quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Problemas portugueses em África (II-I)

Problemas portugueses em África (ii)

Escrito por Oliveira Salazar


«O espectacular progresso das indústrias de guerra nas grandes nações parece ter tornado inviável a terceira grande guerra, como tentativa de expansão do poder moscovita. Em face destas circunstâncias, os próprios dirigentes russos têm proclamado como extraordinariamente favorável ao progresso e bem-estar dos povos a redução das despesas militares que esmagam ao presente as economias a começar pela sua. Não há divergências sobre este ponto e todos nesse sentido nos podemos proclamar pacifistas. Simplesmente um entendimento militar parece-me distante, porque a Rússia, como já mais de uma vez afirmei, tendo desperdiçado o seu capital de crédito, dificilmente conquistará condições de negociação: sobretudo só em último caso largará de mão os trunfos de que actualmente dispõe.

Com entendimento ou sem ele, a luta pelo poderio ensaiará outros processos. Onde a ideologia falhe os exércitos não cheguem como veículo do poder hegemónico, surgirão as combinações políticas, os atropelos do direito, a intriga subterrânea, a acção económica, a sublevação. A luta encaminhar-se-á - e é visível que se encaminha - para planos diversos. E em tais condições seria indispensável que o Ocidente tivesse uma orientação e estivesse apto e pronto a definir e manter uma política. Este o grande problema. Esperemos lhe dêem solução os homens a quem de facto incumbe dirigir os destinos destes povos.

As considerações acima não interessam aos comunistas que têm uma fé, obedecem a uma disciplina e recebem do exterior as suas ordens e apoio. Esses, tenham ou não consciência disso, quebraram os elos que os prendiam à Pátria e continuarão a agir como se servissem a verdade e o bem de todos nós. Mas há os outros que, conservando a liberdade de pensar e de agir, se sentem ainda presos pelo sangue ao agregado nacional e pela inteligência ou pelo sentimento a determinada civilização. Esses devem compreender que um e outra continuam a correr grandes riscos e que não se podem pôr de antemão limites aos esforços a fazer para os debelar.

Um dos ventos que dominantemente sopra no mundo é o do anticolonialismo. Ele recusa a algumas potências o direito de administrar e civilizar territórios não limítrofes - parece que toda a questão está aqui - e vai até negar os próprios benefícios da acção colonizadora.

O sovietismo tem a sua tomada no problema por motivos que se ligam à estratégia da revolução comunista ou à expansão do império russo. Mas o movimento concilia o apoio de muitos outros a ele ligados pela invocação de razões históricas ou pela influência de vagas ideologias. Estes últimos deviam considerar se, em vez de libertações generosas, não estão nalguns casos a promover a penetração de influências que buscam exactamente a linha de menor resistência das independências frágeis.

O que está em causa no momento é apenas o domínio de certas potências europeias nos territórios africanos, visto poder afirmar-se que a Ásia está quase completamente isenta da direcção política europeia. É para ali que sobretudo se voltam as atenções; é com esse objectivo sobretudo que a campanha se transmuda em organização estruturada».

Oliveira Salazar («A Atmosfera Mundial e os Problemas Nacionais»).


Existe actualmente um quadro administrativo de angolanos africanos capaz de executar as tarefas necessárias para dirigir uma sociedade, i. e., manter a ordem, vender estampilhas de correio? No caso negativo, será possível criar tal quadro? Quanto tempo levaria? Dez anos? Vinte anos?

