Saturday, December 1, 2018

Salazar e os direitos humanos

OPINIÃO 

Salazar e os direitos humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos terá soado ao ditador português como uma coisa de um anarquista bêbado.

Ontem, um advogado perguntou-me num cocktail “como é que descreveria Salazar a um estrangeiro com apenas uma frase”. Tive a sorte de, na véspera, ter aprendido uma coisa nova e evitei repetir aquilo que todos sabemos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Dezembro de 1948, mas Portugal só a adoptou em Março de 1978. Por causa da ditadura de Salazar, chegámos ao texto com 30 anos de atraso.

Quando muitos dos actuais avós portugueses nasceram, não existia um texto universal que se dirigisse a todos os humanos da Terra. Havia cartas históricas de direitos humanos, mas eram todas de carácter nacional: a Magna Carta (1215), a Carta dos Direitos Britânicos (1689), a Declaração de Independência Americana (1776) e a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Os cidadãos de três países ocidentais e ricos tinham regras e balizas. Todos os outros inspiravam-se à distância.Chegámos tarde a muitas coisas — até à própria ONU. As razões são mais do que conhecidas. Mas se hoje é difícil imaginar o mundo sem um instrumento universal que liste e defina os direitos humanos, lembrar que Portugal teve um regime com tamanha pequenez é uma pedagogia útil. Se a ausência de uma Declaração Universal dos Direitos Humanos retrata o mundo anterior à II Guerra Mundial, os 26 anos de inacção da ditadura portuguesa em relação ao texto — hoje considerado um dos maiores feitos da própria ONU — são a prova crua da incapacidade do Estado Novo em acompanhar a evolução do mundo.
Nos primeiros anos, António de Oliveira Salazar, presidente do Conselho, tinha uma boa razão para não adoptar a declaração. Portugal não era membro das Nações Unidas e o pedido de adesão era chumbado pela URSS ano após ano. Portugal só foi aceite como Estado-membro da ONU em 1955. Mas teve a seguir 19 anos para o fazer. Ficar de fora foi dizer que Lisboa não aceitava a “autoridade moral” do texto, nem o via como um “ideal comum”.
Agora que estamos a dias de celebrar os 70 anos da adopção da declaração, fui relê-la com os óculos de Salazar. Era simplesmente impossível assiná-la. Cada uma das 30 alíneas é uma facada directa no coração do ditador. Alguns exemplos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais” (menos os colonizados e as mulheres da “metrópole”); “todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (menos os presos políticos); “ninguém será mantido em servidão” (à excepção dos povos das colónias); “ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes” (menos os inimigos e os comunistas); “ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado”; “o homem e a mulher têm o direito de casar sem restrição alguma de nacionalidade” (o que fazer às hospedeiras e aos diplomatas, que não podiam casar com estrangeiras?); “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento”; “à liberdade de opinião e de expressão”; “à liberdade de reunião”; ao “acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país”. É maçador continuar. A Declaração Universal dos Direitos Humanos terá soado a coisa de um anarquista bêbado.
Sim, a declaração não é vinculativa e é uma utopia. Mas que seríamos nós sem querer mais? Escreve a jurista Patrícia Galvão Teles, membro da Comissão de Direito Internacional da ONU, que “o grande feito da declaração foi ter alterado o terreno moral das relações internacionais, que passou a orientar-se e a medir-se pelo valor do respeito dos direitos humanos” (Portugal e os Direitos Humanos nas Nações Unidas, organização de Ana Helena Marques, Carmen Silvestre e Margarida Lages, Instituto Diplomático, 2017). “Colocou o indivíduo como parte integrante de um mundo de Estados soberanos, que não podem mais utilizar a capa da soberania como um escudo na forma como os próprios cidadãos são tratados dentro de fronteiras.”
E, por tudo isto, a resposta no cocktail (que aprendi numa conferência do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva) teve pelo menos o efeito de surpresa: “Salazar numa frase? Foi o ditador que não adoptou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.”
  1. João Macedo
      Porto - Meadela - Perre - Viana do Castelo - Romorantin-Lanthenay - Paris - Bruxelas - Lisboaensonho 
    Gostei do texto. Fiquei admirado com a proibição imposta aos diplomatas de se casarem com estrangeiras. E mais ainda com a que se refere às hospedeiras! Que hospedeiras? As hospedeiras do ar? [Peço desculpa pela minha ignorância]. Em todo o caso, por que é que as hospedeiras, fossem elas quais fossem, não podiam casar-se com estrangeiros (mesmo no tempo de Salazar)? Talvez se trate de curiosidade malsã, mas ainda gostava de saber algum dia a resposta a essa pergunta.
