sexta-feira, 5 de outubro de 2012

2011 - ANO SAMORA MACHEL, um contributo (4)

 

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Mocambiquedescolonizacaogalha_capa Deve reconhecer-se que a maioria da população indígena não falava o português, quando ocorreu a independência, apesar do esforço feito no domínio da educação, nas décadas anteriores. A Frelimo adoptou a língua portuguesa, como língua oficial, porque não tinha outra opção. O português era o único veículo de comuni­cação entre as diversas etnias. Foi uma decisão difícil, tomada a contra-gosto. Num seminário realizado em Mocuba (Zambézia), no início de 1975, com a presença de Joaquim Chissano, foi salientado e relembrado, como tarefa dos grupos dinamizadores, "a necessidade de transformar (sic) a língua portuguesa, de instrumento de desper­sonalização e opressão, em veículo de comunicação do Povo." Samora Machel, num comício no Estádio da Machava, em Lourenço Marques, em finais do mesmo ano, não escondeu a sua dificuldade em engolir este "sapo vivo": "Alguns outros dirão: mas a língua ainda é portuguesa. É preciso utilizar a língua do inimigo. A língua portuguesa agora já mudou de conteúdo, não é aquele português que era falado pelo senhor Governador em Moçambique. Deve ser o nosso português de moçambicanos." (Sem dúvida o português de moçambicanos e não só: o mesmo português dos portugueses e de todos os povos que hoje constituem a CPLP.)
A adopção da língua portuguesa custou a digerir pela Frelimo. É significativo o facto de, em Novembro de 1976, a Organização Nacional de Jornalistas de Moçambique não ter aceitado participar no primeiro encontro de jornalistas dos países de língua portuguesa, a realizar em Lisboa no mês seguinte, por considerar que "a língua comum não é o que mais aproxima os povos, mas sim as experiên­cias vividas na luta pela independência, os estados de evolução da sociedade e os sistemas políticos adoptados..." (Jornal "A Capital", de 6/11/1976).
A obsessão anti-portuguesa da Frelimo, que levou à fuga dos portugueses, teve de conviver com a língua portuguesa que os por­tugueses deixaram em Moçambique.
Sem dúvida, um património mais valioso do que os bens de que foram espoliados. A ignorância e a obsessão anti-portuguesa do superior dos Padres Branco em Moçambique, porém, não tinha limites. Segundo ele, a chegada de Vasco da Gama à ilha de Moçam­bique "foi o início de um longo período de guerra com mudanças alternadas de que é composta a história político-militar e religiosa de Moçambique, até à moderna guerrilha da Frelimo que põe em perigo cerca de 80.000 dos mais aguerridos soldados portugueses".21 "Para as conquistas e a defesa relativa, a táctica usada pelos portugueses foi sempre a mesma que é ainda hoje empregada contra os movi­mentos de libertação: infiltrar-se para trair, corromper para eliminar os chefes (como Mondlane, Amílcar Cabal)."2 "... Se as tribos eram constituídas por pastores e agricultores que se deslocavam constan­temente à procura de pastos e de campos melhores quando as terras e os pastos ocupados já estavam muito explorados; se esta tribo não tinha um Governo de tipo europeu que não autorizava Portugal a afirmar hoje ter conquistado terras de ninguém, de ter submetido povos a que não tinham existência política e sobretudo de se arma­rem em senhores definitivos da sua pessoa e das riquezas do seu solo e subsolo, submetendo-os a uma ditadura fascista mediante uma repressão impiedosa em nome da «Cruz e da Espada». Foi neste triste quadro que se realizou a «epopeia missionária». Se, não obs­tante todos os defeitos, foram deixados exemplos de verdadeira boa vontade e de autêntico cristianismo, esses são de atribuir mais às pessoas que ao sistema. De facto o tratamento habitualmente reser­vado até aos súbditos mais humildes e submissos não ultrapassava o nível que hoje reservamos aos animais domésticos. Estamos longe quer do respeito dos valores fundamentais da pessoa humana, da família, da tribo (a grande família, base do socialismo africano), quer da procura apaixonada dos valores nascidos dos usos e costumes tribais. (A muitos como a mim, esta busca ensinou-me a ser mais homem e mais cristão)."2
O ódio cego do missionário levava-o a negar e deturpar factos e realidades incontestáveis e a subverter a própria História. A afirma­ção de que "a ocupação do interior nunca foi efectiva nem total e a posse dos territórios mais afastados foi sempre contestada pelas tri­bos mais aguerridas"24 nem a própria Frelimo teria o despudor de a fazer, sabendo-se que, antes do início da guerrilha, todo o território de Moçambique vivia numa paz celestial onde se circulava até aos mais recônditos lugares sem armas ou qualquer protecção, em absoluta segurança e que, efectivamente, durante a luta, nunca a Frelimo ocupou, com carácter permanente, qualquer cidade, vila, aldeia ou qualquer espaço do território. Além disso, como já foi refe­rido, em alguns distritos de Moçambique a guerrilha nunca penetrou (Lourenço Marques, Gaza, Inhambane, Nampula) e na Zambézia, quando o tentou fazer, foi rapidamente repelida pela população civil.
In DESCOLONIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA EM MOÇAMBIQUE – FACTOS E ARGUMENTOS, de Henrique Terreiro Galha (págs 127 e seguintes)

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