quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Historiografia Africana

Por J. D. Fage.

A evolução dos estudos históricos da África, desde as antigas concepções orientalistas européias até a sua reformulação atual e recente depois da ascensão dos movimentos negros e do pós-colonialismo, passando pela historiografia arábica e pela produção autóctone in História Geral da África. São Paulo; Ática, 1981 volume 1



Os primeiros trabalhos sobre a história da África são tão antigos quanto o início da história escrita. Os historiadores do velho mundo mediterrânico e os da civilização islâmica medieval tomaram como quadro de referência o conjunto do mundo conhecido, que compreendia uma considerável porção da África. A África ao norte do Saara era parte integrante dessas duas civilizações e seu passado constituía um dos centros de interesse dos historiadores, do mesmo modo que o passado da Europa meridional ou o do Oriente Próximo. A história do norte da África continuou a ser parte essencial dos estudos históricos até a expansão do Império Otomano, no século XVI.
Após a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito em 1798, o norte da África tornou-se novamente um campo de estudos que os historiadores não podiam negligenciar. Com a expansão do poder colonial europeu nessa parte da África - após a conquista de Argel pelos franceses em 1830 e a ocupação do Egito pelos britânicos em 1882 - um ponto de vista europeu colonialista passou a dominar os trabalhos sobre a história da porção norte da África. No entanto, a partir de 1930, o movimento modernizador no Islã, o desenvolvimento da instrução de estilo europeu nas colônias da África do Norte e o nascimento dos movimentos nacionalistas norte-africanos começaram a combinar-se para dar origem a escolas autóctones de história que produziam obras não apenas em árabe, mas também em francês e inglês, restabelecendo assim o equilíbrio nos estudos históricos dessa região do continente.
Assim sendo, o presente capítulo preocupar-se-á sobretudo com a historiografia da África ocidental, central, oriental e meridional. Ainda que nem os historiadores clássicos nem os historiadores islâmicos medievais tenham considerado a África tropical como destituída de interesse, seus horizontes estavam limitados pela escassez de contatos que podiam estabelecer com ela, seja através do Saara em direção à "Etiópia" ou o Bilad-al-Suden, seja ao longo da costa do mar Vermelho e do oceano Indico, até os limites que a navegação de monções permitia atingir.
As informações fornecidas pelos antigos autores no que se refere mais particularmente à África ocidental eram raras e esporádicas. Heródoto, Manetão, Plínio, o Velho, Estrabão e alguns outros descrevem apenas umas poucas viagens através do Saara, ou breves incursões marítimas ao longo da costa Atlântica, sendo a autenticidade de alguns desses relatos objeto de animadas discussões entre especialistas. As informações clássicas a respeito do mar Vermelho e do oceano Índico têm um fundamento mais sólido, pois é certo que os mercadores mediterrânicos, ou ao menos os alexandrinos, comerciavam nessas costas. O Périplo do Mar da Eritréia (mais ou menos no ano +100) e as obras de Cláudio Ptolomeu (por volta do ano +150, embora a versão que chegou até nós pareça referir-se sobretudo ao ano +400, aproximadamente) e de Cosmas Indicopleustes (+647) constituem ainda as principais fontes da história antiga da África oriental.
Os autores árabes eram mais bem informados, uma vez que em sua época a utilização do camelo pelos povos do Saara havia facilitado o estabelecimento de um comércio regular com a África ocidental e a instalação de negociantes norte-africanos nas principais cidades do Sudão ocidental. Por outro lado, o comércio com a parte ocidental do oceano Indico tinha se desenvolvido a tal ponto que um número considerável de mercadores da Arábia e do Oriente Próximo se instalara ao longo da costa oriental da África. Assim, as obras de homens como al-Mas'udi (que morreu por volta de +950), al-Bakri (1029-1094), al-Idrisi (1154), Yakut (cerca de 1200), Abu'I-Fida' (1273- -1331), al'Umari (1301-1349), Ibn Battuta (1304-1369) e Hassan Ibn Mohammad al-Wuzza'n (conhecido na Europa pelo nome de Leão, o Africano, 1494-1552 aproximadamente) são de grande importância para a reconstrução da história da África, em particular a do Sudão ocidental e central, durante o período compreendido entre os séculos IX e XV.
No entanto, por mais úteis que sejam essas obras para os historiadores modernos, pairam dúvidas de que possamos incluir algum desses autores ou de seus predecessores clássicos entre os principais historiadores da África. O essencial da contribuição de cada um deles consiste numa descrição das regiões da África a partir das informações que puderam recolher na época em que escreveram. Não existe nenhum estudo sistemático sobre as mudanças ocorridas ao longo do tempo e que constituem o verdadeiro objetivo do historiador. Aliás, tal descrição nem chega a ser realmente sincrônica, pois se é verdade que uma parte das informações pode ser contemporânea, outras delas, embora pudessem ainda ser consideradas verdadeiras na época em que o autor vivia, muitas vezes poderiam ser provenientes de relatos mais antigos. Além disso, essas obras apresentam o inconveniente de que, em geral, não há nenhum meio de avaliar a autoridade da informação, de saber, por exemplo, se o autor a obteve por sua observação pessoal ou a partir da observação direta de um contemporâneo, ou se ele simplesmente relata rumores correntes na época ou a opinião de autores antigos. Leão, o Africano, constitui um exemplo interessante desse problema. Assim como Ibn Battuta, ele próprio viajou pela África, mas, ao contrário deste, não se pode afirmar com certeza que todas as informações que ele nos fornece tenham provindo de suas observações pessoais.
Talvez fosse útil relembrar aqui que o termo "história" não deixa de ser ambíguo. Atualmente, pode ser definido como "um relato metódico dos acontecimentos de um determinado período", mas pode também ter o sentido mais antigo de "descrição sistemática de fenômenos naturais". É essencialmente nessa acepção que ele é empregado no título em inglês da obra de Leão, o Africano (Leo Africanus, A Geographical History of África; em francês, Description de l' Afrique), significado que só permanece hoje na ultrapassada expressão "história natural" (que, aliás, era o título da obra de Plínio).
Entre os primeiros historiadores da África, porém, encontra-se um muito importante, um grande historiador no sentido amplo do termo: referimo-nos a Ibn Khaldun (1332-1406) que, se fosse mais conhecido pelos especialistas ocidentais, poderia legitimamente roubar de Heródoto o título de "pai da história". Ibn Khaldun era um norte-africano nascido em Túnis. Uma parte de sua obra é consagrada à África 1 e às suas relações com os outros povos do Mediterrâneo e do Oriente Próximo. Da compreensão dessas relações ele induziu uma concepção que faz da história um fenômeno cíclico, no qual os nômades das estepes e dos desertos conquistam as terras aráveis dos povos sedentários e aí estabelecem vastos reinos, que, depois de cerca de três gerações, perdem sua vitalidade e se tomam vítimas de novas invasões de nômades. Trata-se, sem dúvida, de um bom modelo para grande parte da história do norte da África e um importante historiador, Marc Bloch 2, utilizou-o para sua brilhante explicação da história da Europa no início da Idade Média. Ora, Ibn Khaldun distingue-se de seus contemporâneos não somente por ter concebido uma filosofia da história, mas também - e talvez principalmente - por não ter, como os demais, atribuído o mesmo peso e o mesmo valor a todo fragmento de informação que pudesse encontrar sobre o passado; acreditava que era preciso aproximar-se da verdade passo a passo, através da crítica e da comparação.
