O uruguaio José Mujica, considerado por alguns "o presidente mais pobre do mundo" por causa da sua austera forma de vida, é a inspiração de um perfume exclusivo que o artista Martín Sastre pretende criar com as flores que o líder cultiva e que guardam, assegura, "a essência do autêntico luxo".
Este atípico projecto - que, como reconhece o artista uruguaio, pegou de surpresa o presidente, que ainda não deu o sinal verde para a iniciativa - faz parte da proposta que Sastre apresentou na primeira Bienal de Montevidéu. Sastre, artista audiovisual e director de cinema nascido em Montevidéu em 1976 e que mora em Madrid, disse em entrevista à Efe que a ideia por trás do perfume é reflectir sobre os conceitos de "luxo" e "essência", assim como reconhecer Mujica como "ícone global por causa da sua filosofia de vida".
A inspiração para o perfume surgiu por causa das informações da imprensa internacional que dão conta da humilde forma de vida do presidente de 77 anos. Mujica, um ex-guerrilheiro tupamaro que passou 14 anos preso, a maioria durante a ditadura uruguaia (1973-1985), e alguns em condições difíceis, vive numa pequena quinta nos arredores de Montevidéu com sua esposa, a senadora Lucía Topolansky. Ali cultiva flores e hortaliças que vende nos mercados locais.
Segundo a sua última declaração de bens, de abril passado, o seu patrimônio e o da sua esposa é de 4,2 milhões de pesos (cerca de US$ 212 mil) e inclui três terrenos, três tractores e dois carros de 1987. O governante doa cerca de 90% do seu salário como presidente, de cerca de 12 mil pesos (US$ 9,3 mil), para a construção de casas sociais.
Quando não está a realizar trabalhos oficiais, o chefe de Estado anda sem motorista no seu automóvel e faz as suas próprias compras no bairro, ao mesmo tempo em que é comum vê-lo a comer em restaurantes populares com os seus colaboradores na sede do Governo, no centro de Montevidéu.
"Se tenho poucas coisas, preciso de pouco para sustentá-las. Portanto, o meu tempo de trabalho que dedico é o mínimo. E para que me resta tempo? Para gastá-lo nas coisas que eu gosto. Neste momento acho que sou livre", disse recentemente numa entrevista à BBC, na qual explicava o porquê da sua austeridade.
Sastre disse que considerado assim, um presidente como Mujica "é um verdadeiro luxo", já que no fundo ele é o mais rico porque "é o que mais compartilha". "O que é realmente o luxo? O que é realmente ser pobre? O presidente mais pobre é o mais rico. Porque não um perfume, símbolo do luxo, quando o que ele faz é cultivar flores? Além disso, perfume também remete à essência, entendida como o que é essencial", raciocinou Sastre.
A fragrância, baptizada "U from Uruguay" ('Vc' do Uruguai, em tradução livre), só conta por enquanto com um anúncio publicitário divulgado na Bienal, da qual participaram meia centena de artistas de 25 países. O anúncio na televisão brinca com "a linguagem do luxo e seus conceitos" para apresentar algo que tem "um fim social".
Fontes da Presidência consultadas pela Efe admitiram que Sastre entrou em contacto e explicou a proposta, mas esclareceram que estão a analisar o que fazer com ela. Se o projecto for concretizado, a fragrância de "Pepe" (como o presidente é popularmente conhecido) seria vendida através de fundações públicas para arrecadar dinheiro e criar um fundo de fomento da produção artística.
"O inovador da proposta é que toma a linguagem do capitalismo e do sistema, que não funciona, para transformá-la e fazer algo com um fim que é inquestionavelmente positivo", ponderou Sastre. Consultado sobre como seria um perfume produzido com as flores do presidente, Sastre raciocinou que "deveria ser algo fresco e que tenha muito a ver com a terra".
O artista também reconheceu que existem dúvidas sobre se o próprio governante, reconhecido pelo seu desapego à moda e às convenções e que nunca usa gravata, usaria a fragrância. "Há coisas mais importantes para criticar um presidente que se usa ou não usa perfume. Mujica e a sua mulher são pessoas que calçam botas e trabalham no campo. E as pessoas decidiram que fossem o presidente e a senadora mais votada do país. Criticar isso seria criticar a grande maioria do povo que votou", concluiu Sastre.
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