Na imagem: Rua Sousa Coutinho (Luanda - anos 60)

Creio poder resumir em duas as suas três perguntas: existe um quadro administrativo angolano? E, se existe, é ele suficiente? À primeira respondo sem hesitação pela afirmativa e acrescento que esse quadro vai muito além das forças de polícia ou dos empregados de correio. Assim, em todos os sectores da administração, e em obediência ao critério, que para nós é fundamental, da escolha conforme as habilitações de cada um e portanto com exclusão de considerações raciais, há africanos desempenhando os seus cargos lado a lado com europeus nascidos ou não nascidos no território - quando não acontece, o que aliás é vulgar, verem-se africanos em lugares de comando e sob as suas ordens funcionários europeus. Assim se encontram africanos em cargos de governadores distritais, presidentes de Câmaras Municipais, directores de serviços, etc. E notarei, por último, que esta situação não resulta de apressados arranjos da última hora, e de expedientes políticos, mas constitui o resultado do desenvolvimento progressivo da nossa tradicional política de promoção social conjunta - pois que já muitos séculos antes de se falar em direitos do homem e em igualdade racial nós tínhamos altos dignitários de cor quer nas províncias quer junto da corte portuguesa. O que hoje se chama africanização de quadros apresenta à evidência os laivos do racismo negro que é tão inaceitável pelo menos como o racismo branco, à face das nossas ideias e da nossa política ultramarina. E sobre esse racismo é impossível construir o futuro de África, como se verá.

Quanto à segunda pergunta, parece evidente não podermos considerar como suficientes os quadros existentes, quando Angola e Moçambique atravessam um período de extraordinário progresso e quando ali estamos empenhados em largos planos de desenvolvimento de toda a ordem. Aliás, essa falta - que aflige especialmente certos países independentes da África e com consequências visíveis - ilustra claramente um ponto frequentemente esquecido por muitos que se debruçam sobre o problema africano, ou seja, o de que o dinheiro só por si, mesmo quando acompanhado de apressadas independências políticas, não é solução para os problemas de uma sociedade em vias de desenvolvimento. Na verdade, a construção de escolas só tem significado se for precedida da formação de professores; a direcção da economia requer empresários, técnicos e economistas; o desenvolvimento económico exige administração financeira; a responsabilidade política reclama políticos treinados nos escalões inferiores da administração. De nada serve dispor de uma elite destinada a formar um «governo», se à massa da população não for elevado o nível social e cultural: esse governo não elevará a massa em geral mas tenderá a descer ao seu nível, e estará sujeito a todas as influências que, no caso de serem estrangeiras, lhe cercearão a independência. A verdade é que uma escola, uma empresa ou uma instituição política podem erguer-se ou criar-se em pouco tempo, mas o elemento humano para as dirigir e fazer viver não depende apenas dos fundos que sejam postos à sua disposição. E se pensarmos que o presente surto de progresso da África data de há poucos anos, encontraremos talvez a razão de muitas deficiências e desilusões da política internacional africana. Por nosso lado, tudo estamos fazendo para que com o desenvolvimento geral se formem as elites que o progresso exige. Como trabalhamos com o Ultramar em sistema de vasos comunicantes, procuramos aqui e lá desenvolver o ensino, em especial o profissional e técnico, para os quadros de que se tem necessidade. Farei por isso ainda uma terceira observação: perguntam-nos muitas vezes pela situação dos quadros ultramarinos e nunca pela posição ocupada pelos ultramarinos na vida e nas funções públicas do Portugal europeu. A falta de estatísticas de base racial não permite responder com precisão a perguntas do género: mas é facilmente verificável que cabo-verdianos, goeses, naturais de Angola e de Moçambique exercem funções públicas nos quadros europeus e de todas as províncias sem exclusivismos ou distinções. Podem ver-se, por exemplo, aqui na administração, no professorado, na magistratura, etc.

Virá o fim, aparentemente eminente, da guerra da Argélia criar mais um problema político para Portugal em África? Isto é, será de prever que oficiais armados e treinados da F.L.N. se desloquem para Angola através do Congo ou da Guiné?

