No ano passado escrevi um artigo de reflexão sobre o impacto do Imposto
sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRPS) na criação da riqueza nacional e
no empoderamento dos cidadãos. Formulei, na ocasião, várias críticas sobre a
actual Lei do IRPS e terminei, a referida reflexão, convidando o Governo a
traduzir em acções concretas o propalado discurso e compromisso de combate à
pobreza, submetendo à Assembleia da República uma proposta de revisão da
legislação fiscal vigente de modo a corrigir as injustiças contra os cidadãos e
particularmente o funcionário público e agente do Estado.
Um dos aspectos que defendia a sua revisão relacionava-se com os
abatimentos de determinadas despesas nos impostos, o que é uma pratica em quase
todo o mundo. Na altura, após consultar a legislação fiscal portuguesa, que é o
sistema que mais se aproxima do nosso, havia feito duas constatações
contraditórias:
·
Que a nossa legislação do IRPS era uma autêntica cópia da lei
portuguesa no concernente à colecta deste imposto,
mas,
·
Que era uma cópia imperfeita no tocante aos tipos de abatimentos que a
lei portuguesa prevê.
Pois, nos termos da legislação portuguesa, podem ser abatidos ao
rendimento do contribuinte, as despesas realizadas, para si e/ou para os membros
do seu agregado, com a saúde, educação, juros e amortizações de dívidas
contraídas com aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação,
rendas por contrato de locação financeira relativo à imóveis para habitação
própria, seguros, imposto autárquico, planos individuais de poupança-reforma,
donativos de interesse público que o cidadão concede às igrejas, instituições
religiosas, escolas, associações comunitárias; entre outras despesas
sociais.
Defendia eu que o Estado Português ao permitir os abatimentos acima
descritos propiciava a sua acção reguladora e promotora do crescimento e
desenvolvimento económico e social do país e permitia a construção e a
consolidação de uma classe média sólida, factor indispensável ao desenvolvimento
harmonioso e estável de qualquer sociedade.
Ora, isto não acontece ainda no nosso país. Os moçambicanos são, à luz
da nossa legislação sobre o IRPS, obrigados a pagar este imposto, mas não têm o
direito de fazer qualquer abatimento ao mesmo.
Portanto, eram estas e outras inquietações que levaram-me a escrever o
referido artigo na expectativa de ver a legislação revista e as preocupações
acauteladas em prol do interesse nacional.
Felizmente a minha sugestão mereceu o acolhimento favorável do Governo
que acabou de submeter, em Novembro último, uma proposta de revisão da referida
legislação. A proposta de revisão da Lei defende que, entre outros aspectos: i) os rendimentos do trabalho dependente
deixem de ser englobados aos restantes rendimentos para efeitos de cálculo do
imposto, sujeitando-se a retenção na fonte a título definitivo; ii) a fixação de um mínimo não
tributável em 225.000,00 meticais/ano; iii) isentar do IRPS o subsídio de
morte; iv) determinar que o estado
civil do sujeito passivo deixe de influenciar a forma de cálculo do imposto e de
declaração dos rendimentos, passando cada sujeito passivo a declarar os
rendimentos próprios e de seus dependentes, etc...
Todas essas propostas são à partida bem-vindas e merecem o nosso
acolhimento; no entanto, parece-me, salvo melhor entendimento, que a proposta
pretende mais uma vez penalizar o contribuinte moçambicano visto que mais uma
vez não preconiza qualquer tipo de abatimentos ao IRPS decorrentes de
determinadas despesas, propiciando que o cidadão continue a ser dupla ou
triplamente tributado diferentemente do que acontece no âmbito da legislação
portuguesa (principal fonte de inspiração do nosso legislador).
Mais ainda, o Governo formula outras propostas cuja constitucionalidade
é questionável e podem inviabilizar parte da estratégia governamental de combate
a pobreza e da criação de uma classe média sólida, factor indispensável ao
desenvolvimento harmonioso e estável de qualquer
sociedade.
Por exemplo, a proposta de revisão defende uma taxa única de 20% para os
rendimentos anuais colectáveis superiores a 225.000,00 Meticais. De acordo com
esta proposta, todo aquele que aufira um salário mensal bruto acima de 18.000,00
meticais será tributado à uma taxa de 20%. Anteriormente esta taxa era variável
e determinada em função de cada rendimento, mas hoje propõe-se que a taxa seja
fixa independentemente de o cidadão auferir um salário mensal bruto de 19.000,00
meticais ou auferir um salário mensal bruto de 100.000,00 meticais ou acima
deste montante.
Acontece que à luz da nossa Constituição da República o Estado tem como objectivo a edificação de uma sociedade de justiça
social e o sistema fiscal é estruturado com vista a satisfazer as necessidades
financeiras do Estado e das demais entidades públicas, realizar os objectivos da
política económica do Estado e garantir uma justa repartição dos rendimentos e
da riqueza.
Para tal o Estado moçambicano pugna pelo respeito ao princípio de
igualdade que, conforme o Professor Doutor Jorge Miranda no Manual de Direito
Constitucional, comporta dois sentidos: o da igualdade formal e o da igualdade
material. O primeiro pressupõe que se trate a todos de igual maneira e o segundo
pressupõe que se trate de igual forma situações iguais e de maneira diferente
situações diferentes. Será então, constitucional tratar situações diferentes mas
de maneira igual no caso da taxa única do IRPS?
A meu ver, o Estado moçambicano beneficiar-se-ia mais com um alargamento
da base tributária e uma redução das taxas dos impostos em vigor permitindo que
mais pessoas contribuam para o erário público, do que com o sistema ora em
proposta.
Esta opção, quanto a mim, permitiria que os contribuintes moçambicanos,
particularmente os funcionários públicos, contassem com mais recursos para
melhorar sua qualidade de vida, aumentar a motivação pelo trabalho e
eventualmente aumentar a poupança nacional, que certamente se reflectiriam no
crescimento económico do país.
Ao agir assim, a meu ver, o Governo estaria a ser mais coerente com o
seu propalado programa de combate a pobreza
absoluta.
Uma outra questão ligada ao IRPS que a todos atormenta e que
continua sem resposta na proposta de revisão, relaciona-se com o
seguinte:
Porquê o Governo Moçambicano, através do Ministério das Finanças,
notifica, imediatamente, o sujeito passivo devedor de imposto e não faz o mesmo
no caso de o sujeito passivo ter direito ao reembolso de impostos indevidamente
pagos?
Tratando-se do mesmo sujeito passivo, existirá alguma razão do
tratamento diferenciado nos deveres (pagar Imposto) e direitos (reembolso do
imposto) inerentes?
Onde é que está a lógica desta
discriminação?
Ciente das responsabilidades acrescidas que o Governo tem nesta e
noutras matérias, convido o Governo a traduzir em acções concretas o seu
propalado discurso e compromisso de combate a pobreza, submetendo, de imediato,
à Assembleia da República uma emenda a actual proposta de revisão da legislação
fiscal vigente de modo a corrigir as injustiças contra os cidadãos e
particularmente o funcionário público.
Por estar convicto de que muitos cidadãos partilham este sentimento,
incluindo alguns membros do Governo e da nomenclatura política é que, mais uma
vez, volto a escrever sobre esta temática na esperança de que o bom senso
prevaleça e o interesse nacional seja acautelado e que o Governo presenteie aos
seus cidadãos neste final de ano com um sistema fiscal mais justo e equitativo.
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