Elisio Macamo
24 Min. ·
Eu acredito que nós os africanos somos tão capazes como todos os outros povos. Na verdade, para mim ser africano é apenas um acidente geográfico que ganhou significado essencial por causa da história. Gosto de pensar que a espécie humana seja única, mas que tenha formado especificidades por causa da história, por um lado, mas também por causa da forma como reage ao mundo, por outro. O avanço tecnológico que outros “povos” lograram há vários séculos não documenta a sua superioridade em relação aos “africanos”. Documenta o tipo de desafios que esses povos tiveram de enfrentar num determinado momento e, fundamentalmente, a forma consequente como conseguiram tirar benefício disso ao longo do tempo. A “superioridade” europeia é, assim, puramente um acidente histórico.
É por isso que costumo dizer, no contexto de discussões sobre o desenvolvimento e sobre o que nós podemos aprender dos europeus, que deles não podemos aprender como nos desenvolvermos. Deles podemos apenas aprender como manter uma vantagem, uma vez ela adquirida. Se há, contudo, uma coisa que a gente pode aprender, essa coisa é a ideia de que o desenvolvimento não resulta do acto de seguir um certo plano. Na verdade, há um certo sentido em que o desenvolvimento é o resultado aleatório de coisas que eles foram fazendo que não visavam isso necessariamente, mas hoje, olhando para trás, parece ter sido um desígnio. Interessa mais olhar para a morfologia dessas coisas e extrair licções. Ao que tudo indica, o factor crucial nessa maneira de fazer coisas foi a existência de indivíduos que arriscaram. Poucos arriscaram, muitos desses não petiscaram, mas muitos que não arriscaram petiscaram dos que arriscaram.
É verdade que para arriscar é preciso que as condições estejam reunidas. Os que se fizeram aos mares naqueles séculos fatídicos para nós, não o fizeram pelo interesse em descobrir o mundo. A vida era dura na Europa. As condições de “trabalho” dos marinheiros eram horríveis e, por isso, muitos procuravam refúgio entre as populações auctótones. Se Jarred Diamond tiver razão, o que tornou a expansão marítima europeia possível foi a instabilidade política na Europa. A China, que na altura era estável, pura e simplesmente não se interessou, apesar de incursões iniciais. A fragmentação política europeia permitiu que Colombo obtivesse financiamento fora do seu país de origem. O lado perverso do sucesso europeu é que ele criou um mundo que cada vez mais limitou a capacidade dos outros de se arriscarem. Então, em certo sentido, desenvolver-se hoje tem que significar recuperar essa capacidade de arriscar.
Tudo isto para falar da nossa resposta à Covid-19. É resposta de quem não quer arriscar, mas gostaria tanto de petiscar. Não vai dar. Estamos nesta discussão estranha sobre a reabertura das aulas que me parece sintomática. Uns acham que sim, outros acham que não, cada qual com argumentos mais ou menos bons. Eu estou do lado dos do sim. A questão, contudo, não é essa. Nós não temos a opção entre reabrir ou não. Não reabrir é condenar o País à auto-destruição como, aliás, está cada vez mais evidente. Não reabrir não é opção para nós. A opção está dentro da reabertura, isto é no que temos de fazer para limitar os danos. Não se trata de negar a Covid-19 que é uma realidade, nem se trata de menosprezar as suas consequências que são também reais. Trata-se de fazer o que é possível tendo em conta o País que somos.
Ontem à noite li um apelo ao adiamento da reabertura assinado por várias organizações da sociedade civil reunidas em torno de algo chamado “Movimento de Educação para Todos – Task Force COVID-19”. O documento faz reparos importantes relacionados com a necessidade de melhor preparação para a reabertura. O problema é que parte duma premissa que não faz absolutamente nenhum sentido no nosso País, nomeadamente a ideia de que de hoje para amanhã (e isso pode ser no período de três anos no nosso contexto) Moçambique pode ter a capacidade de preparação e realização que não tem. É totalmente ilusório. Por mais desejável que seja que o nosso governo funcione melhor, esse não é o caso. Por isso, a seriedade da situação impõe-nos exigências mínimas que podemos ter mais ou menos a certeza de poder cumprir. Parar não é, infelizmente, opção para nós. É para os outros que se colocaram nessa posição ao longo dos anos enquanto nós andávamos a fazer outras coisas.
Dispomos dum conhecimento básico e suficiente para partirmos para a acção. Esse conhecimento consiste na pouca vulnerabilidade das crianças (o relatório dessas OSC diz que 83% da população infectada tem idades compreendidas entre os 15 e 59 anos; é assim, e com este tipo de intervalos generosos, que se mente com estatísticas!), no facto de elas não serem os principais agentes de infecção e também de as consequências nelas não serem assim tão graves. É com esta informação que devemos trabalhar e não com cenários de horror que não nos levam a lado nenhum. Como, com base nesta informação, podemos organizar o retorno? Quem precisa de ser protegido e rastreado? Que reservas precisamos para garantir a sua substituição a tempo? O que fazer com os poucos casos graves que a informação de que dispomos por enquanto nos permite antever? Li um documento do Ministério da Educação de 8 de Junho sobre a estratégia de retorno. Para além dos erros ortográficos e de composição (isto é imperdoável, 45 anos depois da independência!) o documento não diz absolutamente nada sobre estas questões. Parece um daqueles projectos de desenvolvimento com justificativa, vantagens, desvantagens e implicações... Não é estratégia, não é nada. É um documento da qualidade do governo.
É claro que podemos nos enganar redondamente e sermos surpreendidos por uma situação dramática. Nada se pode colocar de parte, mas não colocar de parte não pode significar inacção. Não é assim que se trabalha com o conhecimento científico. Toda a aplicação do conhecimento científico é sempre uma experiência, idealmente devia ser uma experiência controlada. Produzimos conhecimento para sabermos como fazer aquilo que gostaríamos de fazer, não para identificar razões para não fazermos nada. Há casos em que o conhecimento nos diz que não é mesmo possível fazer seja o que for, mas isso é raro e quase ilógico, pois o conhecimento científico não é infalível. Grandes avanços (e fortunas) fizeram-se porque alguém não se deixou levar pelos que diziam que algo era impossível.
O ambiente está a ser envenenado por pessoas que estão preocupadas em encontrar razões para não fazer nada. Têm um gosto mórbido em publicar as coisas mais horríveis sobre a pandemia como se dessa maneira estivessem a apostar na ideia de que se não fizermos nada, estaremos melhor. Não estaremos. A forma precipitada, ainda que justificada, como introduzimos medidas draconianas, colocou-nos na senda da auto-destruição. Vai levar décadas para recuperarmos o que perdemos nestes 3 meses. Em algum momento temos que aprender a conviver com o facto de que Moz não é nem África do Sul, nem Suíça. É Moz! Essa ideia de querer petiscar sem ter arriscado não funciona na vida real.
E como estou na onda dos Ghorwane, aí vai mais um ode à ousadia:
Ghorwane Banda moçambicana formada em 1983, no Maputo, em Moçambique. O nome de batismo do coletivo foi inspirado num pequeno lago, também no Maputo, que nun...
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Ghorwane Kudumba Xizambiza
Ghorwane Banda moçambicana formada em 1983, no Maputo, em Moçambique. O nome de batismo do coletivo foi inspirado num pequeno lago, também no Maputo, que nun...Ghorwane Banda moçambicana formada em 1983, no Maputo, em Moçambique. O nome de batismo do coletivo foi inspirado num pequeno lago, também no Maputo, que nun...
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