentemente, ser entendida como o
principal instrumento para uma sociedade emancipada. Nesta perspectiva, as associações
de cidadãos necessitam ser encorajadas, sendo, no entanto, importante realçar que estas
não devem funcionar dentro de uma abordagem polarizada, desempenhando apenas o
papel de controlo do poder, mas sim promover fórmulas para se alcançar consenso
aquando da tomada de decisões e resolução de conflitos.
A título ilustrativo, uma área de empenho da actividade destas associações constituiria
a exploração da terra para fins comerciais. As associações poderiam fornecer informação
sobre os direitos e deveres às comunidades locais e, de acordo com o prescrito na lei,
representariam igualmente as comunidades nas negociações com os parceiros comerciais.
As associações de cidadãos mais activas no processo poderiam ser utilizadas,
adicionalmente, como órgão de supervisão e controlo dos projectos em curso, pelas
Autoridades Estatais.
No entanto e em particular nas áreas rurais, mas também nas zonas urbanas, as
organizações não-governamentais permanecem frágeis no que respeita aos seus recursos
humanos e financeiros. A formação e gestão de pessoal assim como a gestão financeira e
a contabilidade, devem ser áreas fulcrais de atenção no que concerne à capacitação da
sociedade civil Moçambicana.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 70
Relativamente às prevalecentes fraquezas das instituições políticas, torna-se crucial
contribuir para o aumento da formação dos parlamentares em assuntos específicos,
através de reuniões de trabalho e seminários, por forma a desenvolver e aumentar o
controlo do Parlamento sobre o Governo.
A administração estatal necessita de adquirir a característica de um aparelho não
politizado e para tal, torna-se necessária uma formação específica dirigida aos
funcionários públicos (incluindo a Polícia), por forma a desenvolver um comportamento
neutro e profissional no contexto de um Estado de Direito. Para além disto, uma
discussão sobre estratégias para a saída de altos dirigentes da Frelimo, que ocupam
actualmente elevados cargos a nível de administração do Estado e em caso de mudança de
regime podem perder as suas posições, deve ser iniciada.
A reforma do sistema judicial, visando o aumento da sua eficiência e profissionalismo,
deve ser promovida de modo a criar “ownership” e aumentar a capacidade dentro do
Ministério da Justiça para levar a cabo uma reforma completa no sector. Até ao momento,
o aumento e melhoria das infra-estruturas tem constituído um dos principais objectivos da
reforma, embora para se alcançar a consolidação do Estado de Direito se torne necessário
um novo enfoque na reforma do sector de justiça. Esta abordagem deve abranger uma
revisão do sistema legal em vigor, a formação dos funcionários, uma melhoria no acesso
dos cidadãos a aconselhamento jurídico, assim como incluir instituições tais como a
Procuradoria da República e a Polícia.
Para apoiar a transformação da Polícia e apesar da larga participação de doadores tais
como a Espanha e a Suíça, outras medidas se tornam necessárias. Áreas potenciais para
apoio incluem o desenvolvimento e actualização permanente de uma base de dados
referente à criminalidade e formação de pessoal, assim como o desenvolvimento de uma
lei de segurança pública que poderia beneficiar profundamente da assistência material e
troca de informação relativa a experiências internacionais positivas (“best practice”).
Por forma a reverter a situação acima analisada, torna-se necessário, no que concerne
à esfera dos partidos políticos, contribuir para a criação de uma confiança, que se
desenvolva a partir de um nível pessoal para um institucional e impessoal.
181
A estagnação
no processo de transição em Moçambique pode ser atribuída à falta de vontade política,
por parte da Frelimo, em partilhar o poder e a uma profunda e generalizada desconfiança,
por parte da Renamo, contra os seus oponentes. Reuniões consecutivas, em formato de
mesa redonda, sobre assuntos políticos controversos e com um número limitado de
participantes dos partidos políticos, podem constituir uma actividade no intuito de
aumentar a confiança entre os respectivos partidos.
A crescente desconfiança deve-se igualmente a uma percepção de inferioridade e,
consequentemente, medidas com vista à capacitação da oposição deveriam ser reforçadas,
tendo igualmente em conta, o facto de que toda a oposição necessita de se apresentar
como um futuro governo credível e capaz de fornecer alternativas atractivas. No entanto,
para que esta seja aceite pelos dois lados como uma instituição credível, cujo objectivo
visa a consolidação democrática do País, os preconceitos tem de ser contrabalançados e
um diálogo cabal deve ser mantido com todos os actores políticos.
No que diz respeito ao sistema político em geral em Moçambique, torna-se perigoso
71 LALÁ&OSTHEIMER
embora necessário, discutir a criação de uma situação favorável para ambos os partidos,
através de uma modificação da Constituição, por forma a que os Governadores
Provinciais sejam oriundos dos partidos vencedores, nas respectivas províncias. Perante
este cenário, se a Renamo perdesse novamente as eleições nacionais, este sistema permitir-lhe-ia, pelo menos, a oportunidade de ganhar experiência em cargos governamentais.
Deste modo, o Governo da Frelimo demonstraria não somente boa vontade em partilhar
o poder, mas também, no caso de perder as eleições, manter a sua influência em algumas
províncias.
Uma reforma do sistema eleitoral tem que acompanhar qualquer reforma
constitucional que se efective. Ambas não devem ser conduzidas isoladamente, mas devem
sim ser aferidas e equilibradas com vista a evitar a exclusão de um grande número eleitores
e aumentar a prestação de contas (“accountability”) dos deputados parlamentares,
reduzindo, simultaneamente, a influência do partido.
O empenho da comunidade internacional em programas como os acima descritos
demonstraria a sua vontade política em insistir na implementação dos valores de boa
governação, vontade essa que até ao presente parece, de certo modo, reduzida. Esta
pressão é crucial mas deve ser aplicada com sensibilidade, sem danificar as actuais
iniciativas de reforma institucional. É necessário que esforços sejam desenvolvidos para
identificar os pontos de entrada que não prejudiquem as forças pró-mudança no interior
dos partidos, do Governo ou da burocracia estatal, as quais procuram levar a bom termo,
o processo de reconciliação, reformas e princípios democráticos. Estas forças precisam de
apoio com vista a tornar as suas acções visíveis e produtivas, se, efectivamente, pretendem
convencer os restantes intervenientes sobre os benefícios de um comprometimento
contínuo com o projecto democrático em curso.
ANOTAÇÃO
181 E. Braathen, Descentralização democrática em Mozambique?, O papel de fundo para a oficina de
LPD, “ política e desenvolvimento locais – focus em Moçambique “, Oslo, 20 Maio 2003.p. 4ff.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 72
NINA BERG, Danida, Coordenadora do programa da Danida de assistência do sector
judicial, viúva do jornalista Carlos Cardoso.
MIGUEL DE BRITO, USAid, Conselheiro Senior para Democracia e Governação
AMADCAMAL, Representante da ONG Movimento pela Paz e Cidadania-MPC.
ABDULCARIMO, Director da ONG Ética Moçambique.
MÁXIMODIAS, Presidente do MONAMO, um dos pequenos partidos que compõem a
coligação da oposição União Eleitoral, deputado e advogado.
AFONSODHLAKAMA, Presidente da Renamo, principal partido da oposição.
RAULDOMINGOS, Deputado independente, antigo membro da Renamo e negociador chefe
pela Renamo nas Negociações de Paz de Roma (1990-1992), presidente do Instituto
Democrático para a Paz e Desenvolvimento (IPADE), fundador do partido PDD.
RIKKE FABIENKE, Oficial de programa, Unidade de Governação e Meio Ambiente, PNUD.
CHICO FRANCISCO, Deputado independente, antigo membro do partido Renamo
responsável pelas relações internacionais.
JOSÉMANUELGUAMBE, Ministério da Administração Estatal, Director do Departamento de
Descentralização.
ABDULILAL, Projecto de Descentralização e Desenvolvimento (PDDM), GTZ.
HIGINO LONGAMANE, Director Nacional da Função Pública, Ministério da Administração
Estatal.
NATANIELMACAMO, Ministério do Interior, responsável pelas relações públicas.
JOSÉJAIMEMACUANE, Consultor, Unidade Técnica da Reforma do Sector Público.
EDUARDO MUSSANHANE, Director dos Recursos Humanos, Polícia da República de
Moçambique.
SALOMÃOMOYANA, Director do semanário Zambeze.
JOÃOGRACIANOPEREIRA, Cientista político e membro do IPADE.
HOLGERPFINGSTEN, Embaixada Alemã.
HABIBARODOLFO, Oficial de programa, Unidade de Governação, PNUD.
AMÉLIAMATOSSUMBANA, Secretária do Comité Central para Relações Exteriores, Frelimo.
LUÍSTRINDADE, Juíz do Tribunal Supremo de Moçambique e director do Centro de
Formação Jurídica e Judiciária.
BERNHARDWEIMER, Oficial sénior de programa, Programa de Apoio à Descentralização e
Municípios (PADEM), Agência Suíça de Cooperação Internacional (SDC).
BOAVENTURAZITA, Chefe do Sector de Comunicações, Conselho Cristão de Moçambique.
73
Anexo
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79 LALÁ&OSTHEIMER
ACIPOL Academia de Ciências Policiais
ANC Congresso Nacional Africano
AGP Acordo Geral de Paz
AMMCJ Associação Moçambicana de Mulheres de Carreira Jurídica
CC Conselho Constitucional
CEDE Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento
CNE Comissão Nacional de Eleições
CRM Constituição da República de Moçambique
EISA Instituto Eleitoral da África Austral
EUA Estados Unidos da América
FADM Forças Armadas de Defesa de Moçambique
FAM Forças Armadas de Moçambique
FAP Frente de Acção Patriótica
FKA Fundação Konrad Adenauer
FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique
FUMO Frente Unida de Moçambique
HIPC Iniciativa dos Países Pobres Altamente Endividados
IDG Índice do Desenvolvimento Género
IDH Índice do Desenvolvimento Humano
IPADE Instituto Democrático para Paz e Desenvolvimento
IPAJ Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica
MONAMO Movimento Nacional Moçambicano
MP Deputado (Membro do Parlamento)
MPLA Movimento Popular para a Libertação de Angola
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OSC Organizações da Sociedade Civil
PCN Partido de Convenção Nacional
PADEMO Partido Democrático de Moçambique
PADELIMO Partido Democrático para a Libertação de Moçambique
PAIGC Partido Africano de Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde
PALMO Partido Liberal Democrático
PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PANADE Partido Nacional Democrático
PDD Partido para Paz, Democracia e Desenvolvimento
PIB Produto Interno Bruto
PIC Polícia de Investigação Criminal
PIDE Policia Internacional de Defesa do Estado
81
Glossário de siglas
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPPM Partido de Progresso do Povo de Moçambique
PRE Programa de Reajustamento Estrutural
PRM Polícia da República de Moçambique
RENAMO Resistência Nacional de Moçambique
Renamo-UE Coligação Partidária Renamo-União Eleitoral
SOL Partido Social e Liberal
UD União Democrática
UDENAMO União Democrática Nacional de Moçambique
UNAM União Nacional Africana Moçambicana
UNAMO União Nacional de Moçambique
UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
ZANLA Zimbabwe National Liberation Army
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 82
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ ««««««««««««««FESTAS FELIZES»»»»»»»»»»»»»»
Transição e consolidação democrática em África
Como limpar as nódoas do processo
democrático? Os desafios da transição e democratização em Moçambique
(1990–2003)
ANÍCIA LALÁ
GLOBA
Prefácio
Desde que se constatou o inicio das “democracias de terceira vaga” em África, muitos
livros e artigos foram escritos abordando aspectos específicos inerentes aos processos de
transição. Contudo, volvidos cerca de dez anos, verifica-se ainda uma ausência de pesquisa
comparativa assente em bases metodológicas consistentes, assim como um défice na
elaboração de estudos de caso.
A Konrad-Adenauer-Stiftung, fundação política alemã, iniciou em 2002 um projecto
de avaliação do processo de democratização nos Países da África Sub-Sahariana. Este
projecto centrou-se na análise do Estado e dos problemas de transição democrática, tendo
sido realizado com base num conjunto de questões comuns, por forma a estabelecer uma
comparação entre a situação dos vários Países.
O estudo sobre o primeiro grupo de Países desenrolou-se em 2002, abrangendo o
Zimbabwe, Kénia, Nigéria e Burkina Faso, estendendo-se em 2003 ao Malawi,
Moçambique e Zâmbia.
Um factor decisivo para a selecção dos estudos de caso foi o carácter débil e
inconclusivo dos seus processos de democratização. Com efeito, nos sete Países atrás
referidos, os mesmos nunca foram realizados com sucesso em toda a sua plenitude ou,
após um início prometedor, o seu percurso era invertido. Deste modo, o processo de
democratização nos Países mencionados pode até ser apelidado de “processo de transição
prolongado”.
1
A abordagem comparativa do estudo, visa ilustrar as diferenças e os pontos comuns
detectados nos processos de democratização, bem como identificar as origens dos
problemas. Adicionalmente, a análise qualitativa procura fornecer alicerces académicos
para o desenvolvimento de políticas de apoio adequadas à sustentação da democracia em
África no geral e, para a Konrad-Adenauer-Stiftung, em particular.
Os sete estudos de caso foram levados a cabo por equipas de académicos alemães e
africanos, sendo estes últimos originários dos Países em questão. Visto que os estudos
adoptam uma análise qualitativa da democracia, a sua elaboração baseia-se em
observações pessoais (aproximadamente 200 entrevistas) e fontes secundárias, que
incluem inter alia, informações empíricas obtidas em várias pesquisas.
Tendo em consideração os paradigmas sobre a democracia desenvolvidos por Robert
A Dahl e Larry Diamond, as análises centram-se nos aspectos de competição e
participação política, direitos civis, pluralismo político e civil, construção do Estado de
direito e análise sobre “checks and balances”. Adicionalmente, os estudos reflectem
aspectos da cultura política e do comportamento dos principais actores. A fim de evitar as
insuficiências de uma mera avaliação do status-quo, a qual poderia implicar uma
identificação incompleta das causas subjacentes aos obstáculos à consolidação
democrática, as análises destacam o carácter processual e têm em consideração os
desenvolvimentos intrínsecos do processo de transição e legado histórico que ainda
possam ter impacto.
O estudo sobre a democratização em Moçambique decorre num momento em que o
País avança para um outro patamar crucial deste processo. Dez anos após as primeiras
eleições multipartidárias, Moçambique pode ser caracterizado como um País onde vigora
uma democracia eleitoral, com eleições regulares, livres e mais ou menos justas.
No entanto, a consolidação das suas estruturas democráticas tem sido continuamente
posta em questão por uma cultura política caracterizada por estruturas neo-patrimoniais
e corrupção endémica, dentro do aparelho de Estado. Este facto, para além de possuir um
impacto negativo no desenvolvimento sustentável do País, o qual requer instituições
políticas estáveis e responsáveis, afecta de igual modo as relações entre a sociedade e o
Estado, conduzindo à erosão da legitimidade deste último.
Este descontentamento crescente foi observado no último “Afrobarometer Survey”,
2
onde 39% dos entrevistados caracterizou o actual sistema político como uma democracia
com grandes deficiências e apenas 10% considerou Moçambique como uma democracia
completamente enraizada. No entanto, esta atitude céptica não se reflectiu em grandes
níveis de abstenção do eleitorado nas eleições nacionais (1999: 69.5% participarem).
Porém, a reduzida participação dos eleitores nas eleições locais de 2003 – somente
24.16% decidiu votar –deve ser entendida como um sinal de advertência para aqueles que
pretendem entrar na competição política em 2004.
Por último, importa mencionar que o projecto implicou um elevado grau de
cooperação e debate entre as autoras, com o propósito de alcançar uma posição
concertada relativamente à maioria dos assuntos abordados e por forma a produzir uma
versão integrada e coerente.
Em nome da Konrad-Adenauer-Stiftung, gostaríamos de agradecer à co-autora
Moçambicana, Anícia Lalá, pela sua devotada dedicação e inexcedível apoio durante todo
o projecto.
Andrea E Ostheimer Burkhard Margraf
Coordenador de Pesquisa/ Representante Residente
Vice-Representante Konrad-Adenauer-Stiftung
Konrad-Adenauer-Stiftung Maputo, Moçambique
África do Sul
ANOTAÇÕES
1 G Erdmann, oder de Neopatrimoniale – Herrschaft: Warum es de Afrika no gibt de Hybridregime do
viele assim, em: P Bendel/croissant/F Rüb (eds.), und Diktatur de Zwischen Demokratie.
Demokratischer Grauzonen de Empirie do und de Zur Konzeption. Opladen 2002, pp. 323-342.
2 JCG Pereira/YD Davids/R Mattes, Mozambicans’ view of democracy and political reform: a
comparative perspective, Afrobarometer Paper No. 22, <www.afrobarometer.org>.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE viii
De acordo com o primeiro presidente da Comissão Nacional de Eleições de Moçambique
e actual Reitor da Universidade Eduardo Mondlane, Brazão Mazula, a democracia
moçambicana deve proporcionar:
“uma capacidade e oportunidade de convivência social, política e económica, na
diversidade de ideias, opiniões e culturas, para a realização de um desenvolvimento
real, em cada tempo e lugar”.
3
Apesar deste estudo adoptar como questão fulcral uma abordagem institucional com vista
a avaliar o estado da democracia moçambicana (seguindo a tradição de Robert Dahl, Juan
Linz e Larry Diamond), toma igualmente em consideração a cultura política e o
comportamento dos actores intervenientes. No que concerne à analise dos obstáculos e às
fraquezas do processo de consolidação democrática em Moçambique, parece
especialmente válido recorrer à abordagem filosófica (ex: Habermas), a qual realça a
natureza dialogante de uma democracia ideal e a procura de consensos.
Neste contexto, o presente estudo visa, não apenas fazer uma avaliação da actual
situação política de Moçambique, mas também analisar o desenvolvimento da sua
transição democrática. As características específicas e sobretudo os défices democráticos e
estruturais que impedem uma maior consolidação da democracia, necessitam ser
identificados, na medida em que devem constituir alvo de qualquer programa que envolva
aspectos de promoção democrática. Infelizmente, a maior parte das análises existentes
segue a abordagem clássica dos teóricos de democratização, não se debruçando
suficientemente sobre a interdependência entre consolidação democrática e
desenvolvimento económico.
Contudo, de acordo com os resultados das pesquisas empíricas,
4
grande parte das
populações nos países em desenvolvimento associa a democratização à esperança de
melhoria das suas condições de vida, embora isto nunca se materialize, para a maioria.
“Many people realised that it was not that nothing had changed; rather it was that
things had changed, but not for them. There was a consciousness since liberalisation
that some were taking advantage of the socio-economic conditions created to begin to
accumulate wealth.”
5
1
Introdução
Com vista a uma aferição qualitativa da democracia moçambicana, este estudo baseia-se essencialmente em constatações pessoais, fontes secundárias e entrevistas realizadas. No
entanto, a análise foi enriquecida com dados empíricos obtidos a partir de várias pesquisas
conduzidas em Moçambique, durante os últimos cinco anos.
Ambas as autoras, Andrea E Ostheimer, da Fundação Konrad Adenauer (FKA) em
Joanesburgo (RSA) e Anícia Lalá, docente do Instituto Superior de Relações Internacionais
(Maputo-Moçambique), actualmente adstrita ao Projecto “Global Facilitation Network
for Security Sector Reform” (GFN-SSR) sediado na Universidade de Cranfield em
Shrivenham (GB), têm estado a monitorar a situação política em Moçambique ao longo
da última década, contando, para o efeito, com uma vasta rede de contactos. Assim, foram
efectuadas entrevistas de forma independente por cada uma das autoras, em Abril e Maio
de 2003, assim como, utilizados dados de estudos recentemente realizados,
respectivamente, sobre o conflito interno em Moçambique
6
e a avaliação do sistema de
justiça do Pais.
7
Igualmente, declarações proferidas por actores políticos participantes
numa conferência recentemente realizada pelo Instituto Eleitoral da África Austral (EISA)/
Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento (CEDE) subordinada ao tema:
“Consolidação da paz e democracia em Moçambique através de iniciativas de gestão de
conflitos relacionados com eleições” (Maputo, 22–23 de Julho de 2003), foram tidas em
consideração.
Embora uma das autoras seja membro do pessoal da FKA, Joanesburgo, os pontos de
vista expressos no presente estudo não reflectem, necessariamente, as opiniões da FKA,
tanto em Maputo como em Berlim.
Finalmente, acresce referir que ambas as autoras contribuíram para este estudo como
pesquisadoras independentes, na sua qualidade de cientista político e, pesquisadora de paz
e desenvolvimento, respectivamente.
Com vista a garantir a confidencialidade e protecção das fontes de informação
utilizadas para este estudo, os nomes das pessoas entrevistadas não serão revelados.
Todavia, faz-se uma descrição geral das funções da pessoa (ex: representante do governo)
no texto principal e uma lista detalhada dos entrevistados consta do anexo.
ANOTAÇÕES
3 B Mazula, As eleições moçambicanas: uma trajectória da paz e da democracia, in: B Mazula (ed),
Eleições, Democracia e Desenvolvimento, Maputo, 1995, pp. 26-77, p.73.
4 Por exemplo, O Jalilo/B Fungulane/MJ Brito dos Santos, Democracia não se come. Estudo sócio-antropológico sobre democratização e desenvolvimento no contexto moçambicano, Fundação Konrad-Adenhauer/UCM, Maputo, 2002 (documento de trabalho não publicado).
5 [Trad.: “Muitas pessoas foram-se apercebendo que não é que nada tenha mudado; pelo contrário, as
coisas tinham mudado, mas não para eles. Houve consciencialização para o facto de que, desde a
liberalização alguns se aproveitaram das condições socio-económicas criadas para começar a acumular
riqueza.”.] G Harrison, Democracy in Mozambique: The significance of multi-party election, Review
of African Political Economy, 67, 1996, p. 19-35, p. 26
6 N Grobbelaar/A Lala, Managing group grievances and internal conflict: Mozambique country report,
Working paper 12, Netherlands Institute for International Relations, Clingendael, June 2003.
7 AE Ostheimer, Schwächen und Herausforderungen des mosambikanischen Justizsystems: Analyse
Struktureller Dysfunktionalität, DASP-Conference paper, December 2002.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 2
1.1 LIBERTAÇÃO DO REGIME COLONIAL PORTUGUÊS
Embora o impacto da herança colonial sobre os processos políticos do período pós-colonial não deva ser sobrestimado e explicações unívocas devam ser evitadas, a
influência do regime colonial em África permanece evidente. Enquanto que as colónias
francesas e britânicas se tornaram independentes nos anos de 1950 e 1960, Portugal sob
a ditadura de Salazar, rejeitou a concessão das independências às suas províncias
ultramarinas até à revolução militar de 1974 – “Revolução dos cravos”.
Enquanto que as elites indígenas nas colónias francesas e inglesas tinham acesso à
formação académica nos seus respectivos países e possuíam contactos com valores
democráticos, Salazar (1932–1968) e Marcelo Caetano (1968–1974) mantiveram um
regime autocrático e corporativista apoiado pela Igreja Católica, Exército e Polícia
Internacional de Defesa do Estado (PIDE). A forte postura anti-comunista e tratamento
violento contra qualquer oposição,
8
constituiu característica essencial do Estado Novo
Português sob a governação de Salazar. Além disto, nas províncias ultramarinas de Portugal
o conceito de assimilação
9
era implementado de modo contrário ao seu teor semântico,
impedindo como tal, a formação adequada da população indígena, a consolidação das elites
locais e a sua possibilidade de participar nas estruturas sócio-políticas.
Porém, não se deve ter somente em consideração o contacto e a experiência das
culturas democraticamente formadas como a principal variável sobre os desenvolvimentos
políticos após a independência. De acordo com Christian Coulon, por exemplo, o estilo
de uma liderança moderada e mais ou menos democrática como a do Senegal, pode ser
visto como resultado de um processo de descolonização que não envolveu mobilização de
massas ou uma guerra revolucionária de libertação.
10
No caso do Zimbabwe, contudo, Masipula Sithole identificou que o cariz de comando
directo, de mobilização e de “politização” da sociedade sob circunstâncias clandestinas,
conduziu mais tarde a uma política de intimidação e medo.
11
No que respeita às antigas colónias portuguesas e particularmente Moçambique, a
cultura política foi forjada pela luta armada de libertação. Muita da legitimidade da Frente
de Libertação de Moçambique (FRELIMO), assim como do Movimento Popular pela
Libertação de Angola (MPLA) em Angola e do Partido Africano de Independência da
Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC) na Guiné-Bissau, continua a dever-se ao seu papel
histórico na libertação do País.
3
Capítulo 1
1990– PONTO DE PARTIDA: CARACTERÍSTICAS DO ANTERIOR
REGIME E DÉFICES DEMOCRÁTICOS
A inexistência de ‘concorrência’ e ‘participação’ tornou-se característica dos sistemas
políticos em todos os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), visto que,
após obtenção da sua independência, os novos governos nunca procuraram alcançar
legitimidade mediante a realização de eleições. Antes pelo contrário, hierarquias de
representação política indirecta foram desenvolvidas no contexto do sistema de partido
único. Assim, em cada nível (local, regional, nacional) os membros do partido elegiam ou
anunciavam, de forma aleatória, novos quadros para o patamar superior das assembleias
populares, pelo que a participação política permanecia, deste modo, ligada à adesão ao
partido e, por conseguinte, ocorria única e indirectamente.
No caso concreto de Moçambique apenas um pequeno grupo de elite estava
qualificado ideologicamente para aderir ao partido de vanguarda, a Frelimo. Somente um
circulo menor dentro deste partido, tomava decisões relativas à composição dos governos
nacionais. Tal como no caso de Samora Machel em Moçambique e Agostinho Neto em
Angola, as mudanças na liderança política ocorriam muitas vezes após a morte da primeira
geração. A competição sócio-política ou político-partidária era inexistente em face da
incorporação de forças da sociedade civil – tais como sindicatos, associações e meios de
comunicação social – nas estruturas socialistas do partido único.
Após a independência, as forças de oposição existentes tiveram que se exilar ou optar
pela via da luta armada, tal como sucedeu nos casos de Angola e Moçambique. Neste
contexto, o pluralismo social ficou reduzido às igrejas.
1.2 ESTABELECIMENTO DO SOCIALISMO EM MOÇAMBIQUE
Quando o regime autoritário de Marcelo Caetano foi derrubado em Portugal em 1974, a
Frelimo
12
– que vinha lutando pela independência desde 1962 – já mantinha sob seu
controlo três das 10 províncias de Moçambique. A Frelimo, sob pressão continua do
conflito vigente, forçou a antiga potência colonial a abandonar o país mais cedo e a
entregar o poder sem realização de eleições (Acordo de Lusaka, 7 de Setembro de 1974).
Consequentemente, foi criado antes da independência (25 de Junho de 1975) um
governo de transição, maioritariamente composto por ministros da Frelimo e liderado por
um primeiro ministro. Com a independência de Moçambique em 1975, foi adoptada uma
Constituição, a qual definia o papel da Frelimo como força de liderança do Estado e da
sociedade, bem como assegurava a legitimação do regime de partido único, eliminando,
deste modo, qualquer forma de pluralismo social.
Nestes termos, as autoridades tradicionais foram abolidas por decreto e substituídas
por comités locais do partido, os grupos dinamizadores.
13
Os dissidentes da Frelimo e
membros da oposição política que não optaram pelo exílio, rapidamente se viram
forçados a integrar campos de reeducação e de trabalho na Província do Niassa (operação
produção).
Enquanto que a década de 1970 pode ser, em larga medida, descrita como a fase da
consolidação do poder pela Frelimo, a de 1980 revelou os primeiros sintomas de um
estado em crise. Em termos estruturais, materiais e económicos, o conceito do estado,
14
enquanto agente exclusivamente responsável pelo desenvolvimento económico nacional,
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 4
provou ser um fracasso. O estabelecimento de aldeias comunais e a consequente
recolocação de populações à força, despoletaram forte resistência por largos sectores da
população rural. A tradicional economia de subsistência dos camponeses não tinha lugar
no modelo socialista de desenvolvimento implantado, marginalizando grandes segmentos
populacionais da sociedade rural que se desiludiam, cada vez mais, com o governo de
então.
15
A exclusão era o sentimento de largos segmentos da população, face a um sistema
político que incluía características patrimoniais, tornando o estado numa fonte de
acumulação de privilégios e recursos materiais para os que a ele tinham acesso.
1.3 CRIAÇÃO DA RENAMO E A GUERRA CIVIL MOÇAMBICANA
A aplicação do processo de recolocação das populações, a quase inexistência de serviços
prestados pelo Estado e a abolição de estruturas tradicionais, desgastaram os alicerces
sociais da Frelimo. Esta situação provocou um desagrado que foi utilizado pela Renamo
16
para formar a sua própria base de apoio no seio da população moçambicana. Enquanto a
Renamo ganhava apoio nas províncias centrais de Sofala e Manica, bem como nas do
Norte, esta continuava a ser um movimento essencialmente militar que Christian Geffray
caracterizou deste modo:
“La Renamo n’est certes pas une association de brigandage, contrirement à ce que
laisse entendre la propaganda du Frelimo [...]. Mais elle n’est certainement pas non
plus une organisation politique, elle ne nourrit aucun projet pour les populations du
pays qu’elle saigne abondamment depuis prés de quinze ans.”
17
A esperança da Frelimo de que a Renamo iria perder o seu apoio externo depois dos
Acordos de Lancaster House e a derrocada do regime de Smith no Zimbabwe (1980), bem
como a sua crença baseada no facto de que a vitória militar do conflito constituiria
somente uma questão temporal, provou estar errada. No entanto, o apoio logístico
prestado à Renamo continuou a efectuar-se através da África do Sul, integrado no
conceito militar de ‘Estratégia Nacional Total’
18
deste País.