A Imprensa internacional tem, na verdade, publicado notícias de que as organizações estrangeiras responsáveis pelo terrorismo ao Norte de Angola, e que, por não haver encontrado ambiente propício, pôde ser dominado, estariam agora recrutando reforços entre efectivos da F.L.N., ou teriam enviado para a Argélia alguns dos seus sequazes para ali se treinarem e depois se infiltrarem em Angola através da fronteira norte. Apareceu até, há tempo, uma fotografia num grande jornal americano, mostrando no treino esses recrutas argelinos. Não sabemos se tais informações são ou não verdadeiras mas, para além das precauções que se impõem, retiramos daí dois pontos dignos de reparo. O primeiro é que certos sectores de opinião, que teimosamente se recusaram e ainda recusam a acreditar na nossa afirmação de que o terrorismo em Angola foi preparado, dirigido e lançado do exterior, são agora os primeiros a confirmar que a chamada «rebelião nacionalista» angolana depende exclusivamente da iniciativa estrangeira e é alimentada em fundos, material e pessoal, do exterior. Quer-nos parecer que tal confissão deveria ser acompanhada por firme reprovação, em nome dos princípios tão candidamente proclamados por esses sectores, da não intervenção nos negócios internos de cada país e da coexistência pacífica. Mas assim não acontece, e afigura-se que oficiais ou soldados argelinos serão considerados em tais sectores como «nacionalistas angolanos». Li há dias num jornal inglês de responsabilidade a notícia de que a Polónia estava procurando polacos que falassem português a fim de os enviar para Angola. Deverão também esses considerar-se «nacionalistas angolanos»?

Em segundo lugar, e confrontando essas informações com outras que todos os dias agoras são publicadas acerca das recriminações e rivalidades entre dirigentes e os membros das referidas organizações, verifica-se que os responsáveis pelo terrorismo perderam a esperança de levar a pacífica população angolana a aderir ao seu movimento, não obstante as crueldades sobre ela praticadas com vista a engrossar, pela intimidação, as suas fileiras, para criar a aparência de se tratar de movimento interno. Falhado esse objectivo, restava o recurso que parece agora seduzi-los - pelo que a notícia, se nos põe de sobreaviso, não nos surpreende. Mas será curioso notar: o mundo considera os estrangeiros alistados nas forças catanguesas como «mercenários», cuja acção há que proibir; mas os estrangeiros que lançam o terror no Norte de Angola devem ser tidos como «nacionalistas angolanos»!

A presença de aproximadamente 250 000 nacionais portugueses da Metrópole criará de algum modo problema análogo ao «problema dos colonos» que os ingleses confrontam no Quénia e os franceses na Argélia?

Na imagem: Lourenço Marques (anos 60)

Suponho que tanto no Quénia como na Argélia há colonos cujas famílias ali se encontram fixadas há muitas gerações, pelo que certamente haverá semelhanças, sob tal aspecto, com situações existentes nas nossas províncias. Parece, porém, que em relação ao primeiro daqueles territórios, pelo menos, a tendência geral será no sentido do abandono por parte das populações europeias: nessa medida, não haverá coincidência com Angola ou Moçambique. Além disso, e este ponto é capital, não parece haver qualquer semelhança entre as relações existentes entre as várias etnias que habitam os referidos territórios e as existentes entre as diversas etnias de Angola onde, de há séculos, coexistem e se misturam e trabalham lado a lado, sob uma soberania que pôde dar-lhes o sentimento de estarem integradas numa Nação. De modo que brancos e pretos estão na sua terra e se consideram portugueses de Angola.

Haverá, no ponto de vista do Ocidente, uma solução de compromisso possível ou implícita na política portuguesa que evite os extremos do ultraconservadorismo dos colonos e do sentimento ultraliberal da independência incondicional que leve seja à quase anarquia - i. e., o Congo - ou ao Castrismo - i. e., Cuba?

