sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Save de Children “resgata” 23 raparigas menores casadas com um curandeiro

No distrito de Massinga, em Inhambane
 
Maputo (Canalmoz) – A coordenadora nacional de Educação na Save de Children, Nacima Figia, anunciou que a organização que trabalha em prol dos direitos da criança “resgatou” 23 raparigas que foram forçadas a casar-se com um curandeiro no distrito de Massinga, província de Inhambane.
Não nos foi revelada a identidade do curandeiro, nem das raparigas (para proteger a sua privacidade), mas, segundo Figia, os pais das meninas não conseguiam pagar com dinheiro os custos de tratamento que haviam sido feitos por esse curandeiro e elas foram usadas como meio de troco. O curandeiro sempre ameaçava os clientes com “actuações espirituais” caso as dívidas não fossem sanadas ele ainda vivo.
Com idades compreendidas entre 09 e 15 anos, algumas delas confirmaram à equipa de Save The Children que haviam sido forçadas a manter relações sexuais com o médico tradicional. Figia, que falava esta terça-feira num workshop organizado pelo “Movimento para Todos”, apresentou o tema “A Situação da Criança”.
“Quando chegamos lá, entramos em contacto com a Associação dos Médicos Tradicionais (AMETRAMO) locais e as famílias das meninas. Os pais entregaram as filhas porque sempre recebiam ameaças do curandeiro. Arranjamos meio-termo para a libertação das menores perante a entrega de cabritos ou trabalhos nas machambas do curandeiro”, disse Nacima Figia.
Disse que naquele grupo, aquelas que haviam sido obrigadas a interromper os estudos para se casarem, voltaram à escola após as negociações entre o curandeiro, AMETRAMO e os pais devedores.
Caso similar em Marracuene
A coordenadora nacional de educação na Save de Children disse que o caso registado no distrito de Massinga é apenas um exemplo de outros tantos abusos e violações dos direitos da criança.
Contou que no distrito de Marracuene, a 30 quilómetros a sul da capital do país, uma avó trocou a sua netinha por 1.500 meticais, 5 litros de vinho e um cabrito. Explicou que tudo começou quando a menina foi engravidada por seu professor. A avó obrigou o professor a viver com a menina, devendo pagar uma multa. Numa primeira fase, o professor pagou 5 litros de vinho e um cabrito.
“Quando este assunto foi despoletado, a avó disse que não devia voltar à casa porque ainda faltava 1500 por pagar. E procurada a mãe da miúda, que vive no Xipamanine, disse que nada podia fazer porque tudo já estava decidido”, disse.
Igualdade não respeitada
Num outro desenvolvimento, Nacima Figia disse que em Moçambique tanto a Constituição da República como a política nacional de educação preconizam a igualdade de direitos para rapazes e raparigas. Porém, devido a diversos factores socio-culturais e práticas tradicionais negativas a realidade demonstra que do universo de crianças que frequentam a escola, apenas 47 por cento são raparigas.
Por outro lado, as estatísticas das desistências escolares indicam que desistem mais raparigas que rapazes, numa proporção de 10,5 % de raparigas, contra cerca de 8,3 % de desistências de rapazes.
“Diversos estudos indicam que nas áreas rurais grande parte da comunidade prioriza a educação de rapazes em detrimento da educação de raparigas. Os mesmos estudos indicam que as desistências se prendem com casamentos prematuros, gravidez precoce, assédio e abuso sexual por parte de professores e colegas, bem como da falta de latrinas sensíveis ao género”, disse.
Professores protegem-se
Num outro desenvolvimento, disse que a predominância quantitativa de directores e professores (masculinos), em muitos casos a existência exclusiva destes, priva as raparigas de partilharem as suas preocupações e denunciarem situações de discriminação e de assédio.
E nesta situação de predominância de directores e professores masculinos, estes se tornam cúmplices e se protegem mutuamente.
“Cientes destes riscos, os parentes não confiam neste ambiente escolar hostil às raparigas, encorajam as filhas a abandonar a escola, quando estas atingem a puberdade ou mal se apercebam do risco de suas filhas serem abusadas”, disse. (Cláudio Saúte)

Sem comentários: