sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Dor de cotovelo?

Deve ser isso. Da minha parte. Como todo o analista que se preza considero-me muito mais apto do que qualquer político da praça. Por isso mesmo, do alto da minha erudição não consigo perceber porque está (quase) todo o mundo a elogiar o discurso inaugural do novo presidente. Não foi um mau discurso. Mas também não sei que aspecto desse discurso merece o tipo de encómios que ele está a receber no “Facebook”. Ele disse coisas previsíveis. Que vai formar governo competente, que estará ao serviço do povo, que vai procurar unir, abordar os problemas, etc. Teria surpreendido se não tivesse dito nenhuma destas coisas. Ou será que a nossa opinião sobre ele era assim tão má ao ponto de termos esperado que ele viesse a público, no dia da sua investidura, dizer que se está nas tintas para o povo, que a corrupção se lixe, que quem não é da Frelimo o problema é dele, que ele é mais si próprio do que qualquer ninguém? Não entendo os meus compatriotas. Tento, mas está difícil.
Ou se calhar não. Acho isto sintomático de algo muito bom, no fundo. É sintomático de algo que pensei que tivéssemos perdido: a esperança. Quando o discurso de alguém que pertence a uma malta que está constantemente a ser apedrejada é recebido desta maneira, isso quer dizer que Moçambique ainda tem gente que quer ser convencida, que quer alguém que lhes diga coisas boas, coisas que criam alento, coisas que galvanizam. É muito bom ser dum país onde as pessoas ainda querem ser enganadas. E tudo isto numa altura em que alguns, por inépcia, andam a dizer o tipo de coisas que mais ninguém quer ouvir. A estrela do discurso de investidura não foi quem o proferiu. Foram os ouvintes que pegaram nos bocados que nos dão esperança. Afinal nem tudo está perdido na Pérola do Índico. Já tenho uma ideia para a minha figura do ano. Não vai ser nem furacão, nem tempestade. Vai ser um raio de luz.
Mas só para estragar um bocado. Há duas coisas que ele não disse, mas que em minha opinião devia ter dito. Sei que é uma questão de apreciação política diferente. Primeiro, eu acho que ele devia ter falado das irregularidades durante as eleições. Ele é para mim, e para todo o moçambicano sensato, um presidente legítimo. Mas as eleições foram manchadas. Ele devia ter dito algo nesse sentido porque isso teria criado espaço para ele estender uma mão aos que estão a caminhar perigosamente para o mato político. Naquela passagem onde ele diz que é presidente de todos os moçambicanos, ali mesmo, ele devia ter dito “eu tenho consciência de que nem todos se revêm em mim; tenho consciência de que restam dúvidas em alguns compatriotas sobre a legitimidade do processo; eu tenho consciência disso; espero que todos os que estão desapontados me deem a sua mão patriótica e se juntem a todos nós na nossa aposta de trabalharmos com afinco na consolidação de instituições e procedimentos que nos ajudem a gerar maiores níveis de confiança; as tarefas que temos pela frente precisam de todos nós, nem que seja para nos ajudarem a melhorar através da crítica construtiva dentro da ordem constitucional; Moçambique é uno e indivisível; não é cada qual seguindo o seu caminho que vamos criar as instituições que queremos; é trabalhando juntos, de mãos dadas entoando com o nosso hino, que vamos construir este país pedra a pedra”. E por aí fora…
Devia também ter falado de Chitima e das cheias doutra maneira. Não devia ter apenas mostrado solidariedade e prometido trabalhar. Isso é o mínimo que esperamos dele. Devia ter aproveitado esta oportunidade ímpar para dizer como é que ele pensa interpretar o acto governamental. Ele devia ter dado uma ideia do que vai ser a sua governação, isto é como é que ela vai abordar este tipo de problemas (recorrentes, pelo menos as cheias). Vai reforçar a autonomia local para que seja ela a dar a resposta? Vai insistir na centralização? Vai pedir mais ajuda? Vai integrar mais o sector privado? Eu pelo menos não vi muito “Nyussi” naquele discurso. Vi alguém que leu um discurso. Bom, indiquei mais acima que não quero estragar a festa. O momento não é para isso. Só que estas coisas também são importantes. E como sei que não será com ele que Gaza vai estar no papo, estou-me nas tintas. Até desliguei um dos meus telefones de propósito. Espero que alguém tenha o número do outro.

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