Ibn Khaldun é, realmente, um historiador muito moderno e é a ele que devemos o que se pode considerar quase como história da África tropical, em sentido moderno. Na qualidade de norte-africano e também pelo fato de ter trabalhado, a despeito da novidade de sua filosofia e de seu método, no quadro das antigas tradições mediterrâneas e islâmicas, ele não deixou de se preocupar com o que ocorria no outro lado do Saara. Assim, um dos capítulos de sua obra 3 é uma história do Império do Mali, que na época em que ele viveu atingia seu auge. Esse capítulo é parcialmente fundamentado na tradição oral da época e, por esta razão, permanece até hoje como uma das bases essenciais da história desse grande Estado africano.
Nenhum Estado vasto e poderoso como o Mali, nem mesmo os Estados de menor importância como os primeiros reinados haussa ou as cidades independentes da costa oriental da África, podiam manter sua identidade ou sua integridade sem uma tradição reconhecida relativa à sua fundação e ao seu desenvolvimento. Quando o Islã atravessou o Saara e se expandiu ao longo da costa oriental trazendo consigo a escrita árabe, os negros africanos passa- ram a utilizar textos escritos ao lado dos documentos orais de que já dispunham para conservar sua história.
Os mais elaborados dentre esses primeiros exemplos de obras de história atualmente conhecidos são provavelmente o Ta'rikh al-Sudan e o Ta'rikh el- -Fattash, ambos escritos em Tombuctu, principalmente no século XVII 4. Nos dois casos, os autores fazem um relato dos acontecimentos de sua época e do período imediatamente anterior, com muitos detalhes e sem omitir a análise e a interpretação. Mas antecedendo esses relatos críticos há também uma evocação das tradições orais relativas a períodos mais antigos. Dessa forma, o resultado não é somente uma história do Império Songhai, de sua conquista e dominação pelos marroquinos, mas também uma tentativa de determinar o que era importante na história pregressa da região, sobretudo nos antigos impérios de Gana e do Mali. Em função disso, é importante distinguir os Ta'rikh de Tombuctu de outras obras históricas escritas em árabe pelos africanos, tais como as conhecidas pelos nomes de Crônica de Kano e Crônica de Kilwa 5. Estes últimos nos oferecem somente anotações diretas, por escrito, de tradições que até então eram, sem dúvida alguma, transmitidas oralmente. Embora uma versão da Crônica de Kilwa pareça ter sido utilizada pelo historiador português de Barros no século XVI, não há nada que prove que a Crônica de Kano tenha existido antes do início do século XIX.
É interessante notar que as crônicas dessa natureza escritas em árabe não se limitam necessariamente às regiões da África que foram inteiramente islamizadas. Assim, o centro da atual Gana produziu sua Crônica de Gonja (Kitab al-Ghunja) no século XVIII e as recentes pesquisas de especialistas como Ivor Wilks revelaram centenas de exemplos de manuscritos árabes provenientes dessa região e de regiões vizinhas 6. Por outro lado, é preciso não esquecer que uma parte da África tropical - a atual Etiópia - possuía sua própria língua semítica, inicialmente o gueze e mais tarde o amárico, na qual uma tradição literária foi preservada e desenvolvida durante quase 2 mil anos. Sem dúvida nenhuma, essa tradição produziu obras históricas já no século XIV, das quais um exemplo é a História das Guerras, de Amda Syôn 7. As obras históricas escritas em outras línguas africanas como o haussa e o swahili, distintas das escritas em árabe clássico importado mas utilizando sua escrita, só apareceram no século XIX.
No século XV os europeus começaram a entrar em contato com as regiões costeiras da África tropical, fato que desencadeou a produção de obras literárias que constituem preciosas fontes de estudo para os historiadores modernos. Quatro regiões da África tropical foram objeto de particular atenção: a costa da Guiné na África ocidental; a região do Baixo Zaire e de Angola; o vale do Zambeze e as altas terras vizinhas; e, por fim, a Etiópia. Nessas regiões, durante os séculos XVI e XVII, houve uma considerável penetração em direção ao interior. Mas, como no caso dos escritores antigos, clássicos. ou árabes, o resultado não foi sempre, e em geral não de forma imediata, a produção de obras de história da África.
A costa da Guiné foi a primeira região da África tropical descoberta pelos europeus; ela foi o tema de toda uma série de obras a partir de 1460, aproximadamente (Cadamosto), até o início do século XVIII (Barbot e Bosman). Uma boa parte desse material é de grande valor histórico, porque fornece testemunhos diretos e datados, graças aos quais podem-se situar várias outras relações de caráter histórico. Há também nessas obras abundante material histórico (entendido como não-contemporâneo), sobretudo em Dapper ( 1688), que, ao contrário da maioria dos demais autores, não era um observador direto, mas apenas um compilador de relatos alheios. Porém, o objetivo essencial de todos esses autores era mais descrever a situação contemporânea do que fazer história. E é somente agora, depois que uma boa parte da história da África ocidental foi reconstituída, que podemos avaliar corretamente muitas das afirmações que eles fizeram 8.
Nas outras regiões que despertaram o interesse dos europeus nos séculos XVI e XVII a situação era um pouco diferente. Isso talvez se deva ao fato de terem sido o campo de atividade dos primeiros esforços missionários, ao passo que o principal motor das atividades européias na Guiné foi sempre o comércio. Enquanto os africanos forneciam as mercadorias que os europeus desejavam comprar, como era em geral o caso da Guiné, os negociantes não se sentiam impelidos a mudar a sociedade africana; eles se contentavam em observá-la. Os missionários, ao contrário, sentiam-se obrigados a tentar alterar o que encontravam e, nessas condições, um certo grau de conhecimento da história da África poderia ser-lhes útil. Na Etiópia, as bases já existiam. Podia-se aprender o gueez e aperfeiçoar seu estudo, bem como utilizar as crônicas e outros escritos nessa língua. Obras históricas sobre a Etiópia foram elaboradas por dois eminentes pioneiros entre os missionários, Pedro Paez (morto em 1622) e Manoel de Almeida (1569-1646), e uma história completa foi escrita por um dos primeiros orientalistas da Europa, Hiob Ludolf (1634-1704) 9. No baixo vale do Congo e em Angola, assim como no vale do Zambeze e em suas imediações, os interesses comerciais eram provavelmente mais fortes que os da evangelização. Ocorre porém que, em seu conjunto, a sociedade africana tradicional não estava disposta a fornecer aos europeus o que eles desejavam, a não ser que sofresse pressões consideráveis. O resultado é que ela foi obrigada a mudar de modo tão drástico que mesmo os ensaios descritivos dificilmente podiam deixar de ser em parte históricos. De fato, importantes elementos de história podem ser encontrados em livros de autores como Pigafetta e Lopez (1591) e Cavazzi (1687). Em 1681, Cadornega publica uma História das Guerras Angolanas 10.
