O que se passou em Las Vegas? A noite contada pela mulher que acusa Ronaldo de violação /premium
O conhecimento na discoteca. O quarto de hotel com jacuzzi. A insistência na casa de banho e a violação na cama. A compra do silêncio por 375 mil dólares. E o porquê da denúncia agora.
O que se passou em Las Vegas, na noite de 12 de junho de 2009, deveria ter ficado em Las Vegas. Karhtyn Mayorga assinou um acordo que a obrigava ao anonimato e recebeu dinheiro para nunca revelar os detalhes daquela noite de sexta-feira. Não era suposto o seu nome ter vindo a público e, muito menos, ser associado a Cristiano Ronaldo.
375 mil dólares, muito negociados, deviam alegadamente servir para lhe comprar o silêncio eterno. Mas afinal, ele só durou até à semana passada. Na sexta-feira, acusou o português de a ter violado, naquela noite — a noite que “destruiu” a sua vida –, no Hotel Palms Place, em Las Vegas. A revista alemã Der Spiegel — que já tinha divulgado parte da história, o acordo entre as partes e que contou também como foi alvo de várias pressões do agente de Ronaldo — publicou agora a versão de Mayorga. Ao mesmo tempo que a Polícia Metropolitana de Las Vegas reabriu a investigação ao caso. Mas o que está em causa?
Quem acusa e quando tudo aconteceu
A aspirante a modelo e o jogador prestes a assinar pelo Real Madrid
Karhtyn Mayorga tinha 25 anos na altura. Era aspirante a modelo e trabalhava numa discoteca do Palms Hotel and Casino em Las Vegas. Uma das suas funções naquele estabelecimento noturno era, em conjunto com outras mulheres, permanecer na zona do bar para atrair convidados — um facto que diz ter sido usado contra si pela defesa de Ronaldo. “Bom, o trabalho que tu tinhas não era um trabalho de boa menina”, terão argumentado.
O jogador português, com 24 anos, estava prestes a assinar o contrato da transferência, de 94 milhões de euros — valor recorde até então — do Manchester United para o Real Madrid. Estava em Vegas a passar férias com o cunhado e um primo, com quem entrou naquela discoteca.
Agora com 34 anos, Mayorga revelou a sua versão daquela noite. Acusa Cristiano Ronaldo de a ter violado e revela todos os detalhes do que aconteceu naquela sexta-feira num quarto de hotel.
A noite que “destruiu” a vida de Mayorga
“Ele implorou para lhe tocar no seu pénis por 30 segundos”
O primeiro contacto entre os dois, segundo ambos, ter-se-á dado na zona VIP da discoteca, onde todos falavam sobre o jogador de futebol. “Oh, ele está aqui. Ele é famoso”, ouvia-se, segundo Mayorga. Fotografias divulgadas, na altura, mostram Ronaldo e uma mulher — que agora deixou de ser apenas a “morena misteriosa” — juntos a conversar, a dançar e a trocar olhares. Mayorga admite que bebeu “um pouco” de champanhe, mas não muito porque estava a fazer um dieta. Uma das bebidas terá sido oferecida pelo jogador, que até a apresentou ao cunhado e ao primo.
A festa, segundo ela, continuou na penthouse, no Hotel Palms Place, onde Ronaldo estava instalado. O jogador, que lhe teria pedido o número de telefone antes, terá convidado Mayorga e uma amiga, Jordan, por mensagem, para “apreciarem a vista de Las Vegas”. “Faremos a nossa própria festa”, terá dito Ronaldo. Mayorga recorda que disse à amiga que iam “só tirar uma foto” e depois voltavam.
Recorda que, de repente, todos saltaram para o jacuzzi. A mulher alega ter recusado fazer o mesmo para não estragar o vestido e diz que Cristiano Ronaldo lhe emprestou roupa, apontando-lhe para a casa de banho, com acesso para o quarto, onde poderia trocar-se. O processo da polícia, com o testemunho de Mayorga, da família e da amiga, a que a revista Der Spiegel teve acesso, diz ainda que foi neste momento que ojogador terá entrado na casa de banho, com o pénis à mostra, tentado ter relações sexuais com Mayorga — que terá recusado. “Basicamente ele… ele implorou para lhe tocar no seu pénis por 30 segundos”, relatou ela às autoridades, que garante que negou e pediu para sair.