Creio que as repostas a algumas perguntas anteriores indicam claramente aquilo por que sempre temos trabalhado em África e por que nos batemos: o desenvolvimento e a consolidação de uma sociedade multirracial, governada pelo Direito, com justiça igual para todos, sem distinção de raça ou crença, em que as oportunidades de acesso estejam abertas a todos consoante os seus méritos e habilitações. A formação de uma tal sociedade exige que, em nome de qualquer racismo bem ou mal disfarçado, se não exclua a contribuição de um grupo ou de outro; que a promoção social assente em bases sólidas, onde haja correspondência entre a atribuição de responsabilidade e a capacidade do respectivo desempenho; que o desenvolvimento económico se faça ao ritmo mais rápido que for possível mas com base nas realidades materiais e humanas; que o poder político sem exclusão destes ou daqueles seja posto ao serviço da sociedade, e não esta à mercê daquele. Estes são os objectivos finais da nossa politica. Caminhamos sem descanso nem tergiversações no sentido de os atingirmos, mas reconhecemos que muito ainda temos a fazer, designadamente no domínio das infra-estruturas do progresso como a saúde e a educação. Temos trabalhado honestamente e com determinação de propósitos nestes domínios a ponto de não recearmos o confronto, em qualquer destes sectores, com a quase totalidade dos países e territórios africanos, e de numerosos outros situados em continentes diversos. O grande público, a quem a propaganda demagógica tem chegado com mais facilidade do que a verdade, estará por isso mal informado a este respeito. Mas algumas agências especializadas na ONU, designadamente a OMS e a OIT cuja idoneidade certamente todos reconhecem, já o proclamaram a quem quisesse ouvir. Será o nosso alvo demasiado ambicioso ou mesmo impossível? O Brasil e Goa, para não citar mais, atestam que é possível. Simplesmente, ainda que a marcha do tempo seja hoje mais veloz que nos séculos passados, é preciso tempo, muito tempo para plasmar uma sociedade humana. Quando nestes domínios se pretende precipitar, encontramo-nos em face do dilema apresentado na sua pergunta para evitar o qual não parece haver compromisso possível. É por isso que a política ultramarina portuguesa não se apresenta como um «compromisso» mas como uma «solução» que não deveria desagradar ao Ocidente, de tal modo se baseia nos princípios da civilização a que todos estamos ligados.

Quererá V. Ex.ª declarar sucintamente quais as suas críticas à política americana vis-a-vis à África, e sugerir a forma como ela poderia ser reforçada a melhorada?

Já de outras vezes me foi feita pergunta semelhante. Tenho respondido que não ousaria nunca indicar a política que os Estados Unidos devam ou não seguir. Parece legítimo apontar, no entanto, que a crítica principal que se lhe faz correntemente, não só na Europa, como nos próprios Estados Unidos e até mesmo no continente Africano, é a de buscar soluções políticas apressadas antes de estar assegurada a resolução dos inúmeros e complexos problemas de ordem social, económica, técnica e cultural de África. Na verdade, muitos acusam os Estados Unidos de terem uma visão de África como sendo primordialmente uma parte do mundo em que o que importa é derrotar o comunismo: uma vez concedida a independência política e instaurados regimes ditos democráticos, a batalha estará vencida, esperando e esforçando-se os Estados Unidos por que tais regimes entrem na sua órbita e escapem à da União Soviética. No desenvolvimento dessa doutrina, que nos parece simplista em excesso e sobretudo não se apoia em factos, o Governo americano tem persistemente favorecido as independências precipitadas que já aqui e além se vêm revelando não só incapazes de solucionar os seus verdadeiros problemas como afinal susceptíveis de abrir as portas à influência das ideias comunistas. Nesse processo, os Estados Unidos têm abandonado aliados e contrariado os seus interesses legítimos: mas o que parece mais sério ainda, e é além disso oposto à tradicional generosidade idealista do povo americano, é que dessa política não têm resultado benefícios para as populações em causa, antes pelo contrário. Não sei se daí derivam ou se esperam vantagens económicas ou comerciais para os Estados Unidos: mas se são os princípios que estão em causa, e se o que se procura é defender a liberdade individual, os direitos humanos e a melhoria do nível de vida dos povos, não se afigura que os resultados obtidos por tal política devam ser tidos como encorajantes.