A partir do século XVIII, parece que a África tropical recebeu dos historiadores europeus a atenção que merecia. Era possível, por exemplo, utilizar como fontes históricas os autores mais antigos, sobretudo os descritivos como Leão, o Africano, e Dapper -, de maneira que as histórias e geografias universais da época, como The Universal History, publicada na Inglaterra entre 1736 e 1765, podiam consagrar um número apreciável de páginas à África 11. Houve também ensaios monográficos, como é o caso da História de Angola, de Silva Correin (cerca de 1792), da Some Historical account of Guinea, de Benezet (1772) e das duas histórias do Daomé: Memórias do Reino de Bossa Ahadée, de Norris (1789) e History of Dahomey, de Dalzel (1793). Mas uma advertência se faz necessária aqui. O livro de Silva Correin só foi publicado neste século 12 e a razão pela qual as três obras mencionadas acima foram publicadas naquela época deve-se ao fato de que, no fim do século XVIII, começava a acirrar-se a controvérsia em tomo do tráfico de escravos, que tinha sido o principal elemento das relações entre a Europa e a África tropical havia pelo menos 150 anos. Dalzel e Norris, ambos recorrendo à sua experiência no comércio de escravos no Daomé, assim como Benezet, desempenharam o papel de historiadores, mas seus trabalhos tinham como objetivo fornecer argumentos a favor ou contra a abolição do tráfico negreiro.
Se não fosse por isso, não se tem como certo que esses livros tivessem encontrado compradores, pois nessa época a principal tendência da cultura européia começava a considerar de forma cada vez mais desfavorável as sociedades não-européias e a declarar que elas não possuíam uma história digna de ser estudada. Essa mentalidade resultava sobretudo da convergência de correntes de pensamento oriundas do' Renascimento, do Iluminismo e da crescente revolução científica e industrial. O resultado foi que, baseando-se no que era considerado uma herança greco-romana única, os intelectuais europeus convenceram-se de que os objetivos, os conhecimentos, o poder e a riqueza de sua sociedade eram tão preponderantes que a civilização européia deveria prevalecer sobre todas as demais. Conseqüentemente, sua história constituía a chave de todo conhecimento, e a história das outras sociedades não tinha nenhuma importância. Esta atitude era adotada sobretudo em relação à África. De fato, nessa época os europeus só conheciam a África e os africanos sob o ângulo do comércio de escravos, num momento em que o próprio tráfico era causador de um caos social cada vez mais grave em numerosas partes do continente.
Hegel (1770-1831) definiu explicitamente essa posição em sua Filosofia da História, que contém afirmações como as que seguem: "A África não é um continente histórico; ela não demonstra nem mudança nem desenvolvimento". Os povos negros "são incapazes de se desenvolver e de receber uma educação. Eles sempre foram tal como os vemos hoje". É interessante notar que, já em 1793, o responsável pela publicação do livro de Dalzel julgara necessário justificar o surgimento de uma história do Daomé. Assumindo claramente a mesma posição de Hegel, ele declarava: "Para chegar a um justo conhecimento da natureza humana, é absolutamente necessário preparar o caminho através da história das nações menos civilizadas (...) Não há nenhum outro) meio de julgar o valor da cultura, na avaliação da felicidade humana, a não ser através de comparações deste tipo" 13.
Ainda que a influência direta de Hegel na elaboração da história da África tenha sido fraca, a opinião que ele representava foi aceita pela ortodoxia histórica do século XIX. Essa opinião anacrônica e destituída de fundamento ainda hoje não deixa de ter adeptos. Um professor de História Moderna na Universidade de Oxford, por exemplo, teria declarado: "Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada. No presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus na África. O resto são trevas...e as trevas não constituem tema de história. Compreendam-me bem. Eu não nego que tenham existido homens mesmo em países obscuros e séculos obscuros, nem que eles tenham tido uma vida política e uma cultura interessantes para os sociólogos e os antropólogos; mas creio que a história é essencialmente uma forma de movimento e mesmo de movimento intencional. Não se trata simplesmente de uma fantasmagoria de formas e de costumes em transformação, de batalhas e conquistas, de dinastias e de usurpações, de estruturas sociais e de desintegração social..."
Ele argumentava que "a história, ou melhor, o estudo da história, tem uma finalidade. Nós a estudamos (...) a fim de descobrir como chegamos ao ponto em que estamos". O mundo atual, prosseguia ele, está a tal ponto dominado pelas idéias, técnicas e valores da Europa ocidental que, pelo menos nos cinco últimos séculos, na medida em que a história do mundo tem importância, é somente a história da Europa que conta. Por conseguinte, não pode- mos nos permitir "divertirmo-nos com o movimento sem interesse de tribos bárbaras nos confins pitorescos do mundo, mas que não exerceram nenhuma influência em outras regiões" 14.
Por ironia do destino, foi durante a vida de Hegel que os europeus empreenderam a exploração real, moderna e científica da África e começaram assim a lançar os fundamentos de uma avaliação racional da história e das realizações das sociedades africanas. Essa exploração era ligada, em parte, à reação contra a escravidão e o tráfico de escravos, e, em parte, à competição pelos mercados africanos.
Alguns dos primeiros europeus eram impelidos por um desejo sincero de aprender tudo o que pudessem a respeito do passado dos povos africanos e recolhiam todo o material que encontravam: documentos escritos, quando os havia, ou ainda tradições orais e testemunhos que descobriam sobre os traços do passado. A literatura produzida pelos exploradores é imensa. Alguns desses trabalhos contêm história no melhor sentido do termo, e em sua totalidade, tal literatura constitui um material de grande valor para os historiadores. Uma pequena lista dos principais títulos poderia incluir Travels to Discoverer the Sources of the Nile de James Bruce (1790); os capítulos especificamente históricos dos relatos de visitas a Kumasi, capital de Ashanti, de T. E. Bowdich (Mission from Cape Coast to Ashantee, 1819) e de Joseph Dupuis (Journal of a Residence in Ashantee, 1824); Reisen und Entdeckungen in Nord-und Zentral Afrika (1857-1858) de Heinrich Barth; Documents sur I'Histoire, Ia Géographie et le Commerce de l'Afrique Oriental de M. Guillain (1856); e Saara und Sudan de Gustav Nachtigal (1879-1889).
A carreira de Nachtigal prosseguiu numa fase inteiramente nova da história da África: aquela em que os europeus haviam iniciado a conquista do continente e o domínio de suas populações. Como essas tentativas pareciam necessitar de uma justificativa moral, as considerações hegelianas foram reforçadas pela aplicação dos princípios de Darwin. O resultado sintomático disso tudo foi o aparecimento de uma nova ciência, a Antropologia, que é um método não-histórico de estudar e avaliar as culturas e as sociedades dos povos "primitivos", os que não possuíam "uma história digna de ser estudada", aqueles que eram "inferiores" aos europeus e que podiam ser diferenciados destes pela pigmentação de sua pele.
