Ramush Haradinaj estava acusado por crimes cometidos num centro de detenção criado pela milícia albanesa durante a guerra do Kosovo. Veredicto, que repete decisão de 2008, enfurece a Sérvia
O Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPI-J) absolveu, pela segunda vez, o antigo primeiro-ministro do Kosovo Ramush Haradinaj, que estava acusado por crimes de tortura e homícidio cometidos num campo de detenção criado pelas milícias albanesas durante a guerra da independência (1998-1999). O veredicto, o segundo do género em duas semanas, enfureceu Belgrado, que vê nele a prova de que esta instância internacional foi criada apenas “para julgar sérvios”.
Haradinaj, antigo comandante do Exército de Libertação do Kosovo (UÇK), a guerrilha que liderou a luta pela independência daquela antiga província da Sérvia de maioria albanesa, é considerado um herói de guerra em Pristina, onde centenas de pessoas se juntaram para assistir ao veredicto, transmitido em directo através de ecrãs gigantes.
Depois da guerra, Haradinaj fundou a Aliança para o Futuro do Kosovo, e chefiou o governo kosovar entre 2004 e 2005, antes de se ter entregado voluntariamente ao TPI-J, para ser julgado por crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos no centro de detenção de Jablanica. Esta era uma prisão improvisada pela guerrilha independentista, onde sérvios do Kosovo e albaneses suspeitos de colaborar com Belgrado foram torturados e mortos.
O ex-primeiro-ministro, o mais alto dirigente albanês do Kosovo a ser presente ao tribunal de Haia, foi absolvido das acusações em 2008 mas, numa decisão inédita, a instância decidiu repetir o julgamento por suspeitar que algumas testemunhas teriam sido coagidas.
No entanto, os juízes voltaram a absolver Haradinaj e dois co-acusados, ambos ex-comandante do UÇK, por considerarem pouco fiáveis os testemunhos ouvidos no julgamento. “O tribunal não está convencido de que a testemunha esteve no centro”, admitindo que “poderá ter repetido o que ouviu de outras pessoas”, afirmou o juiz Bakone Moloto, referindo-se a uma das testemunhas-chave da acusação.
Este veredicto “prova sem margem para dúvidas que [Haradinaj] foi um herói de guerra e não um criminoso”, disse aos jornalistas o seu advogado, adiantando que o ex-primeiro-ministro, que estava já em liberdade condicional, planeia regressar o quanto antes a Pristina e retomar a sua actividade política.
O veredicto foi anunciado duas semanas depois de o general Ante Gotovina, antigo comandante das forças croatas na guerra que se seguiu à declaração da independência (1992-95), ter sido absolvido, em sede de recurso, de todos os crimes que tinha sido acusado.
O que explica a ira com que a decisão sobre Haradinaj foi recebida pelo Governo sérvio. “Este tribunal foi criado para julgar o povo sérvio. Ninguém será condenado pelos crimes horríveis cometidos contra os sérvios do Kosovo”, reagiu o Presidente Tomislav Nikolic. O veredicto, acrescentou um porta-voz do Governo, representa “uma derrota para a missão internacional no Kosovo”. “Se foi incapaz de proteger as testemunhas” neste processo, “como poderá proteger os 150 mil sérvios” que vivem no país, questionou.
Além da afronta a Belgrado, a absolvição de Haradinaj tem um potencial ainda mais explosivo do que o veredicto que ilibou Gotovina, já que, ao contrário do que acontece com a Croácia, a Sérvia não reconhece a independência do Kosovo e a decisão pode prejudicar os esforços da União Europeia para estabilizar a região. Ameaça também reacender as divisões étnicas no novo Estado, onde a minoria sérvia, remetida sobretudo ao enclave de Mitrovica, continua a não reconhecer a autoridade do Governo, controlado pela maioria albanesa.
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