O jogador terá entrado na casa de banho, com o pénis à mostra, tentado ter relações sexuais com Mayorga — que terá recusado. "Basicamente ele... ele implorou para lhe tocar no seu pénis por 30 segundos", relatou a mulher, que garante que recusou e pediu para sair.
Depois, Ronaldo ter-lhe-á pedido para fazer sexo oral — algo que Mayorga diz ter recusado, a rir, pensando que era uma piada. “Ele disse algo como: ‘Deixo-te ir embora se me deres um beijo’“, recorda Mayorga no testemunho, admitindo que aceitou dar-lhe o beijo para poder ir embora. Mas não resultou. “Ele veio para cima de mim com muita força”, relata, adiantando que lhe disse: “Não!”.
Nesse momento, um dos acompanhantes de Ronaldo terá entrado no quarto e o jogador terá disfarçado. “O que é que estão a fazer?”, terá perguntado. Mayorga começou a vestir-se e disse: “Estamos a sair”. Ronaldo terá dito o mesmo. “Pensei que tudo tinha acabado”, assume. Mas assim que voltaram a estar sozinhos, Ronaldo tê-la-á puxado para a cama e tentado levar adiante o ato sexual. “Ouve meu, isto não vai acontecer”.
Segundo Mayorga, terá acontecido. A mulher conta no testemunho que Ronaldo terá tentado tirar-lhe a roupa interior. Mayorga terá tentado evitar a violação — “Eu virei-me e enrolei-me como uma bola — e gritado várias vezes “não, não não”. Ronaldo terá agarrado na sua vagina e “pulou” para cima de Mayorga de costas. A agora professora garante que o jogador teve sexo anal com ela e, depois, não a deixou sair do quarto. “Ele olhou para mim. Um olhar culpado. Quase como se sentisse mal. Não me lembro, mas tenho certeza que ele disse ‘desculpa’ ou ‘estás ferida?'”, recorda. No fim, terá perguntado se ela estava com dores, para depois dizer que é “um homem 99% bom”, à exceção de “1%”.
Mayorga admitiu às autoridades que foi nesse momento que caiu na realidade sobre o que tinha acontecido. Diz que se lembra que perguntou ao jogador se ele tinha alguma doença sexualmente transmissível mas que este lhe terá garantido que não, devido à profissão, que o obrigava a fazer exames rigorosos de três em três meses. Mayorga diz que saiu do quarto a pensar: “Ninguém vai saber disto”. Todo o relato conta do testemunho à polícia a que a Der Spiegel teve acesso.
A denúncia no próprio dia
“Jordan, ele violou-me”
A amiga, Jordan, viu Mayorga sair do quarto, despenteada e com a maquilhagem borrada, e terá perguntado a Ronaldo: “O que fizeste à minha amiga?”. O jogador, de acordo com o relato das duas, respondeu: “Está tudo bem. Somos amigos”. Ambas terão voltado para o jacuzzi. “Eu estava em transe. Primeiro, ele sentou-se ao pé de mim, e eu fui-me embora porque não queria estar perto dele. A Jordan disse que eu estava a olhar, fixamente, para a água. Não me lembro de olhar para a água. Depois fiquei quieta e estranha. Ele [Ronaldo] levantou-se, finalmente, e saiu. Assim que saiu, tudo o que me consigo lembrar foi de ter caído para dentro do jacuzzi“, relatou.
Mayorga contou à polícia que se lembra Jordan, que estava completamente fascinada com o facto de terem estado com Cristiano Ronaldo, não parar de perguntar se a amiga estava bem. Quando Mayorga chegou ao carro começou a sentir dores: “Cada batida do meu coração era como uma dor penetrante“. Conduziu até um hospital mas estava com receio de entrar. Acabou por ir para casa e tentar dormir. Mas não conseguiu.
Mais tarde, recebeu uma chamada de Jordan, histérica com o facto de aparecerem em todos os jornais, em fotografias ao lado do jogador. Ao mesmo tempo, Mayorga recebia várias mensagens a perguntar se namorava com Ronaldo. “Jordan, ele violou-me”, acaba por confessar Mayorga. A amiga aconselhou-a a chamar a polícia mas alertou-a para o facto de se tratar de um jogador de futebol e, por isso, com poder. Disse-lhe que era melhora ligar para a polícia em anónimo.
Mais tarde, recebeu uma chamada de Jordan, histérica com o facto de aparecerem em todos os jornais, em fotografias ao lado do jogador. "Jordan, ele violou-me", acabou por lhe confessar Mayorga.
Mayorga e os pais tentaram reconstruir à polícia o que se tinha passado. A agora professora entrou com uma ação na justiça alegando que Ronaldo a violou. No processo, a mulher diz ter relatado o suposto incidente à polícia de Las Vegas no mesmo dia, mas acabou por não dar nome ao suspeito, por ter receio da reação dos fãs do futebolista português. Na altura em que Mayorga comunicou a suposta violação às autoridades fez um exame médico para apurar se tinha sido vítima de abuso sexual. O exame permitiu concluir por parte da enfermeira que a observou que “o ânus da paciente foi penetrado” e que a ejaculação terá ocorrido “nas mãos do agressor”.
O acordo pelo silêncio
“Não sou como os outros. Eu pedi desculpa, depois”
Meses depois daquela noite de sexta-feira, Ronaldo terá pago 375 mil dólares (cerca de 325 mil euros) pelo silêncio da Mayorga. A advogada da Mayorga, Mary Smith, contactou o advogado de Ronaldo, Carlos Osório de Castro, em meados de 2009. Em julho, os advogados de ambas as partes começaram a reunir-se. Ronaldo, o cunhado e o primo com quem estava foram interrogados várias vezes. Em algumas, o jogador fala de sexo consensual. Todas estas reuniões e contactos estão também em documentos obtidos pela Der Spiegel.
Numa versão desse interrogatório, em setembro desse ano, citado pela revista, Ronaldo admite: “Ela disse não e para várias vezes”. “Fui rude. Nós não mudamos de posição. Durou 5 ou 7 minutos. Ela disse que não queria mas mostrou-se disponível”, explicou o jogador nessa versão, acrescentando: “Não sou como os outros. Eu pedi desculpa, depois”.
"Fui rude. Nós não mudamos de posição. Durou 5 ou 7 minutos. Ela disse que não queria mas mostrou-se disponível", explicou o jogador nessa versão, acrescentando: "Não sou como os outros. Eu pedi desculpa, depois".
As duas partes encontraram-se uma última vez em 12 de janeiro de 2010, em Las Vegas. Ronaldo não apareceu. O advogado foi trocando mensagens com o jogador ao longo da reunião. A revista alemã transcreve as mensagens entre jogador e advogado:
— Até agora, ainda não falaram de dinheiro. Mas está para vir
— OK
Cerca de quarenta minutos depois, o advogado de Ronaldo envia outra mensagem, com apenas um número:
— 950 mil dólares
— É esse o valor?
— Essa é a primeira proposta: dá 660 mil euros. Não vamos aceitar. As negociações continuam.
— Isso não é muito?
— Acho que é. Acho que fechamos o acordo por menos. Tem de ser menos.
— OK
Acabou por ser menos: 375 mil dólares. A modelo que entretanto se tornou professora terá admitido depois à polícia que assinou o acordo para se proteger a ela e à família e na esperança de que pudesse esquecer aquela noite. Terá dito que se sentiu incapaz de enfrentar o jogador português e, por isso, ficou no anonimato.
