Malamuth et
al. (2000) e Testa (2002) mostraram que o consumo de álcool e a exposição à
pornografia, nomeadamente à pornografia violenta, contribuem independentemente
para um aumento da agressão sexual dos homens em relação às mulheres.
O mecanismo subjacente a esta relação pode ser a excitação sexual masculina. Para testar a hipótese de que a erotização da violência e a presença de álcool, através dos seus efeitos sobre a excitação sexual, influenciam a frequência de agressões sexuais cometidas por homens e por eles relatadas, K.C. Davis et al. (2006), usando um procedimento experimental bem delineado, concluíram que a excitação sexual era uma componente importante na predição da frequência de agressão sexual cometida e relatada pelos homens após terem sido expostos à pornografia violenta. Lalumiere et al. (2003) e Malamuth et al. (1980) já tinham demonstrado que a excitação sexual desencadeada por estímulos sexuais violentos leva os homens a cometer violação. Não é tanto a intoxicação alcoólica mas sobretudo a crença da vulnerabilidade das mulheres alcoolizadas à agressão sexual e a suposta resposta da vítima durante a violação que influenciam a excitação sexual masculina, tornando os homens propensos a cometer agressões sexuais sobre as mulheres.
Este estudo, bem como muitos outros similares, têm levado muitos investigadores a interrogar-se sobre os efeitos nefastos da pornografia. Assim, por exemplo, C.N. Kendall (2004) contesta vivamente duas afirmações interligadas, geralmente aceites pelas pessoas: 1) a pornografia homossexual não produz o mesmo tipo de injúrias ou ofensas causadas pela pornografia heterossexual, e 2) a pornografia homossexual é fundamental para a formação da identidade gay e para a libertação dos homens gay. (Nenhuma destas afirmações é completamente falsa, se tivermos em conta que os homens homossexuais são estigmatizados e obrigados a levar uma vida clandestina, embora isto não evite os efeitos negativos do consumo de pornografia, sobretudo violenta.)
Para Kendall (2004), a diferença de tratamento entre as pornografias heterossexual e homossexual é não só inaceitável do ponto de vista jurídico, como também muito perigosa, dada a elevada incidência de violência doméstica e de violação na comunidade gay masculina. Além de denunciar a pouca atenção prestada aos conteúdos específicos da pornografia gay, Kendall (2004) defende que estas duas pornografias assentam ambas numa hierarquização dos sexos ou de género discriminatória e reificam a concepção da sexualidade normalizada, promovendo a violência, a degradação e a ausência de reciprocidade, e encorajando as práticas sexuais destrutivas e ofensivas por parte daqueles que consomem esses materiais. Embora Kendall (2004) tenda a exagerar os efeitos danosos das pornografias, existem outros estudos que lhe fornecem evidência interessante, embora mais escassa.
Um desses estudos foi realizado por Langevin & Curnoe (2004), que estudaram 561 ofensores ou abusadores sexuais do sexo masculino: 181 eram abusadores de crianças, 144, abusadores de adultos, 223, abusadores de familiares (incestuosos), 8, exibicionistas e 5, mistura de casos. 17% desses abusadores usou a pornografia durante a execução das suas ofensas sexuais, sobretudo os que abusaram crianças. Destes últimos, 55% mostrou materiais pornográficos às suas vítimas e 36% tirou fotografias, frequentemente de vítimas infantis. Nove casos estavam envolvidos na distribuição de pedopornografia. Estes resultados mostram que a pornografia desempenha um papel pouco relevante na prática das ofensas sexuais em geral, embora tenha um papel de relevo no abuso sexual de crianças.
Estudos como estes parecem indicar que a pornografia é um fenómeno extremamente complexo e que, antes de avançar com medidas que tendam a ilegalizá-la ou controlá-la, convém fazer mais estudos, em função da distinção clara de tipos de pornografia, dos seus conteúdos e dos seus consumidores, associados a outras variáveis, algumas das quais referidas anteriormente. A única afirmação que podemos fazer com segurança é a de que a pornografia violenta excita sexualmente os homens e leva-os a cometer agressões sexuais com os seus parceiros, independentemente de serem heterossexuais, bissexuais ou homossexuais. Este facto bem estabelecido justifica a afirmação comum de que a pornografia é "uma indústria masculina, produzida por homens e para homens" (Kinsey).
J Francisco Saraiva de Sousa
Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2007
Sequelas do Abuso Sexual
O abuso sexual está
na ordem do dia.
Largas centenas de pesquisas são realizadas por todo o mundo e surgiram diversas revistas científicas dedicadas ao abuso sexual, sobretudo infantil e adolescente. Muitas destas investigações, cujos resultados são publicados em revistas de prestígio, estão imbuídas de preconceitos sociais e, sem o pretender, prestam-se a apropriações ou leituras menos adequadas por parte de membros terroristas de certas seitas religiosas, de jornalistas pouco escrupulosos e de cidadãos muito mal informados e oportunistas. Apesar disso, tem havido uma evolução na qualidade dos estudos. Um aspecto comum a quase todos esses estudos é o de que o abuso sexual infantil e adolescente tem consequências negativas, as chamadas sequelas, na saúde mental (fraca adaptação social, pouca satisfação com a vida e diversos sintomas psicológicos) e no comportamento sexual adulto (sexo casual frequente, precocidade na iniciação sexual, sexo desprotegido, múltiplos parceiros sexuais ou elevado número de doenças sexualmente transmissíveis diagnosticadas). O uso de técnicas mais apuradas tem mostrado a necessidade de isolar características e estabelecer associações mais sofisticadas mediante o uso da análise de variância. São os resultados desses estudos que pretendo expor e talvez discutir.
Não pretendo fornecer uma definição de abuso sexual, simplesmente porque penso que qualquer pessoa bem informada e dotada de bom senso sabe distinguir um comportamento de abuso sexual susceptível de ser condenado e punido e um comportamento sexual não-abusivo. As meta-análises realizadas mostraram que o abuso sexual infantil e adolescente está associado com o subsequente comportamento sexual adulto de risco. Contudo, muitos estudos negligenciaram os efeitos da força e o tipo de abuso sexual sobre o comportamento sexual subsequente.
Num estudo recente, T.E- Senn et al. (2007) investigaram, numa amostra 1177 participantes (534 mulheres e 643 homens), as associações entre características de abuso sexual, nomeadamente o uso da penetração e da força, e o comportamento sexual de risco posterior, levando em conta a modelação destas relações pelo género. Os resultados mostraram que os participantes que tinham sido alvo de abuso sexual envolvendo penetração e/ou força relataram mais comportamentos sexuais adultos de risco, tais como o número de parceiros sexuais ao longo da vida e o número de diagnósticos de doenças sexualmente transmissíveis (STD), do que aqueles que não tinham sido sexualmente abusados e aqueles que foram abusados sem o uso de força ou de penetração.
Esta relação é claramente moderada ou mediada pelo género da criança e adolescente. Assim, entre os homens, o abuso sexual com uso da força e da penetração estava associado com um elevado número de episódios de "trading sex", enquanto, entre as mulheres, o abuso sexual com penetração, independentemente do abuso envolver ou não o uso da força, estava mais associado com um elevado número de episódios de "trading sex". Resultados semelhantes já tinham sido descobertos por Rind et al. (1998): as reacções dos rapazes ao abuso sexual são menos negativas do que as reacções das raparigas. Além disso, levando em conta a orientação sexual, constata-se que os rapazes homossexuais encaram essas relações sexuais com indivíduos mais velhos de um modo positivo e "construtivo". De facto, numa sociedade que os priva de modelos positivos de desenvolvimento e os estigmatiza, estas relações são vistas pelos próprios sujeitos como uma via que lhes permite "actualizar" a sua orientação sexual e receber algum afecto. (Os nossos dados mostram claramente que os homens e mulheres homossexuais portugueses falam naturalmente dessas relações sem as encarar como abuso sexual e, muito menos, como relações pedófilas.) Para todos os efeitos, este e outros estudos mostram que o abuso sexual mais severo está associado com comportamento sexual adulto de risco e, no caso dos homens homossexuais, esse comportamento consiste em fazer sexo desprotegido (Jinich et al., 1998), mesmo quando sabem ser seropositivos.
Finkelhor & Browne (1985) elaboraram o modelo dinâmico traumagénico que permite explicar a associação entre diversos tipos de abuso sexual e os comportamentos sexuais adultos de risco, em alternativa ao modelo do uso de álcool e de drogas (Steele & Josephs, 1990). De acordo com este modelo, uma das consequências do abuso sexual é a sexualização traumática. A criança submetida a abuso sexual pode desenvolver scripts não-adaptativos para o comportamento sexual e, quando adultas, podem acreditar que o sexo é necessário para obter afectos ou carinho dos outros, levando-as a ter sexo consensual precoce e com múltiplos parceiros sexuais (Cinq-Mars et al., 2003; Fergusson et al., 1997). Outra consequência é a impotência: a criança aprende que as suas necessidades são ignorados pelos outros e, deste modo, pode falhar em desenvolver auto-eficácia para travar os avanços sexuais não-desejados. Este é apenas um modelo que não é incompatível com o modelo do uso de álcool ou de drogas, como se verifica facilmente nos estudantes universitários portugueses (abuso de álcool, drogas e sexo e muito pouco estudo!) e nas suas praxes académicas, as quais deviam ser fortemente vigiadas ou mesmo abolidas. Mas ambos os modelos são ainda insuficientes para explicar estas associações estatísticas, até porque menosprezam os factores biológicos.
J Francisco Saraiva de Sousa
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