  2. Bárbara Reis, estava à espera de mais originalidade. Em vez disso, debitou alguns lugares-comuns sobre o salazarismo, pegando no exemplo pouco brilhante da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na verdade, Portugal esteve longe de ser caso único nessa votação. Quase todas as ditaduras votaram contra ou abstiveram-se. Mais original teria sido se tivesse escrito que Portugal foi das raras (única?) ditadura da História que não tinha pena de morte (pese embora tive havido assassinatos extra-judiciais), teve um ditador que não enriqueceu, ou mesmo que não existiu ditadura socialista que tenha morto menos pessoas do que o Estado Novo (choque, horror).
  3. «Todos os seres humanos nascem livres e iguais», aqui começa a anedota do século. Uns são mais iguais que outros, verificando-se o mesmo na ONU. Uns impõem, os que têm poder, os outros, povos e países, apenas assinam de cruz os cheques que pagam a vida faustosa, luxuosa e de enriquecimento, à custa dos direitos humanos de democraticamente roubarem e usurparem os povos escravos. Assim nasceu a democracia com os cidadãos "montados" em cima dos escravos que apenas têm o direito de pagar as excentricidades dos democratas que são desonestos, traidores, culpados pelas consequências das suas ambições desmedidas. Em comparação, Salazar, não encheu os bolsos, como comprovado, ao contrário dos que negociaram e enriqueceram com a venda de Portugal e do seu povo, algo que seria impensável com Salazar.
  4. Haja uma alma caridosa que ao ver o fantasma lhe dê, simplesmente, uma cadeira. Já é tempo de RIP, mas a queda do anjo de uma cadeira leva tempo a digerir, ele anda cansado e não se atreve a sentar-se, o trauma ficou da vida que levou. A cadeira é a prova da condição instável do poder, que se acomoda sem dar pelo desgaste do material. Poupou no sítio errado. Em faltando uma perna, não há ditador que não caia. Por sorte não foi a Maria Calas-te que caiu por ocasião da sua visita a Portugal, fartou-se de gabar o pai da Nação e teve de se sentar ao receber o presente do Toni, sem forças para agradecer tamanha generosidade. Olha se a cadeira tivesse sucumbido! Direitos humanos não eram o forte do Toni. Preferia gastar o pilim com as damas, não própriamente com cadeiras.
    1. Texto altamente confuso e sem piada. para escrever assim mais vale não fazê-lo
  5. A verdade é uma utopia. Quando alguém diz desconhecer um determinado assunto, demasiado incómodo para a sua mente, o que quer verdadeiramente dizer é que não quer saber. Daí o mundo, com ou sem democracia, não ter emenda. Quem a tem, não a valoriza, e quem não a tem, vive resignado porque podia ser sempre pior.
  6. Já agora, onde estão as comemorações do 25 de Novembro de 1975, data em que Portugal foi resgatado da tentativa de o mergulharem numa ditadura? Não vi jornal nenhum a comemorar a efeméride.
    1. João Macedo
        Porto - Meadela - Perre - Viana do Castelo - Romorantin-Lanthenay - Paris - Bruxelas - Lisboaensonho 
      Com efeito, penso que seria interessante que se começasse a comemorar também o 25 de Novembro com mais alguma relevância.
  7. A URSS achava a DUDH pouco condenatória do nazismo e do fascismo, dizem 2 comentadores mais abaixo. Vai daí, para mostrar ao mundo o quão boazinha, correcta e amiga dos povos e da harmonia das nações era, a URSS invade a Hungria em 1956 e a Checoslováquia em 1968 para desapear Dubcek, não fosse a democracia vingar por lá. Por isso, mandou os tanques soviéticos darem um passeio por lá, porque parece que cheirava a primavera...
  8. Citação de um comentador ao artigo do Porta da Loja sobre este artigo: O lixo a que estamos habituados. Sobre a declaração dos direitos do homem, lá está, basta ver os regimes que a subscreveram ao longo destes dois séculos e compará-los ao Estado Novo no respeito pela dignidade humana, pela vida, pela moral e pelo direito. E se vamos fazer essa comparação, que tal começarmos logo pelo regime que a largou no mundo, a França de 1789-1794? Não é que nesses anos os apóstolos da liberdade-igualdade-fraternidade matavam mais gente num mês do que a Inquisição matou durante toda a sua história em todos os países europeus em que vigorou? E no entanto a mística da Rev. Francesa mantém-se. É a luz da humanidade, segundo ouço. O que vale é que Salazar mantém-se acima destas coisas. (...)"