E interessante citar aqui o caso de Richard Burton (1821-1890), um dos grandes viajantes europeus na África durante o século XIX. Trata-se de um espírito curioso, cultivado, sempre atento e um orientalista eminente. Ele foi, em 1863, um dos fundadores da London Anthropological Society (que tornar-se-ia mais tarde o Royal Anthropological Institute). Entretanto, de modo bem mais acentuado que Nachtigal, sua carreira marca o fim da exploração científica e imparcial da África, que havia começado com James Bruce. Encontramos, por exemplo, em sua Mission to Gelele, King of Dahomey (1864), uma notável digressão sobre "o lugar do negro na natureza" (e não, como se pode notar, "o lugar do negro na história"). Pode-se ler aí frases como esta: "O negro puro se coloca na família humana abaixo das duas grandes raças, árabe e ariana" (a maioria dos seus contemporâneos teria classificado estas duas últimas em ordem inversa) e "o negro, coletivamente, não progredirá além de um determinado ponto, que não merecerá consideração; mentalmente ele permanecerá uma criança..." 15 Foi em vão que certos intelectuais africanos, como James Africanus Horton, responderam a essas colocações, polemizando com os membros influentes da London Anthropological Society.
As coisas ficaram ainda mais difíceis para o estudo da história da África após o aparecimento, nessa época e em particular na Alemanha, de uma nova concepção sobre o trabalho do historiador, que passava a ser encarado mais como uma atividade científica fundada sobre a análise rigorosa de fontes originais do que como uma atividade ligada à literatura ou à filosofia. É evidente que, para a história da Europa, essas fontes eram sobretudo fontes escritas, e nesse domínio a África parecia especialmente deficiente. Tal concepção foi exposta de. forma muito precisa pelo professor A. P. Newton, em 1923, numa conferência diante da Royal African Society de Londres, sobre "A África e a pesquisa histórica". Segundo ele, a África não possuía "nenhuma história antes da chegada dos europeus. A história começa quando o homem se põe a escrever". Assim, o passado da África antes do início do imperialismo europeu só podia ser reconstituído "a partir de testemunhos dos restos materiais, da linguagem e dos costumes primitivos", coisas que não diziam respeito aos historiadores, e sim aos arqueólogos, aos lingüistas e aos antropólogos 16.
De fato, o próprio Newton encontrava-se um pouco à margem do papel de historiador tal como era concebido na época. Durante grande parte do século XIX alguns dos mais eminentes historiadores britânicos, como James Stephen (1789-1859), Herman Merivale (1806-1874), J. A. Froude (1818-1894) e J. R. Seeley (1834-1895) 17, haviam demonstrado muito interesse pelas atividades dos europeus (ou pelo menos de seus compatriotas) no resto do mundo. Mas o sucessor de Seeley no cargo de Regius Professor de História Moderna em Cambridge foi Lord Acton (1834-1902), que havia se graduado na Alemanha. Acton começara imediatamente a preparar The Cambridge Modern History, cujos catorze volumes apareceram entre 1902 e 1910. Essa obra é tão centrada na Europa que chega a ignorar quase totalmente até mesmo as atividades dos próprios europeus pelo mundo. Em conseqüência, a história colonial foi geralmente deixada a cargo de homens como Sir Charles Lucas (ou, na França, Gabriel Hanotaux) 18 que, como Stephen, Merivale e Froude, já haviam se encarregado ativamente dos assuntos coloniais.
Entretanto, com o tempo, a história colonial ou imperial se fez aceitar, mesmo permanecendo à margem da profissão. The New Cambridge Modern History, que começara a aparecer em 1957 sob a direção de Sir George Clark, traz alguns capítulos sobre a África, a Ásia e a América em seus doze volumes e, por outro lado, a coleção de história de Cambridge havia sido enriquecida nessa época com a série The Cambridge History of lhe British Empire (1929- -1959), da qual Newton foi um dos diretores fundadores. Mas basta um exame superficial desse trabalho para perceber que a história colonial, mesmo no que se refere à África, é muito diferente da história da África.
Dos oito volumes dessa obra, quatro são consagrados ao Canadá, à Austrália, à Nova Zelândia e à Índia Britânica. Restam então três volumes gerais, nitidamente orientados para a política imperial (de 68 capítulos, somente quatro referem-se diretamente às relações da Inglaterra com a África) e um volume consagrado à África do Sul, o único lugar da África subsaariana no qual os colonos europeus realmente se estabeleceram. A quase totalidade desse volume (o maior dos oito) é dedicada aos intrincados negócios desses colonos europeus desde sua chegada em 1652. Os povos africanos, que constituem a maioria da população, são relegados a um capítulo introdutório (e essencialmente não-histórico) redigido por um antropólogo social, e a dois capítulos que, embora escritos pelos dois historiadores sul-africanos mais lúcidos de sua geração, C. W. de Kiewiet e W. M. MacMillan, os consideram, por necessidade, sob a perspectiva de sua reação à presença européia. Em outros lugares, a história da África aparecia muito timidamente em coleções mais ou menos monumentais, como por exemplo, Peuples et Civilizations, História Geral, 20 volumes, Paris, 1927-52; G. Glotz, editor, Histoire Générale, organizada por G. Glotz, 10 volumes, Paris, 1925-1938; Propyliien Weltgeschichte, 10 volumes, Berlim, 1929-1933; Historia Mundi, ein Handbuch der Weltgeschichte in 10 Bänden, Bern, 1952 ff; Vsemirnaja lstoriya (World History), 10 volumes, Moscou, 1955 ff. O italiano C. Conti Rossini publicou em Roma, em 1928, uma importante Storia d' Etiopia.
Os historiadores coloniais profissionais estavam, assim como os historiadores profissionais em geral, apegados à concepção de que os povos africanos ao sul do Saara não possuíam uma história suscetível ou digna de ser estudada. Como vimos, Newton considerava essa história como domínio exclusivo dos arqueólogos, lingüistas e antropólogos. Mas se é verdade que os arqueólogos, assim como os historiadores, por força de sua profissão se interessam pelo passado do homem e de suas sociedades, eles estavam quase tão desinteressados quanto os historiadores em dedicar-se a descobrir e elucidar a história da sociedade humana na África subsaariana. Concorriam para isso duas razões principais. Em primeiro lugar, uma das correntes mais importantes da Arqueologia, ciência então em desenvolvimento, professava que, assim como a História, ela deveria orientar-se essencialmente pelas fontes escritas. Consagrava-se a problemas como encontrar o local exato da antiga cidade de Tróia ou detectar fatos ainda desconhecidos através de fontes literárias relativas às antigas sociedades da Grécia, de Roma ou do Egito, cujos principais monumentos haviam sido fontes de especulações durante séculos. A Arqueologia era - e às vezes ainda é - estreitamente ligada ao ramo da História conhecido pelo nome de História Antiga. Em geral, ela se preocupava mais em procurar e decifrar antigas inscrições do que em encontrar outras relíquias. Só muito raramente - por exemplo em Axum e Zimbabwe e em torno desses sítios - admitia-se que a África subsaariana possuía monumentos suficientemente importantes para atrair a atenção dessa escola de arqueologia. Em segundo lugar, uma outra atividade essencial da pesquisa arqueológica se concentrava nas origens do homem, tendo como conseqüência uma perspectiva mais geológica do que histórica de seu passado. É verdade que, em função de especialistas como L. S. B. Leakey e Raymond Dart, uma parte substancial dessa pesquisa acabou finalmente por se concentrar na África oriental e do sul. Mas esses homens buscavam um passado longínquo demais, no qual não se podia afirmar que existissem sociedades; além disso, habitualmente havia um abismo entre as conjeturas sobre os fósseis que esses pesquisadores descobriam e as populações modernas cujo passado os historiadores desejavam estudar.