Deste modo, a complexidade do processo de transição de Moçambique e os problemas
subjacentes, podem ser atribuídos à situação política do país, caracterizada pela guerra
civil e dominada pela conjuntura estrutural de conflito, então existente na África Austral.
Fácil e de crer que um processo de democratização bem sucedido em Moçambique, não
necessitava meramente de mudanças no quadro institucional e adopção de um sistema
multipartidário, sendo que os pré-requisitos para a transição democrática passavam
igualmente pela criação de um ambiente estável para o processo de paz e pelo fim da
guerra civil. Assim, havia necessidade de se ponderar dois processos interdependentes,
cada um deles determinado por factores internos e externos.
Contrariamente a Angola, a guerra civil em Moçambique nunca foi uma guerra “por
procuração” das superpotências, nomeadamente da URSS e dos EUA. Embora
Moçambique recebesse assistência militar da URSS e de outros países do Pacto de
Varsóvia, a Frelimo nunca seguiu Moscovo ideologicamente, como fez o MPLA em
5 LALÁ&OSTHEIMER
Angola. O Governo moçambicano procurou sempre manter uma política externa
independente
19
e recusou continuamente os pedidos da URSS para o estabelecimento de
bases militares no território moçambicano.
20
Mais ainda, a Renamo jamais atingiu o nível
de legitimidade da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) no
seio do Departamento de Estado dos EUA.
21
Embora a dimensão internacional do conflito moçambicano estivesse num patamar de
menor desenvolvimento do que em Angola, os enlaces e disfunções regionais contribuíram
com as suas próprias dinâmicas.
22
A crescente percepção dos vários actores relativamente
às mudanças regional e internacional e a possibilidade de um impasse militar, foi decisiva
para os desenvolvimentos iniciais com vista às conversações de paz.Com a mudança na
política externa regional da África do Sul,
23
o apoio logístico à Renamo cessou e esta teve
que passar a depender, cada vez mais, de armas capturadas à Frelimo.
Paralelamente, o modus operandi brutal da Renamo foi documentado no Relatório
Gerson do Departamento de Estado dos EUA, manchando deste modo a reputação
internacional deste agrupamento. O terror espalhado pela Renamo no seio da população
rural reduziu o apoio popular ao agrupamento, provocando uma certa resistência
passiva.
24
Simultaneamente, o Governo via-se confrontado com crescentes constrangimentos
económicos, submetendo-o a forte pressão com vista a pôr fim à guerra civil. A ajuda
financeira externa diminuía e o Programa de Reajustamento Estrutural (PRE)
implementado a partir de 1986 não obtinha sucesso no alivio à pobreza das populações.
No campo militar, assistia-se a um impasse e as Forças Armadas de Moçambique (FAM)
não conseguiam alcançar qualquer sucesso, dependendo largamente dos contingentes
zimbabweanos. Nos finais de 1980, o Zimbabwe, igualmente confrontado com uma débil
economia, começava a considerar retirar as suas tropas. Outra agravante residia no facto
de, em 1989, a URSS ter anunciado que os seus conselheiros militares deixariam
Moçambique dentro de dois anos.
Foi neste contexto que uma primeira ronda de negociações teve lugar em Nairobi em
Agosto de 1989, tendo depois prosseguido, através de outras adicionais, em Roma, a
partir de Julho de 1990.
1.4 ADESÃO AO PROCESSO DE LIBERALIZAÇÃO POLÍTICA
Paralelamente às conversações de paz, o Governo Moçambicano continuou com o
processo de liberalização política. Durante o quinto congresso do partido em 1989, a
Frelimo separou o Estado do partido e retirou as referências de Marxismo-Leninismo dos
estatutos do partido. As justificações apresentadas pela Renamo para continuar com a
guerra diminuíam paulatinamente.
25
A Constituição de Novembro de 1990 abrangeu,
finalmente, tudo o que a Renamo “dizia lutar para alcançar”, nomeadamente:
• a garantia dos direitos básicos individuais, tais como, liberdades de crenças, opinião e
associação;
• pluralismo partidário;
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 6
• independência dos tribunais;
• eleições livres e secretas; e
• uma eleição directa do Presidente da República.
Inicialmente, estas reformas unilaterais conduzidas pela Frelimo tiveram um impacto
negativo nas conversações de paz. A Renamo viu-se confrontada com o dilema da sua
posição negocial ter sido reduzida. Resumidamente, a Renamo tinha que aceitar as regras
do jogo estabelecidas pela Frelimo e aguardar por um sucesso eleitoral, apesar da
fragilidade do seu programa e das suas fraquezas políticas ou então, boicotar a
continuação das negociações. Este último facto, implicaria o reiniciar as hostilidades com
a consciência de que a guerra não seria vencida, aumentando assim o apoio internacional
à Frelimo.
O trajecto adoptado pela Renamo foi caracterizado por Alden e Simpson como sendo
o de “to be as obstructionist as possible, in the hope that Frelimo would make concessions
that might favour them during the elections”.
26
Apesar destas dificuldades, as negociações de paz em Roma prosseguiram, embora
lentamente, culminando no Acordo Geral de Paz (AGP), o qual traçava o quadro para a
transição democrática.
27
O AGP proporcionou, igualmente, um ambiente que possibilitou
a transformação estrutural da Renamo e garantiu a sobrevivência do partido em tempo de
paz.
Com base nos ensinamentos colhidos da experiência eleitoral em Angola, um processo
efectivo de desmobilização de forças de ambos os contendores, tornou-se pré-condição
essencial para a realização de eleições multipartidárias. Neste contexto, o mandato da
Organização das Nações Unidas (ONU) para Moçambique incluía, especificamente, a
monitorização da implementação do acordo de paz e das eleições, assim como o
fornecimento de assistência humanitária. Apesar de dificuldades iniciais relativas à
implementação dos acordos de paz e desmilitarização, a ONU conseguiu desmobilizar,
com êxito, ambas as forças e preparar as eleições nacionais em Outubro de 1994.
A transição democrática em Moçambique demonstra a relevância que os factores
externos, encerram em si próprios, para o inicio de um processo desta natureza. O
processo de paz e a subsequente implementação de estruturas democráticas com vista às
eleições multipartidárias realizadas em Outubro de 1994, caracterizaram-se,
essencialmente, por pressões exercidas pela comunidade internacional.
Porém, o quadro institucional do processo da democratização foi, primariamente,
determinado pelos antigos beligerantes: a Frelimo e a Renamo. Os denominados partidos
não armados, criados a partir de 1990, tiveram poucas oportunidades para influenciar e
moldar o processo de transição,
28
conforme demonstrou a conferência multipartidária
para a preparação do projecto de lei eleitoral. A oposição, sentindo-se excluída, assumiu
que qualquer acção política desencadeada pela Frelimo visava somente o seu próprio
beneficio. Este sentimento de desconfiança não só foi alimentado como também
confirmado pelo partido no poder, o qual veio a ditar, consequentemente, as condições e
o direccionamento do processo de democratização.
Esta desconfiança permanece até ao presente. Veja-se o caso da Renamo que manteve
7 LALÁ&OSTHEIMER
e mantém a guarda armada de Dhlakama, a qual, de acordo com o AGP deveria ter sido
desarmada imediatamente após as primeiras eleições em 1994. No caso da Frelimo, a
desconfiança impediu a integração dos combatentes da Renamo na força policial. Com um
novo exército composto por militares provenientes de ambos os beligerantes, o partido no
poder procurou manter dentro da força policial, e particularmente dentro da força de
intervenção rápida, tropas leais ao partido.
1.5 INICIANDO O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO
Moçambique empenhou-se na edificação do seu processo de democratização, através do
acordo de paz firmado em 1992. As primeiras eleições multipartidárias realizadas em
1994 não só marcaram formalmente o fim da guerra civil, como constituíram, igualmente,
o passo inicial no caminho tortuoso rumo a uma estabilidade política e à implementação
de estruturas democráticas. O sistema multipartidário implantado em Moçambique
caracterizou-se, desde o início, pelo legado do anterior conflito estrutural e pelo
antagonismo existente entre a Frelimo e a Renamo. Não obstante as características
bipolares do sistema partidário, a Frelimo tem conseguido dominar o panorama político
nacional. Patenteado nas eleições parlamentares e presidenciais bem sucedidas de 1994, o
processo de democratização em Moçambique enfrentou o primeiro grande teste de relevo
quando as eleições locais tiveram lugar em Maio de 1998. Nesta ocasião, o boicote da
Renamo, acrescido da fraca participação de eleitores - na ordem de 14.58% - questionou
o processo de transição democrática.
As eleições parlamentares e presidenciais de Dezembro de 1999 mostraram,
igualmente, que Moçambique está longe de constituir uma democracia consolidada.
Embora as eleições tenham sido declaradas ‘livres e justas’, a disponibilização tardia dos
fundos para a campanha eleitoral, a cobertura jornalística tendenciosa e ainda o uso de
recursos do Estado por parte da Frelimo, vieram questionar a existência de um processo
equilibrado. Mais ainda, a credibilidade do processo eleitoral foi minada por problemas
técnicos durante a contagem dos votos, tendo a ausência generalizada de transparência
elevado as suspeitas políticas, conduzindo finalmente à desintegração da Comissão
Nacional de Eleições (CNE).
Para a Renamo-União Eleitoral (Renamo-UE), isto constituiu prova suficientemente
palpável para reclamar a eventual fraude e recusar aceitar os resultados eleitorais, mesmo
após o Supremo Tribunal os ter validado. Nos meses subsequentes, a Renamo contestou
a decisão do Supremo Tribunal, mediante ultimatos e ameaças de destabilização do País.
O que desde o inicio sugeria ser uma mera retórica política, transformou-se, mais tarde,
em violência política (Montepuez, Novembro de 2000).
Por seu turno, a Frelimo assenhorou-se do sistema político e administrativo
centralizado, impedindo assim qualquer mecanismo de partilha de poder, sustentando a
situação de “winner-takes-all”.
Presentemente, Moçambique é considerado um exemplo de uma “democracia de
terceira vaga”, na qual o fosso entre a democracia eleitoral e a democracia liberal e
consolidada, continua ainda patente.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 8
ANOTAÇÕES
8 M Soares, Portugal’s struggle for liberty, London, 1975.
9 O conceito de assimilaçãofoi estabelecido durante a primeira República em Portugal (1910). A sua
ideia era conferir aos Africanos os mesmos direitos que os cidadãos portugueses possuíam. Para obter
o estatuto de assimilado, a pessoa devia ser maior de 18 anos, fluente em português, ter um
determinado salário e possuir uma certidão de nascimento e atestado médico. Adicionalmente, duas
cartas de referência e um juramento de lealdade tinham que ser apresentados. Uma vez que apenas
um pequeno grupo de Africanos era capaz de preencher estes requisitos, a maioria das populações
permaneceu no grupo dos indígenas. Pertencer a este grupo significava trabalho forçado e restrição
de movimentos. A pessoa era excluída do sistema de educação do Estado e tinha que andar com um
“passe” específico (W Van der Waals, Portugal’s war in Angola, 1961-1974, Rivónia, 1993, p. 35).
10 C Coulon, Senegal: The development and fragility of semidemocracy, in: L diamond/J Linz/SM
Lipset (eds.), Democracy in Developing Countries, 2, Africa, London, 1988, pp. 141-178, p. 161.
11 M Sithole, Zimbabwe: In search of a stable democracy, in: L Diamond/J Linz/SM Lipset (eds.), ibid,
pp. 217-258, p. 248.
12 A Frente de Libertação de Moçambiquefoi criada em 1962 com a união de três movimentos de
libertação (UDENAMO, UNAMO,UNAM). Quando o seu primeiro presidente Eduardo Mondlane
morreu em 1969, a liderança foi assumida por Samora Machel. Após sua morte num acidente aéreo
em 1986, Machel foi substituído pelo actual presidente da Frelimo, Joaquim Chissano.
13 J Cabaço, A longa Estrada da democracia moçambicana, in: B Mazula (ed.), op cit, pp. 79-114, p. 82.
14 Os objectivos principais eram a socialização das zonas rurais através do estabelecimento de
machambas estatais e aldeias comunais, desenvolvimento de uma indústria pesada nacional, educação
e formação de uma força de trabalho qualificada para a administração do Estado e uma economia
planificada.
15 J Cabaço, op cit, p. 93.
16 A Renamo foi formada em 1976/7 com o apoio dos serviços secretos Rodesianos. Ela consistia
inicialmente de dissidentes da Frelimo e antigos membros dos aparelhos do exército e segurança
portugueses. Os ataques da Renamo visavam as bases do movimento de resistência zimbabweano
(Zimbabwe National Liberation Army – ZANLA) a funcionar a partir de Moçambique. Esperava-se
que actos de sabotagem com alvos cuidadosamente escolhidos colocariam o Governo da Frelimo, que
permitia as operações da ZANLA no território moçambicano, sob pressão. Contudo, analisar a
Renamo meramente como um instrumento de manipulação de actores externos, acarreta o perigo de
adoptar explicações monocausais e por isso, limitadas. No seu estudo, Christian Geffray sublinha a
dinâmica interna do conflito Moçambicano e a forma como a Renamo proporcionou às populações
locais possibilidade para estas mostrarem resistência à governação da Frelimo.
17 C Geffray, La cause des armes au Mozambique. Anthropologie d’une guerre civil, Paris, Nairobi,
1990, p. 41.
18 O Regime do Apartheid tentou criar um “cordon sanitaire” de países circundantes da África do Sul,
por forma a dificultar ao Congresso Nacional Africano (ANC) a recepção de apoios militares ou
políticos. Em Moçambique, grupos de libertação ligados ao ANC mantiveram-se activos desde 1978.
19 Em 1983 Moçambique tentou perdeu o estigma de Estado cliente da União Soviética, reavivando as
suas relações diplomáticas com os EUA. G Kuhn, Die Politik der Reagan-Regierung im Suedlichen
Afrika. Zur Aussenpolitik der USA unter besonderer Beruecksichtigung innernpolitischer Faktoren,
Frankfurt a.M. [et.al.], 1995, p. 157.
Ao aceitar o Standard-Berlin-Klausel (1980), Moçambique esperava intensificar os seus contactos
com a Comunidade Europeia e desejava aumentar a sua assistência financeira. B Weimer, Die
mozambiquanische Aussenpolitik 1975-1982. Merkmale, Probleme, Dynamik, Baden-Baden, 1983, p.
187f.
20 R Weitz, Continuities in Soviet foreign policy: The case of Mozambique, Comparative strategy,
11(1), 1992, pp. 83-98, p. 85.
21 CA Crocker, High Noon in Southern Africa. Making Peace in a Rough Neighbourhood, Johannesburg
1994, p. 293.
9 LALÁ&OSTHEIMER
22 O apoio Sul-Africano à Renamo deve ser visto no contexto da sua ‘Estratégia Nacional Total’. O
Malawi sob governação do Presidente Banda permitiu o abrigo da Renamo em seu território até
1986, prestando igualmente apoio logístico. Uma das razões para tal era a necessidade de assegurar
as suas rotas de abastecimento via Corredor de Nacala. O Quénia, por sua vez, acolheu dissidentes
Moçambicanos exilados, por algum tempo, e de 1984 em diante permitiu a abertura de um escritório
oficial da Renamo. Na primeira fase do processo de paz, o Presidente do Quénia, Arap Moi, agiu
como mediador, embora viesse, mais tarde, a perder muita da sua influência, com o início das
negociações de Roma. O Zimbabwe foi igualmente um actor crucial na guerra, bem como no
processo de paz. O Presidente Mugabe era um aliado íntimo da Frelimo e esta recebia apoios maciços
do Governo Zimbabweano. Para além do sentimento de solidariedade, o apoio do Zimbabwe era
principalmente motivado pelo seu interesse nacional em assegurar o Corredor da Beira, que
salvaguardava a independência económica do Zimbabwe, visto ser um país do interior. Todavia,
quando em 1988 ficou patente que uma solução militar ao conflito era improvável, o Zimbabwe
tentou, autonomamente, uma aproximação à Renamo. Vide A Vines, Renamo. From Terrorism to
Democracy?, London, 1996.
23 A África do Sul terminou oficialmente o seu apoio militar à Renamo, após um encontro realizado
entre Chissano e Botha no Songo em 1988.
24 Uma resistência activa surgiu primeiro por volta de 1990, a partir do movimento dos neo-tradicionalistas “Naparamas”, composto por camponeses da província da Zambézia. C Alden/M
Simpson, Mozambique: A delicate peace, Journal of Modern African Studies, 31(2), 1993, pp. 109-130, p. 122f; O Roesch, Mozambique unravels? The retreat to tradition, Southern Africa Report,
May 1992, pp. 27-30.
25 M Simpson, Foreign and domestic factors in the transformation of Frelimo, Journal of Modern
African Studies, 31(2), 1993, pp. 309-337, p. 331.
26 [Trad.: “...ser o mais obstrucionista possível, na esperança de a Frelimo fazer concessões que
pudessem favorecê-los durante as eleições”.], C Alden/M Simpson, op cit, p.122f.
27 O Acordo de Roma incluía disposições referentes a: lei de partidos (Prot. II); legislação eleitoral e
condução das eleições parlamentares e presidenciais (Prot. III); os direitos dos meios de comunicação
social e direitas básicos cívicos e humanos (Prot. II e III); e amnistia a presos políticos. S Fandrych,
Mosambik: Transformation Vom Krieg Zum Frieden durch <sensibles. Peace-keeping, in: V Matties
(ed.), Der gelungene Frieden. Beispiele und Bedingungen erfolgreicher Konfliktbearbeitung, Bonn,
1997, pp. 220-249.
28 JM Turner, A conferência multipartidária de 1993 sobre a lei eleitoral de Moçambique: um processo
de transição em microcosmo. Papernão publicado apresentado na Trigésima Sétima Reunião Anual
da Associação de Estudos Africanos, Toronto 1994, No. 1994:181.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 10
O discurso académico relativo à conceptualização de democracia e ao processo de
democratização, é útil para se avaliar o progresso democrático de Moçambique no
contexto da transição política. A conceptualização da democracia conduz necessariamente
a um discurso académico baseado na definição de Schumpeter, que considera as eleições
processuais como a essência de um sistema democrático.
29
A concepção mais influente da
definição de Schumpeter é apresentada por Robert A Dahl, que ao elaborar o seu conceito
de “poliarquia” sublinha que a concorrência política (vide Cap. 2.4) e a participação (vide
Cap. 2.3), pressupõem pluralismo e direitos políticos (liberdade de expressão, imprensa,
associação, etc.; vide Cap. 2.1). Ao povo deve ser permitido desenvolver e expressar as
suas preferências políticas de uma forma significativa.
30
Larry Diamond, partindo da noção de “democracia eleitoral”, desenvolve-a e elabora
o seu próprio modelo de “democracia liberal”.
31
Concretamente, uma democracia liberal
requer, para além da competição eleitoral regular, livre, justa e de sufrágio universal, a
ausência de poderes reservados às forças militares, sociais e políticas (incluindo potências
externas), que não sejam directa nem indirectamente responsabilizadas perante o
eleitorado. Ainda, a responsabilização de cariz “vertical” do executivo (através de eleições
regulares, livres e justas), implica que a democracia liberal exija um controlo de natureza
“horizontal” do executivo por instituições independentes, tais como a legislatura e um
sistema judicial independente (vide Cap. 2.5).
Concretamente, no contexto africano e considerando os desafios colocados pela
corrupção, clientelismo e patrimonialismo, bem como por outros abusos de poder, a
qualquer democracia emergente (vide Cap. 2.6), é crucial que a responsabilização
horizontal constitua uma vertente cada vez mais importante da democracia, requerendo,
como tal, maior atenção.
32
Por outro lado, a democracia liberal compreende, igualmente, vastas cláusulas sobre
pluralismo político e cívico (vide Cap. 2.4), entendidas como relevantes no contexto da
concorrência eleitoral e participação democrática. Estas são, de igual modo, vistas como
essenciais para assegurar uma variedade de características democráticas, como sejam o
acesso a fontes alternativas de informação e meios de comunicação social independentes,
aos quais os cidadãos devem possuir um acesso ilimitado.
33
Para além destes elementos,
uma democracia liberal necessita de reconhecimento substancial e protecção dos direitos
pessoais e colectivos.
11
Capítulo 2
ANÁLISE DA DEMOCRACIA
2.1 DIREITOS HUMANOS, LIBERDADES CÍVICAS E DIREITOS DAS MINORIAS
A Constituição da República de Moçambique (CRP) de 1990 reconhece e protege, de
forma abrangente, os direitos civis e políticos mais relevantes. A redacção de algumas
cláusulas foi retirada da Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados,
indicando que Moçambique progrediu ao adoptar padrões da lei internacional.
34
Todavia, a discrepância entre a lei e as realidades socio-políticas e judiciais é ainda
abismal. O Artigo 66 proclama a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e garante a
igualdade entre homens e mulheres. Contudo, a discriminação baseada nas relações de
género continua a existir na sociedade moçambicana. Esta deriva, parcialmente, de
práticas costumeiras, bem como de desequilíbrios existentes nas relações de género
patentes em sociedades ocidentais.
O Artigo 70 garante o direito à vida e à integridade física, proibindo a tortura e o
tratamento cruel ou desumano. Apesar do referido, tal como a maior parte dos direitos
cívicos, este artigo é violado, principalmente, pelo comportamento abusivo dos órgãos de
segurança do Estado. Somente um número diminuto de casos é referente a razões políticas,
tais como a dispersão violenta de manifestações populares organizadas pela oposição em
Novembro de 2000 e a subsequente morte por asfixia de 119 prisioneiros na cidade de
Montepuez. O desconhecimento dos direitos dos cidadãos por parte da polícia é visto
como motivo para continuação de abusos violentos, tais como tortura e espancamento de
cidadãos. Para alem disto, somam-se as tentativas de extorsão de dinheiro, com fonte
adicional de rendimento, conduzindo, por vezes, a abusos físicos e mentais.
Embora as violações do direito do cidadão à vida e sua integridade física estejam a
reduzir no domínio público, casos comprovados e reportados de violência doméstica estão
a aumentar. A organização não governamental (ONG) moçambicana Associação
Moçambicana de Mulheres de Carreira Jurídica (AMMCJ), com especial ênfase no que
respeita a prestação de assistência jurídica a mulheres e juventude, vem alegando um
crescimento no número de novos casos (de 23 em 1996 para 179 em 1999),
35
tendo este
sido em 683
36
(pendentes) em 2000.
Embora estas estatísticas não possam ser necessariamente entendidas como um
aumento na incidência da violência doméstica, as mesmas evidenciam que um maior
numero de mulheres se tornaram conhecedoras dos seus direitos legais e com coragem
para denunciar estes casos e procurar assistência jurídica.
A liberdade de expressão e informação está prevista no Artigo 74 da CRM.
Moçambique possui uma lei liberal que expressa claramente o conceito de liberdade de
imprensa, bem como o relativo aos direitos dos cidadãos à informação. Contudo, a
liberdade de expressão depara-se com limitações institucionais, socio-políticas e socio-culturais.
O Artigo 71 prevê o direito à honra, bom nome e reputação, assim como o direito à
privacidade. Na interpretação dos tribunais, o direito de defesa da imagem do indivíduo
está intimamente associado à liberdade de expressão e informação, conforme previsto no
Artigo 74.
37
Todavia, pode-se observar que, por parte do Governo, existe uma
perspectiva que distingue profundamente a aplicação da liberdade de expressão aos
cidadãos e aos jornalistas.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 12
Parece existir, no seio dos representantes do governo, um sentimento generalizado de
que os jornalistas críticos e de investigação abusam dos seus direitos ao empolar os factos,
não os verificando minuciosamente ou divulgando informação confidencial.
38
Um caso
ilustrativo foi o do Dr. Mário Mangaze, Presidente do Supremo Tribunal, que processou
o jornal Zambezesob acusação de o ter difamado. Isto sucedeu após o referido semanário
ter publicado um artigo alegando a sua interferência no processo judicial de uma
instituição, sobre a qual ele supostamente mantinha um conflito de interesses.
39
Adicionalmente, o assassinato de Carlos Cardoso demonstrou que o jornalismo de
investigação – particularmente nas áreas de corrupção, crime organizado e envolvimento
de elites políticas – pode ser perigoso para os que ousem investigar.
Embora existam fontes independentes de notícias, tais como os jornais diários por fax
e os semanários (Demos, Savana, Zambeze), a auto-censura está a tornar-se cada vez mais
evidente e, apesar da existência de mais de 30 jornais, o pluralismo dos mediadificilmente
tem impacto fora da capital e da província de Maputo. Infelizmente, somente um jornal
pode ser encontrado em todo o país, o diário pró-Frelimo Notícias. Para além deste, o
único meio de comunicação social que dissemina informação para todo o país e em línguas
locais é a Rádio Moçambique que, apesar de ser pertença do Estado, possui uma
reputação jornalística independente e de boa qualidade.
Um factor determinante na análise da liberdade de expressão em Moçambique, é o que
foi designado, em anteriores pesquisas, como “cultural inhibition to criticise people in the
same social network”.
40
Neste sentido, constata-se que a maioria dos Moçambicanos é
relutante quando se trata de criticar aqueles que pertencem ao mesmo grupo social ou
mantenham alguma afinidade, sobretudo quando a situação implique denuncias relativas
a corrupção ou outras práticas ilícitas.
Interessantes, neste âmbito, são as constatações apresentadas no Inquérito Nacional
de Opinião Publica, realizado em 2001, no qual a maioria das 2,265 pessoas entrevistadas
acredita que os Moçambicanos que falam mal do governo e/ou do sistema político não
deveriam ter direito de voto, participar em manifestações, concorrer a cargos públicos,
falar na televisão/rádio ou leccionar.
41
Associada a esta falta de vontade, no respeitante a
criticar o Governo, pode estar também o medo de represálias, particularmente no seio
daqueles grupos que são favorecidos pelo sistema estatal vigente.
“A critical state employee could lose his job or be suddenly transferred to a remote
district. Even a businessperson with independent sources of income could find that his
applications for licenses languish interminably, and access to subsidised government
credit is curtailed.”
42
Os Artigos 75,76 e 77 da CRM, consagram a liberdade de reunião e associação, bem como
de formação de partidos políticos. Contudo, os artigos 75 e 76 são limitados pelas leis de
execução. Um exemplo elucidativo, refere-se às manifestações encetadas pelos partidos da
oposição em Novembro de 2000, as quais foram dispersadas por meios violentos. De
acordo com a legislação moçambicana então vigente, estas manifestações eram ilegais, pois
só eram permitidas aos Sábados, Domingos, Feriados Públicos e após as 5 horas da tarde
13 LALÁ&OSTHEIMER
nos dias úteis. Após a celeuma gerada pelos eventos, o Parlamento Moçambicano
modificou a lei no sentido de se adaptar às necessidades de uma sociedade pluralista e
democrática.
Entretanto, na opinião da Renamo, esta reformulação era passível de alguma
subjectividade, tendo, para o efeito, proposto a discussão da redefinição do conceito de
manifestação ilegal (contra a Constituição, lei, moral e ordem pública, bem como contra
os direitos dos órgãos colectivos e individuais), gerando assim controvérsia. Igualmente
encarada com suspeitas e desconfiança por parte do Governo, foi a exigência da Renamo
de que em nenhuma circunstância deveria ser permitido o uso de armas letais pela Polícia.
Em ambos os casos atrás referidos, compromissos satisfatórios para as duas partes foram
alcançados e uma nova lei foi ratificada em 2001.
Um aspecto de monta que necessariamente convém referir, prende-se com o advento
da independência nacional, perante o qual Moçambique sofreu a transformação de um
Estado em que a Igreja Católica detinha uma posição privilegiada, para um Estado laico,
em que as congregações religiosas eram respeitadas e tratadas com igualdade (Artigo 9
CRM).
Outro facto relevante que é de todo o interesse ressaltar, é que apesar da
heterogeneidade étnica do povo moçambicano, a Frelimo conseguiu estabelecer uma
identidade de ‘moçambicanidade’ com sucesso, através da sua luta armada de libertação
contra o colonialismo e o subsequente estabelecimento de estruturas sócio-políticas e
sócio-económicas. As questões raciais e étnicas eram consideradas como um tabu político,
sobretudo durante a era de Samora Machel, visto que os conflitos internos no seio da
Frelimo sempre assumiram conotação racial e regional, originando frequentes
discrepâncias e até mesmo dissidências. Assim, ao mesmo tempo que se introduzia a
democracia multipartidária, o Governo procurava evitar divisões étnicas e regionais,
influenciando para que a lei inicial dos partidos políticos, exigisse um número mínimo de
assinaturas em cada província, antes que um partido se pudesse registar legalmente.
43
No entanto, estrutura estatal de Moçambique predominantemente centralizadora e a
sua concentração no sul do País, bem como a predominância de representatividade de
grupos étnicos do sul no Governo e Administração Pública, conduziram à alienação de
grupos de cariz socio-políticos regionais. Esta situação foi reforçada com a identificação
do Estado à ideologia política seguida pela Frelimo, resultando, consequentemente, na
crescente marginalização de elites especificas.
Actualmente e exceptuando os conflitos localizados,
44
as clivagens étnicas coincidem
com as disparidades regionais, relativamente ao desenvolvimento humano. Por exemplo,
o índice do desenvolvimento humano (IDH) para a Província de Maputo é de 0.622,
enquanto que o da Província da Zambézia é de 0.202. À medida que as clivagens regionais
se tornam óbvias no comportamento do voto dos moçambicanos, o local de nascimento
tem, alegadamente, sido usado de forma crescente pela Frelimo para fins políticos.
Conforme argumentado por um entrevistado, este referiu que na era de Samora Machel,
os cargos eram distribuídos de acordo com as qualificações e competência, originando que
muitos brancos e indianos pudessem ser encontrados no executivo. Actualmente, por
exemplo, o actual Ministro da Justiça encontra-se no desempenho das suas funções por
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 14
ser Makwa,
45
permitindo assim à Frelimo angariar eleitores nas províncias do centro-norte, onde perdeu votos a favor da oposição nas últimas eleições legislativas (1999).