    1. Quanto custa o que está a tentar vender? Tem certificado de garantia de veracidade? Ou é apenas recitar o manual do botas?
  9. nelsonfari
      Portela-Loures 
    O facto de estarmos imunes ao populismo agradecemos ao grande(grande? grande era a cidade, como dizia Lauro António) Salazar. Até a Espanha, depois do Podemos e dos Cidadãos,que acabaram com o reinado do PSOE e do PP, já tem o seu Vox, que, de acordo com as notícias, se proclama muito próximo de Le Pen. Mas...em contrapartida fomos assolados pela Santíssima Trindade das malfeitorias, o PS, PSD e CDS. Eu, que vivi quase trinta anos com Salazar e o seu prolongamento Caetano, interrogo-me: quem tem mais falta de vergonha,Salazar ou a Trindade dos assaltantes dos Tesouros Públicos?Estou hesitante...Salazar tinha, pelo menos, a companhia de Franco e do regime grego, que, por sinal, sucumbiram todos na década de 70. Coloco uma questão:e já tratou a Trindade de matar a fome de tudo aos excluídos?
    1. O fantasma do António continua por aí bem vivo, como o do Francisco ainda paira por Espanha. A prova é este artigo.
  10. Não quero estar a defender Salazar e as suas políticas, com que não concordo e que muito mal causaram. Mas de tudo o que há a apontar não me parece boa escolha. Claro que concordo com a Declaração, e ser utópica em si mesmo não o problema, porque serve de guia. A questão é o contexto, o saber as "regras" se aplicam apenas aos mais fracos, e a questão da ética de princípio vs ética de responsabilidade. E convém lembrar os 500M mortos de civis em Angola e o genocídio de 1/3 da população em Timor, e o atual estado da Guiné Bissau quando se avalia o que são ações corretas. Uma pura ética de princípio (vs responsabilização) é um mero exercício egocentrismo, para tornar escolhas complicadas simples, nos sentirmos bem connosco próprios, independentemente do que acontece.
  11. Não quero estar a defender Salazar e as suas políticas, com que não concordo e que muito mal causaram. Mas de tudo o que há a apontar não me parece boa escolha. Claro que concordo com a Declaração, e ser utópica em si mesmo não o problema, porque serve de guia. A questão é o contexto, o saber as "regras" se aplicam apenas aos mais fracos, e a questão da ética de princípio vs ética de responsabilidade. E convém lembrar os 500M mortos de civis em Angola e o genocídio de 1/3 da população em Timor, e o atual estado da Guiné Bissau quando se avalia o que são ações corretas. Uma pura ética de princípio (vs responsabilização) é um mero exercício egocentrismo, para tornar escolhas complicadas simples, nos sentirmos bem connosco próprios, independentemente do que acontece.
  12. Tivesse Salazar seguido os passos, ou a estratégia do seu lugar-tenente, o sobre-vivo Adriano Moreira e teria assinado essa "coisa", a DUDH, de cruz, como se diz que Afonso Henriques assinou os documentos que antecederam a concessão da carta magna de Portugal, a "manifestis probatum", pelo Papa Alexandre III. Ademais, e como exemplos de assinaturas de cruz, temos a nossa actual constituição formal, que é para "inglês ver". Tudo se resume a quem paga a factura, e para isso temos o Orçamento de Estado que revela, por exemplo, que os gastos com os orgãos de soberania consomem todos os impostos pagos às bocas das "bombas" de gasolina, (ISP) ou quase 60% da riqueza produzida pelas empresas (IRC). É caso para dizer papéis há muitos...
  13. Estes sal-azariatas, não passam do comum-nada na cabeça.
  14. Esta jornalista revela não perceber quem foi Salazar. Sim, foi um ditador e Portugal viveu sob uma ditadura, mas vivia-se melhor do que na tenebrosa URSS e nos outros países comunistas. Antes o Salazar que o Cunhal ou qualquer dirigente comunista.
  15. Tadinho do velhadas. Tudo aquilo porque lutou se esfumou: queria colónias, lixou-se; queria a Igreja Católica a mandar nas consciências, tramou-se; queria que o Hitler vencesse a URSS, foi um ar que lhe deu; queria censura, ela desapareceu. E depois caiu de uma cadeira. O Soares foi o contrário: queria democracia, teve; queria Europa, teve; queria descolonização, teve. Em resumo: Salazar foi, é e será um triste.