Enquanto a maioria dos arqueólogos e dos historiadores considerava a África subsaariana, até os anos 50, aproximadamente, não digna de sua atenção, a imensa variedade de tipos físicos, de sociedades e de línguas desse continente despertava o interesse dos antropólogos e lingüistas à medida que suas disciplinas começavam a desenvolver-se. Foi possível a uns e outros permanecerem durante muito tempo encerrados em seus gabinetes de trabalho. Mas homens como Burton e S. W. Koelle (Polyglotte Africana, 1854) em boa hora demonstraram o valor da pesquisa de campo, e os antropólogos, em particular, tomaram-se os pioneiros desse trabalho na África. Mas, ao contrário dos historiadores e dos arqueólogos, nem os antropólogos nem os lingüistas sentiam-se obrigados a descobrir o que ocorrera no passado. Na África, eles encontraram uma abundância de fatos simplesmente à espera de descrição, classificação e análise, o que representava uma imensa tarefa. Freqüentemente eles só se interessavam pelo passado na medida em que tentavam reconstruir uma história que parecia-lhes estar na origem dos dados recolhidos e seria capaz de explicá-los.
No entanto, nem sempre eles percebiam o quanto essas reconstruções eram especulativas e hipotéticas. Um exemplo clássico é o do antropólogo C. G. Seligman que, na obra Races of Africa, publicada em 1930, escrevia sem rodeios: "As civilizações da África são as civilizações dos camitas, e sua história, os anais desses povos e de sua interação com duas outras raças africanas, a negra e a bosquímana..." 19
Inferimos dessa afirmação que essas "duas outras raças africanas" são inferiores e que todo o progresso que tenham conseguido seria resultante da influência "camítica" que sofreram de forma mais ou menos intensa. Em outro trecho dessa mesma obra, ele fala da chegada, "vaga após vaga", de pastores "camitas" que estavam "melhor armados e eram ao mesmo tempo mais inteligentes" que "os cultivadores negros atrasados" sobre os quais exerciam influência 20. Mas, na realidade, não há nenhuma prova histórica que sustente as afirmações de que "as civilizações da África são as civilizações dos camitas", ou que os progressos históricos verificados na África subsaariana se devam apenas ou principalmente a eles. O próprio livro não apresenta nenhuma evidência histórica, e muitas das hipóteses sobre as quais ele se apóia sabe-se agora não terem nenhum fundamento. J. H. Greenberg, por exemplo, demonstrou de uma vez por todas que os termos "camita" e "camítico" não têm nenhum sentido, a não ser, e na melhor das hipóteses, como categorias da classificação lingüística 21.
É certo que não existe, necessariamente, uma correlação entre a língua falada por uma população e sua origem racial ou sua cultura. Assim, Greenberg pode citar, entre outros, este maravilhoso exemplo: "os cultivadores haussa, que falam uma língua 'camítica', estão sob a dominação dos pastores fulani que falam (...) uma língua níger-congolesa" (isto é, uma língua negra) 22. Ele refuta igualmente a base camítica que sustentava grande parte da reconstrução feita por Seligman da história cultural dos negros em outras partes da África, sobretudo das populações de língua bantu.
Escolhemos particularmente Seligman porque ele se situava entre as personalidades mais destacadas de sua profissão na Grã-Bretanha (foi um dos primeiros a empreender sérias pesquisas de campo na África) e porque seu livro tornou-se, de certa forma, um modelo, várias vezes reeditado. Ainda em 1966 ele era divulgado como "um clássico em seu gênero". Mas essa adoção do mito da superioridade dos povos de pele clara sobre os de pele escura era somente uma parte dos preconceitos correntes na Europa no fim do século XIX e no início do século XX. Os europeus acreditavam que sua pretensa superioridade sobre os negros africanos estava confirmada por sua conquista colonial. Em conseqüência disso, em muitas partes da África, especialmente no cinturão sudanês e na região dos grandes lagos, eles estavam convictos de que apenas davam continuidade a um processo de civilização que outros invasores de pele clara, chamados genericamente de camitas, haviam começado antes deles. 23 O mesmo tema reaparece ao longo de muitas outras obras do período que vai de 1890 a 1940, aproximadamente, e que contêm uma quantidade bem maior de elementos sérios de história do que os encontrados no pequeno manual de Seligman. Em sua maioria, essas obras foram escritas por homens e mulheres que tinham participado pessoalmente da conquista ou da colonização e que não eram nem antropólogos, nem lingüistas, nem historiadores profissionais. Tratava-se sim de amadores no melhor sentido da palavra, que se interessavam sinceramente pelas sociedades exóticas que haviam descoberto, e que desejavam obter mais informações a seu respeito e partilhar seus conhecimentos com outras pessoas. Sir Harry Johnston e Maurice Delafosse, por exemplo, trouxeram contribuições notáveis para a lingüística africana (assim como para outros ramos do conhecimento). Mas o primeiro denominou seu grande estudo geral de A History of the Colonization of Africa by Alien Races (1899, obra revista e ampliada em 1913), e, nas seções históricas do magistral estudo de Delafosse sobre o Sudão ocidental, Haut-Sénégal-Niger (1912), o tema geral aparece quando ele invoca uma migração judaico-síria para fundar a antiga Gana. Flora Shaw (A Tropical Dependency, 1906) era fascinada pela contribuição dos muçulmanos à história da África. Margery Perham, amiga e biógrafa de Lord Lugard, refere-se com propriedade ao "movimento majestoso da história desde as primeiras conquistas árabes da África às de Goldie e de Lugard" 24. Um excelente historiador amador, Yves Urvoy (Histoire des Populations du Soudan Central, 1936 e Histoire du Bornou, 1949), equivoca-se completamente a respeito do significado das interações entre os nômades do Saara e os negros sedentários que ele descreve com precisão; ao mesmo tempo, Sir Richmond Palmer (Sudanese Memoirs, 1928 e The Bornu Sahara and Sudan, 1936), arqueólogo inspirado, procura sempre as origens da ação dos povos nigerianos em lugares tão distantes quanto Trípoli ou o Iêmen.
No entanto, após Seligman, os antropólogos sociais britânicos conseguiram de certa forma escapar à influência do mito camítico. Sua formação, a partir desse momento, foi dominada pela influência de B. Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown, que se opunham decididamente a qualquer espécie de história fundada em conjeturas. De fato, o método estritamente funcionalista adotado pelos antropólogos britânicos entre 1930 e 1950 para o estudo das sociedades africanas tendia a desencorajar qualquer interesse histórico, mesmo quando, graças a seu trabalho de campo, eles se encontravam numa situação excepcionalmente favorável para obter dados históricos. Porém, no continente europeu (e também na América do Norte, ainda que poucos antropólogos americanos tenham trabalhado na África antes dos anos 50) subsistia uma tradição mais antiga de etnografia que, entre outras características, dava tanto peso à cultura material quanto à estrutura social.
Isso gerou uma grande quantidade de trabalhos de importância histórica, como por exemplo The King of Ganda, de Tor Irstam (1944), ou The trade of Guinea, de Lar Sundstrom (1965). Entretanto, duas obras merecem destaque especial; Volkerkunde von Afrika, de Hermann Baumann (1940) e Geschichte Afrikas de Diedrich Westermann (1952). A primeira era um estudo enciclopédico dos povos e civilizações da África que valorizava bastante as partes conhecidas de sua história e até hoje não foi superado como manual de um só volume. O livro mais recente, África: its Peoples and their Culture History (1959), escrito pelo antropólogo americano G. P. Murdock, fica prejudicado na comparação por faltar ao seu autor experiência direta da África, o que lhe teria permitido avaliar corretamente os materiais de que dispunha, e por ele ter fornecido alguns esquemas hipotéticos tão excêntricos em seu gênero quanto os de Seligman, embora menos perniciosos 25. Quanto a Westermann, ele era sobretudo um lingüista. Sua obra sobre a classificação das línguas da África é, em muitos aspectos, a precursora da de Greenberg; além disso, ele contribuiu com uma seção lingüística para o livro de Baumann. Mas sua Geschichte, infelizmente deformada pela teoria camítica, é também uma compilação muito valiosa das tradições orais africanas tais como se apresentavam em sua época.
A estes trabalhos pode-se talvez acrescentar o de H. A. Wieschoff, The Zimbabwe-Monomotapa Culture (1943), ainda que seja só para apresentar seu mestre, Leo Frobenius. Frobenius era etnólogo e antropólogo cultural, mas era também um arqueólogo disfarçado de historiador. Durante seu período de atividade, que corresponde aproximadamente às quatro primeiras décadas do século XX, ele foi quase com certeza o mais produtivo dos historiadores da África. Ele empreendeu inúmeros trabalhos de campo em quase todas as partes do continente africano e apresentou seus resultados numa série regular de publicações (pouco lidas atualmente). Escrevia em alemão, língua que se tornou pouco importante para a África e os africanistas. Somente uma pequena parte de suas obras foi traduzida, e seu sentido é geralmente difícil de recuperar, porque elas estão repletas de teorias míticas relativas à Atlântida, à influência etrusca sobre a cultura africana, etc.
Aos olhos dos historiadores, arqueólogos e antropólogos atuais, de formação bastante rigorosa, Frobenius parece um autodidata original cujos trabalhos são desvalorizados não apenas por suas interpretações um tanto ousadas, mas também por seu método de trabalho rápido, sumário e às vezes destrutivo. Contudo, ele chegou a alguns resultados que anteciparam claramente os obtidos por pesquisadores que trabalharam com maior rigor científico e que surgiram depois dele, e a outros difíceis ou mesmo impossíveis de obter nas condições atuais. Parece que ele possuía um talento instintivo para ganhar a confiança dos informantes e descobrir dados históricos. Os historiadores modernos deveriam procurar esses dados nas obras de Frobenius e reavaliá-los em função dos conhecimentos atuais, liberando-os das interpretações fantasiosas acrescentadas por ele 26.
As singularidades de um gênio autodidata como Frobenius, que buscava inspiração em si mesmo, contribuíram para reforçar a opinião dos historiadores profissionais de que a história da África não constituía um campo aceitável para sua profissão e desviar assim a atenção de muitos trabalhos sérios realiza- dos durante o período colonial. O crescimento do interesse dos europeus pela África havia proporcionado aos africanos grande variedade de culturas escritas, o que lhes permitia exprimir seu interesse por sua própria história. Foi esse o caso principalmente da África ocidental, onde o contato com os europeus havia sido mais longo e mais constante, e onde - sobretudo nas regiões que se tornaram colônias britânicas - uma demanda pela instrução européia já existia desde o início do século XIX. Assim como os eruditos islamizados de Tombuctu se puseram rapidamente a escrever seus ta'rikh em árabe ou na língua ajami, no fim do século XIX também os africanos que haviam aprendido a ler o alfabeto latino sentiram necessidade de deixar por escrito o que eles conheciam da história de seus povos, para evitar que estes fossem completamente tragados pelos europeus e sua história.
Entre os primeiros clássicos desse gênero, escritos por africanos que - como os autores dos ta'rikh antes deles - haviam exercido uma atividade na religião da cultura importada e dela haviam extraído seus nomes, pode-se citar A History of the Gold Coast and Asante de Carl Christian Reindorf (1895) e History of the Yorubas de Samuel Johnson (terminada em 1897 mas publicada somente em 1921). Trata-se de duas obras de história bastante sérias; até hoje ninguém pode empreender um trabalho sobre a história dos Iorubas sem consultar Johnson. Mas talvez fosse inevitável que a ensaios históricos desta ordem se incorporassem as obras dos primeiros protonacionalistas, desde J. A. B. Horton (1835-1883) e E. W. Blyden (1832-1912) a J. M. Sarbah (1864-1910), J. E. Casely-Hayford (1866-1930) e J. B. Danquah (1895- -1965), que abordaram muitas questões históricas mas, na maioria das vezes, com o propósito de fazer propaganda.
É provável que J. W, de Graft-Johnson (Towards Nationhood in West Africa, 1928; Historical Geography of the Gold Coast, 1929) e E. J. P. Brown (A Gold Coast and Asiante Reader, 1929) pertençam às duas categorias. Depois deles, porém, pode-se observar em certos ensaios uma tendência a glorificar o passado africano no intuito de combater o mito da superioridade cultural européia, como por exemplo em J. O. Lucas, The Religion of Yoruba (1949) e J. W. de Graft-Johnson, African Glory (1954). Alguns autores europeus demonstraram uma tendência análoga. É o caso, por exemplo, de Eva L. R. Meyerowitz, que, em seus livros sobre os Akan, tenta outorgar-lhes gloriosos ancestrais mediterrânicos, comparáveis aos que Lucas buscava para os Iorubas 27.
Por outro lado, numa escala mais reduzida, muitos africanos continuaram a registrar as tradições históricas locais de modo sério e confiável. Os contatos com os missionários cristãos parecem ter desempenhado um papel significativo. Assim, floresceu em Uganda uma escola importante de historiadores locais desde a época de A. Kagwa (cuja primeira obra foi publicada em 1906); ao mesmo tempo, R. C. C. Law anotou, para a região ioruba, 22 historiadores que haviam publicado trabalhos antes de 1940 28, em geral (como aliás os autores ugandenses) em línguas nativas. Dentre as das obras desse tipo, uma tornou-se merecidamente célebre: A Short History of Benin de J. U. Egharevba, reeditada diversas vezes desde sua primeira publicação em 1934.
Por outro lado, certos colonizadores, espíritos inteligentes e curiosos, tentavam descobrir e registrar a história daqueles a quem tinham vindo governar. Para eles, a história africana geralmente apresentava um valor prático. Os europeus podiam ser melhores administradores se possuíssem algum conhecimento sobre o passado dos povos que eles haviam colonizado. Além do mais, seria útil ensinar um pouco de história da África nas escolas, cada vez mais numerosas, fundadas por eles e seus compatriotas missionários, ainda que fosse apenas para servir como introdução ao ensino, mais importante, da história da Inglaterra ou da França. Isso possibilitaria aos africanos obter os school certificates e os baccalauréats e ser recrutados depois como preciosos auxiliares pseudo-europeus.
Flora Shaw, Harry Johnson, Maurice Delafosse, Yves Urvoy e Richmond Palmer já foram mencionados anteriormente. Mas há também outros que escreveram sobre a África obras históricas relativamente isentas de preconceitos culturais, ainda que às vezes tenham escolhido (eles ou seus editores) títulos bizarros. Entre esses autores podemos citar: Ruth Fisher, Twilight Tales of the Black Baganda (1912); C. H. Stigand, The Land of Zing (1913); Sir Francis Fuller, A Vanished Dynasty: Ashanti (1921), exatamente na tradição de Bowdich e Dupuis; E. W. Bouill, Caravans of the Old Sahara (1933); numerosas obras eruditas de Charles Monteil (por exemplo, Les Empires du Mali, 1929) ou de Louis Tauxier (por exemplo, Histoire des Bambara, 1942). Parece que os franceses foram mais bem sucedidos que os ingleses na elaboração de uma história realmente africana. Alguns dos mais sólidos trabalhos britânicos - por exemplo, History of the Gold Coast and Ashanti (1915) de W. W. Claridge ou History of the Gambia (1940) de Sir John Gray (exceção feita a alguns de seus artigos mais recentes sobre a África oriental) - possuíam uma forte tendência eurocêntrica. É conveniente notar também que, quando de seu retorno à França, alguns administradores franceses (como Delafosse, Georges Hardy, Henry Labouret 29) elaboraram breves histórias gerais a respeito de todo o continente ou do conjunto da África subsaariana.
Isso se explica, em parte, pelo fato de que a administração colonial francesa tendia a desenvolver estruturas mais rígidas para a formação e a pesquisa do que a administração britânica. Pode-se citar a instituição (em 1917) do Comité d'Etudes Historique et Scientifique de l'AOF - Afrique Occidentale Française. e de seu Bulletin, que levaram à criação do Institut Français d' Afrique Noire, sediado em Dacar (1938), ao seu Bulletin e à série Mémoires que editou; a partir daí, surgiram obras como o magistral Tableau Géographique de l'Ouest Africain au Moyen Age (1961) de Raymond Mauny. Apesar disso, os historiadores do período colonial permaneceram amadores, marginalizados da principal corrente historiográfica. Isto ocorreu tanto na França quanto na Grã-Bretanha, pois, embora homens como Delafosse e Labouret tivessem obtido cargos universitários quando retomaram à França, fizeram-no como professores de línguas africanas ou de administração colonial, e não como historiadores clássicos.
A partir de 1947, a Société Africaine de Culture e sua revista Présence A fricaine empenharam-se na promoção de uma história' da África descolonizada. Ao mesmo tempo, uma geração de intelectuais africanos que havia dominado as técnicas européias de investigação histórica começou a definir seu próprio enfoque em relação ao passado africano e a buscar nele as fontes de uma identidade cultural negada pelo colonialismo. Esses intelectuais refinaram e ampliaram as técnicas da metodologia histórica desembaraçando-a, ao mesmo tempo, de uma série de mitos e preconceitos subjetivos. A esse propósito devemos mencionar o simpósio organizado pela UNESCO no Cairo em 1974, que permitiu a pesquisadores africanos e não-africanos confrontar livremente seus pontos de vista sobre o problema do povoamento do antigo Egito.
Em 1948, aparecia a obra History of the Gold Coast de W. E. F. Ward. No mesmo ano, a Universidade de Londres criava o cargo de lecturer em História da África na School of Oriental and African Studies, confiado ao Dr. Roland Oliver e a partir dessa mesma data que a Grã-Bretanha empreende um programa de desenvolvimento das universidades nos territórios que dela dependiam: fundação de estabelecimentos universitários na Costa do Ouro e na Nigéria; elevação do Gordon College de Cartum e do Makerere College de Kampala à categoria de universidades. Nas colônias francesas e belgas, desenrolava-se um processo semelhante. Em 1950 era criada a Escola Superior de Letras de Dacar que, sete anos mais tarde, adquiriria o estatuto de universidade francesa. Lovanium, a primeira universidade do Congo (mais tarde Zaire), começou a funcionar em 1954.
Do ponto de vista da historiografia africana, a multiplicação das novas universidades a partir de 1948 foi seguramente mais significativa que a existência dos raros estabelecimentos criados antes, mas que vegetavam por falta de recursos, tais como o Liberia College de Monróvia e do Fourah Bay College de Serra Leoa, fundados respectivamente em 1864 e 1876.
Por outro lado, as nove universidades que existiam na África do Sul em 1940 eram prejudicadas pela política segregacionista do regime de Pretória: tanto a pesquisa histórica quanto o ensino eram eurocentristas, e a história da África não passava da história dos imigrantes brancos.
Todas as novas universidades, ao contrário, organizaram logo departamentos de história, o que, pela primeira vez, levou um número considerável de historiadores profissionais a trabalhar na África. Era inevitável, no início, que a maioria desses historiadores fosse proveniente de universidades não- -africanas. Mas a africanização sobreveio rapidamente. O primeiro diretor africano de um departamento de história, o professor K. O. Dike, foi nomeado em 1956, em Ibadã. Formaram-se muitos estudantes africanos. Os professores africanos que se tornaram historiadores profissionais sentiram necessidade de ampliar a parte reservada à história da África em seus programas e, quando essa história fosse pouco conhecida, de incluí-Ia em suas pesquisas.
A partir de 1948, a historiografia da África vai progressivamente se assemelhando à de qualquer outra parte do mundo. É evidente que ela possui problemas específicos, como a escassez relativa de fontes escritas para os períodos antigos e a conseqüente necessidade de lançar mão de outras fontes como a tradição oral, a lingüística ou a arqueologia. Mas, embora a historiografia africana tenha trazido importantes contribuições no que diz respeito ao uso e à interpretação dessas fontes, ela não se distingue fundamentalmente da historiografia de certos países da América Latina, da Ásia e da Europa que enfrentam problemas análogos. Aliás, o conhecimento da proveniência dos materiais não é essencial para o historiador, cuja tarefa fundamental consiste em fazer deles uma utilização crítica e comparativa, de modo a criar uma descrição inteligente e significativa do passado. O importante é que, nos últimos 25 anos, equipes de universitários africanos vêm se dedicando ao ofício de historiador. O estudo da história africana constitui hoje uma atividade bem estabelecida, a cargo de especialistas de alto nível. Seu desenvolvimento ulterior será assegurado pelos intercâmbios interafricanos e pelas relações entre as universidades da África e as de outras partes do mundo. Mas é preciso ressaltar que esta evolução positiva teria sido impossível sem o processo de libertação da África do jugo colonial: o levante armado de Madagáscar em 1947, a independência do Marrocos em 1955, a heróica luta do povo argelino e as guerras de libertação em todas as colônias da África contribuíram enormemente para esse processo já que criaram, para os povos africanos, a possibilidade de retomar o contato com sua própria história e de controlar a sua organização. Compreendendo desde logo esta necessidade, a Unesco promoveu ou facilitou a realização de encontros entre especialistas. Acertadamente, colocou como pré-requisito a coleta sistemática de tradições orais. Respondendo aos desejos dos intelectuais e dos Estados Africano.s essa entidade lançou, a partir de 1966, a idéia da elaboração de uma História Geral da África. A execução desse importante projeto foi iniciada sob os seus auspícios, em 1969.
