terça-feira, 28 de julho de 2020

Outro equívoco analítico


Elisio Macamo
17s ·

Muitos dos conceitos que usamos para analisar processos de desenvolvimento partem duma premissa problemática. Partem da ideia de que sistemas políticos têm a capacidade de identificar momentos decisivos. Quem diz “sistemas políticos” diz também os indivíduos que viabilizam esses sistemas. Infelizmente, as coisas não são assim tão lineares.

É verdade que existem momentos marcantes como, por exemplo, a proclamação da independência, ou duma insurreição armada, assembleias constitutivas, acordos de cessar-fogo, etc. O problema é que cada um desses momentos é resposta (tardia) ao problema da incapacidade de reconhecimento de momentos decisivos. O processo que levou um grupo de pessoas a exigirem independência, por exemplo, teve um desenvolvimento “normal” sem grandes momentos decisivos. Se esses momentos tivessem sido “reconhecidos”, talvez, as coisas não tivessem evoluído duma maneira que levasse à insurreição armada, por exemplo.

Há, na verdade, uma analogia interessante, a saber a do sapo em água que ferve. Diz-se, mas não deve ser verdade, que se um sapo cair numa panela com água a ferver, ele procura logo pular para fora. Contudo, se o sapo entrar na panela antes de a água começar a ferver, o mais provável é que ele vá se ajustando à subida da temperatura até morrer lá dentro porque quando se aperceber que a água está insuportável já nem forças vai ter para pular. Esta analogia adequa-se ao equívoco analítico que estou a tentar reflectir. O processo político normal consiste na adaptação às circunstâncias até um ponto onde já é difícil corrigir seja o que for.

O que este equívoco mostra é que talvez seja necessário pensar a política não apenas como a prossecução de objectivos finais, mas sim como a leitura de sinais para o ajustamento do sistema de modo a evitar que a gente tenha que reagir a situações que a rotina já não vai poder abordar. O grande exemplo disto no nosso caso foi a guerra da Renamo e a demora da Frelimo em reajustar o sistema político. Usou todo o tipo de subterfúgios (alguns dos quais legítimos, mas irrelevantes como, por exemplo, o Apartheid) para evitar ajustar o sistema político de modo a acomodar aqueles que já se não reviam nele.

Mais recentemente, na verdade, hoje, vemos isso com Cabo Delgado. Quando houve aquele ataque à esquadra da polícia em 2017, a primeira coisa que eu disse foi que era estranho que assim de repente alguém atacasse uma esquadra. Hoje sabemos que, afinal, houve todo um conjunto de antecedentes, aos quais o nosso sistema político não reagiu atempadamente. Ultimamente, amontoam-se os casos de agentes policiais envolvidos em crimes sob o silêncio (que daqui a alguns anos vai parecer cúmplice) do governo que não dá nenhum sinal de estar preocupado ou querer fazer alguma coisa. Quando os sindicatos de crime se instalarem definitivamente na polícia e começarem a fazer chantagem ao Estado já vai ser tarde.

Na verdade, o que estou a dizer aqui é a conclusão que tirei na minha tese de habilitação: agir é criar condições para podermos agir. Governar também é criar condições para se governar, razão pela qual quando você vai inaugurar uma obra e constata que ela não está em condições, você deve se preocupar com os processos que tornaram esse desleixo possível. Se você voltar a Maputo todo contente que mostrou quem manda, mas não revê de forma fundamental toda a cadeia de actuação, você não fez nada...




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Dinis Tivane Prof. Não era mais fácil dizer "precisamos urgente de uma alternativa à liderança política"? Eu nem falo de o actual partido sair do poder. Falo mesmo de uma alternativa dentro do partido. É que toda a sua construção teórica neste texto nos leva a um único ponto VONTADE POLÍTICA... Vontade não é visão ou noção do que está certo ou errado, pois eles sabem. Vontade é acção. Acção é activar a Lei e agir em conformidade. Semana passada passei pela vila de Marracuene. Já se nota a mão de um dirigente diligente. Portanto, naquele partido as pessoas têm noção do correcto. Porquê não o fazem globalmente?

Para mim, a primeira decisão que o Presidente da República tomaria para materializar VONTADE seria reduzir os poderes do Presidente da República, começando por libertar o judiciário... Este é o esteio do equilíbrio de qualquer nação...
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Elisio Macamo pode parecer estranho, mas pessoalmente não considero que o nosso principal problema seja o presidente. não tenho dúvidas que com o benefício do olhar retroactivo, ele foi uma má escolha. posso dizer isso à vontade porque na altura defendi a sua escolha. o problema está com o partido que não soube se reestruturar para melhor ajudar a pessoa que escolheu. infelizmente, ao invés de se reconhecer esse problema, prefere-se defender a todo o custo. ele não pode fazer mais do que faz, pois é o que ele pode. então, não vai ser a escolha de outra pessoa que vai fazer com que as coisas mudem. tem que haver mudanças estruturais dentro do próprio partido, incluindo uma comissão política digna desse nome.
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Claudio Mapulango Elisio Macamo parece que está difícil admitir que essa malta não tem mínima condição seja ela moral ou política para levar o país a trilha os carris.
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Lyndo A. Mondlane Mas essa outra pessoa pode impulsar essas mudanças
Prof.