    1. Soares foi tão contente que deixou um tesouro aos dois filhos. Engraçado, como é que um político ganha assim tanto dinheiro? Nunca percebi. O Salazar também não.
    2. Pois, mas enquanto Salazar esteve no poder quase até à morte, Soares teve um resultado eleitoral humilhante nas últimas eleições a que concorreu e passou a última década de vida a proferir disparates na comunicação social.
  16. Eu, um dos avós que nasceram naquele tempo e que, já crescido, também gostava pouco do regime salazarista, sobretudo por nos cortar a liberdade de dizer e reclamar e de nos espiar mais do que seria preciso (apesar dos tempos em que o fascismo era moda e hoje está de novo a voltar, o de direita e o de esquerda), não penso que este texto ajude a perceber o regime que nos governou entre 1933 e 1974, o chamado Estado Novo. Mas vai-se fazendo luz aos poucos sobre a história reescrita e manipulada (pela esquerda e extrema esquerda) desde dias depois do 25 de abril. Depois, há aqui uma falácia ou ficção: hoje temos todos os direitos e veja-se lá por onde andam as liberdades dos cidadãos por aqui e por esse mundo além. A DUDH é como a CRP, nela é tudo direitos, deveres é o que se vê ...
  17. Convido a Sra Jornalista a fazer o mesmo exercício mental (ou oculista) em relação ao PCP e BE e os regimes que os inspiraram e inspiram.
  18. Isso é como ter um termómetro para medir a febre, mas não uma aspirina para a fazer baixar. Quantas vezes ouvimos o Sec. Ger. ONU a chamar a atenção para esta e aquela situações insustentáveis que violam todos os direitos possíveis e nem ele nem ninguém faz nada? É verdade é mais uma utopia! Vivemos destes consolos.
  19. A URSS eos USA assinaram a bela declaração que ia contra os princípios colonizadores de Salazar, vetaram a entrada de Portugal, proibiram Portugal de falar, porque? Porque, qrandes potências colonizadoras ( ainda hoje, apesar de continuarem na ONU das belas declarações) queriam as colónias portuguesas. Que conseguiram. Dividiram entre si as áreas de influência e a URSS ficou com as colónias portuguesas- que espatifou como tudo em que tocou. Acredito que este enquadramento histórico não seja politicamente correto para a esquerda, paciência.
    1. Só a França (ex: Guiana françesa / Brasil) e a Inglaterra (ex: Gibraltar) têm dezenas de colónias, territórios ultramarinos, etc...Só nós é que fomos corridos delas todas porque éramos invejados pelas potências que queriam explorá - las ( e fizeram-no). Donde vieram os mísseis Terra - Ar "Strella", na Guiné, que abatiam os nossos FIAT G91? Claro! Da (felizmente) extinta URSS!
    2. Como é óbvio, Chintz e Teixeira! Abaixo o discurso social-fascista destes comentadores de pacotilha sobre as ex-colónias portuguesas que haviam de servir de repasto a cubanos, soviéticos e americanos.
  20. Mas que interessante... e a URSS, então membro da ONU (o tal membro que ia vetando a entrada de Portugal até 1955) assinou esse texto maravilhoso e moralmente superior? Não admira que Salazar o achasse uma palhaçada. A ONU é uma assembleia fascinante, magnânima e humanista. É por isso que o mundo se encontra consertado graças à sua existência e, mais importante, à sua eficaz intervenção.
    1. A URSS (e todo o bloco Soviético) não assinaram a Declaração, tendo-se abstido, usando como justificação ao facto de o texto não ir suficientemente longe na condenação do nazismo e fascismo. Eleanor Roosevelt (uma das grandes promotoras do documento) afirmou mais tarde que o artigo 13º (proibição dos cidadãos saírem dos seus países) foi o que na verdade levou a URSS e seus aliados a abster-se. Informe-se antes de falar, já não há paciência para tanta desinformação, propositada ou não.
    2. Caro Luis, não vale a pena tentar combater o obscurantismo sal-azarista que infelizmente deixou marca neste povo. Faça como eu divirta-se, a ler e constatar o desconhecimento sobre a realidade, que este povo manifesta com vaidade e com orgulho.
    3. João Macedo
        Porto - Meadela - Perre - Viana do Castelo - Romorantin-Lanthenay - Paris - Bruxelas - Lisboaensonho 
      Excelente Luís, a sua última frase era perfeitamente escusada. Aparentemente, esclareceu cabalmente a comentadora. Porquê esmigalhá-la a seguir? Porquê tratar de alto quem se enganou?

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