Actualmente, constata-se que as bases de apoio da Frelimo tenderam a ficar limitadas ao
sul e ao extremo norte do País, enquanto que as da Renamo se confinaram às províncias
do centro e norte.
É de lamentar que as assimetrias regionais existentes estejam a ser instrumentalizadas
e transformadas em clivagens políticas. Todavia, o discurso político dai resultante, ignora
os processos históricos que levaram ao seu despoletar,
46
e pelo contrário, denuncia estas
assimetrias como produto deliberado de um grupo dominante que exclui os outros.
Concomitantemente, o resultado traduz-se numa redução do espaço para debate sobre
alternativas políticas que possam resolver estes problemas.
Igualmente relevante para a discussão da identidade, é a questão da cidadania
moçambicana, a qual é definida com profundidade e regulada na CRM. O discurso
político oficial é verdadeiramente anti-racista, embora a elite política, tanto do governo
como da oposição, tenha até ao presente, mantido uma atitude silenciosa sobre o
questionamento público da identidade moçambicana dos brancos e indianos. Contudo, a
intolerância racial para com estes grupos, cresce na esfera pública e ‘na rua’. Este tipo de
racismo é principalmente dirigido à posição sócio-económica que os referidos grupos
detém e isto poderá, facilmente, ser utilizado por um partido político para instigar maior
radicalização contra os brancos e indianos.
47
2.2 ESTADO DE DIREITO
A simbiose entre o Estado e o partido Frelimo durante a era socialista e a retenção do
sistema presidencial, não só fortaleceram a hegemonia do partido no governo, como
também originaram um impacto negativo na independência do sistema judicial. A
nomeação dos juizes do Tribunal Supremo e do Procurador-Geral pelo Presidente da
República, vieram colocar em questão a sua neutralidade política. Contudo, o Parlamento
aprovou no ano de 2002 uma lei visando a criação do Conselho Constitucional (CC),
cujas tarefas inerentes, vinham sendo, até então, desempenhadas pelo Tribunal Supremo,
de acordo com o disposto na CRM. Todavia, a neutralidade exigida a um Tribunal desta
natureza, foi motivo de preocupação no seio dos políticos da oposição, com especial
incidência no julgamento das reclamações de fraude alegadamente observadas durante as
eleições de 1999.
Genericamente, o novo CC é constituído por cinco juizes, os quais são nomeados pelo
Parlamento. Para além destes, o Presidente da República nomeia o juiz-presidente e os
restantes membros seleccionam o sétimo membro do CC. Esta composição foi alcançada
com base num compromisso político, uma vez que a Renamo vinha persistindo na ideia
de que este órgão deveria ser politizado, à semelhança da CNE. O CC responsabiliza-se,
inter alia, pela verificação das leis e estatutos dos partidos políticos em face da CRM e
constitui o órgão de decisão em casos de disputas inter-institucionais. Conforme
demonstrado pelo resultado relativo às disputas eleitorais geradas em torno das eleições
locais realizadas em 2003, o CC através do seu elevado grau de profissionalismo e
15 LALÁ&OSTHEIMER
imparcialidade foi capaz de conferir credibilidade ao processo eleitoral e conseguiu
criticar construtivamente as deficiências do processo eleitoral e suas instituições.
No caso concreto do perfil desejável para o desempenho de funções de Procurador-Geral, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de este possuir uma personalidade
forte, capacidade de resistência a pressões políticas e influências (formais e informais) do
Executivo. Até mesmo o próprio Joaquim Madeira, actual Procurador-Geral, sendo uma
personalidade pró-reformas, vem demonstrando algumas limitações na sua actuação. No
relatório apresentado ao Parlamento, relativo ao ano 2001, Madeira insurgiu-se contra as
actividades ilegais da elite política, a qual, segundo ele, tem vindo a ignorar intimações
para comparecer perante o Ministério Público, fazendo uso da sua “intocabilidade”.
48
A título ilustrativo, uma afirmação contida num relatório de avaliação da USAid, refere
que:
“[…] rhetoric notwithstanding, the culture of legality in the government is very
limited. Hierarchical pressures from senior to more junior judges – for example a cell
phone call from a higher court judge, uninvolved in the case, instructing that a
prisoner be released – are also common and distort not only the equal application of
the law but also the professional culture among the nation’s magistrates.”
49
Embora Moçambique possua um quadro legislativo adequado para um Estado de Direito,
verificam-se determinados impedimentos na sua implementação apropriada, em face de
factores históricos, culturais e institucionais existentes. Apesar da Constituição de 1990
garantir todos os direitos básicos relevantes (direito à vida, liberdade, propriedade, etc.) e
dos decretos regularem as respectivas leis aprovadas pelo Parlamento, a implementação do
Estado de Direito é dificultada pelas disfunções estruturais do sistema de justiça.
Por outro lado, o sector da Justiça em Moçambique carece de infra-estruturas
próprias, pessoal devidamente qualificado e financiamento adequado. De acordo com
dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça, somente 90 dos 128 distritos rurais
possuem tribunais distritais, embora alguns analistas reduzam este número para 80,
evocando a pobreza das condições legais existentes e o facto de alguns tribunais
considerados como distritais serem, na verdade, comunitários.
50
Conforme demonstrado por um estudo efectuado em meados dos anos 90, o sistema
judicial em Moçambique carecia de 120 juizes, ou seja, apesar dos 122 juizes existentes,
somente 27 possuíam um grau académico em direito (incluindo sete juizes do Tribunal
Supremo).
51
Perante tal situação, a concentração dos juizes formados em desempenho de
funções, particularmente ao nível provincial, origina grandes congestionamentos no
sistema de justiça. Refira-se, a título de exemplo, que os tribunais penais de nível
provincial tiveram que albergar 95,445 casos pendentes no ano 2000. Com 12,488 novos
casos e 10,315 casos julgados, o número total de processos pendentes no ano 2000
aumentou para 97,618.
52
Todavia, relatórios anuais do Tribunal Supremo revelam inconsistências nos dados
obtidos relativos aos vários anos, sublinhando problemas estatísticos genéricos.
Concretamente, a compilação das estatísticas dos tribunais, principalmente dos níveis
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 16
inferiores, é efectuada por pessoal não qualificado e os processos jurídicos tidos em conta,
muitas vezes, incluem casos que já perderam o direito de admissão, devido a
contravenções contra o Código do Processo Penal. Uma análise pontual efectuada junto
do Tribunal da Cidade de Maputo, mostrou que dos 44,421 casos declarados pendentes,
somente 1,890 assim o eram efectivamente.
As estatísticas relativas ao ano de 2001, encerram, em si próprias, um problema
adicional, na medida em que houve processos que se perderam durante as cheias desse
ano. Dos 6,864 casos registados na província de Gaza, somente 1,135 sobreviveram às
inundações do Rio Limpopo.
53
Estas disfunções apresentadas no sistema de justiça, relacionam-se tanto com a falta de
recursos humanos e défices estruturais, como com a ética profissional dos advogados. É
do domínio comum, que os advogados abusam deliberadamente da vulnerabilidade das
estruturas judiciais, com vista a obterem prorrogação e transferencia dos casos para as
instâncias superiores. No caso concreto do Tribunal Supremo, isto significa que, de
acordo com o estipulado no Artigo 34 da lei 10/92, para além da responsabilidade de
primeira instância, este torna-se no tribunal de apelo para todos os julgamentos realizados
ao nível provincial. Com apenas sete juizes, vários dos quais em acumulação de funções,
(por exemplo, o presidente do Tribunal Supremo possui a seu cargo a administração do
tribunal e um outro juiz é o director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária), o
Tribunal Supremo teve que suportar 1,152 casos pendentes e 223 novos processos, no
ano 2000. Destes, somente 188 casos foram julgados.
54
17 LALÁ&OSTHEIMER
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Abuso de
confiança
Assaltos
a mão
armada
Roubos
e
assaltos
HomicídiosViolênciaDelinquênciaOutros
ofensas
> 8 anos
4-7 anos
3 anos
2 anos
1 ano
<1 ano
Figura 1: Penas aplicadas (1-8 anos) por abuso de confiança, assaltos a mão armada, roubos
e assaltos, homicídios, violência, delinquência e outras ofensas, em Maputo, 2001.
Fonte: Desenho gráfico de acordo com dados fornecidos por L de Brito, Os Condenados de Maputo, Maputo, 2002, p.14
A maioria dos casos criminais submetidos a tribunais de primeira instância, encontram-se acumulados ao nível provincial. Isto deve-se ao facto dos tribunais distritais de segunda
classe somente poderem julgar casos com pena prevista inferior a dois anos e os de
primeira classe só serem responsáveis perante casos com penas entre os dois e oito anos.
As penas criminais acima dos oito anos são da jurisdição do tribunal provincial.
55
Assim sendo e tomando em conta as penas administradas contra várias ofensas, parece
ficar claro que o sistema de justiça penal de Moçambique é extremamente duro para os
que forem sentenciados.
Segundo a perspectiva da psicologia criminal, na maioria dos casos, parece não ser a
severidade das penas imputadas ao criminoso que o persuade de continuar a cometer
crimes, mas sim a possibilidade de vir a ser capturado. Desta feita, a questão encontra-se
directamente ligada à eficácia e integridade da Polícia investigar e instaurar processos,
visto esta ser a principal instituição de prevenção e combate ao crime.
No fim da guerra civil em Moçambique, a Polícia da República de Moçambique (PRM)
viu-se confrontada com o desafio de ter que se ajustar aos requisitos contidos na nova
CRM e no AGP de Roma (1992), os quais previam uma força policial não politizada.
Embora os combatentes da Renamo tenham sido integrados nas forças armadas após
1992, este facto não se aplicou às forças policiais, tendo o Governo da Frelimo optado
por constituir uma força leal ao partido e ao Estado, com se pode constatar pelo exemplo
da Polícia de Intervenção Rápida.
56
Os polícias são agentes para servir e constituem parte integral do Estado e da
sociedade.
57
Em Moçambique, uma condição indispensável para um relacionamento
respeitável entre o cidadão e o polícia, é a necessidade imperiosa de a própria PRM se não
assumir como uma autoridade do Estado, perante a qual, à priori, os cidadãos não devem
oferecer resistência.
Para que a função da Polícia, como provedora de serviços seja galvanizada num
ambiente democrático, é imperativo que o contexto atinja maturidade necessária para o
seu desempenho. O processo de transformação da PRM iniciou-se em 1997 e, desde
então, tem vindo a receber apoio logístico, técnico e material diverso, do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (projecto MOZ 95/015; MOZ/00/007).
Este programa tem como principal objectivo o fortalecimento da capacidade da PRM para
prevenir e combater o crime, assim como a promoção de uma cultura interna que garanta
a manutenção do Estado de Direito e os direitos cívicos e políticos. Com a recém criada
Academia de Ciências Policiais, ACIPOL, a PRM recebe apoio adicional na formação e
educação dos seus oficiais superiores.
A primeira fase do projecto do PNUD (1997–2000) concentrou-se principalmente na
reorganização e restruturação do Comando Geral da PRM. Todavia, sem uma
contribuição substancial e com a falta de discussão sobre a transformação da sua
organização, o processo tem permanecido aquém das expectativas. Repare-se que das
cerca de 49 sugestões elaboradas e apresentadas, apenas três obtiveram anuência e mesmo
estas foram implementadas de forma hesitante.
58
Actualmente, um problema geral com que a PRM se debate é a sua heterogeneidade
resultante da fusão, em 1992, da polícia de trânsito, polícia de investigação criminal (PIC),
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 18
polícia de migração e guarda-fronteira. Concretamente, as reformas encetadas,
implicando inevitavelmente perda de poder e posição para certas pessoas, criou elevado
grau de resistência. O caso mais evidente recai sobre a PIC, já que, anteriormente, os seus
oficiais possuíam um posicionamento acima dos agentes das outras polícias, merecendo,
presentemente, tratamento por igual.
59
Concomitantemente, a PIC detendo uma
reputação de unidade fechada e não transparente, particularmente hostil às reformas,
60
deparou-se com uma descrição preocupante da sua Instituição, aquando da apresentação
do relatório do Procurador-Geral ao Parlamento em 2002.
61
Este relatório refere que os Procuradores devem conduzir as suas próprias
investigações, uma vez que as provas recolhidas pela PIC são rudimentares e deficientes e,
consequentemente, os processos legais deixam de poder ser instruídos. Salienta-se,
igualmente, a frequência com que os processos são extraviados e as requisições dos
agentes do ministério público são ignoradas.
Face ao nível da corrupção no seio da PIC, o Procurador-Geral sentiu a necessidade
de criar uma nova unidade da polícia, a Polícia Judiciária, que a médio prazo virá a
desempenhar as funções actualmente exercidas pela PIC.
62
Contudo, o posicionamento
concreto desta nova polícia e a questão relativa à sua integração e subordinação,
continuam ainda por clarificar.
Ao abordar-se a questão da corrupção no seio da Polícia, torna-se necessário efectuar
uma distinção entre “pequena corrupção” e o “estilo máfia” desencadeadas,
respectivamente, nos quadros da PIC. A pequena corrupção – como sejam detenções
arbitrárias, confiscações de bens, revistas corporais, extorsão de pequenas somas de
dinheiro – deteriora as relações entre os cidadãos e a Polícia, reduzindo, por outro lado,
a confiança dos cidadãos relativamente às instituições do Estado. A extorsão de largas
quantias de dinheiro, visando frustrar e paralisar o sistema de justiça, tem minado a
autoridade do Estado ameaçando, igualmente, a sua legitimidade. Aguarda-se com alguma
ansiedade que a recente unidade anti-corrupção, constituída sob os auspícios do
Procurador-Geral, venha a alterar esta situação, embora o seu sucesso dependa do devido
apetrechamento com os meios financeiros e legais adequados, bem como da existência de
vontade política para implementar cabalmente as leis vigentes.
A crise no sector da Justiça reflecte-se igualmente na gestão das prisões, como parte
integral do sistema de justiça criminal. Em Moçambique, as longas penas aplicadas
relativamente a delitos menores contribuem para a sobre-lotação das cadeias existentes, as
quais chegam a atingir o triplo da sua capacidade inicialmente prevista, agravando de
sobremaneira as violações dos Direitos Humanos e do Código do Processo Penal. Um
estudo do PNUD desenvolvido em 2000 revelou que, apesar do tempo legalmente
estipulado para a prisão preventiva ser limitado a 150 dias (120 + 30), na maioria dos
casos esta chega a exceder dois anos. De acordo ainda com o mesmo estudo, do total de
detidos nas cadeias do Ministério da Justiça, 37% foram julgados enquanto 67%
continuaram a aguardar julgamento. Esta situação era ainda mais desastrosa nas cadeias
do Ministério do Interior, com 74% dos detidos à espera de serem ouvidos em
julgamento.
63
Genericamente, poder-se-à referir que os longos períodos de detenção à espera de
19 LALÁ&OSTHEIMER
julgamento são o reflexo da ausência de assistência jurídica para defesa, de uma
administração prisional deficiente e de um congestionamento crónico do sistema de
Justiça. Para além do exposto, salienta-se ainda, o escasso número de advogados
disponíveis (aproximadamente 220 advogados estão registados na Ordem dos Advogados)
e a sua concentração em Maputo.
Por outro lado, o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), entidade que
supostamente deveria prestar serviços de apoio jurídico gratuitos, quase sempre cobra
taxas, as quais são, normalmente, insuportáveis para a maioria dos moçambicanos detidos.
Cumulativamente, poucos conhecem ONGs que lhes possam prestar aconselhamento
jurídico e a maior parte dos detidos ou seus familiares desconhecem a possibilidade de
poderem sair da prisão mediante o pagamento de uma caução, a qual, na maioria das
vezes, também apresenta valores dificilmente suportáveis de pagar. Perante esta realidade,
é notória a percepção de que o sistema de Justiça em Moçambique parece, por um lado,
reprimir as camadas mais desfavorecidas da sociedade e, por outro, agraciar os que detém
posses financeiras para contratar assistência jurídica qualificada ou subornar as respectivas
instituições, permitido-lhes a evasão ao veredicto.
Ao analisar o Estado de Direito em Moçambique, o focusda questão deve ser centrado
no facto de que o sistema judicial formal acima mencionado não existe isoladamente, visto
Moçambique ser uma sociedade caracterizada pelo pluralismo judicial, onde coabitam
várias instituições de resolução de conflitos, cada uma com a sua herança histórica e
cultural. Estas ultimas englobam grupos dinamizadores, tribunais comunitários
(normalmente com ligações à Frelimo), régulos e outras autoridades tradicionais
(frequentemente com conexões à Renamo), assim como instituições da sociedade civil e o
recém criado Centro de Arbitragem, o qual actua na área da Justiça.
Todavia, não são visíveis iniciativas políticas visando o enquadramento destas
configurações judiciais, muitas vezes paralelas e complementares, mas nalguns casos
antagónicas, numa estrutura judicial integrada.
64
Considerando o estado deplorável do
sistema judicial formal englobando tanto o sistema de justiça criminal como também o do
direito civil, torna-se evidente que o pluralismo judicial de Moçambique necessita ser
reconhecido oficialmente. Para além do expresso anteriormente, vislumbra-se que urge
desencadear uma reforma geral do sistema de Justiça, o qual requer o reconhecimento de
mecanismos extra jurídicos de resolução de conflitos, o regulamento das competências
que se sobrepõem e uma clara demarcação de esferas para o sistema judicial formal,
tribunais comunitários e autoridades tradicionais.
65
2.3 PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO
2.3.1 CONTEXTO INSTITUCIONAL: ELEIÇÕES E O SISTEMA ELEITORAL
As eleições em Moçambique, respectivamente, as primeiras eleições multipartidárias em
1994, as eleições locais em 1998 e as eleições parlamentares e presidenciais em 1999, não
constituem somente um indicador do processo de democratização e um importante
instrumento de participação popular no processo político, mas são igualmente uma fonte
geradora de conflito.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 20
Senão vejamos: as eleições de 1994 foram conduzidas num clima de desconfiança, sob
a ameaça de abandono por parte da Renamo, após o primeiro dia, evocando a ocorrência
de fraudes. Porém, em face da pressão exercida pela comunidade internacional e após ter
ficado decidido que as eleições iriam ser prolongadas por mais um dia, ela retrocedeu nas
suas intenções e decidiu participar no acto eleitoral.
Assim, as primeiras eleições em Moçambique revelaram a bi-polarização na arena
política e um forte apoio regionalista, tendo, nas eleições parlamentares, a Frelimo obtido
44.3% dos votos válidos, a Renamo assegurado 37.8% e os restantes 5.1% sido atribuídos
a um partido minoritário, a União Democrática (UD). Nas eleições presidenciais,
66
Joaquim Chissano (Frelimo) obteve uma esmagadora maioria de 53.3% dos votos válidos
e o principal líder da oposição, Afonso Dhlakama (Renamo), arrecadou 33.7%.
Anteriormente às eleições, a Frelimo rejeitava publicamente a constituição de um
governo de unidade nacional e assim permaneceu após a sua vitoria, elegendo um
Presidente e constituindo-se em maioria absoluta no Parlamento (129 assentos), deixando
a oposição sem voz activa na governação do país. Nos anos que se seguiram, a Frelimo
manteve o seu estilo de governação excludente e poucos esforços foram encetados para o
estabelecimento de uma confiança mútua e para estimular o diálogo entre os antagonistas.
O processo democrático em Moçambique viveu o seu primeiro revés com a realização
das eleições locais em 1998, através do boicote (relativo à participação) empreendido pela
oposição
67
e da abstenção do eleitorado em cerca de 85%. A falta de alternativas à
Frelimo,
68
o boicote da Renamo, as deficiências organizacionais e uma educação cívica
inadequada (com vista a explicar a importância das eleições locais) contribuíram para estas
“eleições sem eleitores”.
A fraca ida às urnas poder-se-à atribuir, em parte, à grande apatia e desilusão do
eleitorado. A vitória da Frelimo, ao eleger para todos os cargos municipais o seu
presidente (tendo apenas os candidatos independentes conseguido eleger membros para as
assembleias municipais), consolidou as estruturas do poder já existentes ao nível local e
fortaleceu a aliança existente entre a liderança política e as suas bases de apoio. Por sua
vez, a Renamo viu-se cada vez mais marginalizada e remeteu-se a uma posição de
inferioridade que não correspondia, de modo algum, à sua efectiva “força” nas eleições de
1994.
69
Assim, Moçambique “chumbou” no seu primeiro teste real de democratização, ao
nível de governação local.
No que respeita aos resultados obtidos nas eleições gerais parlamentares e
presidenciais,
70
que ocorreram em Dezembro de 1999, estes revelaram que Moçambique
está longe de ter uma democracia consolidada.
71
A participação dos eleitores nestas eleições apresentou melhorias significativas ao
atingir 68.5% do universo eleitoral, conferindo, tanto ao Parlamento como ao Presidente,
um grau legitimidade credível.
A comunidade internacional declarou estas eleições como tendo sido “livres e justas”,
contudo fácil se torna vislumbrar que estas o foram, só e apenas, nas urnas. Se o termo
“justas” for interpretado no seu sentido mais lato, tido como um tratamento que
pressupõe a aplicação de regras políticas de forma igualitária para cada um dos seus
actores e, simultaneamente, signifique igualdade de oportunidades de acesso aos recursos
21 LALÁ&OSTHEIMER
necessários, então o processo eleitoral realizado em 1999 foi ambivalente. ‘Justas’ neste
sentido abrange um espectro que implica, respectivamente:
• abstenção de usufruto dos recursos do Estado pelo partido no poder, durante a
campanha eleitoral;
• igualdade de acesso dos representantes dos partidos às mesas de voto;
• igualdade de tratamento das reclamações referentes a irregularidades; e
• aceitação dos resultados eleitorais por todos os participantes.
72
Contudo, em Moçambique, verificou-se o desembolso tardio dos fundos para a campanha
dos partidos,
73
uma cobertura tendenciosa dos media
74
e o uso dos recursos do Estado
pela Frelimo,
75
os quais colocaram em causa a existência de uma situação equitativa entre
os intervenientes. A credibilidade do processo eleitoral foi igualmente prejudicada por
problemas técnicos ocorridos durante a contagem dos votos, tendo a falta generalizada de
transparência gerado suspeitas políticas que culminaram na cisão da CNE.
76
Em
consequência, tanto a Aliança Eleitoral como o maior partido da oposição, a Renamo-UE,
recusaram aceitar os resultados das eleições, tendo decidido apresentar dois processos ao
Tribunal Supremo.
O primeiro, referia-se à exclusão de cerca de um milhão de votos em várias assembleias
(938 editais para as presidenciais e 1,170 para as parlamentares), em virtude de terem sido
declarados inválidos devido a irregularidades tais como ausência do número total nas
caixas de voto, ausência de números para os candidatos e para os partidos, não indicação
de votos válidos, etc. Uma vez que tais protocolos eram provenientes de áreas de
influência da oposição e com uma diferença de votos entre Chissano e Dhlakama de
205,593, a não aceitação de cerca de 370,000 votos foi interpretada pela oposição como
fraude, negando a sua vitória. O segundo processo levado a tribunal relacionava-se com a
discrepância entre o número de votos depositados nas eleições presidenciais e nas
parlamentares.
O argumento apresentado pela CNE assentava no facto de, apesar do processo de
votação ter sido desencadeado em simultâneo, muitos protocolos exclusivamente relativos
às eleições parlamentares tiveram que ser declarados inválidos, o que não sucedeu nas
eleições presidenciais, onde o número de votos tinha sido elevado. Apesar dos esforços
empreendidos pela Renamo, ambas as reclamações foram rejeitadas pelo Tribunal
Supremo, agravando ainda mais o clima de desconfiança vigente.
De acordo com o cientista político moçambicano, Luís de Brito, esta situação foi
retratada da seguinte forma: “trata-se de uma paz sem confiança entre as principais forças
políticas.”
77
Outras tentativas levadas a cabo pela Renamo com vista à revogação da decisão do
tribunal, como a emissão de ultimatos, acompanhada por uma campanha de intimidação
para destabilizar o país, mostraram claramente que o espectro político em Moçambique
ainda não funciona na base de regras de jogo aceites por todos.
Em face da situação, os protestos da Renamo contra o que apelidaram de fraude
eleitoral foram, numa primeira fase, de cariz político e legal (os deputados recusaram
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 22
ocupar os seus assentos no Parlamento), apesar de acompanhados por uma forte retórica
do seu líder, Afonso Dhlakama, o qual exigia, igualmente, a criação de governos paralelos
nas seis províncias do norte e centro, onde o partido detinha a maioria de votos. Mais
ainda, Dhlakama por diversas ocasiões, ameaçara publicamente paralisar o país e torná-lo
ingovernável, caso não fosse alcançado um acordo para a partilha do poder.
Numa segunda fase, em 9 de Novembro de 2000, os ataques verbais da Renamo
transformaram-se, finalmente, em manifestações à escala nacional, envolvendo os seus
simpatizantes, tendo alguns destes protestos culminado em violentos confrontos entre a
Renamo e a PRM, provocando mais de 40 mortos. Embora estas acções fossem
consideradas ilegais nos termos da legislação Moçambicana,
78
as mesmas foram toleradas
em locais como Maputo, não tendo originado, no entanto, fortes reacções. Os excessos
mais significativos tiveram lugar na cidade de Montepuez, província de Cabo Delgado,
onde antigos combatentes da Renamo e milícias dos camponeses (denominada
Naparamas) se reagruparam. A instalação prisional e o comando da polícia locais foram
invadidos e as armas saqueadas, tendo Montepuez vivido sob ocupação efectiva da
Renamo durante 24 horas, saldando-se o seu resultado em 25 mortos, incluindo 7
polícias. Os edifícios atrás referidos, assim como o da administração distrital e as infra-estruturas de telecomunicações que tinham sido recentemente construídas, foram
completamente destruídos.
Enquanto que a situação em Montepuez e noutros distritos de Cabo Delgado sugere
que as violentas provocações levadas a cabo pela Renamo constituíram uma séria ameaça
à lei e ordem, relatórios de outras províncias referem igualmente que, em alguns locais,
foi empregue o uso de força desmedido por parte da polícia, para controlar pessoas que
estavam meramente a expressar as suas convicções políticas. De acordo com a Liga
Moçambicana dos Direitos Humanos em Nampula, esta mencionou que a Polícia, numa
tentativa de dispersar a multidão reunida fora de um campo desportivo, abriu fogo sem
que antes se tenha verificado qualquer provocação por parte dos manifestantes da
Renamo.
Nalguns casos, o uso de munições letais pela PRM visando o controlo de tumultos,
questiona se as circunstâncias envolventes realmente justificavam o uso de tais meios, ou
se medidas mais apropriadas poderiam atingir o mesmo objectivo. O sucedido demonstra
claramente a necessidade de se proceder à reciclagem dos agentes da PRM e de dotá-los
de uma educação apropriada em direitos humanos, com vista a eliminar a sua tendência
endémica em recorrer à violência, quando em situações de confronto.
O incidente de Montepuez e o subsequente (a morte por asfixia de 119 detidos
encarcerados numa cela de 21m², após privação de comida e água) deixam transparecer
a negligência “por defeito” dos direitos humanos no País e a fragilidade do Estado de
Direito. De acordo com relatórios apresentados por associações de direitos humanos e da
sociedade civil,
79
a maioria dos detidos foi preso após os distúrbios, tendo os agentes
policiais procurado, porta a porta, sem mandatos de busca nem de captura, pessoas que
tinham sido denunciadas (como participantes nos distúrbios).
Conforme evidenciaram as ultimas eleições em Moçambique, as instituições políticas
continuam substancialmente frágeis e a ocorrência de violência política constitui uma
23 LALÁ&OSTHEIMER
ameaça à estabilidade do país. O problema fundamental centra-se na falta de confiança
entre os principais antagonistas políticos – a nível nacional e com maior ênfase ao nível
local – e na ausência de qualquer mecanismo que possa vir a incluir a oposição na
governação do país.
O sistema eleitoral vigente em Moçambique é, dentre muitos outros, um factor que
contribui determinantemente para a instabilidade política. O sistema de representação
proporcional, com listas partidárias e uma barreira de cinco por cento de votos a nível
nacional, é método utilizado na realização das eleições parlamentares. Em contrapartida,
nas eleições presidenciais, basta um candidato obter mais de 50% dos votos para se tornar
vencedor, podendo-se proceder a duas voltas, se necessário.
Embora o País tenha adoptado um sistema proporcional, o qual em geral apoia a
diversificação da representação, Moçambique tornou-se num dos raros exemplos em que
este método resulta num sistema maioritário, conduzindo à bi-polarização do cenário
político- partidário. Tomando em conta a pequena diferença de votos entre os dois
maiores contendores, é plausível conceber que, em futuras eleições, um resultado de
coabitação (característico do contexto francês) se venha a verificar. Nesta situação, o
presidente seria proveniente de um partido, enquanto que a maioria parlamentar seria
detida pela oposição, podendo originar não somente um impasse total no governo, assim
como colocar em risco a já frágil paz moçambicana.
Para além do sistema eleitoral moçambicano tender a excluir a representação de largos
sectores da população (particularmente das províncias do centro e centro-norte), a
deficiente congruência entre as províncias e a demarcação dos círculos eleitorais, gera a
enormidade destes últimos (ex: Nampula com 1,434,764 eleitores) e eleva a separação
entre o eleitor e o deputado. Por sua vez, o facto dos candidatos serem eleitos para o
Parlamento via listas de partidos, diminui a possibilidade do eleitor solicitar aos políticos
a devida prestação de contas. As duas situações referidas anteriormente (exclusão de
largos segmentos da população e a falta de contacto entre os políticos e a população),
eventualmente já se encontram reflectidas nas crescentes abstenções de eleitores (13% em
1994 e 30% em 1999),
80
embora nas de 1994 se tivesse assistido a uma situação especial,
visto que as pessoas votavam em prol da paz.
2.3.2 O CONTEXTO HISTÓRICO, CULTURAL, SÓCIO-ECONÓMICO E POLÍTICO PARTIDÁRIO
A participação de um largo número de moçambicanos na vida política do País é
constrangida por uma variedade de factores estruturais que datam do tempo colonial e do
pós-independência. Durante o período de governação portuguesa, o conceito de
assimilação implantado, claramente restringiu os níveis de participação para a maioria dos
moçambicanos. Por sua vez, a natureza autoritária do Estado no pós-independência
limitou a participação daqueles que não concebiam ou contestavam a política socialista e,
devido ao inicio do conflito interno armado a situação agudizou-se, podendo uma simples
declaração politicamente incorrecta, facilmente conduzir à perda de emprego ou mesmo
à deportação para os campos de “reeducação”.
Essa herança histórica continua a ser parcialmente responsável pela falta de confiança
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 24
vigente na sociedade moçambicana. Observe-se que, embora a maioria dos moçambicanos
(57.8%) considere que um governo democrático é o melhor sistema político e que os
problemas deveriam ser solucionados com a participação de todos (84.5% rejeitam um
governo autocrático), a perspectiva que os mesmos possuem sobre o seu relacionamento
com o Governo, revela um cenário interessante, que a seguir se explana resumidamente.
Quando inquiridos, numa pesquisa de opinião nacional, sobre se o Governo deveria agir
como um pai a tomar conta dos seus filhos, ou se este se deveria posicionar ao serviço
daqueles que o elegeram, 76.1% manifestou a sua preferência por um governo
paternalista.
81
Esta atitude reflecte-se no nível de participação na vida sócio-política de Moçambique,
caracterizada por um fraco relacionamento entre as populações e as instituições políticas,
bem como com a sociedade civil. Dificilmente, os cidadãos apelam aos órgãos
governamentais ou partidos políticos, para lhes prestarem assistência (apenas 6.6% e
7.2%, respectivamente, se tinham aproximado dos representantes daqueles órgãos) e, a
fraca participação dos cidadãos evidencia-se ainda mais, quando indagados sobre a
frequência com que consultam, relativamente a problemas locais os seguintes: Líderes
Tradicionais (nunca 29.8%; às vezes 22.4%); ONGs (nunca 50.5%; às vezes 12.8%); ou
Instituições de Estado (nunca 29.1%; às vezes 30.4%).
82
Salienta-se também o facto da participação ser ainda mais restringida devido a
constrangimentos estruturais, nomeadamente, pobreza, isolamento e analfabetismo. Com
69.4% da população a viver abaixo da linha da pobreza e com um índice de alfabetização
feminino de 25.9% (zonas rurais 14.9%) e masculino de 55.4% (zonas rurais 43.6%), o
conhecimento e a participação na vida sócio-política do País tem-se defrontado com
obstáculos naturais.
Concluindo, poder-se-à afirmar que, qualquer abordagem relativa à participação dos
cidadãos num contexto democrático deve ter em linha de conta a estrutura intrínseca do
sistema político. A realidade política bipolar Moçambicana e a exclusão de cerca de
38.81% (votos da Renamo) da população, mostra que a possibilidade de partilha do
poder, particularmente ao nível local, seria plausível. No entanto, constata-se que um
incremento da participação de cidadãos filiados em partidos políticos que não o do
governo, é actualmente limitada. Para além desta realidade, a elite governamental, apesar
de desprovida de receio em perder controlo e poder, continua a não manifestar interesse
em gerar novas fórmulas, sejam estas a criação de um maior número de municípios
autónomos ou a integração de elementos federais no sistema político.
2.4 CONCORRÊNCIA POLÍTICA
2.4.1 PARTIDOS POLÍTICOS
É condição indispensável em qualquer democracia, a existência de instituições políticas
viáveis e efectivas, com uma estrutura do sistema partidário desempenhando um papel
decisivo no funcionamento do sistema político reinante. O ideal, num contexto
democrático, é que os partidos políticos apresentem alternativas pessoais e funcionais,
sendo o impulso e a motivação de qualquer oposição para chegar ao poder, o garante do
25 LALÁ&OSTHEIMER
controlo sobre o partido no governo. Todavia, uma outra pré-condição fundamental para
este controlo efectivo é a existência de um sistema competitivo, em que, para além do
pluralismo partidário formal, a oposição deve possuir uma oportunidade efectiva de vir a
assumir o poder nas eleições subsequentes. Em última análise, a democracia reside na
possibilidade de alternância do poder.
2.4.1.1 Renamo
O processo democrático em Moçambique dependia da viabilidade de implementação de
um sistema político pluralista com uma estrutura competitiva. Por outro lado, este
processo requeria igualmente, uma correcta transformação da Renamo, de um movimento
primariamente militar para um partido político. Contudo, a Renamo defrontou-se com
um problema ímpar no contexto genérico dos partidos políticos africanos. Se em geral,
estes são compostos por grupos concentrados nas zonas urbanas e direccionados para a
elite intelectual, tendo, na maioria das vezes, necessidade de alcançar uma base de apoio
nas zonas rurais, a Renamo, contrariamente, tinha falta de apoio nos centros urbanos.
Em meados da década de 80, a Renamo estabeleceu uma ala política, tendo finalmente
consolidado as suas estruturas políticas no decorrer do seu primeiro congresso em 1989.
A nova liderança do partido englobava personalidades políticas de renome, as quais, do
antecedente, já tinham trabalhado de perto com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama. A
nova liderança tornou-se etnicamente heterogénea e afastou o estereótipo de a Renamo
ser um movimento étnico dominado pelos Ndaus e concentrado no centro de
Moçambique.
Todavia, um dos problemas dominantes relativos às actividades parlamentares, foi a
escassez de pessoal detentor de formação superior, tendo-se recorrido aos administradores
das áreas, outrora controladas pela Renamo e seus antigos simpatizantes na
clandestinidade.
83
No primeiro Parlamento democraticamente eleito, somente 18 dos 112
deputados da Renamo tinham participado na guerra civil, criando tensões entre os
tecnocratas recém recrutados (que eram acusados de oportunismo) e os guerrilheiros de
longa data.
84
Apesar destas fraquezas estruturais e dos problemas de consolidação, a
Renamo conseguiu transformar-se num partido político, dado que:
• desenvolveu um amplo processo de desmobilização dos seus combatentes;
• empreendeu estruturas nucleares inerentes a um partido político; e
• conseguiu afirmar-se nos centros urbanos.
Actualmente, a Renamo é o único partido que detém força suficiente para, eventualmente,
derrubar o Governo nas próximas eleições. A distribuição regional dos votos nas eleições
de 1994 e 1999, mostra que a Renamo conseguiu mobilizar eleitores na base do seu
discurso étnico-regional, nomeadamente, nas províncias centrais de Sofala, Manica e Tete,
nas regiões centro-norte da Zambézia e Nampula, bem como no Niassa, no norte.
A base de apoio da Renamo assenta numa coligação de marginalizados,
compreendendo a população rural esquecida, elites urbanas frustradas e dissidentes da
Frelimo. Com a adopção de uma estratégia de coligação eleitoral, a Renamo conseguiu,
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 26
igualmente, ampliar a sua capacidade intelectual. Todavia, devido a constrangimentos de
ordem financeira, o partido contínua ainda sem satisfazer as promessas efectuadas aos seus
antigos combatentes, o que se vem constituindo num potencial foco de destabilização
social. Para além disto, a democracia intra-partidária permanece como um assunto crucial,
ainda por solucionar.
Em Outubro de 2001, após vários adiamentos, a Renamo realizou o seu primeiro
congresso, no qual se efectuou, pela primeira vez a eleição do presidente. No entanto, a
forma como o processo decorreu coloca em causa o estado da democracia interna na
Renamo. António Pereira e Agostinho Murrial foram candidatos a par de Dhlakama para
a presidência do partido, mas enquanto que Pereira se tinha tornado infame pelas suas
ameaças de expulsão aos falantes de Shangana do centro e norte de Moçambique, Murrial
era um desconhecido, possuindo, cumulativamente, um fraco carisma dentro do próprio
partido. Desta feita, com um concorrente da ala dura do partido e um outro ‘sem nome’,
observadores exteriores advogaram que as eleições intra-partidárias se constituiram numa
espécie de ‘farsa’ democrática.
Esta situação realça a suspeita de que Dhlakama não desejava nem tolerava a
concorrência, sendo a expulsão de Raul Domingos em 2000, sob alegações dúbias, um
sinal evidente de que Dhlakama queria dirigir o partido à sua maneira. Outros exemplos
adicionais, foram as experiências de Joaquim Vaz e Chico Francisco. O primeiro, tornou-se secretário geral da Renamo durante o quarto congresso do partido em Novembro de
2001, mas visto não ter renunciado à sua amizade pessoal de longa data com Raul
Domingos, foi sucessivamente marginalizado e finalmente demitido das suas funções em
Julho de 2002. Chico Francisco, responsável pelo sector de relações internacionais do
partido, foi igualmente forçado a resignar ao desempenho das suas funções, vendo
consumada a sua expulsão, após ter revelado pensamento demasiado forte e de cariz
independente, na perspectiva da liderança da Renamo.
85
Embora se tenha verificado muita discussão, durante a realização do quarto congresso,
em torno da questão de transparência no processo interno de tomada de decisão e
administração financeira, muito pouco parece ter avançado neste aspecto. Isto, viria a
constituir no futuro um grande obstáculo ao funcionamento interno e à democratização
do partido. Actualmente, a mesma celeuma cria frustrações para os que preferem uma
abordagem diferente, mas, em contrapartida, preferem não agir receando represálias. A
longo prazo, esta atmosfera de estagnação do partido poderá originar mais saídas de
políticos ambiciosos, os quais poderão, eventualmente, participar na criação de uma
terceira força política, ou conduzir a um eventual motim intra-partidário.
2.4.1.2 Partido Frelimo e Governo
Após a morte de Samora Machel em 1986, o seu sucessor, Joaquim Chissano, iniciou a
“reversão” da preponderância da ideologia e a “tecnocratização” da liderança do partido,
possibilitando, deste modo, a introdução de um programa de ajustamento estrutural e a
realização dos primeiros passos em prol da paz. A liberalização e reorientação política
conduziram, no início da década de 90, às primeiras cisões internas na Frelimo. A divisão
entre socialistas ortodoxos e jovens tecnocratas tornou-se clara, manifestando-se na
27 LALÁ&OSTHEIMER
abordagem crítica da política económica do governo e na subordinação aos regulamentos
das instituições de Bretton Woods.
A estrutura governamental após as eleições de 1999 e a criação de um Ministério para
os antigos combatentes, vieram mostrar a inquebrável influência da linha dura do partido
Frelimo. A vívida influência dos antigos combatentes, revelou-se na eleição de Armando
Guebuza (de forma praticamente unânime), para próximo candidato presidencial, apesar
das tentativas de Chissano para promover um membro da nova geração.
O grupo ortodoxo obtém o seu apoio nos antigos combatentes e nos funcionários
públicos, ambos membros da Frelimo, os quais receiam que as reformas na administração
pública impliquem a perda das suas posições privilegiadas e o acesso aos recursos do
Estado. A ala do partido liderada por Armando Guebuza recebe, igualmente, apoio
estratégico dos quadros da Frelimo de descendência indiana e portuguesa (tais como
Marcelino dos Santos e Oscar Monteiro), que se opõem veementemente a um terceiro
mandato de Chissano ou à candidatura de um seu aliado. Em oposição à ala conservadora
e ortodoxa, encontra-se um pequeno grupo da liderança partidária que beneficiou do
processo de privatizações das empresas estatais, a qual, através deste, se tornou parte da
elite económica Moçambicana.
A transformação operada no interior da Frelimo no contexto de uma democracia
multipartidária, foi em geral, bem gerida, tendo o partido conseguido manter a sua
posição de liderança no processo político. A existência de uma sólida estrutura partidária
e a ausência de alternativas credíveis na arena política, em parceria com um sistema de
administração pública, intrinsecamente ligado ao partido, e o acesso a novos recursos
provenientes de um mercado de economia livre, contribuíram para cimentar a posição da
Frelimo. Os simpatizantes do partido podem ser encontrados principalmente nas zonas
rurais das províncias do sul, na província de Cabo Delgado, bem como nas zonas urbanas
de todo o País.
A Frelimo continua a dever muito da sua legitimidade, particularmente nas zonas
rurais, ao seu papel na luta pela independência. No entanto, o seu o futuro dependerá da
sua capacidade de reconciliar as três alas existentes no partido e de mobilizar largos
sectores populacionais, com vista a prolongar a sua governação, que já perdura há 25
anos. Cada vez mais, o partido está a ser usado como um instrumento para o auto-enriquecimento de certas elites e seus descendentes. Contudo, para os jovens
moçambicanos, as credenciais históricas da Frelimo, como um movimento de libertação,
significam cada vez menos e, para os que não beneficiam directamente do sistema de
“redistribuição” do partido, a necessidade de mudança é mais importante.
2.4.1.3 Outros partidos da oposição
Embora os resultados das eleições de 1999 em Moçambique tenham mostrado que a
estrutura unipolar de um sistema multipartidário de jurepoderá dissipar-se à medida que
a Frelimo começa a perder a sua posição hegemónica, desenvolvimentos recentes intra-partidários no seio da oposição poderão conduzir, a médio prazo, à dissolução da
estrutura bipolar, entretanto emergente no sistema partidário.
O desenvolvimento de um outro sistema político de partido único/dominante
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 28
(segundo a teoria de Giovanni Sartori) pela Frelimo, é provável. A sucessiva exclusão de
membros dissidentes do partido Renamo tem conduzido à redução de pessoal
politicamente capaz, experiente e internacionalmente reconhecido. É o caso concreto de
Raul Domingos que continuou como deputado independente no Parlamento e criou a
ONG Instituto Democrático para Paz e Desenvolvimento (IPADE). Aproveitando a
ocasião da celebração do 11º aniversário do Acordo Geral de Paz (4 de Outubro de 2003)
Domingos fundou um novo partido, o partido para Paz, Democracia e Desenvolvimento
(PDD), que irá concorrer nas próximas eleições de 2004. Ate à data, o estatuto de
Domingos no Parlamento não lhe permitia formar um novo partido, pois caso contrário
perderia o seu mandato como deputado.
Esta terceira força política liderada por Domingos poderá angariar apoios e tornar-se
num factor de contrabalanço nas próximas eleições gerais. É que, Domingos continua a
manter contactos dentro da Renamo, e granjeia auxílios, principalmente nos seguintes
grupos: militares desmobilizados, antigos quadros da Renamo integrados nas Forças
Armadas de Defesa de Moçambique, antigos exilados do chamado ‘grupo de Lisboa’, a
facção que estava aquartelada na sede da Renamo em Maringwé durante a guerra civil e
antigos simpatizantes da Renamo na clandestinidade. Por outro lado, este novo partido
político poderá ainda receber os votos de quadros frustrados da Frelimo, que não podem,
abertamente mostrar o seu apoio a outros partidos, já que isto lhe acarretaria uma perda
de privilégios. O PDD terá uma grande vantagem comparativamente aos outros pequenos
partidos, uma vez que, por intermédio do IPADE, Domingos tem vindo a edificar uma
estrutura partidária de baixo para cima, abrangendo a maioria dos distritos e
desenvolvendo infra-estruturas e programas partidários de uma forma participativa.
Em oposição a esta situação, a maioria dos 32 partidos políticos existentes desde a
entrada em vigor da Constituição multipartidária de 1990, parece não constituir mais do
que uma manifestação das megalomanias pessoais dos seus líderes. Os partidos têm-se
tornado quase insignificantes, em face das cisões e abandonos verificados em virtude de
rivalidades pessoais. Assim, nenhum dos numerosos e denominados ‘partidos não
armados’, conseguiu consolidar as suas bases desde a sua fundação em 1994, nem
expandir a sua influência. Com a excepção dos partidos unidos em torno da coligação
Renamo-UE, nenhuma das personalidades nem dos grupos politicamente concentrados
em áreas urbanas, conseguiu entrar para o Parlamento em 1999.
A representação da União Democrática (UD) no Parlamento pós-eleições realizadas
em 1999, pode ser descrita como uma coincidência, pois à semelhança da posição que o
Presidente Chissano ocupava no boletim de voto para as eleições presidenciais, também
a UD se encontrava colocada em último lugar, no boletim de voto, para as eleições
parlamentares. É francamente assumido que muitos dos eleitores de Chissano votaram
por associação, tendo dessa forma, a UD alcançado os cinco por cento da barreira
eleitoral.
Apesar de muitos dos partidos com menor expressão não possuírem influência
significativa no desenvolvimento político do País, estes mostram as clivagens existentes no
interior dos mesmos e das elites. Conforme Luis de Brito e outros argumentaram,
presentemente, existem quatro grupos de pequenos partidos:
86
29 LALÁ&OSTHEIMER
• Um primeiro grupo, composto por partidos cujos líderes compreendem antigos
membros da Frelimo, tais como: o Partido Liberal Democrático (PALMO), fundado
por antigos estudantes da Frelimo formados nos países do bloco do Leste; o PALMO,
dando origem, posteriormente, ao Partido Social e Liberal (SOL); o Partido Nacional
Democrático (PANADE), criado por um antigo membro da Frelimo que foi preso no
início da década de 80 sob acusação de espiar a favor da CIA; e o Partido Democrático
de Moçambique (PADEMO), que se ergueu por iniciativa de um quadro do Ministério
dos Negócios Estrangeiros e antigo guerrilheiro da Frelimo na guerra civil;
• Um segundo grupo, emergente da oposição ao regime colonial, e cujos lideres se
mantiveram exilados durante o período de governação de partido único da Frelimo.
São estes a Frente Unida de Moçambique (FUMO), criada por Domingos Arouca e o
Movimento Nacional Moçambicano (MONAMO), fundado por Máximo Dias;
• Um terceiro grupo, formado por académicos Moçambicanos do pós-independência, tais
como, o Partido de Convenção Nacional (PCN) e a Frente de Acção Patriótica (FAP);
• Um quarto grupo, compreendendo partidos cujas origens remontam aos emigrantes
Moçambicanos, particularmente nos países do Leste Africano, tais como, o Partido
Democrático para a Libertação de Moçambique (PADELIMO) e o Partido de
Progresso do Povo de Moçambique (PPPM).
A maioria dos partidos pequenos são desconhecidos dos eleitores. Quando indagados
sobre quais os partidos que eram do seu conhecimento, no âmbito da Pesquisa Nacional
de Opinião Pública realizada em 2001, o resultado saldou-se em: 70.2% mencionou a
Frelimo, 65.7% conhecia a Renamo, e 19.1% tinha ouvido falar do PADEMO. Cerca de
17.4% estava familiarizado com o PIMO e 10.3% com a FUMO. O SOL e o MONAMO
eram somente conhecidos por 6.8% e 5.9% de pessoas respectivamente, enquanto que
apenas 5.1% ouviram falar da UNAMO e 4.7% do PALMO. O grau de familiaridade
com a coligação de partidos, a UD, que até se encontrava representada no primeiro
parlamento multipartidário, era ainda mais baixo com 4.4%.
87
Estes dados indicam a falta de inserção dos pequenos partidos na sociedade
Moçambicana, revelando inter aliaas fraquezas estruturais e especialmente financeiras dos
partidos da oposição. Uma vez que a lei proíbe o financiamento directo dos partidos por
patrocinadores externos, as condições financeiras dos mesmos mantêm-se problemáticas.
A estabilidade da concorrência inter-partidária em Moçambique é também
demonstrada pela aplicação do índice de Pedersen sobre volatilidade eleitoral.
88
Entre
1994 e 1999 a volatilidade legislativa atingiu 8.9%, enquanto que nas eleições
presidenciais foi de 14%. Comparando com as médias de 28.4% e 29.6%,
respectivamente, registadas nos países africanos, isto atesta a estabilidade do sistema
partidário bipolar, mas comprova igualmente o impasse profundamente enraizado entre a
Frelimo e a Renamo.
89
2.4.2 SOCIEDADE CIVIL
Desde o advento da paz e democracia em Moçambique, tem-se vindo a registar uma
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 30
proliferação de movimentos e organizações da sociedade civil. Neste País, nela se integram
ONGs, confissões religiosas, autoridades tradicionais, sindicatos, organizações
académicas, organizações cívico-políticas, grupos femininos, associações de direitos
humanos e meios de comunicação independentes. Dentre esta miríade de actores não se
vislumbra nenhum plano concertado ou homogéneo relativamente às actividades
exercidas, organizando-se elas em torno de interesses diferentes, podendo, por vezes,
tanto assumirem posições comuns como divergentes. O seu papel na sociedade
moçambicana está paulatinamente a ganhar espaço e reconhecimento, embora este
desiderato varie de acordo com o tipo de organização de sociedade civil a que se refere.
O crescente despoletar de ONGs desde 1991 (aproximadamente 200 em 1991, 400
nos finais dos anos 90 e 813 registadas até 2002),
90
não significa necessariamente a
existência de uma sociedade civil vibrante. As ONGs começaram a ser formadas em 1991,
altura em que organizações dotadas de objectivos predominantemente religiosos ou
profissionais, iniciaram o seu contributo em prol das actividades de emergência e socorro
durante a guerra.
Com o advento da nova Lei sobre Associações (18/91), e do processo de transição
democrática, as ONGs passaram a concentrar-se nas actividades relacionadas com
educação cívica, direitos humanos, eleições, “accountability” (prestação de contas) e
participação numa sociedade pluralista, apoiando, deste modo, o surgimento de uma
cultura democrática. Tratou-se efectivamente, de uma contribuição válida para a
consciencialização das pessoas sobre as alterações políticas que decorriam. Apenas nos
finais da década de 90 é que as ONGs começaram a desempenhar actividades ligadas ao
desenvolvimento e advocacia, com o objectivo de influenciar a formulação de políticas.
91
As ONGs que se dedicavam ao desenvolvimento visavam ampliar as suas bases nas
zonas rurais enquanto que as que se empenhavam na advocacia centravam a sua conduta
no empreendimento de debates relacionados com a dívida externa, campanhas contra a
proliferação de minas terrestres, HIV-SIDA, debates sobre a lei da terra, eleitoral e da
família. Apesar disto as organizações da sociedade civil não possuem uma índole própria
de organização nem são relativamente autónomas do Estado ou dos doadores.
A maioria das ONGs são constituídas por elites urbanas e carecem de missão e de
objectivos sócio-políticos claros, para não referir a sua fraca capacidade de gestão. Isto
levanta dúvidas quanto à capacidade destas de se envolverem de forma proactiva em
actividades de advocacia e de reagir atempadamente perante políticas governamentais de
vulto que possam afectar a sociedade. A maioria das ONGs são provedoras de serviços e
orientam as suas actividades de acordo com os interesses das agências doadoras, mesmo
quando se encontram a desempenhar actividades complementares ao papel do Estado na
prestação de serviços. Uma vulnerabilidade adicional prende-se com o facto da maioria
dos doadores prestar apoio e proceder à concessão de fundos com base em projectos em
vez de programas, constrangendo deste modo a realização de actividades de longo prazo
e a criação/desenvolvimento de capacidade institucional. Deste modo, verifica-se
igualmente uma fraca coordenação no seio dos doadores quanto ao apoio prestado às
ONGs.
No que diz respeito à coordenação das actividades das ONGs, um esforço memorável
31 LALÁ&OSTHEIMER
vem sendo desenvolvido pela Link – uma rede de ONGs – com vista a agrupá-las sob sua
égide, por forma a manter um acompanhamento sobre “quem é quem” e “quem faz o
quê”. A Link organizou igualmente uma conferência, no início deste ano, para discutir
matérias relativas à sociedade civil em Moçambique.
Relativamente à interacção entre as ONGs e o Governo, continua a existir uma
lacuna, visto que ainda se sente a necessidade de criação de uma instituição formal para
agir como interlocutora no debate sobre iniciativas e problemas com que se defrontam as
ONGs. Parece ter vindo a registar-se progresso no que respeita à forma como o Governo
encara a existência e trabalho das ONGs, tendo algumas sido consideradas parceiras
válidas para o desempenho de certas actividades. Um exemplo recente desta mudança foi
o facto do Governo ter consultado as ONGs antes do início da preparação da Cimeira da
União Africana realizada em Moçambique, em Julho de 2003.
Contudo, persiste a limitação das bases sociais das ONGs, tornando-as vulneráveis a
influências de certas personalidades proeminentes, sobretudo nas pequenas comunidades
onde as estruturas da sociedade civil se encontram muitas vezes amalgamadas com o
partido no poder ou são atribuídas à oposição. Por sua vez, a falta de informação adequada
por intermédio dos meios de comunicação social e a inexistência de um público crítico, tem
criado um terreno fértil para rumores políticos, particularmente ao nível comunal.
É importante realizar-se uma avaliação da reputação que as ONGs granjeiam no seio
da população, contudo, a informação disponível pode ser contraditória, dependendo das
diferentes metodologias e amostras utilizadas na condução das pesquisas. Um relatório
elaborado para a Universidade Católica de Moçambique em Nampula-Rapale revelou que
96.5% da população naquela zona não pertencia a nenhuma ONG nacional, sendo que os
que estavam afiliados, mencionaram a Kulima e a OMM. O nível de conhecimento
populacional sobre as actividades realizadas pelas ONGs nesta zona, revela-se como
igualmente preocupante, visto que 86.5% afirmou não conhecer nenhuma, constatando-se que dentre os consultados, os melhor informados são as mulheres.
Relativamente a áreas de actividade das ONGs, o HIV-SIDA foi considerado o assunto
abordado pela maioria das ONGs, apesar de cerca de 95.75% dos inquiridos não terem
respondido a esta questão. Os indagados afirmaram ainda não existir apoio significativo
de ONGs estrangeiras, sendo que 75.5% revelou ser da opinião de que estas não poderiam
ajudar a manter a paz. Quando questionados sobre se as ONGs admitiam membros das
comunidades em que trabalham, 74.5% forneceram uma resposta negativa e somente
2.25% deram uma resposta positiva.
92
Um outro estudo realizado a nível nacional e, consequentemente, mais representativo,
revelou que apenas 37.5% dos inquiridos conhece as ONGs e o seu desempenho, em
contraste com os 52.3% que afirmou desconhecimento relativamente a estas. Dentre os
que declaram conhecer ONG’s” verificou-se um nível de confiança de 32.9%
(consideravelmente alto), contra 12.1% que mostrou não possuir qualquer confiança,
tendo 19.3% expressado um baixo nível de confiança, e 29.3% demonstrado um nível de
confiança mediano.
93
Todavia, dentre todas as organizações da sociedade civil, as
confissões religiosas foram as que receberam o índice mais elevado de confiança, cerca de
50.5%, seguidas pelos sindicatos com 9.2% e partidos políticos em geral com 7.8%.
94
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 32
Os grupos religiosos tem sido apreciados pelo seu valoroso trabalho em prol da
consolidação da paz e reconciliação, visto a sua actuação ter sido notável desde o início
dos esforços com vista à paz, durante as negociações de Roma, bem como durante o
período de transição. Os seus esforços têm incluído apelo ao diálogo quando surgem
tensões políticas, campanhas em prol da reconciliação e desenvolvimento de maior
compreensão na sociedade, envolvimento na resolução de conflitos locais, e em
actividades práticas, com vista à redução da pobreza e desenvolvimento das comunidades.
Sempre existiram sensibilidades políticas quanto ao papel assumido pelas
comunidades religiosas no que diz respeito ao seu apoio e ligações a certos partidos
políticos. A Igreja Católica, por exemplo, sobejamente conotada com o regime colonial e
marginalizada durante o regime socialista vem redimindo a sua imagem, enquanto que os
movimentos cristãos protestantes estão, cada vez mais, a ganhar notoriedade como sendo
os favorecidos pelo partido no poder. Esta situação originou rumores com a nomeação do
Reverendo Arão Litsuri como novo Presidente da CNE, especialmente por suceder a um
anterior presidente que era igualmente membro do Conselho Cristão de Moçambique.
Não obstante, as entrevistas revelam que as confissões religiosas continuam a ser as
instituições mais credíveis para transmitir uma mensagem válida, uma vez que elas não
dependem dos doadores e estão representadas em todo o país.
95
Uma outra categoria prolífica de organizações da sociedade civil são as organizações
sócio-políticas que desempenham um papel influente na congregação das pessoas em torno
de uma região, área ou zona de identificação. Isto aplica-se amplamente a associações que
se denominam de ‘amigos e naturais do distrito ou província de tal e tal’. A sua actividade
prende-se maioritariamente com o desenvolvimento das áreas territoriais de sua
implantação e realiza-se muitas vezes, através do exercício de lobbies junto do Governo,
com vista a obter políticas e compromissos favoráveis para as suas regiões, bem como
promover os seus valores culturais comuns. Estas organizações podem ser exemplificadas,
inter alia, pela Protete em Tete, Mociza na Zambézia e a Sotemaza no centro do país.
Quanto aos sindicatos, estes, embora activos na negociação de aumentos salariais e no
encaminhamento das reclamações dos trabalhadores sobre as condições de trabalho e
resultados das privatizações, parecem ter um impacto limitado, uma vez que constituem
um fenómeno urbano e carecem de força para desafiar as macro-políticas do País. Outra
organização da sociedade civil com impacto restringido é a classe académica, cujo papel
deveria ser o de gerar críticas construtivas e envolver-se no debate de assuntos públicos.
O facto de parte considerável deste grupo integrar a classe elitista da sociedade e do
sector do ensino superior estar a viver uma profunda transformação, originou uma
renitência dos académicos em proferir críticas abertas às estruturas do poder, com base no
receio de verem questionadas as suas posições. Os académicos tem sido igualmente
obrigados a procurar fontes de rendimento alternativas, visto que o sector público lhes
paga salários reduzidos. Como tal, este grupo tem vindo a desempenhar a sua actividade
profissional assumindo, principalmente, uma postura de mero provedor de serviços
académicos, em detrimento do papel de “consciência crítica da sociedade”, tudo indicando
que algum tempo decorrerá até que este estrato social comece a exercer um papel mais
proactivo.