Vejamos o caso de russia, (não quero entrar aqui se è dictador ou nao) entrou e operou mudanças radicais
È como num empresa, est necessita um líder capaz de impulsr mudanças
A empresa como organização por sua iniciativa nao pode fazer muito
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Elisio Macamo Lyndo, não há dúvidas que um líder é factor decisivo, senão não haveria necessidade dele. só que este não é o caso. até o nosso sistema político estar estruturado para seleccionar esse tipo de líderes vai levar muito tempo. este não é um problema apenas da frelimo, é de todos os partidos. veja o que está a acontecer com a renamo, sobretudo em nampula. por isso, penso que temos que começar onde podemos realmente consertar.
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Lyndo A. Mondlane Ok
Entendo prof o alcance da eu analise
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Paula Martins É " chato" estes seus textos só estarem visiveis para alguns mas o Professor é que manda.......eu apenas lamento.
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Elisio Macamo vou abrir...
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Elisio Macamo ... embora as pessoas prefiram entender o que querem...
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Paula Martins Professor, nós já sabemos que quem escreve verdades não é bem visto mas há verdades que estão de tal forma bem escritas que o beneficio há-de compensar. Devagar, devagarinho chega-se no caminho..........como o caracol. Estou em Moçambique há 6 anos e há mudanças! Paciência!
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Reginaldo Mutemba "Agir é criar condições para agir, governar é criar condições para governar"... não é fácil. Como uma obra mal feita chegou nível de ser inaugurada pelo chefe grande? Ministro, vice- ministro, director nacional, director provincial... foram todos fintados? Que aconteceu no meio desses todos? Então, quem garante que a obra da estrada foi bem feita, na sua extensão? E, o edifício da justiça? Foi bem feito ou foi bem pintado?
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Elisio Macamo vamos ver se haverá uma grande reforma desse processo. se não houver, estamos conversados...
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Claudio Mapulango Mesmo assim ainda acredita nesses fulanos 🤔🤔🤔
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Constantino Pedro Marrengula Reginaldo Mutemba, a menos que seja mesmo Rubbish, nao vejo como o Presidente pode ter a certeza de que o que está inaugurar foi bem feito, ou mal feito. É preciso conhecimento específico, que ele nem precisa ter. Por isso, acho interessante esta ideia do Prof Elisio Macamo de que governar é criar condições para governar. Até DHL deu um empurrão para evitar coisas como aquelas de Inhambane, mas prontos demos um passo a frente e dois para trás.
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Elisio Macamo pois, é mesmo isso, um passo a frente e dois para trás. infelizmente, aqui intervém um factor perverso, o daqueles que acham que têm que defender tudo. por causa dessa atitutde, acabam fragilizando o próprio líder que, tarde ou cedo, vai começar a acreditar na sua própria infalibilidade.
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Constantino Pedro Marrengula Elisio Macamo, pois é, professor.
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Edson Godinho ... mais uma vez.... trepando o País pelos ramos no País do queixa andar. Cpts!
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Ivo Neto Costa Professor Elísio será que a " velocidade" dos processos de avaliação e reajustamento é que são lentos. A nossa ansiedade d ver os problemas resolvidos está " para além" d possibilidade d sociedade obter soluções. Professor é um problema d " Timing" ou qualidade d debate e ou soluções
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Elisio Macamo concordo que há um conflito entre as nossas expectativas e a capacidade de resolver os problemas. é bem possível que isso promova a aposta nos objectivos em detrimento dos processos. no fundo, o problema é esse. queremos ser julgados pelos objectivos, não pelas condições que criamos para alcançar objectivos.
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Raul Junior Que critérios são usados para determinar a relevância de um Presidente da República?
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Brazao Catopola Eu gosto de uma expressão usada por Zigmaun Bauman "sociedades com intenção para frente". Um dos seus argumentos sobre está expressão é que nestas e dá exemplo das nórdicas (não que sejam perfeitas) há uma preocupação permanente em ver o que é problema hoje e tentar criar bases para amanhã, numa permanente reflexão sobre elas mesmos. É verdade que isso é o ideal, mas não sei se seria fácil aplica-la num contexto de ausência de tudo e extrema pobreza. A questão é que meio termo?
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Elisio Macamo Brazao Catopola, nāo conhecia isso. a pobreza pode ser um factor, mas isso parece-me mais um problema ao nível individual, não de sociedade. penso que no nosso caso o sistema político é que está a falhar.
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PC SocScholar "(…) Ultimamente, amontoam-se os casos de agentes policiais envolvidos em crimes sob o silêncio (que daqui a alguns anos vai parecer cúmplice) do governo que não dá nenhum sinal de estar preocupado ou querer fazer alguma coisa. Quando os sindicatos de crime se instalarem definitivamente na polícia e começarem a fazer chantagem ao Estado já vai ser tarde." Nem mais! Muito bem notado e dito. Bravíssimo…. Tenho medo do futuro!
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Carlos Cumbula Tanto palavreado...para resumir tudo num único e último parágrafo!!!
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Antonio Gundana Jr. É a máxima sociológica amplamente veiculada pelo Prof de investigar as condições estruturais que tornam um fenômeno possível.
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