Editorial
Maputo (Canalmoz) - “Mais de 55 mil pessoas, correspondentes aproximadamente a 11078 famílias, atravessam neste momento uma acentuada crise alimentar nos distritos de Gondola, Machaze, Macossa, Báruè e Guro, na província de Manica, em consequência da fraca colheita verificada na campanha agrícola transacta, bem como da estiagem, aridez dos solos e a venda desenfreada do pouco que os camponeses tinham conseguido colher (…) Para fazer face à situação, o Governo provincial concebeu uma série de estratégias tendo em vista a mobilização de ajuda humanitária, tendo na segunda-feira lançado um apelo de solidariedade junto das organizações doadoras nacionais e estrangeiras que operam na província”, escreveu o jornal Notícias no início deste ano.
Na semana passada, a delegação da mesma província de Manica ao Congresso que decorre em Pemba bateu recorde nas contribuições para o Congresso. Anunciou que transferiu para a conta do partido 5 milhões de meticais e ofereceu, durante a sessão, 250 kg de batata, 850 caixas de banana, 350 kg de mandioca e 3 toneladas de farinha de milho.
Se um Governo provincial pede ajuda humanitária para resolver questões de fome, como consegue tirar da mesma província as quantidades de alimentos e dinheiro aqui referidos para serem consumidos em cerca de uma semana num congresso que mesmo não tendo acontecido ninguém morreria? Nem vale a justificação de que as oferendas ao Congresso são contribuições dos membros do partido. São contribuições que foram retiradas das bocas de milhares de crianças cujo Governo pede ajuda “às organizações humanitárias” para alimentá-las!
Ou será que os membros da Frelimo em Manica estão imunes à fome? Por mais que estejam, o que é mais importante entre alimentar um grupo de pessoas durante uma semana e salvar milhares de pessoas de fome, dentre elas crianças, idosos e certamente mulheres grávidas?
Ou será que Guebuza não tem razão quando diz que a pobreza dos moçambicanos está nas suas cabeças. Só que essa pobreza parece que habita não só na população, mas nas cabeças de todos, a começar dos governantes que, conhecendo a realidade da sua província, preferiram fazer doações para alimentar um grupo de gente com dinheiro e deixar milhares a morrer.
A comitiva, que foi fazer estas oferendas ao partido, não era de pessoas não esclarecidas, de fácil manipulação. Integrava gente lúcida e até governantes, como a ministra da Justiça, Benvida Levi, a ministra da Mulher e da Acção Social, Iolanda Cintura, o deputado e ex-ministro da Defesa, Tobias Dai.
Esta gente que vive dos recursos do Estado e tem o suficiente para comer nunca apareceu – não a fazer doações milionárias como estas – a manifestar simples gesto de solidariedade para com milhares de pessoas que sofrem de fome nas suas províncias. É, no mínimo, ridículo.
Afinal a quem serve esta gente? Ao povo ou aos seus estômagos? O que é mais importante para estes governantes? Fazer doações milionárias ao Congresso para bater recordes, ou servir aos moçambicanos, a começar por milhares de pessoas que sofrem de fome nas suas províncias?
E os representantes das organizações humanitárias, que estão a assistir ao congresso e a estas doações milionárias, o que pensam? Que lições tiram? Ou a eles isso não importa, o que eles mais querem é ajudar para depois receber em troca?
E aos demais moçambicanos da Frelimo e não da Frelimo. O que isso diz, não dá para reflectir sobre o tipo de gente que nos governa? Será que os moçambicanos são assim mesmo? Tiram da boca das crianças famintas para irem dar os dirigentes saciados, só para bater recordes? É esta a cultura dos moçambicanos, são estes os valores dos moçambicanos? Ou efectivamente a pobreza deste povo do grande Moçambique está, efectivamente, nas cabeças?
Como alguém não vai achar que a nossa pobreza está nas cabeças, quando retiramos dos nossos mal nutridos filhos para dar a senhores barrigudos, só para sermos bem vistos? Obviamente que vai dizer que a pobreza deste povo está nas cabeças.
O mínimo que a direcção da Frelimo devia fazer, para passar a mensagem da solidariedade aos moçambicanos e mostrar ao mundo que não é um Governo sanguessuga, era canalizar estas doações aos desfavorecidos. E o povo, para mostrar que a pobreza de que sofre não está nas suas cabeças – onde falta miolos – devia era dar lição a esta gente. Esperemos para ver! (Canal de Moçambique/ Canalmoz)
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