33 LALÁ&OSTHEIMER
Um outro grupo, as associações cívico-políticas, surgiu como um fenómeno urbano,
particularmente após a experiência das eleições locais realizadas em 1998. O objectivo
destas associações era, em larga medida, permitir a participação das pessoas na gestão
pública das suas localidades e constituir grupos de pressão pró ou contra a implementação
de determinadas políticas locais.
No que diz respeito à liberdade de associação, a CRM garante aos cidadãos este direito
(art.76) e um quadro jurídico regula o mesmo através da Lei 18/91, do Decreto 21/91
(que estabelece o seu reconhecimento pelo Ministério da Justiça) e do diploma ministerial
31/92 (sobre procedimentos para registo). Não existem impedimentos jurídicos para os
cidadãos representarem os seus interesses e participarem nas organizações da sociedade
civil. Porém, a falta de distinção entre estas e quaisquer outras associações de cariz
diferente, tais como as empresariais, parece restringir o seu desenvolvimento, uma vez que
não existe uma legislação adequada para regular questões fiscais, comerciais e laborais,
especialmente no que diz respeito às ONGs.
96
Os constrangimentos acima referidos
incluem a dependência financeira das organizações em relação aos doadores, a falta de
pessoal qualificado, e a alegada falta de vontade política que impede a criação de uma lei
específica, permitindo o crescimento das organizações da sociedade civil de uma maneira
organizada e institucionalizada.
97
Os mediaconstituem a principal fonte de informação e veículo de expressão para a
sociedade civil. A salvaguarda das suas actividades está contida no Artigo 74 da CRM, que
estabelece o direito de liberdade de expressão, liberdade de imprensa e direito à
informação.
98
Este sector é caracterizado pela predominância da rádio, uma vez que este
meio facilmente chega à maioria da população. A circulação dos jornais é muito limitada
(alcançando só as capitais provinciais e alguns distritos), e o acesso à televisão é ainda mais
restrito, tendo em conta as dificuldades económicas da população. Outro
constrangimento de monta é o elevado índice de analfabetismo, que se situa em cerca de
60.5% no geral, 33% nas zonas urbanas e 72.2% nas zonas rurais.
99
A dificuldade do
acesso à informação é agravada pelo uso da língua portuguesa, que se torna num obstáculo
para uma ampla disseminação de informação, uma vez que somente uma reduzida parte
da população usa esta língua, sendo que das 39.6% pessoas que falam português, 72.4%
estão concentradas nas zonas urbanas e 25.4% nas zonas rurais.
100
A diversidade dos media é assegurada pela existência de vários jornais, cujo capital
provém do sector público, assim como do privado. Apesar do elevado grau de tolerância
do Governo para com os media, existem problemas relativos à intimidação de jornalistas
por parte de elementos do crime organizado. Esta situação tem vindo a piorar desde o
assassinato de Carlos Cardoso (um proeminente profissional da comunicação social),
especialmente no que respeita a jornalismo de investigação. Em consequência, o impacto
tem vindo a revelar uma resposta mista: alguns profissionais têm mantido as suas atitudes
irrequietas e críticas, enquanto que outros têm-se abstido de envolvimento na investigação
de ‘dossiers críticos’.
A situação revela igualmente a necessidade de desenvolvimento da classe jornalística,
que precisa de uma formação e qualificação adequada, passível de conferir credibilidade
à informação veiculada ao público, visto que o argumento de protecção das fontes é
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 34
invariavelmente utilizado pelos mediapara não justificar a proveniência de determinada
informação (usualmente polémica).
Igualmente controversa é a natureza do sector, que embora livre, não se tornou ainda
pluralista.
101
Apesar da existência de um maior número de jornais, estações de rádio (a
UNICEF possui um amplo projecto que visa aumentar o número de estações de rádios
comunitárias) e canais de televisão, assim como de uma diversidade de proprietários, as
ideias expressas continuam “reféns da classe política”. À opinião pública é prestada pouca
atenção comparativamente às ideias dos partidos da oposição, nos mediade propriedade
privada, e do governo nos mediapertencentes ao Estado. Este processo necessita
igualmente do decorrer do tempo e poderá ser consolidado com o desenvolver do
processo de democratização. Outros meios de expressão política necessitam de ser
fortalecidos para os partidos, mediante o imperativo do desenvolvimento de uma cultura
de abertura e expressão pluralista na sociedade. Enquanto isso, deve-se considerar a
própria noção de tolerância para com a expressão e acomodação de posições políticas
diferentes como uma conquista.
Apesar dos constrangimentos existentes relativamente ao desenvolvimento das
organizações da sociedade civil, deve se reconhecer que embora difusas, pequenas vitórias
foram alcançadas. Estas podem ser identificadas nas áreas de liberdade de imprensa,
direitos humanos, participação indirecta no processo eleitoral, a questão da terra, revisões
salariais, a polémica relativa à indústria da castanha de cajú, o caso ‘Madjermanes’ e a
pressão com relação aos casos Cardoso e Siba-Siba.
As principais vitórias da sociedade civil, em Moçambique, ao longo da última década,
foram a sua própria emergência e constituição, bem como os esforços para alcançar
reconhecimento dentro da sociedade. Os principais desafios que se lhe afiguram
continuam a ser o fortalecimento da sua credibilidade, através de uma postura mais crítica
e intervencionista no processo de democratização (o seu papel de monitor), bem como a
redução da sua dependência relativamente aos doadores, ao governo e aos partidos
políticos, por forma a contribuir genuinamente na procura de soluções para os problemas
do país.
2.5 SEPARAÇÃO DE PODERES E SISTEMA DE CONTROLO MÚTUO(“CHECKS AND BALANCES”)
2.5.1 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS
A continuação da vigência da CRM de 1990, sob o novo modelo democrático emergido
do Acordo Geral de Paz, é actualmente encarada como um obstáculo de vulto para a
reconciliação política. A CRM, redigida sob a égide do regime de partido único da
Frelimo, definiu um sistema presidencialista e não contemplou nenhuma disposição que
previsse a partilha de poder aos níveis nacional e local. Os governadores provinciais
continuam ainda a ser nomeados pelo Presidente e as províncias são controladas pelas
autoridades do poder central.
Paradoxalmente, a tentativa de introdução de um sistema semi-presidencialista em
1999 foi gorada pela resistência da Renamo. Após quatro anos de consultas, o projecto da
nova Constituição, redigido por uma comissão parlamentar que integrou
35 LALÁ&OSTHEIMER
proporcionalmente membros da Frelimo e da Renamo propôs um sistema semi-presidencialista, com a eleição do Primeiro-Ministro a ser feita pelo Parlamento, e um
Chefe de Estado principalmente detentor de funções representativas. Previa-se igualmente
a criação de um Conselho Nacional, que iria incluir líderes da oposição, com vista a
aconselhar o Chefe de Estado relativamente a assuntos nacionais cruciais, tais como a
dissolução do Parlamento e do Governo, a declaração do estado de emergência, e de
guerra, entre outros. A proposta contemplava igualmente disposições com a finalidade de
melhorar a posição dos agrupamentos sociais. Esta foi, no entanto, vetada pela Renamo
que repentinamente e pouco antes das eleições de 1999, considerou o sistema semi-presidencialista inadequado para sociedades africanas, nas quais é suposto que o ‘chefe’
mande.
Uma preocupação de relevo que permanece relativamente à prestação de contas
‘horizontal’ é a independência do sector judicial. Esta continua a ser colocada em causa,
visto que, tanto o presidente como o vice-presidente do Tribunal Supremo, bem como o
presidente do Conselho Constitucional (a autoridade máxima em matérias jurídico-constitucionais) são nomeados pelo Chefe de Estado.
2.5.2 RELACIONAMENTO ENTRE O EXECUTIVO E O PARLAMENTO
Ao nível do sistema político interno, a “vertical accountability” (“prestação de contas
vertical”) é garantida segundo a disposição constitucional que define que as eleições
presidenciais e legislativas devem ocorrer em cada quinquénio e que o mandato
presidencial somente pode ser renovado duas vezes consecutivas (art. 118, CRM). Os
mecanismos de controlo ‘horizontal’ afiguram-se de extrema importância, uma vez que a
qualidade da democracia não se limitada somente às provisões eleitorais, dependendo
igualmente dos aspectos qualitativos que a tornam mais participativa. É neste contexto
que as maiores lacunas podem ser constatadas.
Embora a separação de poderes (legislativo, executivo e judicial) esteja formalmente
estabelecida na CRM, o relacionamento entre eles é passível de questionamento. Existem
algumas disposições de jure, para controlo mútuo entre o legislativo e o executivo, que se
manifestam, por exemplo, através do direito de interpelação. O Artigo 155 da CRM de
1990 estabelece que o Primeiro Ministro (assistido pelos seus Ministros) deve apresentar
o Programa do Governo, a proposta do Plano e Orçamento, assim como relatórios do
Governo perante o Parlamento. (Este artigo não se encontra sob as competências do
Parlamento, mas sim sob o capítulo que regula as actividades do Conselho de Ministros).
Estas apresentações são seguidas por uma sessão de perguntas e respostas que envolvem
tanto os deputados como os ministros.
Os primeiros dois documentos devem ser aprovados pelo Parlamento antes de
começarem a ser implementados, mas se o Parlamento não puder aprovar o Programa do
Governo pela segunda vez, o presidente pode dissolver o Parlamento. Estas sessões de
apresentação dos relatórios de actividade introduziram uma nova dinâmica uma vez que
o Governo é compelido organizar-se para responder às perguntas, reduzindo o sentimento
de impunidade e a ausência de prestação de contas, embora aquém dos padrões desejados.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 36
O impacto assertivo destas sessões nota-se especialmente, quando se trata de questões do
Plano e Orçamento, visto o Parlamento questionar sobre assuntos delicados e relativos à
transparência na gestão. A título de exemplo, os deputados têm debatido assuntos
relacionados com o facto dos fundos disponibilizados pelos doadores e ONGs, na
sequência de projectos implementados, não figurarem nas contas apresentadas, tendo
igualmente exigido que o sistema contabilístico existente seja revisto e passe a incluir estas
categorias.
Infelizmente, embora se discutam e analisem outras matérias em que o desempenho
parlamentar se considera positivo, tais como o questionamento em relação à condução
dos processos de privatização e o problema da indústria de cajú, este activismo parece não
se estender a muitos outros assuntos que efectivamente se poderão considerar do âmbito
da sua esfera de competências.
O parlamento possui a prerrogativa de criação de comissões de inquérito e de controlo
das comissões de trabalho, embora o exercício destes grupos tenda a fracassar devido à
elevada prevalência de conflitos. Uma perfeita ilustração desta realidade, foi a situação
gerada quando a comissão criada para investigar as mortes de Montepuez foi incapaz de
apresentar o seu relatório, devido à recusa (de última hora) do líder da oposição
responsável (na comissão) por assinar o relatório, alegando que a investigação tinha sido
parcial.
102
O domínio do Parlamento pelo partido no Governo, torna a função supervisora desta
instituição sobre o Executivo, pouco relevante. A forte disciplina partidária no seio da
Frelimo assegura que não haja contradições de vulto entre o Governo e a facção principal
da bancada parlamentar, embora por vezes surjam tensões, visto estarem (muitas vezes)
enraizadas nas clivagens e fricções existentes entre as diferentes alas da Frelimo.
Uma vez que a oposição constitui minoria no Parlamento, os seus níveis de influência
são baixos, só entrando em palco quando se trata de emendas constitucionais que
requerem uma maioria de dois terços e originando, consequentemente, uma situação em
que grande parte das propostas de lei são elaboradas pelo Executivo.
Enquanto que os debates parlamentares durante a primeira legislatura (1994-1999) se
afiguravam de elevada qualidade, com ambas as partes a cooperarem até certo ponto, a
legislatura actual é principalmente caracterizada por intolerância, confrontação e
sabotagem. Isto ficou claramente demonstrado quando em Dezembro de 2002 os
parlamentares da Renamo, em contravenção ao regimento do Parlamento, exigiram que
o mandato dos deputados que tinham resignado ou sido expulsos da Renamo lhes fosse
retirado.
Até ao momento, a oposição ainda não logrou nenhuma contribuição substancial no
respeitante a questões ou declarações desafiadoras relativamente ao discurso sobre o
estado da Nação efectuado pelo Presidente, ou mesmo durante o debate sobre o último
orçamento geral do Estado, apresentado anualmente. A oposição tem permanecido
silenciosa mesmo quando, os ministros demonstram claramente um fraco desempenho e
ministérios se mostram ineficientes. Os ministros parecem de factoquase intocáveis. Isto
poderá dever-se ao estilo de governação do Presidente Chissano, que lhes confere
discrição na direcção das instituições confiadas. Por outro lado, esta tendência poderá
37 LALÁ&OSTHEIMER
estar igualmente relacionada com uma certa lealdade enraizada desde os tempos do
socialismo.
Poder-se-á ilustrar esta situação, considerando casos sucedidos e da competência do
Ministério do Interior, nomeadamente, o assassinato de manifestantes desarmados, a
morte por intoxicação de 119 pessoas numa cela de prisão (em Montepuez), a fuga da
prisão do principal suspeito no caso Carlos Cardoso, culminando com o Ministro do
pelouro a comentar no Parlamento que o último caso descrito é uma situação comum em
todo o mundo, podendo, deste modo, afirmar-se que não existe prestação de contas, tanto
do âmbito político como legal, por parte dos ministros.
Outros factores estruturais, além do impasse político, têm igualmente contribuído para
limitar a função controladora do Parlamento. Por exemplo, ainda que o Governo não obstrua
o acesso à informação (uma vez que conhece as limitações do Parlamento), a capacidade de
procura e de acesso à informação, assim como o nível de análise técnica dos deputados,
permanecem reduzidos. Por outro lado, a sustentabilidade de um gabinete técnico criado para
apoiar os legisladores através do fornecimento de informação e da elaboração das leis e
decretos não pode ser garantida uma vez que os fundos dos doadores estão a reduzir e que
não existe do lado Moçambicano nenhuma disposição para assumir este financiamento.
Ainda, relativamente à função de ‘checks e balances’, os parlamentares eleitos por
intermédio de listas de partidos garantem uma forte disciplina partidária em ambos os
lados, conduzindo a uma situação em que os deputados só prestam contas às lideranças
dos seus partidos e não aos seus eleitores. O diálogo entre os deputados e o seu eleitorado
existe somente quando os fundos para as viagens são disponibilizados pelas lideranças dos
partidos ou através de projectos financiados pelos doadores.
103
A ainda vigente identificação do Estado Moçambicano com o partido Frelimo
relaciona-se igualmente com o facto de ainda não se ter desenvolvido uma burocracia
estatal independente e não politizada. Segundo Max Weber, uma burocracia estatal
independente e eficiente é um dos elementos centrais da democracia. Porém, Moçambique
encontra-se ainda distante desta realidade, visto que a maioria dos funcionários públicos
no país são membros do partido no poder e recebem benefícios por esse facto. A
identificação do Estado com a imagem do partido é originária nos princípios comunistas
do centralismo democrático e da dupla insubordinação das unidades administrativas
perante o Estado e partido.
2.5.3 O PROCESSO DE“AUTARQUIZAÇÃO”
104
E A IMPLEMENTAÇÃO VERTICAL DE POLÍTICAS NUM
SISTEMA POLÍTICO CENTRALIZADO
A discussão sobre a descentralização democrática em Moçambique deve ter em linha de
conta o contraste entre a situação actual e o objectivo de devolução do poder político às
autoridades locais eleitas. A concretização deste objectivo deveria resultar numa governação
própria e local, democrática e alargada, dotada de recursos jurídicos, financeiros e humanos
suficientes para constituir um elo com os cidadãos, formular políticas em resposta às
preferências das populações e, implementar efectivamente essas políticas.
105
No entanto, em Moçambique perdura um sistema político altamente centralizado, no
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 38
qual os governadores das províncias e os administradores dos distritos são nomeados
centralmente em Maputo pelo partido no poder. Se o actual impasse político se pretende
resolvido, uma reforma consensual da Constituição de Moçambique e o estabelecimento de
uma estrutura política descentralizada são necessários. Deste modo, um programa de
descentralização reformulado poderá constituir uma via para limitar a polarização regional,
permitindo simultaneamente a inserção da Renamo nas estruturas de governação.
A lei 3/94, de Setembro introduziu as autarquias comunitárias em Moçambique,
prevendo que os 128 distritos se transformassem em municípios, contudo esta foi
posteriormente declarada inconstitucional. A lei definitiva sobre esta matéria (Lei 2/97 de
Novembro) era bastante mais limitada no que respeita à cobertura territorial e no âmbito
das reformas, revelando a predominância dos conservadores no seio da Frelimo, que
demonstravam resistência contra qualquer tipo de partilha de poder. As eleições locais
realizadas em Junho de 1998 constituíram uma parte integral do programa de
descentralização do governo mas, em conformidade com o acima referido, a oposição
boicotou tais eleições e somente a Frelimo e alguns grupos da sociedade civil participaram.
De acordo com alguns estudos efectuados, a abstenção em massa pode ser entendida como
“a vote of popular protest against the competing political elites and their inability to reach
an agreement, and against the institutions of the state, charged with electoral
administration and supervision”.
106
Outros factores que provavelmente terão contribuído,
são a desconfiança generalizada entre os partidos políticos, devido ao seu centralismo
inerente, bem como o uso de discursos inflamatórios e violentos nas suas campanhas.
107
A ideia inicial de ‘gradualismo’, implicando o aumento paulatino do número de
municípios, acompanhado por uma ampliação do seu âmbito de poderes, tem-se mantido
‘dormente’ ao nível do Ministério da Administração Estatal. Actualmente, 75% da
população (principalmente das zonas rurais) continua excluída das estruturas já
descentralizadas. Por outro lado, um estudo realizado revelou que a maioria das pessoas,
entre 89.7% e 94.9%, (em zonas onde já existe descentralização), não se dirigem às
instituições locais na busca de soluções para os seus problemas.
108
Similarmente, o
presidente do município é o órgão menos contactado, o que demonstra que ou o cargo foi
assumido por indivíduos que desempenharam o seu mandato de forma pouco notável ou
as pessoas desconhecem a existência dessa estrutura, devido à sua limitada exposição e
divulgação nacional.
109
Isto reforça a ideia de que a legitimidade das instituições locais do Estado é fraca, que
se verifica um défice democrático e que a linha divisória entre as zonas urbanas e rurais
está a ser reforçada por um processo de descentralização que, em teoria, era suposto poder
eliminar as assimetrias existentes. Reformas dentro destes parâmetros e sem recursos
adequados, poderiam somente vir a agravar a situação e retirar a legitimidade ao processo
democrático de descentralização.
A actuação dos 33 municípios é limitada pelos constrangimentos técnicos e financeiros
existentes e os factores relevantes para a selecção geográfica não foram concebidos
segundo critérios de efectividade. Os municípios possuem uma base económica fraca e são
altamente dependentes do governo central. Somente em alguns casos, tais como
Vilanculos, o Presidente do Município foi capaz de constituir parcerias com o sector
39 LALÁ&OSTHEIMER
privado (o envolvimento da Sasol no sector de transportes), encontrando novas fontes de
rendimento para o município.
110
A administração distrital está inserida na estrutura de governação centralizada, o que
significa que mesmo nas comunidades onde o edil provém da oposição ou onde esta
possui a maioria no conselho municipal, o controlo dos recursos económicos continua a
ser efectuado pelo partido no governo ,i.e., ao nível central. Considerando os resultados
das eleições de 1998, o resultado pratico da descentralização em Moçambique continua a
ser negligenciado. Assim, o conflito gerado pela governação centralizada tem agravado as
relações entre as instituições e, por outro lado, a falta de clareza das responsabilidades
dos intervenientes, tem impedido a existência de uma estrutura governamental
transparente e de canais de comunicação e participação mais inclusivos.
No que diz respeito às implicações do processo de descentralização para a redução
efectiva da pobreza, uma oportunidade está a ser desperdiçada, já que a formação dos
cidadãos locais em gestão de recursos deve ser efectuada de acordo com as prioridades
locais e não centrais. Em processos de democratização, na sua fase inicial, as prioridades
estão normalmente adstritas, especialmente num governo de maioria, à manutenção das
suas redes locais e à promoção de soluções de curta duração, em vez de serem baseadas
em abordagens de longo prazo e sustentáveis para a resolução dos problemas.
O processo de governação local em Moçambique continua, em grande medida,
dependente do apoio da comunidade doadora e do aparecimento de novos impulsos para
o desenvolvimento sócio-económico, iniciados interna e externamente. No entanto, um
factor a sublinhar relaciona-se com o facto das assembleias municipais geralmente
convidarem membros da sociedade civil, ou mesmo da oposição não representada, para
participar em debates sobre importantes tomadas de decisão. Com maior incidência nas
cidades, a governação local tem vindo a tornar-se mais responsável perante o eleitorado e
a administração praticada tem procurado criar um estilo de governação que se insira nos
anseios da sociedade local.
111
Os obstáculos financeiros e humanos não constituem apenas um problema relacionado
com os municípios, como também se reflectem ao nível vertical da administração estatal,
das administrações distritais e dos denominados postos administrativos. Frequentemente,
estas estruturas de governação local não passam de meros símbolos do Estado,
dificilmente capazes de desempenhar os seus serviços em prol comunidade que servem.
Consequentemente, os chefes tradicionais e os régulos têm, de uma forma crescente,
vindo a preencher esta lacuna, por vezes em cooperação e por outras em oposição ao
administrador distrital.
112
Em geral, a implementação vertical de políticas em Moçambique está a desenvolver-se
de forma cada vez mais lenta. Políticas adequadas e sensatas que se iniciam no interior do
Governo, podem vir a fracassar nos respectivos ministérios, verem a sua intenção
deturpada (através de uma re-interpretação dos conteúdos), ao nível provincial e,
eventualmente, chegar ao funcionário público local (quando chega) com um sentido
diferente do concebido.
Um relatório recente sobre as limitações administrativas ao investimento em
Moçambique registava que: “private investors have increasingly complained about the
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 40
widening gap between the performance in Maputo and the central and northern
provinces”
113
Igualmente, a ‘dupla subordinação’ dos representantes dos ministérios ao
nível provincial, tanto em relação ao governador provincial como ao ministério da tutela
em Maputo, origina, frequentemente, tanto o ‘cruzamento’ de directivas emanadas pelas
autoridades, como embaraços no sistema administrativo.
Estas deficiências mostram a necessidade de se repensar e redefinir o processo de
reforma da descentralização, tomando em linha de conta outras reformas de vulto (tais
como a reforma do sector público) em implementação. Isto exige a necessidade de
recursos humanos e técnicos competentes. Este processo poderia, adicionalmente,
integrar-se no projecto de desenvolvimento do País, baseado no PARPA, e na Agenda
2025, assim como, originar que as estruturas de governação territorial se reorganizassem,
visando a consecução dos objectivos gerais. Finalmente, salienta-se ainda a importância
que a revisão Constitucional acrescentaria na clarificação da estrutura a adoptar quanto às
reformas institucionais, especialmente no que diz respeito à inclusão da disposição legal
relativa ao princípio de subsidiariedade.
114
2.6 CULTURA POLÍTICA: COMPREENSÃO DA DEMOCRACIA E APOIO ÀS NORMAS E VALORES
DEMOCRÁTICOS
Intimamente associada à consolidação democrática está a cultura política, a qual num
processo multidimensional de transição, pode possuir, tanto uma influência inibidora
como promotora. Tendo em mente os elementos centrais da democracia (concorrência e
participação), uma cultura política positiva manifesta-se na tolerância mútua dos
intervenientes, na vontade dos principais actores em assumir compromissos, na
capacidade dos partidos em formar coligações, e na aceitação dos resultados das eleições
por parte do partido(s) derrotado(s). Em contrapartida, certos elementos tradicionais, a
corrupção, o ‘favorecimento’ e a etnicidade politizada, constituem, entre outros,
elementos integrantes de uma cultura política que originam um impacto negativo em
qualquer processo de democratização.
115
Regra geral, a sobrevivência de qualquer sistema
democrático depende do apoio prestado pela elite política e pela população, tornando-se
assim necessário que exista um acordo entre as elites e a sociedade em geral, de que o
sistema democrático é a melhor, embora não perfeita, forma de governação.
116
Conforme indicado por um entrevistado, em Moçambique, os factores negativos
relativos à cultura política suplantam de longe os positivos. Esta tendência verificar-se-á
se novas formas políticas e cooperativas não forem implementadas, mais educação não for
providenciada e não se solucionarem os desequilíbrios económicos existentes.
117
A liberalização económica teve um efeito dicotómico manifestada pela substituição dos
valores africanos, tal como solidariedade social, por princípios mais individualistas e
egoístas, enquanto que o Programa de Recuperação Económica e Social (PRES),
sustentava o que Abrahamsson e Nilsson chamam de “economia de afecção”.
118
O sistema
tradicional de redistribuição dos recursos gerados por uma determinada comunidade e
caracterizado pela sua estrutura informal, baseada nas relações de parentesco, conduziu,
num clima liberal, a uma economia que reflecte as estruturas neo-patrimoniais do Estado.
41 LALÁ&OSTHEIMER
No decorrer do processo de privatização dos bens do Estado, funcionários superiores
têm vindo a usufruir das suas funções públicas para se assumirem posições vantajosas no
sector privado. As formas utilizadas pelos políticos no sentido de virem a obter vantagens
através dos cargos que ocupam, o conhecimento profundo e, por vezes, o controlo directo
do processo de privatização, são aspectos largamente referidos como ‘privatizações
silenciosas’, abordados no relatório do Procurador-Geral ao Parlamento em 1992.
119
No contexto moçambicano, altamente polarizado, um sistema neo-patrimonial no
âmbito da democratização, poderá implicar que a oposição ameace tomar conta de parte
das acções em empresas e retirar os privilégios económicos dos seus titulares.
120
A
tendência usurpadora e improdutiva das actividades económicas levadas a cabo pelas elites
no Governo, coloca-os perante elevados riscos, em eventual caso de mudança de regime.
Entretanto, as elites possuidoras de capacidade e conhecimento para manipular a
burocracia estatal, continuam a obter benefícios que variam desde possuírem assento no
conselho de administração de empresas, até empréstimos bancários ilimitados; privilégios
estes que resultam de ligações essenciais aos círculos políticos.
Um estudo recentemente levado a cabo em três províncias (Maputo, Sofala, Nampula)
pela ONG local Ética, mostra que a corrupção em Moçambique é generalizada. Dos
entrevistados, 22.6% admitiram terem pedido dinheiro ou terem subornado alguém nos
últimos seis meses. Perante tal percentagem, Moçambique coloca-se entre os regimes mais
corruptos do mundo, ao lado da Bolívia e Paraguay (26% e 19%, respectivamente).
121
Com a elevada prevalência de corrupção de pequena escala na administração estatal,
a confiança relativamente às instituições do Governo e do Estado está decadência, facto
devidamente espelhado nos 70.2% que acreditam que a polícia é corrupta, seguida pelo
governo com 58.8% e pelos tribunais com 58.1%. Nestes termos, constata-se que a falta
de confiança nas instituições do Estado, tais como o sector da Justiça, é alarmante, tendo
em conta que esta constitui a ‘coluna vertebral’ da democracia. Enquanto que a falta de
confiança no Governo pode ser manifestada assim que se proporcionem a realização de
próximas eleições, a ausência de crédito no sistema judicial pode induzir ao uso de
métodos violentos e não-democráticos para a resolução dos problemas emergentes.
122
Constatações de pesquisas efectuadas demostraram igualmente, que o nível de
tolerância política é ainda mais reduzido, existindo apenas uma limitada inclusão política
na sociedade moçambicana. Inúmeras pessoas acreditam que alguém que “fale muito mal
do Governo e do sistema de governação não devia gozar do direito de voto, de
manifestação, de trabalhar na função pública, falar à televisão ou rádio, ou ser professor
de uma escola”.
123
Uma distribuição provincial destes resultados torna-se elucidativa.
Veja-se que a correlação mais forte entre a intolerância e o interesse na política associado
ao apoio a partidos políticos, foi encontrada na província de Cabo Delgado,
124
enquanto
que em Maputo, um reduzido interesse na política se entrosava com um nível de
tolerância relativamente elevado. A existência de um elevado nível de politização e
intolerância política, acompanhado por um lento desenvolvimento económico, constitui
uma perigosa infusão que pode facilmente ser usada para destabilizar o país. À luz disto,
as confrontações violentas entre simpatizantes da Renamo e forças governamentais em
Montepuez, província de Cabo Delgado, não constituíram nenhuma coincidência.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 42
O estudo revelou ainda a existência de uma forte aversão cultural à confrontação
directa, constituindo um elemento de monta no contexto da cultura política de
Moçambique, contrapondo-se ao passado de mais de uma década de guerra civil. Todavia,
o facto de se atribuir escassa expressão à confrontação não implica que tal eleve
automaticamente a vontade de forjar compromissos e consensos, assistindo-se apenas a
um fenómeno de contenção das divergências, as quais podem, em determinadas
circunstâncias, entrar em erupção.
Quando questionados acerca da democracia ideal ser encarada como um sistema no
qual a maioria das pessoas decide, e os seus direitos e liberdades são protegidos, ou ser
vista como um processo no qual os cidadãos gozam de um igual acesso aos alimentos,
abrigo, saúde e educação, a maior parte dos moçambicanos (44.5%), associou a
democracia com a subsistência básica.
125
O Estado que é considerado provedor e protector, em vez de servidor dos cidadãos
que o elegeram,
126
tem em linha de conta, a cultura extremamente paternalista dos
moçambicanos, destacando-se a coexistência de duas tradições e trajectórias sócio-económicas diferentes. A primeira está patente nos discursos de Estado e refere-se ao
paradigma da democracia pluralista no contexto de uma tradição ocidental, e a segunda
encontra-se enraizada na tradição cultural africana, que absorve a noção de
governação.