Julga V. Ex.ª que será do interesse de Portugal e da Europa Ocidental renovarem-se com os Estados Unidos as facilidades na base dos Açores?

Desejaria não responder a esta pergunta e pediria que a mesma não fosse formulada (in ob. cit., pp. 7-14)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Problemas portugueses em África (i)

Escrito por Oliveira Salazar


«A Rússia de hoje nasceu da revolução soviética mas não é filha do comunismo. Quero dizer com isto o seguinte. Não nego que os factores da revolução tivessem o intento de criar uma sociedade comunista. Tendo porém as realidades mostrado que o comunismo é uma doutrina antinatural e irrealizável na prática, os dirigentes aproveitaram a força e engrenagem da revolução para dar o impulso que se verifica em muitos sectores da vida russa. Com bom aproveitamento das circunstâncias favoráveis e também da inabilidade alheia, a Rússia pôde constituir-se no que é hoje - grande potência militar, política, industrial que desafia e a largos passos intenta aproximar-se das maiores potências económicas do Ocidente.

Sem se poder negar a existência de muitas conquistas de ordem social, a revolução mostrou-se porém nas suas realizações e métodos esvaziada daquilo que seria a sua própria essência e fins. Na verdade as populações têm pago em sofrimentos indizíveis, em dominações cruéis, em exterminações catastróficas, em fomes ou restrições de vida o poderio russo. Se o movimento nasceu para servir o homem, desenvolveu-se afinal para servir e engrandecer o Estado. O comunismo-doutrina continua a ser erguido como bandeira, expressão ou esperança de uma revolução social a fazer, sobretudo em países estrangeiros distanciados da verificação local do fenómeno. Mas a inaplicabilidade dos princípios e as experiências, nos países satélites, do domínio dos partidos filiados parece ter diminuído muito senão esgotado a sua capacidade de expansão.

Assim nem a vitória militar e a inteligente exploração dessa vitória, nem o desenvolvimento das indústrias de base ou de guerra, nem a actividade política do Estado russo e o seu alargamento territorial me parece terem nada que ver com o comunismo; mas tem muito que ver com a gente que se apoderou do poder, as suas ideias de governo e o regime político em que lhe foi dado trabalhar. A superioridade da orgânica estadual, traduzida na unidade de direcção, e no poder de decisão ou de realização não podem os mais Estados transplantá-la fielmente por motivos diversos para as suas próprias constituições que outras superioridades apresentam; mas não pode ser negada e há-de ter-se sempre presente como lição.

Se já não estamos, pois, segundo penso, em face de um credo que se expande, estamos em face de um Império em fase de crescimento, fase como outras que tem atravessado na História. Ora um poder em via de expansão não se limita a si próprio, e só é limitado pelo jogo de forças exteriores que se lhe oponham.

Foi em obediência a esta concepção que grande número de países largamente apoiados pelos Estados Unidos resolveram unir as suas forças para se opor à expansão russa. Apesar das muitas deficiências das organizações, tornou-se visível que o avanço se encontrava barrado no caminho do Atlântico. Vemos agora que a torrente o evita e, aproveitando as dificuldades ou fraquezas do Médio-Oriente, aí se instala e daí tentará prosseguir os seus avanços. A desintegração afro-asiática, em que os pretendentes à África negra se associam aos esforços russos, com mira na herança africana, trabalha no mesmo sentido. Verificam-se muitos protestos de fidelidade ao Ocidente e não há que tê-los em suspeição. O que se deve ter presente é que tudo o que a Rússia não puder conquistar, representa um ganho se o fizer perder aos outros».