O fim do acordo
Um novo advogado e o movimento #MeToo
Nove anos depois, Mayorga falou agora publicamente pela primeira vez sobre o que terá acontecido naquela noite de sexta-feira. Porquê agora? Além de impulsionada pelo movimento #MeToo, Mayorga arranjou um novo advogado. A professora diz ainda que avançar com o processo é a única foma de de descobrir se há outras mulheres que foram abusadas sexualmente por Ronaldo. “É algo que sempre quis saber”, disse em Las Vegas, aquando da decisão das autoridades da reabertura do processo contra o jogador português.
As pressões sofridas pela revista que divulgou o caso
“O documento está assinado por Ronaldo. Não há razão para duvidar”
Em abril de 2017, a revista Der Spiegel divulgou o acordo de 375 mil dólares assinado por ambas as partes, um dos muitos obtidos pela plataforma Football Leaks.
Jorge Mendes, o agente de Ronaldo, emitiu um comunicado onde dizia que o artigo publicado pela revista era “nada mais do que uma peça de jornalismo de ficção”, baseada em “documentos que não estão assinados e em onde as partes não estão identificadas”. De facto, nos documentos, Karhtyn Mayorga aparecia como Susan K. e o jogador português como “Topher”. Mas um outro documento a que a revista teve acesso revelava a quem esses pseudónimos se referia. Mais: “O documento está assinado por Ronaldo. Não há razão para duvidar da autenticidade dos documentos”, escrevia a revista.
No artigo de abril de 2017, a revista não divulgou o nome verdadeiro da alegada vítima — o que levou o agente de Ronaldo a descredibilizar o artigo. Na altura em que o artigo foi divulgado, Mayorga não quis prestar comentários e terá mesmo fugido de jornalistas que se dirigiram à casa da professora na tentativa de obter declarações.
De acordo com a Der Spiegel, Ronaldo terá ameaçado várias vezes processar a revista alemã. Não passaram de ameaças. Além dos documentos, a revista estava também na posse das mensagens trocadas entre Ronaldo e o seu advogado, Osório de Castro, em que discutiam o valor do acordo — e que não deixavam dúvidas que, em 2010, o jogador já sabia que tinha sido acusado.
O que diz Ronaldo
“A mais séria violação de direitos pessoais em anos recentes”
Os advogados do jogador não tardaram a reagir. Em comunicado, afirmam que o relato feito “viola os direitos pessoais” do jogador de uma forma “excecionalmente séria”, pelo que vão processar a revista em causa. “Isto é um relato inadmissível de suspeitas da área privada”, dizem. Os advogados escrevem ainda que esta é, provavelmente, “a mais séria violação de direitos pessoais em anos recentes”.
Cristiano Ronaldo também já reagiu. O jogador aproveitou um direto no Instagram para negar as acusações que considerou “fake news”. “São pessoas que querem ser famosas à custa do meu nome”, disse Ronaldo, no meio de várias questões que iam surgindo sobre o assunto. “[Estas questões] são parte do trabalho. Sou um homem feliz e por isso está tudo bem”, sublinhou, referindo-se a este assunto como “as notícias de hoje”.
Face às notícias , Georgina Rodríguez, namorada do jogador e mãe da sua filha Alana Martina, usou as redes sociais para sair em defesa de Ronaldo e deixar-lhe uma mensagem de apoio. “Transformas sempre os obstáculos que te põem no caminho em impulso e força para cresceres e demonstrares o quão grande tu és. Obrigado por nos fazeres desfrutar em cada partida. Sempre mais e melhor. Amo-te Cristiano”, escreveu Georgina, na sua página de Instagram.
A reabertura do processo
ADN ainda pode ser retirado
A polícia de Las Vegas anunciou, esta segunda-feira, ter reaberto a investigação à alegada violação. Aden Ocampo, porta-voz do Departamento de Polícia Metropolitana de Las Vegas, diz que as autoridades ainda têm o kit usado para fazer esse exame e que o ADN ainda pode ser retirado. E trará conclusões definitivas.