Notas
1 As principais explicações sobre a África encontram-se na mais importante obra desse autor, a Muqqadima (tradução francesa de Vincent MONTEIL), e no fragmento de sua história traduzIdo por DE SLANE sob o título Histoire des Berberes.
2 Ver sobretudo BLOCH, Marc. 1939. p. 91.
3 Na tradução de M. G. DE SLANE, intitulada Histoire des Berberes (1925-1956), este capítulo figura no volume 2. p. 105-16.
4 O Ta'rikh al-Sudan foi traduzido para o francês e comentado por O. HOUDAS (1900); o Ta’arikh el-Fattash, por O. HOUDAS e M. DELAFOSSE (1913).
5 Pode-se encontrar uma tradução inglesa da Crônica de Kano em H. R. PALMER, 1928. vol. 3. p. 92-132, e da Crônica de Kilwa em G. S. P. FREEMAN-GRENVlLLE, 1962. p. 34-49.
6 Sobre a Crônica de Gonja e a coleção de manuscritos árabes na atual Gana, ver Nehemin LEVTZION, 1968, p. 27-32 sobretudo; Ivor WILKS. 1963, p. 409-17; e Thomas HOOOKIN. 1966, p. 442-60.
7 Existem várias traduções dessa obra, sobretudo uma (em francês) de J. PERRUCHON no Journa/ Asiatique. 1889.
8 The Voyages of Cadamosto, comentadas por G. R. CRONE, 1937; John BARBOT, 1732; William BOSMAN, edição comentada, 1967.
9 Em C. BECCARI, Rerum Aethiopicarum Scriptores Occidentales lnediti (Roma, 1905-1917), a obra de Paez se encontra nos volumes 2 e 3 e a de Almeida, nos volumes 5 e 7; existe uma tradução parcial em inglês da obra de ALMEIDA em C. F. BECKINGHAM e G. W. B. HUNTINGFORD, Some Records of Ethiopia, 1593-1646 (1954). A Historia Aethiopica de LUDOLF foi publicada em Frankfurt, em 1681.
10 CADORNEGA, A. de Oliveira de. Historia General das Guerras Angolanas. Comentada por M. DELGADO e A. CUNHA (Lisboa, 1940-1942).
11 A edição in-folio da Universal History compreende 23 volumes, dos quais 16 são consagrados à história moderna, contendo estes últimos dois volumes sobre a África.
12 Lisboa. 1937.
13 DALZEL, Archibald. The History of Dahomey (1793) p.V.
14 Estas citações foram extraídas das notas de abertura do primeiro ensaio de uma série de cursos proferidos pelo professor Hugh TREVOR-HOPER intitulada "The Rise of Christian Europe" (A Ascensão da Europa Cristã). Ver The Listener, 28-11-1963. p. 871.
15 Op. cit., edição de 1893. v. 2. p. 131 e 135.
16 "Africa and historical research". J.A.S., 22 (1922-1923).
17 STEPHEN foi funcionário no Colonial Office de 1825 a 1847 e professor de História Moderna em Cambridge de 1849 a 1859; MERIVALE foi professor de Economia Política em Oxford antes de suceder STEPHEN na qualidade de Permanent Under-Secretary do Colonial Office (1847-1859); FROUDE passou a maior parte de sua vida em Oxford e foi professor de História Moderna em 1892-1894, mas na década de 1870 serviu como emissário do Colonial Secretary na África do Sul; SEELEY foi professor de História Moderna em Cambridge de 1869 a 1895.
18 LUCAS foi funcionário no British Colonial Office de 1877 a 1911, tendo atingido o grau de Assistant Under-Secretary; ele obteve depois um posto no All Soul's College, em Oxford. HANOTAUX (1853-1944) seguiu duas carreiras: como político e homem de Estado desempenhou, na década de 1890, importante papel nas relações coloniais e exteriores da França; como historiador, foi eleito para a Academia Francesa.
19 op. cit., ed. de 1930. p. 96; ed. de 1966. p. 61.
20 Op. cit., ed. de 1930. p. 158; ed. de 1966. p. 101.
21 GREENBERG, J. H.. 1953 e 1963. De fato. GREENBERG. como a maioria dos lingüistas modernos, evita empregar o termo "camítico"; eles classificam as línguas outrora denominadas camíticas. ao lado das línguas semíticas e outras num grupo mais amplo. o afro-asiático ou eritreu, e não reconhecem o subgrupo "camítico" de modo específico.
22 GREENBERG. J. H.. 1963. p. 30. .
23 É interessante notar que a edição atualmente revisada, a quarta, de Races of África (1966) contém na página 61 uma frase importante que não se encontra na edição original de 1930. Os camitas são aí definidos como "europeus, ou seja, pertencentes à mesma grande raça da humanidade a que pertencem os homens brancos"!
24 PERHAM, Margery. Lugard, the Years of Authority (1960). p. 234.
25 Ver meu resumo sobre o assunto no artigo "Anthropology, botany and history".
In: J.A.H., 11, 2 (1961), 299-309.
26 E impossível num artigo desta dimensão fazer justiça à grandeza da produção de FROBENIUS. Sua última obra de síntese foi Kulturgeschichte Afrikas (Viena, 1933) e sua obra mais notável foi, provavelmente, a coleção em 12 volumes Atlantis: Volksmärchen und Wolksdichtungen Afrikas (Iena, 1921-1928). Mas cabe também mencionar os livros que relatam cada uma de suas expedições, por exemplo, para os Iorubas e Mosso: Und Afrika Sprach (Berlim-Charlottenburg, 1912-1913). Ver a bibliografia completa em Freda KRETSCHMAR, Leo Frobenius (1968). Certos artigos recentes em inglês (por exemplo Dr, K. M. ITA "Frobenius in West African History". J. A. H. XIII, 4 (1972) e obras citadas neste artigo) sugerem um renascimento do interesse pela obra de FROBENIUS.
27 The Sacred State of The Akan (1951); The Akan Traditions of Origin (1952); The Akan of Ghana; their Ancient Beliefs (1958).
28 LAW, R. C. C. Early Historical Writing Among the Yoruba (to c. 1940).
29 DELAFOSSE, Maurice. Les Noirs de l'Afrique (Paris, 1921); HARDY, Georges. Vue Général de l'Histoire d'Afrique (Paris, 1937); LABOURET, Henry. Histoire des Noirs d'Afrique (Paris, 1946).

9 comentários:

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