Oliveira Salazar («A Atmosfera Mundial e os Problemas Nacionais», SNI, 1957).


VERSÃO COMPLETA DA ENTREVISTA CONCEDIDA PELO PRESIDENTE DO CONSELHO À REVISTA NORTE-AMERICANA «LIFE» E A ÚNICA QUE ESTA REVISTA ESTAVA AUTORIZADA A PUBLICAR.

Será a autonomia uma possibilidade prática ou viável para Angola ou Moçambique, agora ou mais tarde?

A pergunta parece implicar a ideia de que Angola ou Moçambique não desfrutam de autonomia. Se é essa a sugestão, não corresponde à realidade, pois tanto Angola como Moçambique gozam de uma larga autonomia que, em certos sectores, é mesmo total. Citarei, como exemplo, o sector orçamental - que creio ser universalmente aceite como um dos indicativos básicos do estatuto de autonomia; na verdade, os Governos de Angola e de Moçambique são os exclusivos responsáveis pela gestão dos fundos públicos, quer sejam os que resultam da arrecadação das receitas do próprio território quer os que lhes advêm dos subsídios e dos empréstimos feitos pela Metrópole. Outros exemplos poderia dar para provar não apenas a viabilidade da autonomia a que aludiu mas a realidade de uma situação que existe de facto e de direito. Há certamente competências legalmente atribuídas ou reservadas ao poder central, porque, não se conhecendo um cânon único de autonomia, a prudência aconselha que, por um lado, essa autonomia se vá conformando com a capacidade das províncias para gerirem os seus negócios, e por outro se respeite a unidade da Nação portuguesa que elas próprias não desejarão quebrar. À medida que os territórios se desenvolvem e a instrução se difunde, as elites locais tornam-se mais numerosas e capazes e as suas tarefas podem ser acrescidas sem risco, antes com vantagem, para a comunidade nacional. É esta a orientação do nosso trabalho.

Sendo uma hipótese prática, poderá V. Ex.ª prever o período dentro do qual quer Angola quer Moçambique poderão estar preparados para tomar o seu lugar, por si mesmos, na comunidade das Nações?

Se «por si mesmos» V. Ex.ª significar «como Estados soberanos», devo dizer que não sei responder. O facto de um território se proclamar independente é fenómeno natural nas sociedades humanas e por isso representa uma hipótese sempre admissível, mas em boa verdade não se lhe pode nem deve marcar prazo. O que está sendo sujeito a programas horários é a política inconcebível do nosso tempo, segundo a qual se pretende que os Estados marquem prazos para quebrar a sua unidade e se desfazerem em pedaços. É absurda. Mas ainda que absurda, esta política deveria ao menos preocupar-se, para benefício dos povos, com o facto de estarem ou não realizadas as condições de desenvolvimento demográfico, económico, cultural, técnico e político, sobre que se possa construir um Estado independente e assentar uma soberania responsável. Ora, estas condições não estão realizadas nos territórios em questão, e se Angola ou Moçambique sentem e vivem a unidade nacional portuguesa e não os fervores da independência, então a missão a cumprir nunca pode ser tendente à preparação do desmembramento em maior ou menor prazo mas ao seu desenvolvimento harmónico dentro da Nação.

Na imagem: Luanda (anos 60)