127
Trata-se, não obstante, de uma visão que, em geral, continua altamente
autoritária, com critérios de precisão estabelecidos, não pela aplicação de regras
despersonalizadas, mas sim pela vontade do ‘chefe’.
128
Embora 62.1% tenham referido que se interessavam pela política e 58.3% que eram
membros de um partido político, o nível de conhecimento sobre as principais instituições
do Estado, tais como o Tribunal Supremo, era diminuto.
129
Igualmente, o conhecimento
dos líderes das principais instituições (excluindo o Chefe de Estado e o Líder da oposição)
mostrou-se reduzido, com cerca de 68.6% sem conhecerem o Presidente do Parlamento,
84% incapazes de referir o nome de um Ministro e 73% sem conhecerem o nome de
qualquer outro partido, além da Frelimo e da Renamo.
130
Uma outra tendência
preocupante, relaciona-se com o facto dos jovens se encontrarem dentre os que
apresentam um maior índice de desinteresse pela política,
131
levando a crer que a criação
de uma camada social interessada no desenvolvimento de uma cultura política
democrática se encontra comprometida, tanto no presente como no futuro.
Apesar de 57.8% dos entrevistados terem considerado a democracia como a melhor
forma de governação, torna-se difícil abandonar o pressuposto de que o compromisso
com as regras da democracia liberal em Moçambique continua superficial. A forte herança
do autoritarismo e os elevados índices de pobreza, analfabetismo e isolamento,
contribuíram para os défices na cultura democrática em Moçambique.
132
ANOTAÇÕES
29 “[…] o método democrático é o mecanismo institucional para chegar à tomada de decisões através
das quais as pessoas adquirem o poder de decisão por meio de uma luta competitiva pelo voto
popular.” JA Schumpeter, Capitalismo, Socialismo, e Democracia, terceira edição, Nova Iorque,
1950, p. 269.
43 LALÁ&OSTHEIMER
30 R A Dahl, Polyarchy. Participation and Opposition, New Haven, London, 1971, p. 8.
31 L Diamond, The End of the Third Wave and the Global Future of Democracy, Vienna: Institute for
Advanced Studies, Political Science Series No. 45, 1997.
32 H Waldrauch, Institutionalising horizontal accountability – a conference report, Political Science
Series, 55, Vienna: Institute for Advanced Studies 1998.
33 L Diamond, Is the Third Wave over? Journal of Democracy, 7(3), July 1996, pp. 20-37, p. 23ff.
34 L Mondlane, Mozambique: Nurturing justice from liberation zones to a stable democratic state, in:
Abdullahi Armed An-Na’im (ed.), Human Rights under African Constitutions. Realising the Promise
for Ourselves, Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 2003.
35 Encontro com Latifa Ibraimo, AMMCJ, 16 de Agosto 2000.
36 L Mondlane, op cit, p. 206.
37 L Mondlane, ibid, p. 189
38 Entrevista com funcionário do Governo, Maputo 2003.
39 Telefonema de Mangaze anula sentença do tribunal, in: Zambeze, 3 de Abril de 2003; Presidente do
Tribunal supremo processa o Zambeze, in: Zambeze, 17 de Abril de 2003.
40 [Trad.: “...inibição cultural de criticar pessoas do mesmo estrato social”], S Levy/JM Turner/T
Johnson/M Eddy, The state of democracy and governance in Mozambique. Evaluation report
produced for the USAid Democracy Centre and USAid/Mozambique by Management Systems
International, Washington, DC 2002.
41 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, Inquérito Nacional de
Opinião Pública 2001, Maputo 2002, p. 27.
42 [Trad.: “Um funcionário do Estado que seja crítico pode perder o seu emprego ou ser imediatamente
transferido para um distrito remoto. Até um empresário com fontes de rendimento independentes,
pode deparar-se com os seus requerimentos relativos à licença de actividade arquivados
indefinidamente e com o acesso a créditos subsidiados pelo governo cortado.”], S Levy/JM Turner/T
Johnson/M Eddy, op cit.
43 L de Brito/A Francisco/JC Pereira/Domingos do Rosário, Moçambique 2003: An Assessment of the
Potential for Conflict, Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane, 2003.
44 Na Beira, Católicos dos grupos étnicos Sena e Ndau têm disputado quanto à língua que deve ser
usada durante as liturgias. Em Maputo membros do grupo étnico Ronga fizeram uma exigência
concernente ao candidato que a Frelimo devia propor para o cargo de Presidente do Município. E
na Maxixe, um grupo da etnia Bitonga enviou um documento à assembleia municipal, no qual
instavam os Tswa (cuja presença era alegada como sendo parcialmente responsável pela degradação
da cidade) a regressar aos seus locais de origem. Ibid, p.38.
45 Entrevista com um representante de uma ONG, Maputo 2003.
46 A educação a que os Moçambicanos tiveram acesso foi principalmente ministrada pela Igreja
Protestante e particularmente pelos missionários Suíços. Uma vez que os seus principais centros
missionários estavam baseados no sul, maior número de pessoas originárias desta região do país teve
acesso à educação formal. Por outro lado, as assimetrias económicas regionais originam de um legado
histórico colonial, na medida em que este regime proporcionou uma integração da economia das
varias regiões Moçambicanas com a dos países limítrofes, nas respectivas fronteiras. Visto que a
África do Sul possuiu sempre uma economia mais forte isto produziu um efeito positivo
correspondente na zona Sul de Moçambique, ao mesmo tempo que a zona Centro e Norte se
integraram com as economias mais débeis do Zimbabwe, Zâmbia e Malawi, obtendo um
desenvolvimento económico proporcional aos influxos gerados por estes Países.
47 L de Brito/A Francisco/JC Pereira/Domingos do Rosário, op cit, p.39.
48 “PGR lança SOS na Assembleia da República”, Domingo, 10 March 2002.
49 [Trad.: “[…]não obstante a retórica, a cultura de legalidade no Governo é muito limitada. As pressões
hierárquicas exercidas pelos juizes seniores sobre os juizes juniores, são igualmente comuns e
distorcem não só a aplicação uniforme da lei, como também a cultura profissional no seio dos
magistrados da Nação. Refira-se que, para que um detido seja liberto, basta uma simples chamada
de telemóvel de um juiz de tribunal de alta instância, mesmo não envolvido no caso.”], S Levy/JM
Turner/Tjohnson/M Eddy, op cit.
50 JC Trindade/J Pedroso, A caracterização do sistema judicial e do ensino e formação jurídica, in: B de
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 44
Sousa Santos/JC Trindade (org.), Conflito de transformação social: uma paisagem das justiças em
Moçambique, 1, Porto 2003, pp. 259-218, p. 269.
51 J Pedroso/JC Trindade/ MM Leitão Marques, O sistema judicial: os recursos e o movimento
processual, in: B de Sousa Santos/JC Trindade (org.), Conflito de transformação social: uma paisagem
das justiças em Moçambique, 1, Porto 2003, pp. 319-350, p. 319.
52 Tribunal Supremo (ed.), Estatísticas Judiciais 1999, Maputo, 2000.
53 Entrevista com o Chefe do Departamento de Estatísticas/Tribunal Supremo, M Germano, 22
Novembro 2002.
54 Ibid.
55 F Manhiça, O funcionamento das instituições de administração da justiça em Moçambique.
Documento de trabalho não publicado.
56 J L Woods, Mozambique: The CIVPOL operation, <www.ndu.edu/inss/books/policing/
chapter5.html >, 19 September 2000.
57 A Hills, Towards a critique of policing and national development in Africa, Journal of Modern African
Studies, 34(2), 1996, pp. 271-291, p. 286.
58 Entrevista com o capitão J Gama, membro da Guarda Civil Espanhola envolvido no projecto de
formação e capacitação. Maputo, 22 de Agosto de 2000.
59 Entrevista com o Secretário Geral do Ministério do Interior, Dr. A Correia, e o oficial das relações
públicas, N Macamo, 21 de Novembro de 2002.
60 Entrevista com o representante da UNOPS, J Taberné, Maputo, Agosto de 2000.
61 ‘Procurador-Geral pinta quadro sombrio do sistema de justiça’, Aim, 6 de Março 2002.
62 Entrevista com E Nhavoto, assistente do procurador-geral Joaquim Madeira, 18 de Novembro de
2002.
63 UNDP (ed.), The Prison System in Mozambique, Maputo 2000.
64 B de Sousa Santos/JC Trindade, Conclusões, in: B de Sousa Santos/JC Trindade (org.), Conflito de
transformação social: uma paisagem das justiças em Moçambique, 2, Porto, 2003, pp. 525-580, p.
563.
65 B de Sousa Santos/JC Trindade, Algumas ideias para a reforma das justiças, ibid, pp. 581-592, p. 581.
66 Moçambique possui um sistema presidencial onde o Presidente é directamente eleito pelo povo.
67 A Renamo e nove outros partidos da oposição acusaram a Frelimo de irregularidades durante o
processo de recenseamento de eleitores. No entanto, uma vez que a Renamo não foi capaz de provar
a fraude eleitoral ou a existência de qualquer outra grande manipulação, especulações sobre a
verdadeira razão do boicote espalharam-se. Vários observadores interpretaram o boicote como uma
manobra táctica para melhorar as perspectivas do partido nas eleições gerais a ter lugar em 1999. O
objectivo de se procurar abster de qualquer responsabilidade política visava apresentar a oposição
como uma alternativa viável ao partido no governo.
68 Obstáculos e cláusulas burocráticas dentro da lei das eleições locais impediram a participação de
numerosos candidatos independentes e pequenos partidos.
69 L de Brito, Sistema eleitoral e conflito em Moçambique. Documento apresentado na conferência
organizada pela EISA/CEDE, Consolidação da paz e democracia em Moçambique através de
iniciativas de gestão de conflitos relacionados com eleições, Maputo, 22-23 de Julho de 2003.
70 Nas eleições presidenciais Joaquim Chissano obteve 52.29% dos votos enquanto Dhlakama
arrecadou 47.71%. Nas eleições parlamentares a Frelimo obteve 48.54% dos votos, e a Renamo-UE
apenas 38.81%.
71 S Fandrych/AE Ostheimer, Die Parlaments- und Prasidentschaftswahlen inMosambik: Auf dem Weg
zur konsolidierten Demokratie?, Afrika Spectrum, 34(3), 1999, pp. 401-413.
72 J Elklit/P Svensson, What makes elections free and fair?, Journal of Democracy, 8(3), 1997, pp. 32-46.
73 Embora a campanha eleitoral oficial tivesse começado a 19 de Outubro, a CNE só decidiu sobre o
esquema de distribuição e somas de dinheiro a distribuir pelos partidos políticos a 8 de Novembro.
A maioria dos partidos recebeu a primeira tranche (25%) três semanas depois do começo da
campanha. Tal como em 1994, ficou evidente que a Frelimo estava em melhor posição financeira e
possuía os recursos necessários para realizar uma campanha eficiente desde o seu início.
74 Artigo 19, uma organização internacional que presta atenção à liberdade de imprensa, confirmou que
45 LALÁ&OSTHEIMER
a Rádio Moçambique fez uma cobertura não tendenciosa do processo eleitoral. A televisão estatal
TVM e os jornais semi-privados, Notícias, Diário de Moçambique e Domingo, todos apresentaram
uma inclinação para a Frelimo, quando se tratou de reportar algo sobre a campanha eleitoral. Artigo
19/Liga dos Direitos Humanos, projecto de monitoria dos media, eleições em Moçambique 1999, <
www.ifex.org/alerts/view.html2id=5822>.
75 Por exemplo, nos dias de votação, quadros da Frelimo, no distrito de Magude, usaram veículos do
Estado para se deslocar de uma assembleia de voto para outra. Observação constatada por uma das
autoras enquanto observadora eleitoral em 1999.
76 Um relatório circunstanciado sobre as eleições de 1999 em Moçambique, abrangendo todo o
processo a partir do registo eleitoral até ao processamento electrónico dos votos, foi produzido pelo
Programa de Democracia do Carter Centre. The Carter Center, Observing the 1999 Elections in
Mozambique. Final Report. <www.cartercenter.org>
77 L Brito, Sistema eleitoral e conflito em Moçambique, op cit, p. 8.
78 As manifestações eram unicamente permitidas após as 5 horas da tarde.
79 Comissão da Sociedade Civil (ed.), Relatório sobre os Acontecimentos de Montepuez, Maputo 2000.
80 L Brito, Sistema eleitoral e conflito em Moçambique, p. 10,15.
81 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, op cit, Tab. 51 e Tab. 53.
82 Ibid, Tab. 21 e Tab. 24.
83 M Cahen, ‘Dhlakama é maningue nice!’. Une Ex-guérilla atypique dans la campagne électorale au
Mozambique, in: CEAN (eds), L’Afrique politique 1995. Le pire et l’ incertain, Paris, 1995, pp. 119-161, p.132.
84 C Manning, Constructing opposition in Mozambique: Renamo as political party, Journal of Southern
African Studies, 24(1), 1998, pp. 161-189, p. 187.
85 ‘Crise abala “perdiz”: Secretário-geral em ‘maus lençois’ e Chico Francisco cessa funções’, Noticias,
5 de Julho de 2002.
86 L de Brito/A Frencisco/JC Pereira/Domingos do Rosário, op cit, p. 63.
87 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, op cit, Tab. 58.
88 O índice mede a percentagem líquida de votos que, de uma eleição para a seguinte, mudam de um
partido para outro. Quanto menor for a volatilidade, mais estável se torna o número de votos que as
partes recebem ao longo do tempo e, como consequência, mais estável se torna a estrutura do
sistema partidário no seu todo.
89 GM Carbone, Emerging pluralist politics in Mozambique: The Frelimo-Renamo party system,
internet published research paper.
90 I Lundin, Uma leitura analítica sobre os espaços sociais que Moçambique abriu para cultivar a Paz,
in: B Brazão Mazula (ed.), Moçambique 10 anos de Paz, Imprensa Universitária, 2002, p. 118; UN,
Mozambique Common Country Assessment, 2000, p.103.
91 PNUD, Governação Democrática em Moçambique, 2000.
92 Relatório da pesquisa ‘Os caminhos da democratização em Moçambique’, Universidade Católica de
Moçambique, 2001, pp. 21-22.
93 Inquérito Nacional de Opinião Pública 2001. Centro de Estudos de População. Universidade
Eduardo Mondlane, 2002, p. 16.
94 Ibid, p. 13.
95 Entrevista com um representante de uma ONG, Maputo, 29 de Abril de 2003.
96 UN, Mozambique common country assessment, 2000, p. 103.
97 Entrevista com um representante de uma ONG, Maputo, 28 de Abril de 2003.
98 Constituição da República de Moçambique, 1990.
99 INR, Censo 97-II recenceamento geral da população e habitação, 1999.
100 Ibid.
101 UN, Mozambique Common Country Assessment, 2000, p. 100; E Namburete, Os Media, Paz e
Democracia, in: B Mazula (ed), Moçambique 10 anos de Paz. Imprensa Universitária, 2002, p. 84.
102 Este relatório não foi apresentado ao Parlamento, mas sim publicado na imprensa um dia depois da
discussão inter-partidária. O mesmo referia que tanto a Polícia como os manifestantes da Renamo
eram culpados.
103 S Levy/JM Turner/T Johnson/M Eddy, op cit.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 46
104 O termo autarquias significa cidades e vilas autogovernadas. Todas as funções de poder no município
estão formalmente sujeitas ao escrutínio eleitoral, tanto directa como indirectamente. O Presidente
do Município é directamente eleito e forma o seu Conselho Municipal, i.e., o governo local. Este
funciona de acordo com orientações definidas pela Assembleia Municipal. Metade dos vereadores
municipais tem que ser originários da assembleia municipal. E Braathen, Democratic decentralisation
in Moçambique?. Background paper for the LPD workshop, Local politics and development – focus
on Mozambique, Oslo, 20 May 2003, p. 7; AWEPA, Os ‘Laboratórios’ do processo moçambicano de
autarcização, Occasional paper series #9, 2001, p. 12.
105 E Braathen, op cit, p. 2.
106 [Trad.: “um voto de protesto popular contra as elites políticas em competição e sua incapacidade de
chegar a acordo, e contra as instituições do Estado encarregadas de administrar e supervisionar as
eleições”], Vide Weimer 1999 e Serra 1999, mencionado em Braathen, op cit, 2003.
107 Ibid.
108 Inquérito Nacional de Opinião Pública 2001, Centro de Estudos de População, Universidade
Eduardo Mondlane, p. 35.
109 Ibid, p. 34.
110 Entrevista com um representante dos doadores, Maputo, 23 de Abril de 2003.
111 E Braathen, op cit, p.10f; Weimar, 2002, op cit, p. 68.
112 B Weimar, Demokratisierung, Staat und Verwaltung in Mosambik. Unpublished paper, 6 April 2000.
113 [Trad.: “.“ os investidores privados têm vindo a reclamar o crescente fosso existente entre o
desempenho em Maputo e o desempenho nas províncias do centro e norte.”], Foreign Investment
Advisory Service, Moçambique: Continuando com a remoção das barreiras administrativas ao
investimento (Junho de 2001), citado em: S Levy/JM Turner/T Johnson/M Eddy, op cit.
114 O principio de subsidiariedade visa assegurar que a tomada de decisão seja realizada o mais próximo
possível aos intentos dos cidadãos e, que acções de verificação tenham lugar para controlar se a acção
ao nível local está em consonância com a dos níveis regional e nacional.
115 R Tetzlaff, Einleitung. Demokratisierungschancen Afrikas – auch eine Frage de politischen Kultur,
in: Meyns, Peter (ed.), Staat und Gesellschaft in Afrik. Erosions – und Reformprozesse, Humburg,
1996, pp. 1-16, p. 2.
116 SM Lipset, Political Man. The social bases of politics, New York, 1963, p. 64f.
117 Entrevista com um representante de uma ONG, Maputo, 29 de Abril de 2003.
118 H Abrahamsson/A Nilson, ordem Mundial Futura e Governação Nacional em Moçambique,
Goeteburg: PADRIGU, terceira impressão, 1998, p. 53.
119 G Harrison, Corruption as ‘boundary politics’: The stare, democratisation, and Mozambique’s
unstable liberalisation, Third World Quarterly, 20(3), 1999, pp. 537-550, p. 543f; vide também, MA
Pitcher, Transforming Mozambique, The politics of privatisation, 1975-2000, Cambridge, 2002.
120 M Bratton/N van de Walle, Democratic Experiments in Africa: Regime Transitions in Comparative
Perspective, Cambridge, 1997, p. 87f.
121 Ética Moçambique, Estudo sobre Corrupção em Moçambique, Maputo, 2001.
122 Ibid.
123 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, op cit, Tab. 19B.
124 Ibid., Gráfico 9.
125 Ibid., Tab. 49.
126 Ibid., Tab. 53.
127 Veja-se este argumento apresentado e desenvolvido no artigo de Brito, Os Moçambicanos, a Política
e a Democracia, Santos e Trindade, Conflito e Transformação Social: Uma paisagem das justiças em
Moçambique, Edições Afrontamento, Porto, 2003.
128 S Levy/JM Turner/T Johnson/M Eddy, op cit.
129 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, op cit. Tab. 17, p.21;
Tabs. 11 e 12, p. 10.
130 Ibid. Tabs 57, 58 e gráfico 63.
131 Brito, op cit, p. 183.
132 Centro de Estudos de População/Universidade Eduardo Mondlane/USAid, op cit.
47 LALÁ&OSTHEIMER
Em geral, a democratização pode ser definida como a transição de qualquer um outro
regime para um democrático. Todavia, na conceitualização da democracia e na distinção
entre uma eleitoral e liberal, é necessário que se realize, em primeira instância, a distinção
entre o processo de transição do autoritarismo para a instalação de um governo
democraticamente eleito em eleições instituídas, e posteriormente o de transição para uma
democracia consolidada e institucionalizada.
Do ponto de vista de uma interpretação teleológica, têm-se em conta, igualmente, os
critérios integrantes de uma democracia liberal, isto é, tal como foi definida pelo
académico Larry Diamond, como as pré-condições para uma democracia consolidada. Ao
adoptarmos a terminologia de democracia consolidada, uma clara destrinça deve ser
efectuada entre a referida anteriormente e usada nesta análise e, a consolidação no sentido
clássico, conforme usado por Samuel P Huntington, o qual a considera como a
sobrevivência de um sistema democrático, ao invés de um retorno às estruturas
autoritárias.
133
Consolidação no contexto teleológico, refere-se ao seu carácter processual e
qualitativo, no sentido do alargamento e aprofundamento das estruturas democráticas e
mudança de uma mera democracia eleitoral para uma democracia liberal.
Embora a interpretação de democracia por Huntington na sua análise expressa em
‘Third Wave of Democratisation’ (obra que considera a transição de regimes não
democráticos para regimes democráticos que teve início em meados da década de 70 em
Portugal) deva ser vista como minimalista, o autor, contudo, desenvolve o seu raciocínio
em torno de uma característica importante das democracias de ‘terceira vaga’. Assim, para
Huntington, a ameaça para Moçambique, País considerado como um exemplo clássico de
uma democracia de terceira vaga, não é tanto o risco de um Golpe de Estado ou implosão
político-social, mas sim a possibilidade de uma erosão gradual das estruturas
democráticas.
134
Confrontando-se a tese da erosão gradual das estruturas democráticas, é interessante
notar que os mesmos factores (ou a sua inexistência) para a mera sobrevivência de um
sistema democrático (perspectiva de curto prazo ou a interpretação clássica da
consolidação democrática), desempenham um papel significativo na estabilização e
fortalecimento da democracia (perspectiva de longo prazo ou interpretação teleológica).
A sobrevivência de um sistema democrático depende do apoio prestado, tanto pela
Capítulo 3
AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA
(PROGRESSÃO OU REGRESSÃO?)
49
elite política, como pela maioria da população. Ambos, têm de concordar que a
democracia deve ser aceite como a forma ‘menos pior’, se não a melhor, de governação.
135
Em Moçambique, isto levanta a questão se a elite política no Governo, que neste contexto
é idêntica à antiga elite socialista, adopta o sistema democrático de convicção, ou se
encara a democracia meramente como um meio para assegurar o poder e a influência, ou
ainda porque o “parecer comprometido” com a causa democrática garante o fluxo do
dinheiro dos doadores.
3.1 CONTEXTO SÓCIO-ECONÓMICO PARA A CONSOLIDAÇÃO DEMOCRÁTICA
Em Moçambique, a transição do socialismo (economia de mercado planificada) para o
liberalismo e capitalismo trouxe consigo índices de crescimento macro-económicos que
vieram a constituir “motivo de inveja” para muitos países da região. Entre 1997 e 1999,
o país atingiu uma taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de 10%.
Mesmo após uma estagnação em 2000, devido às cheias nas zonas centro e sul, o país
registou um índice de crescimento económico de 13.9% (2001) e cerca de 8% (2002).
Pela segunda vez consecutiva Moçambique manteve os seus rendimentos de exportação
na ordem de US$500 milhões (2002:US$680 milhões; 2001: US$703.4 milhões).
138
O cumprimento dos critérios de qualificação para a segunda ronda da Iniciativa dos
Países Pobres Altamente Endividados (HIPC II) demonstrou não só a vontade política do
Governo em implementar medidas de austeridade monetária e fiscal, mas também o seu
sucesso na redução do fardo da dívida do país em cerca de US$3.8 biliões. Apesar destes
desenvolvimentos favoráveis em relação à situação da dívida externa, o crescimento da
dívida interna veio ensombrar a brilhante situação económica, revelando a existência de
sérios problemas estruturais na economia de Moçambique. Entre 2001 e 2002 os juros
relativos à dívida interna subiram de 270 para 692 biliões de meticais.
139
As dívidas internas devem-se ao direccionamento de capitais para o re-financiamento
do sector bancário assolado pela crise, uma vez que este enfrentou perdas de cerca de
US$400 milhões desde que o Banco Austral e o Banco Comercial de Moçambique foram
privatizados. Em 2002, 54% do orçamento geral do estado continuava a ser financiado
por doadores internacionais.
140
Os “espantosos” índices de crescimento macro-económico de Moçambique devem-se,
principalmente, a mega-projectos, tais como, a fundição de alumínio, Mozal (encontra-se
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 50
Dados Demográficos 2001 Dados económicos e sociais 2001
População 17,656,200 BIP p.c. ($, PPP) 205
Crescimento Populacional 2.4 % Taxa de inflação 9%
Fragmentação étnica
136
26.4 % Taxa de desemprego
137
30-50%
IDH 0.322 Financiamento Externo 47.9% (2000)
do orçamento geral
IDG 0.304 (2000) Orçamento de educação 23.1%
(% do orçamento geral)
Índice de Educação 0.374 (2000) Prevalência do HIV/ Ca. 12%
da ONU Sida na população
agora na segunda fase de expansão) e o ‘pipeline’ de gás da Sasol que começa em Temane,
na província de Inhambane e se extende até Sasolburg, na África do Sul.
No que diz respeito a investimento externo, em termos capitais, a África do Sul é, neste
momento, o maior investidor, seguindo-se Portugal, com um número alargado de
projectos em execução. A proveniência dos investimentos em Moçambique constitui
motivo para preocupação, visto estes dependerem de dois grandes intervenientes, quando
uma multiplicidade de fontes (com valores de capitais equilibrados), seria desejável.
Assim, Moçambique depende largamente do bom desempenho daquelas economias (dos
países investidores) e, no caso concreto do sector bancário, onde existe praticamente um
monopólio de capitais portugueses, as implicações poderão provocar um revés
considerável no sistema financeiro moçambicano, caso uma crise atinja os grandes grupos
investidores em causa.
O sector de exportações em Moçambique, encontra-se também em transformação: o
alumínio (53%) – como resultado da produção da Mozal – e a electricidade (16%)
141
posicionam-se em lugar de destaque, enquanto que a agricultura e as pescas, sectores nos
quais a maioria da população (83%)
142
se encontra economicamente activa, estão em
declínio.
Relativamente ao ambiente empresarial, constata-se que as 10 maiores empresas (todas
a laborar nos sectores de energia e transportes) geram 62% do total do rendimento
empresarial. Consequentemente, as empresas de pequeno e médio porte, têm um espaço
de manobra limitado, sendo a sua “luta pela sobrevivência’ tarefa árdua, especialmente
tendo em conta o facto de que as taxas de juros se situam em mais de 30%.
143
A análise acima apresentada, é somente parcial, elaborada a partir de dados oficiais e
relativa à economia formal do país, havendo contudo necessidade de se chamar a atenção
para a existência de um sector informal, com um tamanho considerável.
Apesar das características económicas positivas, a redistribuição destes ganhos
continua ainda por se fazer e a maioria da população ainda não beneficiou de melhorias
substanciais nas suas condições de vida. Conforme um passageiro num voo para Maputo
afirmou: “A única coisa estável em Moçambique são os salários”. Deste modo, torna-se
plausível que ainda não se tenha desenvolvido uma classe média sólida, que 80% da
população viva nas zonas rurais e que desses, 71.2% vivam abaixo da linha de pobreza
(mesmo nas zonas urbanas 62% vivem na pobreza absoluta).
144
Embora o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Moçambique esteja a crescer
de forma estável e tenha atingido 0.317 em 2001, o país continua na categoria de países
com baixo desenvolvimento humano, realçando-se como uma preocupação específica
para a estabilidade política, o elevado nível das disparidades entre Maputo (HDI=0.622)
e por exemplo Zambezia (HDI=0.202) (vide Figura 2).
Conforme Seymour Martin Lipset indicou há algumas décadas atrás, o
desenvolvimento económico que produz níveis de educação elevados e que promove a
redução de disparidades sociais, reduz a possibilidade de políticas extremistas, apoiando
simultaneamente o desenvolvimento de um sistema democrático e estabilizando a classe
média. Presentemente, isto verifica-se apenas na cidade de Maputo. A maioria do país
continua apartada do célere desenvolvimento que está a ocorrer no sul de Moçambique.
51 LALÁ&OSTHEIMER
Do ponto de vista de desenvolvimento e constituindo motivo para alarme é o facto do
índice de educação ter atingido a estagnação desde 1994. A taxa de alfabetização cresceu
somente de 39.5% para 43.3%, podendo-se observar, também aqui, diferenças regionais
substanciais, com a taxa de analfabetismo a atingir os 13% em Maputo, em contraste com
os 77.3% em Cabo Delgado. Adicionalmente, as expectativas, tanto no sector de educação
como no da saúde encontram-se obscurecidas pela epidemia do HIV/SIDA. A esperança
de vida dos Moçambicanos tinha aumentado de 41.7 anos em 1994, para 44.6 anos em
2000,
145
mas com o impacto do SIDA pode-se estimar a sua redução em cerca de um
terço, durante a próxima década.
O domínio étnico-regional do Sul do País, proporcional à concentração de
investimentos e indicadores de desenvolvimento nesta área, não se materializa apenas
através da enorme diferença económica, mas também em termos de representação
política. Ela encontra-se igualmente enraizada na hegemonia da antiga elite marxista-modernista, presentemente transformada em pragmática-tecnocrata,
146
dentro do
aparelho do Estado. Não obstante as tentativas realizadas pela liderança da Frelimo com
vista a diversificar os governantes de acordo com linhas étnicas, por vezes mesmo em
detrimento da eficiência, a maioria dos cargos de relevo dentro da burocracia estatal e da
Frelimo são ocupadas por pessoas do sul (províncias de Gaza e Inhambane).
Embora as raízes históricas da dominação étnico-regional possam ser encontradas na
herança do regime colonial, o fosso regional tem-se vindo a agravar, em termos de
potencial para a erupção de um conflito. Esta discrepância revela fortes elementos de
desigualdade que, quando interpretados e contrapostos às linhas políticas, podem tornar-DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 52
0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7
Mozambique
Maputo City
Maputo Prov.
Gaza
Inhambane
Sofala
Manica
Tete
Zambezia
Nampula
Cabo Delgado
Niassa
Figura 2: Índice de Desenvolvimento Humano, Moçambique, 2000
Fonte: PNUD, (ed.), Moçambique: Género, mulher, e desenvolvimento humano: Uma agenda para o futuro. Relatório
Nacional de Desenvolvimento Humano 2001, Maputo 2002.
se críticos, constituindo terreno para a instrumentalização.
147
O Sul é economicamente
mais desenvolvido e tem atraído mais investimentos, pois apesar dos esforços do Governo
para tornar as condições de investimentos nas províncias do Centro e Norte mais
atractivas, elas carecem de infra-estruturas.
148
Desta feita, uma convergência letal é
motivada pelo facto acima descrito, i.e., a proveniência da maior parte da liderança ser do
Sul. Uma vez que a influência da Renamo se encontra concentrada nas províncias do
Centro e do Norte, ela consegue mobilizar as populações com base no argumento de ser
o partido que representa os ‘excluídos’.
Um outro factor revelador de discrepâncias, é fosso urbano-rural com cerca de 70%
da população a residir em zonas rurais e cerca de 30% em zonas urbanas, acarretando,
igualmente, elevadas disparidades económicas no contexto destes parâmetros. As zonas
urbanas tendem a ser dominadas pela Frelimo (que mesmo assim continua a manter uma
forte presença rural), enquanto que a prevalência da Renamo se verifica nas zonas rurais.
Um outro factor de atrito, embora menos perceptível, é o da etnicidade que, sem
constituir excepção à regra, reforça os elementos propensos ao conflito anteriormente
referidos. Não existem grupos étnicos maioritários ou minoritários que possam estar
associados com a manutenção do poder, porque estes são numericamente equiparados,
com excepção dos Makua que constituem o maior grupo. Contudo, uma análise
simplística, constataria que os Shanganas predominam no Sul e governam o país
(Frelimo), enquanto que os Ndau e Sena são representados pela Renamo. A validade de
tal análise é, todavia, colocada em causa, quando se observa a composição dos órgãos
superiores dos partidos e esta apresenta uma ampla diversidade étnica. A generalização
poderá, contudo, ser considerada em termos da conexão entre o partido e o respectivo
eleitorado.
Felizmente, não existem problemas de monta no que respeita à distribuição da terra.
O País tem terra arável em quantidade suficiente para todos, embora a que se encontra
nas províncias do norte e menos povoada, apresente melhores condições para cultivo. O
facto da terra continuar a pertencer ao Estado e das comunidades terem que estar
envolvidas em qualquer projecto relativo à sua exploração, garante que os camponeses
não sejam coercivamente desprovidos do seu “ganha-pão”, facto que, eventualmente,
poderia suceder se o resultado do debate sobre a terra se tivesse direccionasse para a
privatização e liberalização. No entanto, o debate sobre a terra continua a ser o fulcro da
discussão na sociedade moçambicana, com alguns dos seus constituintes a defenderem que
a liberalização permitiria aos camponeses terem acesso a empréstimos, contribuindo assim
para a melhoria da sua actividade agrícola e consequente aumento dos índices de
produção.
Todavia, ao nível dos países fronteiriços (âmbito externo/regional), a problemática da
questão da terra e a forma como ela foi abordada, prejudicou a economia Moçambicana.
Em consequência da crise económica e política vivida no Zimbabwe, este não tem
conseguido pagar o uso do Corredor da Beira e o fornecimento de água. Igualmente, outra
questão altamente contestada, foi o facto de alguns fazendeiros brancos deste País
decidirem estabelecer-se como produtores agrícolas comerciais na província de Manica,
embora, após um debate público altamente polarizado nos meios de comunicação social,
53 LALÁ&OSTHEIMER
esta questão tenha sido minimizada. As fazendas apresentam, actualmente, um bom
desempenho económico e os seus proprietários parecem estar a trabalhar pacificamente
com as populações locais.
Em termos de perspectivas para o desenvolvimento regional, as expectativas em torno
do Corredor de Desenvolvimento de Nacala, que irá ligar Moçambique ao Malawi,
penetrando, igualmente, até à Zâmbia, são elevadas. Espera-se que este Corredor venha a
incrementar o comércio e a rede de transportes entre estes países. Este projecto terá a
assistência da Corporação de Investimentos Privados Ultramarinos dos Estados Unidos e
USAID.
149
Intrinsecamente associado aos negócios, perfila-se o elevado índice de corrupção nos
sectores público e privado de Moçambique. Os dirigentes políticos têm vindo a usar a sua
influência e o seu poder de decisão com vista a obterem rendimentos extras através, de
processos de privatização. Os casos do Banco Comercial de Moçambique e do Banco
Austral, mostraram que os beneficiários de empréstimos não liquidados, que conduziram
ambos os bancos à falência, possuíam fortes ligações ao partido no poder.
Estes casos possuem conexões com redes criminais, que se acredita estarem na origem
das mortes trágicas de Carlos Cardoso e Siba-Siba Macuácua, reforçando o argumento
radical de que Moçambique constitui um exemplo avançado de um Estado
criminalizado.
150
Esta tendência para a corrupção tem vindo a ser ‘mascarada’ através
dos grandes projectos em curso no País, onde um pequeno grupo de dirigentes
Moçambicanos está, invariavelmente, representado.151
As práticas desenvolvidas
parecem prevalecer nas estruturas burocráticas do Estado, principalmente devido aos
baixos salários usufruídos.
De acordo com um estudo conduzido pela Ética Moçambique, com o apoio da
Transparência Internacional,
152
revelou que para a compreensão do fenómeno, os
Moçambicanos concebem duas noções: uma moralista e outra legalista.153
Para a maioria,
não existe razão para se distinguir entre ‘grande’ e ‘pequena’ corrupção, uma vez ambas
serem consideradas atitudes erradas. Igualmente, o facto de se receber um baixo salário
não justifica atitudes corruptas. A implantação da corrupção na sociedade foi atribuída,
por grande parte dos inquiridos, a razões políticas e factores estruturais. Consideraram
ainda, o Governo e os doadores como sendo os principais responsáveis pela corrupção,
sendo da competência do primeiro agir e implementar medidas efectivas para o seu
combate.
154
O Parlamento aprovou, recentemente, uma lei anti-corrupção e uma unidade, sob
responsabilidade da Procuradoria da República (subordinada directamente a um órgão
central), foi criada para o combate à mesma. Na realidade, críticas têm surgido pelo facto
desta revelar uma abordagem jurídica para a resolução do problema, quando,
efectivamente, se deveria optar por uma solução multidisciplinar (que incluiria educação,
investigação, etc).
155
Contudo, o debate sobre a corrupção continua em curso, caracterizado por uma cada
vez maior pressão da sociedade civil e da comunidade internacional, sobre o Governo.
Existem, por conseguinte, enormes expectativas em torno do novo Governo a eleger nas
próximas eleições gerais, sobre a sua capacidade para a resolução efectiva do problema.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 54
3.2 ESTRUTURAS INSTITUCIONAIS: CONTINUIDADE E MUDANÇA
3.2.1 OS PERIGOS DO PRESIDENCIALISMO
Conforme anteriormente referido, a continuação da CRM de 1990 que endossa um
sistema presidencial poderá constituir um desafio à estabilidade política em Moçambique
depois das próximas eleições. Considerando a estrutura bipolar da arena política
Moçambicana e a aproximação dos resultados das eleições realizadas em 1999, a previsão
mais plausível seria a de um cenário de coabitação, no qual existiria um Presidente da
Renamo a governar contra um Parlamento dominado pela Frelimo, ou vice-versa. No
âmbito de uma cultura de desconfiança profundamente enraizada esta situação pode
impedir qualquer tentativa sólida de governação.
À parte este cenário, o presidencialismo como tal é problemático uma vez que
funciona através da regra “the winner-takes-all”. Embora as eleições parlamentares
possam produzir maioria absoluta para um partido, a partilha do poder e a formação de
coligações têm sido comuns, criado espaço de acomodação para os partidos pequenos. O
efeito do “zero-sum game” (jogo de soma-zero) característico dos sistemas presidenciais é
agravado pela rigidez do mandato fixo de governação. Os vencedores e os derrotados
permanecem nas mesmas condições até ao final do mandato e não existe forma de se
alterar alianças ou de se envolver novos parceiros de coligação, possibilidade esta que é
permitida num sistema parlamentar.
156
Não obstante, a oposição ainda não se apercebeu
das vantagens da reforma do sistema, o que ficou claramente expresso quando as
tentativas de introdução de um sistema semi-presidencial em 1999 foram goradas pela
resistência da Renamo.
3.2.2 BUROCRACIA ESTATAL
Conforme advogado pelo cientista político, Larry Diamond:
“To be stable, democracy must be deemed legitimate by the people; they must view it
as the best, most appropriate form of government for their society. Indeed, because it
rests on the consent of the governed, democracy depends on popular legitimacy much
more than any other form of government. This legitimacy requires a profound moral
commitment and emotional allegiance, but these develop only over time, and partly
as a result of effective performance. Democracy will not be valued by the people
unless it deals effectively with social and economic problems and achieves a modicum
of order and justice.”
157
Em Moçambique, prevalece actualmente uma situação de insuficiência de mecanismos de
controlo efectivos, na qual o novo ambiente liberal tem estimulado práticas corruptas,
impedindo o desenvolvimento de instituições públicas funcionais, ou do que Max Weber
apelida de elemento essencial de um Estado responsável – a burocracia do Estado.
158
Uma
observação do falecido jornalista Carlos Cardoso ilustrava esta situação argumentando
que Moçambique está a sair do Estado de Direito para um “Estado de arranjos”.
55 LALÁ&OSTHEIMER
Por outro lado, a burocracia estatal Moçambicana, não só se encontra profundamente
misturada com o aparelho partidário da Frelimo, como possui, igualmente, as características
ultra-formais e ultra-burocratizadas, herdadas da administração colonial portuguesa. Para
Joseph Hanlon, a burocracia Moçambicana é um refúgio para os incompetentes:
“The Portuguese left behind a complex system requiring formal petitions, fax stamps
and rubber-stamped signatures. Frelimo never dismantled this system, and for
anything difficult or unusual, the answer is often that the petition is not right, another
signature is needed, or someone else is responsible.”
159
Estas características têm reforçado a íntima ligação existente entre o Estado e o partido e
tornarão lenta qualquer mudança prevista. Apesar disto, é relevante o facto de que uma
nova geração com afiliações políticas diversas está a integrar esta burocracia, embora
também estes se abstenham de assumir posições críticas, receando represálias (apesar deste
cenário ser agora menos frequente). O facto é que os jovens não querem ‘manchar’ os seus
currícula ou envolver-se em algo que possa deixar mácula nas suas carreiras.
160
Por conseguinte, qualquer reforma do sector público deveria abordar estes receios e
expectativas e, favorecer a criação de uma mentalidade em que os funcionários públicos
sejam encorajados, através de uma gestão melhorada e eficiência, a servir melhor os
cidadãos.
3.2.3 FORÇAS DE SEGURANÇA (POLÍCIA, FORÇASARMADAS E SERVIÇOS SECRETOS)
Com a assinatura dos Acordos de Roma em 1992, o sector de segurança confrontou-se
com a necessidade de uma reestruturação que teve início com a desmobilização de 92,881
soldados
161
das forças armadas, de acordo com o estabelecido no Protocolo IV do Acordo
Geral de Paz (AGP), que definia as bases para a criação das novas Forças Armadas de
Defesa de Moçambique (FADM). O processo de criação das FADM implicou primeiro a
desmobilização total das forças governamentais e das unidades guerrilheiras da Renamo,
e em seguida, a incorporação de voluntários de ambos os lados, numa base de 50:50. O
objectivo de se alcançar um total de 30,000 tropas, conforme estabelecido no AGP, nunca
foi, contudo, realizado, visto poucos voluntários se terem apresentado. Ainda como parte
da restruturação foi posteriormente instituído um novo sistema de recrutamento, que tem,
no entanto, revelado deficiências, contribuindo assim para que os jovens não encarem as
forças armadas como uma opção de carreira atraente.
As Forças Armadas tem vindo a comportar um processo de reorganização demorado e
com exiguidade de recursos, dado não constituir prioridade para o Governo nem para os
doadores. Porém, problemas de outra natureza (técnica) se deparam neste processo,
referentes à dificuldade de integrar elementos provenientes de uma força de guerrilha e
de forças armadas profissionais. O impacto tem-se revelado no baixo nível de eficiência
das FADM, apesar dos esforços levados a cabo em treinamento e formação, por forma a
alcançar maior equilíbrio entre os seus constituintes. Por outro lado, do ponto de vista de
uma perspectiva política, esta integração tem sido concebida como sendo bem sucedida,
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 56
uma vez que o processo decorreu calmamente, contribuindo para uma reconciliação
efectiva, sucesso este provavelmente atribuível aos princípios de disciplina e hierarquia,
apanágios do aparelho militar.
No que concerne à relação entre as Forças Armadas e o Estado democrático, esta pode
ser considerada positiva, visto não existir um passado de tentativas militares com o intuito
de assumir a governação do País. Esta ausência de golpes de Estado
162
(característicos em
vários países Africanos), pode dever-se ao facto de durante a luta pela independência e sob
a governação do regime socialista, as forças armadas terem permanecido intrinsecamente
ligadas, mas sempre subordinadas à política.
As FADM continuam ainda a depararem-se com desafios de vulto, relacionados com a
imprescindível necessidade de levar a cabo o processo de “Defense Review” (revisão do
Conceito de Defesa Nacional) e de Análise da Situação Estratégica. Uma minuciosa
reorganização do sector afigura-se pertinente, por forma a permitir às FADM realizar as
suas tarefas tradicionais de defesa do país, bem como responder a novas missões, tais
como a assistência às populações em situações de calamidade e o envio de tropas para
integrar operações de paz.
No que diz respeito aos Serviços Secretos, e ao abrigo do Protocolo IV do AGP, foram
criados órgãos para o controlo destes (a Comissão Nacional de Informação – Cominfo) e
da Polícia (a Comissão Nacional de Assuntos Policiais – Compol). Elementos nomeados
pela Frelimo e pela Renamo compuseram estes órgãos, mas uma vez que ambas as
instituições foram dissolvidas após as primeiras eleições democráticas(em conformidade
com o AGP), a Renamo perdeu intendência sobre estes sectores, que presentemente se
encontram bastante ligados à Frelimo.
163
Assim, pode-se inferir que, se por um lado,
parece altamente improvável que as Forças Armadas venham a ameaçar a democracia, por
outro, a fidelidade do aparelho policial e dos serviços secretos a um Governo, que não da
Frelimo, mantém-se por provar.
A transformação dos serviços secretos numa agência de informação do Estado tem
vindo a ocorrer; contudo, existe pouca informação disponível que permita a elaboração
de uma análise nesta fase. O grau de confiança e efectividade da agência constitui motivo
de inquietação, uma vez que as suas tarefas aumentaram, com a responsabilidade adicional
de apoiar a Polícia no desmantelamento das redes de crime e no desenvolvimento da
capacidade para investigar possíveis actividades relacionadas com o terrorismo que
possam surgir no País e/ou na região.
Não obstante as acima referidas, outras preocupações estruturais devem ser
consideradas para um desenvolvimento sadio destas instituições, no contexto de um
ambiente democrático. Por exemplo, apesar dos esforços para a formação da Polícia em
direitos humanos,
164
as forças policiais são vistas ainda como uma das instituições mais
corruptas do Estado,
165
granjeando do nível de confiança populacional mais reduzido,
comparativamente a outras instituições.
166
Esta conjuntura afigura-se problemática do
ponto de vista da legitimidade do Estado e da confiança social, bem como relativamente
às operações e actividades da Polícia. A ausência de confiança, corroborada por
constatações de pesquisas de opinião que atestam que 76.2% das pessoas não contactam
a Polícia para solicitar ajuda na resolução dos problemas locais,
167
pode prejudicar a nova
57 LALÁ&OSTHEIMER
iniciativa de policiamento comunitário, na qual se apela aos cidadãos para cooperar com
a Polícia, com vista à detenção de criminosos.
Um outro desafio enfrentado pela Polícia é a criação de capacidade para pôr cobro às
redes transnacionais de criminosos que operam em Moçambique. Estas redes dedicam-se
ao tráfico e comercialização de drogas, lavagem de dinheiro, tráfico de órgãos humanos,
contrabando, roubo de veículos, assaltos a bancos, organização de grupos de assassinos, e
envolvem-se ainda no estabelecimento de redes criminosas dentro do aparelho do Estado
e das empresas, obstrução da justiça e corrupção.
168
Face a este cenário, existe necessidade
de se adoptarem políticas adequadas para lidar com o crime.
Embora a Lei sobre Defesa e Segurança (17/97) estabeleça as missões e
responsabilidades dos três ramos de segurança, a lei específica sobre segurança pública,
que deveria regular a actividade da Polícia, nunca foi concluída. Está em curso um
trabalho com vista ao desenvolvimento de um plano estratégico para a área, mas a sua
pertinência torna-se questionável do ponto de vista de sequência organizacional, se se
considerar que, até ao momento, nenhuma política de segurança pública foi elaborada.
Em geral, refira-se que, no que diz respeito à reforma do sector de segurança, bastante
há para ser feito. Para além da prestação de assistência técnico-militar, poucos esforços
foram desenvolvidos pela comunidade internacional no sentido de encorajar o Governo a
rever a forma e a estrutura do sector, para além dos apelos genéricos de que as forças de
segurança se devem submeter a um controlo democrático. A vulnerabilidade institucional
e organizacional das principais instituições de supervisão do sector de segurança, tais
como os Ministérios da Defesa, Finanças e Interior, as Comissões Parlamentares de Defesa
e Ordem Pública, assim como outros grupos da Sociedade Civil, não têm recebido a
devida atenção da comunidade internacional. Apesar do referido e não menos importante,
deparamo-nos com um Governo apático, principalmente concentrado na resolução das
tarefas que, primariamente, é incumbido, tais como, reconstrução, criação de um
equilíbrio macroeconómico e melhoramento dos sectores de educação e saúde.
169
Certas concessões políticas ‘imperativas’ no que diz respeito às forças de segurança,
foram feitas no período de transição imediato ao AGP, causando algumas dificuldades,
que não foram até ao presente solucionadas. Estes começam a ressurgir de forma
problemática e, por exemplo, soldados que não foram desmobilizados, tendo-lhes sido
permitido continuar armados, como guardas pessoais do presidente da Renamo se
envolvido em vários actos violentos na Gorongosa, província de Sofala. O problema que
se coloca na actualidade é que já não existe um quadro jurídico para desmobilizar e
integrar estes homens na sociedade, tal como aconteceu com os seus colegas e deste modo,
eles utilizam as suas armas para perpetrar acções duvidosas, embora as justifiquem como
sendo uma questão de sobrevivência. Os seus actos são considerados criminais, e
declarações inflamatórias feitas pelo Governador da província de Sofala tem denunciado
esta situação, preparando o terreno para o crescimento de tensão política.
170
3.2.4 PADRÕES DE COMPORTAMENTO DOS ACTORES POLÍTICOS
Conforme descrito, a Renamo tem, no passado, agido de uma forma politicamente
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 58
imatura, tentando utilisar a divisão étnico-regional e económica para atingir os seus
próprios objectivos, mesmo sabendo-se que esta abordagem pode aprofundar as clivagens
étnicas, e até criar novas estruturas de conflito. Em vez de se constituir numa alternativa
credível ao partido no poder, a Renamo continua a utilizar o seu antigo estilo de
confrontação e obstrução. Por outro lado, a Frelimo tem, igualmente, demonstrado falta
de vontade de partilhar o poder, e de abertura para o alcance de mecanismos consensuais
de governação. A desconfiança contínua por parte de ambos os lados, impede o trabalho
de instituições vitais, tais como, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e Comissões
Parlamentares, como por exemplo, a da reforma constitucional.
3.2.5 LACUNAS DA OPOSIÇÃO POLÍTICA
As fraquezas estruturais e financeiras dos partidos da oposição são enormes e o
financiamento partidário continua problemático, uma vez que a lei proíbe o
financiamento directo por parte de patrocinadores externos. No período antecedente às
eleições de 1994, as Nações Unidas criaram um fundo monetário que atribuiu à Renamo
US$17 milhões, para além desta continuar a receber, numa base anual, US$1.4 milhões do
Estado. Todavia, as finanças do partido continuam a ser do domínio do seu líder e até ao
momento, nunca foram tornadas públicas as contas relativas aos gastos e rendimentos.
171
Os fundos raramente são canalizados para o nível distrital e até as infra-estruturas do
partido, continuam fracas, como se ilustra através do seguinte comentário: “Renamo’s
branches on the ground are often little more than a flag on a member’s house.”
172
A democracia intra-partidária continua crítica e constitui assunto ainda por resolver.
Verificam-se fortes tendências de centralização, tanto ao nível da Renamo como da
Frelimo, embora se constate uma crescente resistência a este fenómeno, no seio da Frelimo.
Adicionalmente, a abrangência do programa do principal partido da oposição é
limitada, pois fácil é de observar que documentos estratégicos de políticas a desenvolver
sobre assuntos de relevo, elaborados pela Renamo, ou são inexistentes ou não são
publicamente divulgados. A última campanha eleitoral no nível nacional mostrou,
contudo, que as políticas preconizadas pela Renamo, não são de modo algum diferentes
das elaboradas pela Frelimo.
No que diz respeito aos pequenos partidos da oposição, estes têm muito pouco apoio
no seio da sociedade moçambicana, pois, quase sempre, estes se tornam insignificantes em
virtude de cisões internas e abandonos provocados por rivalidades pessoais. Nenhum dos
apelidados ‘partidos não armados’ conseguiu consolidar as suas origens que remontam a
1994 ou expandir as suas bases partidárias. Estes, raramente participam no debate político
e, cumulativamente, recebem uma cobertura muito restrita nos órgãos de comunicação
social, visto estes se centrarem, quase em exclusivo, nos dois maiores partidos existentes.
Cientes de que, no passado, a Renamo se sentia limitada, em toda a sua plenitude,
devido à falta de imaginação política que lhe concebesse um pouco mais do que a sua
conhecida estratégia de boicote, o actual discurso sobre o poder deve ser substituído por
uma discussão sobre alternativas políticas em prol da consolidação da democracia em
Moçambique, que assim se exige e todos almejam.
59 LALÁ&OSTHEIMER
3.3 CARACTERÍSTICAS DA TRANSIÇÃO
Quando, após as eleições de 1994, Brazão Mazula desenvolveu cinco cenários
173
possíveis, que variam da instabilidade militar até a uma democracia real, as esperanças
permaneciam elevadas em que Moçambique viesse a desenvolver uma abordagem
teleológica, com vista ao alcance de uma real democracia ou “real convivência
democrática”.
174
Todavia, a transição de Moçambique alterou-se de um cenário de
destabilização (o cenário da anarquia e ingovernabilidade) para um de co-optação política
e “re-patrimonialização”.
175
Resumidamente, uma situação de destabilização é caracterizada por acusações mútuas,
com a oposição a rejeitar tudo que emane do governo (faz-se uma oposição por oposição),
enquanto que o Governo utiliza os media para denegrir a imagem pública da oposição.
Tendências para radicalizar desconfianças profundamente enraizadas continuam a
persistir e, embora a governação se torne incomportável perante tais circunstâncias, a falta
de recursos financeiros e ausência de apoio público pode, facilmente, transformar esta
situação numa de militarização.
Com o cenário de co-optação e re-patrimonialização, o partido vencedor das eleições
centraliza o poder e procura, secretamente, captar as forças da oposição no sentido de
evitar, perante a opinião pública, uma imagem não democrática. Grupos cruciais que,
anteriormente, permaneciam fora das estruturas do Poder, são integrados em redes neo-patrimoniais e agraciados com vários benefícios. O objectivo final é erradicar forças que
possam perturbar a hegemonia do partido no Poder e unir, simultaneamente, a sociedade
e o Estado, com o partido (“[...] torna a sociedade e o Estado suas propriedades”).
176
A
reconciliação nacional torna-se condicional e baseada nos interesses do partido
hegemónico, assegurando apenas uma paz temporária, caracterizada, principalmente, por
uma resistência passiva no seio da sociedade, até à erupção do descontentamento social
latente.
Enquanto a fase inicial de transição em Moçambique (1990-1994) parecia indicar que
o País estava no caminho para a democracia e consolidação democrática, fomentando o
respeito mútuo entre os actores políticos, tolerância e clima de confiança social, os anos
subsequentes demonstraram, claramente, o ressurgir de estruturas patrimoniais e uma
falta de confiança profundamente enraizada no seio das forças políticas. A Frelimo tem
conseguido dominar e diluir o processo de transição de Moçambique, utilizando, para tal
e desde o início, o processo de liberalização económica e política,
177
atitude que vem
mantendo até aos dias de hoje. As conexões existentes entre o partido e o Estado, as redes
patrimoniais da Frelimo e o comportamento corrupto da elite política, constituem graves
obstáculos ao progresso democrático em Moçambique. Desde as primeiras eleições
democráticas realizadas em 1994, Moçambique tem respeitado as condições minimalistas
exigíveis a uma ‘democracia eleitoral’, embora a consolidação das estruturas democráticas
continue ainda por suceder.
O desenvolvimento sustentável e as reformas económicas bem sucedidas requerem a
existência de instituições políticas sólidas, embora em Moçambique se constate que,
apesar das tentativas de reforma empreendidas, a capacidade das instituições continua
limitada. Repare-se o Sistema de Justiça, em particular, o qual se caracteriza por
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 60
ineficiência, corrupção e redes neo-patrimoniais, embebidas dos mesmos atributos, que se
vêm tornando como elementos constitutivos da cultura política Moçambicana.
Nesta democracia, a interacção entre os partidos políticos é movida, essencialmente,
por desconfiança, ou seja, continua a verificar-se pouca vontade para se alcançar um
acordo ou atingir um consenso. O diálogo político está, neste momento, paralisado,
mesmo com as próximas eleições à vista. Parece que o “minimalismo” democrático
prevalecerá, pelo menos ate as próximas eleições gerais.
Ao longo do que foi exposto, este estudo procurou efectuar uma abordagem e
apresentar, em termos teleológicos, a evolução do processo de democratização
Moçambicano através, primariamente, da identificação dos elementos que parecem estar
a bloquear o processo de consolidação democrática. Todavia, torna-se necessário que se
reconheça igualmente e se aborde os aspectos positivos desta frágil democracia,
assumindo o potencial construtivo existente em prol da mudança.
O primeiro destes potenciais que se poderia enumerar, seria o sector da sociedade civil
em crescimento, o qual já aqui foi abordado. Se este for fortalecido e se tornar mais
independente, pode vir a constituir um controlo efectivo das actividades do Estado, não
se substituindo a ele, mas actuando como uma ‘voz de consciencialização apelativa’.
Um outro poder-se-à considerar o trabalho das várias OSCs, ONGs, confissões religiosas
e autoridades tradicionais, as quais se vem evidenciando na manutenção de uma posição de
conciliação quanto a questões polarizadas, tanto a nível nacional como local, assim como na
prestação de serviços sociais e alívio da pobreza, especialmente nas zonas rurais.
O terceiro factor a englobar é a liberdade dos media. Embora o jornalismo crítico
tenha sofrido um revés após a morte de Carlos Cardoso, os órgãos de comunicação social
parecem ter mantido a sua posição e continuam a denunciar e a criticar os acontecimentos
relevantes no País. Este sector debate-se, internamente, com um problema de polarização,
onde as duas principais correntes, uma pró-governo e a outra pró-oposição, propelam o
conflito, em vez de contribuir para a sua pacificação e ofuscando possíveis alternativas.
178
A liberdade permitida pelo Governo nesta área é assinalável, especialmente, quando
comparada à existente noutros países da região.
Um outro elemento positivo é o relacionado com a decisão do Presidente Chissano de
não se candidatar nas próximas eleições Presidenciais, demonstrando uma consciência
política democrática aturada por parte do líder Moçambicano. Em contrapartida, líderes
de muitos outros países Africanos procuram efectuar revisões constitucionais que lhes
permitam concorrer, ininterruptamente, às eleições, ou governar de forma vitalícia,
provocando um revés aos benefícios (nos Países onde estes se verificaram) alcançados
através da democratização.
Para além dos mencionados, existem ainda uma diversidade de factores positivos, que
não obstante não serem alvo de análise neste estudo, têm vindo a contribuir para o sucesso
parcial do processo de democratização em Moçambique. Neste âmbito, encontram-se
outros actores, muitas vezes excluídos dos discursos ocidentais democrático-liberais, tais
como as autoridades tradicionais, as famílias e comunidades, que como agentes sociais
possuem uma maneira especifica de lidar com os vários assuntos discutidos neste trabalho.
Visto que em Moçambique, as instituições formais parecem estar a fracassar, torna-se cada
61 LALÁ&OSTHEIMER
vez mais necessário considerar outros espaços sociais nos quais os conflitos são geridos (ou
não), até que se atinja um ponto de ruptura, ou que as instituições formais se transformem
adequadamente.
ANOTAÇÕES
133 SP Huntington, The Third Wave. Democratization in the Late Twentieth Century, Norman,
University of Oklahoma Press, 1993, p. 203ff.
134 SP Huntington, Democracy for long haul, Journal of Democracy, 7(2), 1996, p. 3-13, p. 8.
135 M Lipset, Political man. The social bases of politics, New York 1963, p. 64f.
136 Percentagem do maior grupo étnico (Macua).
137 Taxa da população economicamente activa oficialmente registada como desempregada (15-65 anos
de idade).
138 “Mozambique keeps up rapid economic growth”, in: AIM News Agency, 11.04.2002.
139 “Growth rate expected to hit 14.8 per cent”, in: AIM News Agency, 02.01.2002.
140 Ibid.
141 The Economist Intelligence Unit, Mozambique Country Report, April 2003, p. 26.
142 Em 1999, 83% da força laboral trabalhava na agricultura de pequena escala e de subsistência, Europa
Year Book, 2001.