Mas talvez V. Ex.ª não tenha querido ir tão longe na sua pergunta e por isso a examinarei ainda sob outro ângulo - o ângulo de uma larga autonomia de Angola e Moçambique. A tendência que se observa na evolução da comunidade internacional é cada vez mais no sentido da criação de largos espaços económicos, que podem visar maior ou menor medida de integração política mas sempre caminham para um estreitamento de laços políticos de alguma forma limitativos das respectivas soberanias. Por outro lado, julgo que não poderá negar-se que Angola e Moçambique já ocupam actualmente o seu lugar na comunidade das Nações, pois, se não fora assim, como se compreenderia que as suas actividades económicas e culturais se projectassem para além das fronteiras, que os seus portos e caminhos de ferro constituíssem posições-chave no aproveitamento dos recursos do continente africano, que os seus produtos fossem tidos em conta no jogo das organizações reguladoras do comércio internacional, enfim, que as suas populações beneficiassem do intercâmbio económico, cultural e científico que caracteriza o nosso século, e para ele contribuíssem? No contexto das considerações precedentes e sem a pretensão de desvendar futuros longínquos, não tenho dúvida em responder à pergunta com a afirmação de que, se nos deixarem trabalhar em paz, o lugar que a Angola e Moçambique cabe na comunidade internacional, e mais particularmente no continente africano, não deixará de, progressivamente, ganhar relevo nos anos mais próximos.

Se a autonomia não é uma hipótese prática nem desejável, pode V. Ex.ª indicar porquê?

As considerações que expus, ao responder às perguntas anteriores, respondem por si a esta pergunta, salvo se à autonomia for equiparada a independência. Apenas repetirei que essa autonomia existe de facto e de direito; somente acontece que é uma autonomia dirigida a servir exclusivamente os interesses de Angola e Moçambique, e não interesses alheios, e por isso talvez estes últimos se mostrem tão relutantes em compreender e aceitar a realidade da situação naqueles dois territórios.

Existirão factores que tornem o problema dos territórios portugueses em África diferente daqueles de outras regiões que pretendem ou receberam autonomia ou independência?

Nós temos sido muito criticados pela nossa persistente adesão ao ideal da sociedade multirracial a desenvolver-se nos trópicos, como se tal ideal se opusesse à natureza humana, à ordem moral universal ou aos interesses dos povos, quando é o contrário que se verifica. Sem discutir o problema, direi que nós, portugueses, não sabemos estar no mundo de outra maneira, até porque foi num tipo social de multirracialidade que, há oito séculos, nos formámos como Nação, no termo de diversas invasões, oriundas do Oriente, do Norte e do Sul, isto é, da própria África. Daí nos ficou talvez um pendor natural - que citamos tanto mais à vontade quanto é certo tem sido reconhecido por notáveis sociólogos estrangeiros - para os contactos com outros povos, contactos de que sempre estiveram ausentes quaisquer conceitos de superioridade ou discriminação racial.

Na imagem: Lourenço Marques (anos 60)

Não nos cabe julgar os outros, pelos seus actos ou omissões, mas não podemos furtar-nos a notar que o colonialismo - e é nesse campo que, creio, se integra a sua pergunta - resultou da revolução industrial verificada na Europa a partir do século XVIII, data em que já havíamos estabelecido contactos humanos seculares com povos que, posteriormente, foram subordinados aos imperativos de políticas de outros países europeus: esses, ao contrário de Portugal visavam objectivos essencialmente económicos. Dessas políticas de exploração económica resultaram inegáveis benefícios para o continente africano e para as suas populações, que ali e noutros continentes hojem se procuram denegrir. Não menosprezamos pois o trabalho realizado, mas creio poder afirmar que aquilo que distingue a África portuguesa - não obstante os esforços que de muitos lados de conluiam para a atacar tanto pela palavra como pela acção - é a primazia que sempre demos e queremos continuar a dar à valorização e dignificação do homem, sem distinção de cor ou de crença, à sombra de princípios de civilização de que eramos portadores, entre populações sob todos os aspectos distanciadas de nós. Isto nos levou à convicção de que o progresso económico, social e político, se bem que possa ser mais lento, só por tal caminho é seguro e perdurável: de outro modo, e o fenómeno está à vista de todos, as autonomias e sobretudo as independências não amadurecidas mas fabricadas em série são puramente artificiais e representam apenas um processo de converterem o colonialismo antigo em novo e talvez pior colonialismo (in «Problemas portugueses em África», SNI, 1962, pp. 3-7).

2 comentários:

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