143 The Economist Intelligent Unit, op cit, p. 25.
144 Ministério do Plano e Finanças, Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta (2002-2004),
Maputo, 2000, p. 13.
145 PNUD (Hrsg.), Moçambique: Género, mulher, e desenvolvimento humano: Uma agenda para o
futuro, Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano 2001, Maputo, 2003.
146 A composição do Governo tem se tornado num assunto de relevo nas discussões internas da Frelimo,
especialmente com relação à criação do equilíbrio entre a eficiência e a sensibilidade política. Com
efeito, uma grande crítica dirigida a Chissano foi de que para além de ter trazido pessoas jovens e
sem experiência para as estruturas governamentais, estes eram, na sua maioria, tecnocratas com
pouco historial político e fraca percepção da necessidade de manutenção de fortes laços com a base
partidária. Os que assim defendiam, capitalizavam os seus argumentos em torno do revés dos
resultados das eleições de 1999, após o que o Governo teve de ser restruturado tendo em conta linhas
mais políticas e étnico-regionais.
147 Vide Grobelaar/Lala, Managing group grievances and internal conflict: Mozambique country report.
Working paper 12. Netherlands Institute of International Relations – Clingendael, The Hague, 2003.
148 Centro de Promoção de Investimentos, CD-Rom, 2001.
149 The Economist Intelligence Unit, op cit, p. 24.
150 E Braathen, op cit, p.15; Bayart et al, Criminalisation of the State in Africa, 1999.
151 Alguns nomes sonantes de Moçambicanos estão ligados a grandes projectos de investimentos. Isto
não significa necessariamente que a corrupção exista, embora se sugira em alguns casos. Vide The
Economist Intelligence Unit, op cit, pp. 22-24, 25.
152 Veja-se o relatório publicado na Conferência do Lançamento da campanha anti-Corrupção, Maputo,
21 de Abril de 2003.
153 A concepção moralista implica o entendimento de que a corrupção é referente à não observância de
preceitos morais ou éticos e a concepção legalista refere-se à associação da corrupção ao
funcionalismo público e à não observância da lei .
154 Ibid.
155 Entrevista realizada em Maputo, 29 de Abril de 2003.
156 J Linz, The perils of presidentialism, Journal of Democracy, 1(1), 1990, pp. 51-70, p. 56.
157 [Trad.: “Para se tornar estável, a democracia deve ser considerada legítima pelo povo; o povo deve
encará-la como a melhor e mais apropriada forma de governo para a sua sociedade. Com efeito, e
porque assenta no consentimento dos governados, a democracia depende muito mais da legitimação
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 62
popular, do que qualquer outra forma de governo. Esta legitimidade requer um compromisso moral
profundo e obediência emocional, mas estes elementos apenas desenvolvem ao longo do tempo, e em
parte, como resultado de um desempenho efectivo. A democracia não será valorada pelo povo, a
menos que responda efectivamente aos problemas sociais e económicos e proporcione o mínimo de
ordem e justiça.”], L Diamond, Three Paradoxes of Democracy, Journal of Democracy, 1, Summer,
1990, pp. 48-60, p. 49.
158 M Weber, Wirtschaft und Gesellschaft, 5. rev. edition, ed. by J Winckelmann, Tübingen, 1976.
159 [Trad.: “Os portugueses deixaram para trás um sistema complexo que exige requerimentos formais,
selos fiscais e assinaturas autenticadas mediante selo branco. A Frelimo nunca desmantelou este
sistema, e consequentemente, perante qualquer situação de difícil resolução ou fora do comum, a
resposta obtida, é frequentemente,”... de que o requerimento não está conforme, precisa de mais uma
assinatura, ou outro alguém é que é responsável”.], Hanlon citado em: EA Alpers, ‘A family of the
state.’ Bureaucratic impediments to democratic reform in Mozambique, in: Hyslop, J. (ed.), African
Democracy in the era of globalization, Johannesburg: Witwatersrand University Press, 1999, pp. 122-138, p. 137.
160 Entrevista realizada em Maputo aos 10 de Maio de 2002.
161 Para análises sobre o êxito do processo de desmobilização, veja-se: S Barnes, Reintegration
programmes for demobilized soldiers in Mozambique, UNDP Evaluation paper, Maputo, 1997; S
Barnes, The socio-economic reintegration of demobilized soldiers in Mozambique: The soldiers
view, UNDP Evaluation paper, Maputo, 1997.
162 A única tentativa registada na história recente de Moçambique foi a do falecido General Mabote em
1991. Contudo, alegou-se que fora uma tentativa forjada pela Frelimo para desencorajar outras
futuras. O caso foi levado ao tribunal mas não houve provas suficientes para condenar o General.
163 L de Brito/A Francisco/JC Pereira/Domingos do Rosário, ibid., p. 72.
164 No que concerne aos direitos humanos, tem sido reportado uma melhoria em termos do tratamento
dos presos, efectuada pela Polícia. Veja-se Mozambique Country Report on Human Rights Practices
2000, US State Department, 2001.
165 70.2% dos entrevistados para uma pesquisa de opinião realizada pela Ética Moçambique pensam que
a maioria dos agentes policiais estão envolvidos na corrupção. Vide Ética Moçambique, Mozambique
Corruption Report 2001, Maputo 2001.
166 12% disseram que não confiavam na Polícia, enquanto que 6.2% não confiavam na CNE e 6% não
confiavam no Parlamento. Quando questionados sobre o grau de confiança em todos eles, as
respostas foram 23.6%, 33.6% e 27.4% respectivamente. Veja-se Inquérito Nacional de Opinião
Pública, 2001, tab. 12.
167 Ibid, tab. 20.
168 Estas ameaças são amplamente descritas e discutidas em Gastrow/Mosse, Mozambique; Threats posed
by the penetration of criminal networks, 2002.
169 A Lalá, Donor Conditionality and security sector reform, Conflict, Security and Development, 3(1)
Carfax Publishing, 2003.
170 O Governador de Sofala, Felício Zacarias, apelidou-os, publicamente, de terroristas após terem
sitiado o Comando Distrital da Polícia em Maríngué. Veja-se ‘Governador diz que amotinados da
Renamo são terroristas’, boletim de notícias da AIM, edição 3222, 8 de Setembro de 2003,
<www.sortmoz.aimnews>.
171 GM Carbone, op cit.; entrevista com um académico.
172 [Trad.: “As estruturas da Renamo no terreno não passam, na maioria dos casos, de uma simples
bandeira içada na casa de um membro.”], Ibid.
173 1) cenário da anarquia e ingovernabilidade; 2) cenário da cooptação política; 3) cenário da real
convivência democrática; 4) cenário misto e 5) cenário da instabilidade político-militar, in: B Mazula,
As eleições moçambicanas: uma trajectoria da paz e da democracia, in B Mazula (ed.), Eleições,
Democracia e Desenvolvimento, Maputo, 1995, pp. 26-77, p. 65f.
174 in B Mazula (ed.), Eleições, Democracia e Desenvolvimento, Maputo, 1995, pp. 26-77, p. 65f.
175 Braathen usa o termo ‘repatrimonialização’, visto que a cooptação dos opositores se tornou aparente,
desde o re-surgimento das estruturas neo-patrimoniais. Op cit, p. 3.
63 LALÁ&OSTHEIMER
176 B Mazula, As eleições moçambicanas: uma trajectória da paz e da democracia, in: B Mazula (ed),
Eleições, Democracia e Desenvolvimento, Maputo, 1995, pp. 25-77, p. 66.
177 Este processo começou anteriormente ao acordo de paz, antecipando-se a uma situação em que ela
poderia perder o poder. Como exemplo, o PRE começou em 1987, mas obteve resultados limitados
devido à guerra e a nova Constituição de 1990.
178 Para mais sobre este assunto, veja-se E Namburete, op cit; de Maia, ‘Savana e Domingo: Dois
Extremos, o Mesmo Erro’, in: B Mazula, Moçambique 10 Anos de Paz, Cede, Maputo, 2002.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 64
As eleições locais que tiveram lugar no dia 19 de Novembro de 2003 eram decisivas para
o futuro democrático de Moçambique. Surpreendentemente a Renamo só conseguiu
vencer em cinco municípios (Beira, Nacala, Ilha de Moçambique, Angoche e Marromeu)
e perdeu centros onde costumava ter uma presença forte como Milange, onde o partido
obteve os melhores resultados (76%) nas eleições de 1999. O seu sucesso limitado gerou
uma situação na qual o partido no poder continua a ser o competidor que aceita derrotas
localizadas. Especialmente para o Secretário Geral da Frelimo e candidato presidencial,
Armando Guebuza, a vitória massiva do seu partido nas eleições locais impulsionou a sua
candidatura e aglutinou as correntes intra-partidárias à volta da mesma.
179
O estabelecimento, em tempo útil, do CC, órgão responsável pela resolução das
disputas eleitorais, revelou-se como uma contribuição de vulto para o fortalecimento das
estruturas democráticas em Moçambique. As suas decisões profissionais e imparciais
conferiram credibilidade às eleições locais, permitindo assim que todos os participantes
aceitassem os resultados finais. Adicionalmente, o CC produziu uma análise profunda das
vulnerabilidades, erros e limitações do processo eleitoral e das suas principais instituições,
como é o caso da CNE.
Concomitantemente prevê-se que as futuras eleições presidenciais e parlamentares a
realizarem-se em 2004 constituirão um desafio de monta para todos os partidos políticos,
governo e comunidade internacional, no que concerne ao apoio às instituições eleitorais,
visando resolver as deficiências que actualmente colocam a transparência e a credibilidade
do processo eleitoral em risco em Moçambique.
A eclosão de um eventual conflito violento em larga escala em Moçambique, parece-nos improvável, especialmente porque as memórias e as marcas da guerra civil continuam
ainda frescas para a maioria dos cidadãos. Uma vez que se tratou de uma guerra de índole
ideológica, instigada pela elite política de ambos os contendores e em grande medida
efectuada por militares recrutados à força, actualmente, a capacidade de mobilização de
pessoas em número significativo afigura-se duvidosa. Os Moçambicanos estão hoje mais
interessados na luta pela sua sobrevivência do que com a política, à qual têm vindo a
atribuir importância secundária. Todavia, isto não poderá impedir o eclodir de confrontos
violentos, tais como o de Montepuez, particularmente nos casos em que as pessoas se
sentem continuamente ignoradas e marginalizadas pelo Governo.
Um outro factor que poderá limitar uma possível escalada do conflito, é a
65
Capítulo 4
AVALIAÇÃO DAS PERSPECTIVAS PARA MUDANÇAS ADICIONAIS
indisponibilidade de armamento. Embora possam existir arsenais de armas escondidas,
com mais de 10 anos de vida útil e sob a influência de um clima que é favorável a uma
rápida corrosão, estas estão, provavelmente, num estado de degradação que já não
permitem a sua utilização.
A dependência de Moçambique em relação aos doadores constitui outro factor
significativo de desencorajamento à erupção de hostilidades. Contrariamente aos seus
vizinhos zimbabweanos, os políticos Moçambicanos são suficientemente astutos para
compreenderem que o País continuará a prestar contas à comunidade internacional
doadora por muitos anos, sendo pouco provável que esta se venha a manter silenciosa
perante situações de contínuas confrontações violentas entre os antagonistas políticos.
Não obstante, do ponto de vista estrutural, institucional e mesmo sociológico, o
cenário de que Moçambique se venha a desenvolver rumo a uma ‘sociedade de medo’, este
não pode ser excluído por completo. É muito provável que ocorra esta situação,
considerando a impunidade das crescentes actividades criminais desenvolvidas por redes
de crime organizado, a incapacidade da polícia e do sistema de justiça. Neste âmbito, o
Estado poderá tornar-se cada vez mais conivente com estas redes criminais e corruptas ou,
mesmo que esta tendência seja invertida, poderá aumentar a sua vulnerabilidade em
termos de mecanismos de controlo que providenciam segurança aos cidadãos.
Um olhar sobre as próximas eleições parlamentares e presidenciais, deve incidir sobre
o que poderá suceder caso a oposição vença e qual o cenário previsível para mais uma
vitória da Frelimo. Ao verificar-se este último caso e ao abrigo da disposição
constitucional actual (sistema presidencial e governadores nomeados pelo governo
central), o cenário mais favorável seria o da Renamo prosseguir com a sua política
obstrucionista e de retórica, continuando assim a criar um clima de estagnação e
adversidade. O pior cenário projecta-nos para tentativas da Renamo em criar um ambiente
de destabilização nas províncias em que tiver ganho, organizando um movimento de
desobediência.
No caso de uma vitória da oposição e assumindo que a Frelimo, sem rodeios, assume
a sua derrota, a questão crucial será de se verificar se a burocracia estatal irá agir de forma
isenta e, em particular, se a Polícia, que até então nunca integrou membros da Renamo
nas suas fileiras, permanecerá neutra.
Podendo ainda considerar-se a possibilidade de uma coabitação, a questão a abordar
será verificar se a Frelimo acata a partilha do poder, procurando uma solução pragmática
para a situação. Neste caso, segundo analistas, existe o risco de que:
“Renamo’s lack of government and state experience, together with the inevitable
appetites aroused by controlling resources that the government provides would lead
almost inevitably to a situation of conflict, instability and economic difficulties.”
180
Deste modo, um Governo da Renamo obstruído por uma administração pública afiliada
à Frelimo ou um Governo da Renamo que tente afastar os elementos da Frelimo afectos
à administração pública, pode, desde já, ser previsto como uma falácia.
O melhor cenário para a consolidação da democracia Moçambicana seria realizar as
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 66
eleições de 2004 envoltas numa atmosfera de transparência e confiança mútua, garantido
assim a aceitação dos resultados por todas as partes, independentemente do resultado,
podendo contribuir, como tal, para a criação de um clima fértil para a resolução das muito
esperadas e altamente necessárias reformas institucionais.
ANOTAÇÕES
179 A candidatura de Guebuza não gozava de apoio ilimitado até então, particularmente no que dizia
respeito ao Presidente Chissano que teria preferido um candidato de uma geração mais jovem.
180 [Trad.: “A falta de experiência de governação e de Estado por parte da Renamo, em conjunto com
os irremediáveis apetites criados pelo controlo dos recursos que o Governo oferece, poderiam levar,
quase inevitavelmente, a uma situação de conflito, instabilidade e dificuldades económicas.], L de
Brito/A Francisco/JC Pereira/Domingos do Rosário, ibid., p. 7.
67 LALÁ&OSTHEIMER
Moçambique nunca foi “telecomandado” por qualquer das superpotências durante a
Guerra Fria e o seu Governo sempre tentou conduzir uma política externa independente.
Durante a guerra civil, o aliado mais próximo da Frelimo foi o Zimbabwe de Robert
Mugabe, enquanto a Renamo recebia a maior parte do seu apoio logístico da África do
Sul do Apartheid. No contexto da actual política Sul-Africana orientada para a resolução
dos seus problemas domésticos, Moçambique tem despertado maior interesse à
comunidade de negócios do que à elite política.
Adicionalmente, com a nova abordagem política de integração continental da União
Africana, as velhas alianças e a hesitação dos líderes africanos em criticarem os seus
homólogos, o principal actor externo com alguma influência sobre a vida política de
Moçambique torna-se a comunidade doadora internacional. Para esta, Moçambique
tornou-se num “filho pródigo” e houve tendência de se ignorar graves problemas.
Certamente, existem outros países Africanos onde a corrupção e auto enriquecimento no
seio da elite política é de longe pior ou pelo menos mais evidente, onde a censura dos
media é mais rígida e onde a oposição é raramente tolerada. Todavia, os últimos
desenvolvimentos em redor dos escândalos bancários, o assassinato do jornalista Carlos
Cardoso, o assassinato de Siba-Siba Macuacua, o processo jurídico movido pelo filho do
Presidente contra o jornalista Marcelo Mosse e o subsequente fecho do jornal
independente Metical, revelam sintomas de uma doença grave e que se agrava na
sociedade política moçambicana. Perante isto, a comunidade doadora internacional tem
mantido um silêncio surpreendente.
Em 1995, a comunidade internacional de doadores em Moçambique estabeleceu,
conjuntamente com o Governo, as áreas prioritárias para a consolidação da democracia
Moçambicana, respectivamente, o parlamento, as eleições, o sector da justiça, a polícia e
a identificação dos Moçambicanos com o sistema político vigente, assim como o
desenvolvimento dos media, numa fase posterior.
Volvidos oito anos, estes sectores denotam ainda uma certa fragilidade e consequente
necessidade de assistência. Contudo, tendo em linha de conta o apoio que tem vindo a ser
prestado e o escasso progresso alcançado, induz-nos a considerar que, no processo de
programação de actividades, se deve verificar pormenorizadamente, os recursos humanos
e a capacidade institucional dos parceiros no projecto, bem como a vontade política
existente para a sua implementação e sustentação.
69
Capítulo 5
PAPEL DOS ACTORES EXTERNOS, O SEU APOIO À DEMOCRATIZAÇÃO
E ÁREAS PARA FUTURO ENGAJAMENTO
As recomendações que a seguir se apresentam derivam da pesquisa realizada e pretendem
apresentar um espectro de intervenção amplo, mas não necessariamente completo.
O maior obstáculo para a consolidação da democracia em Moçambique, na actualidade,
parece ser a prevalência da actual cultura política que se caracteriza pela corrupção,
favorecimentos pessoais e pouca observância dos valores democráticos, particularmente, da
tolerância política. Nestes termos e especialmente entre os actores políticos, há que
promover o incremento da tolerância política. Por forma a apoiar este intento, as
organizações da sociedade civil necessitam de incentivo e treino por forma a que, antes e
após as eleições se empenhem no desenvolvimento da cultura de tolerância política.
Tendo em vista evitar mais “desilusões” relativamente ao processo democrático
(prestação de contas do Governo) ou renuncia ao mesmo, torna-se crucial restabelecer a
ligação entre as instituições estatais e a sociedade civil. Em geral, a participação da
sociedade no processo político necessita ser fortalecida e não apenas restringida ao
processo eleitoral. Concomitantemente, o papel das instituições e dos actores
participantes no processo político necessita ser do conhecimento público e daí, o seu
trabalho e organização precisarem ser disseminados e o eleitorado ter que adquirir a
capacidade de votar conscientemente.
De igual modo, torna-se necessário a consolidação do processo de descentralização em
Moçambique. Neste contexto e particularmente no que concerne aos funcionários
públicos ao nível do governo local nas áreas rurais, existe necessidade de lhes conferir uma
formação adicional, tendo em conta as carências específicas do local. Para além disso,
qualquer actividade de formação ao nível do governo local deve possuir como objectivo a
promoção da participação destas comunidades locais no processo de tomada de decisão
política (não se deve utilizar a formula de ‘one size fits all’).
A sociedade civil constitui um actor crucial para a mudança política e consolidação de
qualquer processo de democratização, devendo, consequentemente, ser entendida como o
principal instrumento para uma sociedade emancipada. Nesta perspectiva, as associações
de cidadãos necessitam ser encorajadas, sendo, no entanto, importante realçar que estas
não devem funcionar dentro de uma abordagem polarizada, desempenhando apenas o
papel de controlo do poder, mas sim promover fórmulas para se alcançar consenso
aquando da tomada de decisões e resolução de conflitos.
A título ilustrativo, uma área de empenho da actividade destas associações constituiria
a exploração da terra para fins comerciais. As associações poderiam fornecer informação
sobre os direitos e deveres às comunidades locais e, de acordo com o prescrito na lei,
representariam igualmente as comunidades nas negociações com os parceiros comerciais.
As associações de cidadãos mais activas no processo poderiam ser utilizadas,
adicionalmente, como órgão de supervisão e controlo dos projectos em curso, pelas
Autoridades Estatais.
No entanto e em particular nas áreas rurais, mas também nas zonas urbanas, as
organizações não-governamentais permanecem frágeis no que respeita aos seus recursos
humanos e financeiros. A formação e gestão de pessoal assim como a gestão financeira e
a contabilidade, devem ser áreas fulcrais de atenção no que concerne à capacitação da
sociedade civil Moçambicana.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 70
Relativamente às prevalecentes fraquezas das instituições políticas, torna-se crucial
contribuir para o aumento da formação dos parlamentares em assuntos específicos,
através de reuniões de trabalho e seminários, por forma a desenvolver e aumentar o
controlo do Parlamento sobre o Governo.
A administração estatal necessita de adquirir a característica de um aparelho não
politizado e para tal, torna-se necessária uma formação específica dirigida aos
funcionários públicos (incluindo a Polícia), por forma a desenvolver um comportamento
neutro e profissional no contexto de um Estado de Direito. Para além disto, uma
discussão sobre estratégias para a saída de altos dirigentes da Frelimo, que ocupam
actualmente elevados cargos a nível de administração do Estado e em caso de mudança de
regime podem perder as suas posições, deve ser iniciada.
A reforma do sistema judicial, visando o aumento da sua eficiência e profissionalismo,
deve ser promovida de modo a criar “ownership” e aumentar a capacidade dentro do
Ministério da Justiça para levar a cabo uma reforma completa no sector. Até ao momento,
o aumento e melhoria das infra-estruturas tem constituído um dos principais objectivos da
reforma, embora para se alcançar a consolidação do Estado de Direito se torne necessário
um novo enfoque na reforma do sector de justiça. Esta abordagem deve abranger uma
revisão do sistema legal em vigor, a formação dos funcionários, uma melhoria no acesso
dos cidadãos a aconselhamento jurídico, assim como incluir instituições tais como a
Procuradoria da República e a Polícia.
Para apoiar a transformação da Polícia e apesar da larga participação de doadores tais
como a Espanha e a Suíça, outras medidas se tornam necessárias. Áreas potenciais para
apoio incluem o desenvolvimento e actualização permanente de uma base de dados
referente à criminalidade e formação de pessoal, assim como o desenvolvimento de uma
lei de segurança pública que poderia beneficiar profundamente da assistência material e
troca de informação relativa a experiências internacionais positivas (“best practice”).
Por forma a reverter a situação acima analisada, torna-se necessário, no que concerne
à esfera dos partidos políticos, contribuir para a criação de uma confiança, que se
desenvolva a partir de um nível pessoal para um institucional e impessoal.
181
A estagnação
no processo de transição em Moçambique pode ser atribuída à falta de vontade política,
por parte da Frelimo, em partilhar o poder e a uma profunda e generalizada desconfiança,
por parte da Renamo, contra os seus oponentes. Reuniões consecutivas, em formato de
mesa redonda, sobre assuntos políticos controversos e com um número limitado de
participantes dos partidos políticos, podem constituir uma actividade no intuito de
aumentar a confiança entre os respectivos partidos.
A crescente desconfiança deve-se igualmente a uma percepção de inferioridade e,
consequentemente, medidas com vista à capacitação da oposição deveriam ser reforçadas,
tendo igualmente em conta, o facto de que toda a oposição necessita de se apresentar
como um futuro governo credível e capaz de fornecer alternativas atractivas. No entanto,
para que esta seja aceite pelos dois lados como uma instituição credível, cujo objectivo
visa a consolidação democrática do País, os preconceitos tem de ser contrabalançados e
um diálogo cabal deve ser mantido com todos os actores políticos.
No que diz respeito ao sistema político em geral em Moçambique, torna-se perigoso
71 LALÁ&OSTHEIMER
embora necessário, discutir a criação de uma situação favorável para ambos os partidos,
através de uma modificação da Constituição, por forma a que os Governadores
Provinciais sejam oriundos dos partidos vencedores, nas respectivas províncias. Perante
este cenário, se a Renamo perdesse novamente as eleições nacionais, este sistema permitir-lhe-ia, pelo menos, a oportunidade de ganhar experiência em cargos governamentais.
Deste modo, o Governo da Frelimo demonstraria não somente boa vontade em partilhar
o poder, mas também, no caso de perder as eleições, manter a sua influência em algumas
províncias.
Uma reforma do sistema eleitoral tem que acompanhar qualquer reforma
constitucional que se efective. Ambas não devem ser conduzidas isoladamente, mas devem
sim ser aferidas e equilibradas com vista a evitar a exclusão de um grande número eleitores
e aumentar a prestação de contas (“accountability”) dos deputados parlamentares,
reduzindo, simultaneamente, a influência do partido.
O empenho da comunidade internacional em programas como os acima descritos
demonstraria a sua vontade política em insistir na implementação dos valores de boa
governação, vontade essa que até ao presente parece, de certo modo, reduzida. Esta
pressão é crucial mas deve ser aplicada com sensibilidade, sem danificar as actuais
iniciativas de reforma institucional. É necessário que esforços sejam desenvolvidos para
identificar os pontos de entrada que não prejudiquem as forças pró-mudança no interior
dos partidos, do Governo ou da burocracia estatal, as quais procuram levar a bom termo,
o processo de reconciliação, reformas e princípios democráticos. Estas forças precisam de
apoio com vista a tornar as suas acções visíveis e produtivas, se, efectivamente, pretendem
convencer os restantes intervenientes sobre os benefícios de um comprometimento
contínuo com o projecto democrático em curso.
ANOTAÇÃO
181 E. Braathen, Descentralização democrática em Mozambique?, O papel de fundo para a oficina de
LPD, “ política e desenvolvimento locais – focus em Moçambique “, Oslo, 20 Maio 2003.p. 4ff.
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 72
NINA BERG, Danida, Coordenadora do programa da Danida de assistência do sector
judicial, viúva do jornalista Carlos Cardoso.
MIGUEL DE BRITO, USAid, Conselheiro Senior para Democracia e Governação
AMADCAMAL, Representante da ONG Movimento pela Paz e Cidadania-MPC.
ABDULCARIMO, Director da ONG Ética Moçambique.
MÁXIMODIAS, Presidente do MONAMO, um dos pequenos partidos que compõem a
coligação da oposição União Eleitoral, deputado e advogado.
AFONSODHLAKAMA, Presidente da Renamo, principal partido da oposição.
RAULDOMINGOS, Deputado independente, antigo membro da Renamo e negociador chefe
pela Renamo nas Negociações de Paz de Roma (1990-1992), presidente do Instituto
Democrático para a Paz e Desenvolvimento (IPADE), fundador do partido PDD.
RIKKE FABIENKE, Oficial de programa, Unidade de Governação e Meio Ambiente, PNUD.
CHICO FRANCISCO, Deputado independente, antigo membro do partido Renamo
responsável pelas relações internacionais.
JOSÉMANUELGUAMBE, Ministério da Administração Estatal, Director do Departamento de
Descentralização.
ABDULILAL, Projecto de Descentralização e Desenvolvimento (PDDM), GTZ.
HIGINO LONGAMANE, Director Nacional da Função Pública, Ministério da Administração
Estatal.
NATANIELMACAMO, Ministério do Interior, responsável pelas relações públicas.
JOSÉJAIMEMACUANE, Consultor, Unidade Técnica da Reforma do Sector Público.
EDUARDO MUSSANHANE, Director dos Recursos Humanos, Polícia da República de
Moçambique.
SALOMÃOMOYANA, Director do semanário Zambeze.
JOÃOGRACIANOPEREIRA, Cientista político e membro do IPADE.
HOLGERPFINGSTEN, Embaixada Alemã.
HABIBARODOLFO, Oficial de programa, Unidade de Governação, PNUD.
AMÉLIAMATOSSUMBANA, Secretária do Comité Central para Relações Exteriores, Frelimo.
LUÍSTRINDADE, Juíz do Tribunal Supremo de Moçambique e director do Centro de
Formação Jurídica e Judiciária.
BERNHARDWEIMER, Oficial sénior de programa, Programa de Apoio à Descentralização e
Municípios (PADEM), Agência Suíça de Cooperação Internacional (SDC).
BOAVENTURAZITA, Chefe do Sector de Comunicações, Conselho Cristão de Moçambique.
73
Anexo
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79 LALÁ&OSTHEIMER
ACIPOL Academia de Ciências Policiais
ANC Congresso Nacional Africano
AGP Acordo Geral de Paz
AMMCJ Associação Moçambicana de Mulheres de Carreira Jurídica
CC Conselho Constitucional
CEDE Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento
CNE Comissão Nacional de Eleições
CRM Constituição da República de Moçambique
EISA Instituto Eleitoral da África Austral
EUA Estados Unidos da América
FADM Forças Armadas de Defesa de Moçambique
FAM Forças Armadas de Moçambique
FAP Frente de Acção Patriótica
FKA Fundação Konrad Adenauer
FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique
FUMO Frente Unida de Moçambique
HIPC Iniciativa dos Países Pobres Altamente Endividados
IDG Índice do Desenvolvimento Género
IDH Índice do Desenvolvimento Humano
IPADE Instituto Democrático para Paz e Desenvolvimento
IPAJ Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica
MONAMO Movimento Nacional Moçambicano
MP Deputado (Membro do Parlamento)
MPLA Movimento Popular para a Libertação de Angola
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OSC Organizações da Sociedade Civil
PCN Partido de Convenção Nacional
PADEMO Partido Democrático de Moçambique
PADELIMO Partido Democrático para a Libertação de Moçambique
PAIGC Partido Africano de Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde
PALMO Partido Liberal Democrático
PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PANADE Partido Nacional Democrático
PDD Partido para Paz, Democracia e Desenvolvimento
PIB Produto Interno Bruto
PIC Polícia de Investigação Criminal
PIDE Policia Internacional de Defesa do Estado
81
Glossário de siglas
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPPM Partido de Progresso do Povo de Moçambique
PRE Programa de Reajustamento Estrutural
PRM Polícia da República de Moçambique
RENAMO Resistência Nacional de Moçambique
Renamo-UE Coligação Partidária Renamo-União Eleitoral
SOL Partido Social e Liberal
UD União Democrática
UDENAMO União Democrática Nacional de Moçambique
UNAM União Nacional Africana Moçambicana
UNAMO União Nacional de Moçambique
UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
ZANLA Zimbabwe National Liberation Army
DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE 82
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