Governador do Banco Nacional de Angola envolvido em possível esquema fraudulento relacionado com o Museu da Moeda. A bem da transparência, Lima Massano só pode devolver aos cofres do Estado o dinheiro que gastou a mais, e demitir-se.
por PAULO ZUA
por PAULO ZUA
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Nas páginas do Maka Angola poucas vezes temos estado de acordo com José Eduardo dos Santos (JES). Contudo, no caso do Museu da Moeda, investigado e exposto por Rafael Marques (https://www.makaangola.org/…/massano-o-museu-da-pilhagem-n…/
Aparentemente, o velho presidente, agastado pelo facto de o projecto do Museu ter tido custos injustificáveis – que começou por estar orçamentado em dez milhões de dólares e acabou por implicar gastos superiores a 80 milhões de dólares –, demitiu José de Lima Massano, o responsável por esta “derrapagem”, do cargo de governador do Banco Nacional de Angola, e recusou-se a estar presente na inauguração do referido Museu. Como sabemos, no entanto, Lima Massano regressou recentemente ao seu posto no BNA.
Esta é mais uma história da pilhagem que grassa em Angola, traduzindo-se na “captura do Estado” por um grupo de saqueadores, a maioria dos quais ainda anda por aí. Como referido, a história já foi contada nestas colunas no passado dia 20 de Outubro. Agora, o que se pretende é trazê-la à luz do Direito e da imputação de responsabilidades pessoais.
Tudo começa com dois contratos adjudicados por Lima Massano em 2012 e 2013, um para o projecto de arquitectura, outro de engenharia, para “escavação, contenção periférica e fundações” do futuro Museu.
Estes dois primeiros contratos indiciam desde logo algo estranho do ponto de vista técnico. O projecto de arquitectura refere-se à totalidade da construção do Museu, enquanto o contrato de engenharia apenas se refere à parte inicial da obra. Cheira a esturro, pois percebe-se que há uma decisão de dividir a obra em várias fases e vários contratos, o que obviamente dificulta qualquer controlo e aumenta os valores envolvidos. Todos sabemos que é sempre mais barato comprar em quantidade.
Mais significativo ainda é o facto de não se perceberem quais os procedimentos concursais públicos para a escolha e adjudicação dos contratantes. Tudo indica que a lei não foi cumprida, ou que a divisão em fases e o posterior empolamento dos custos, após a assinatura dos contratos, serviu precisamente para contornar a legislação.
Vejamos o enquadramento legal a que esta obra devia ter obedecido:
O dono da obra era o Banco Nacional de Angola (BNA). O BNA rege-se pela Lei do Banco Nacional de Angola, Lei 16/10, de 15 de Julho. Esta Lei indica expressamente, no seu artigo 102.º, que o regime de aquisição e alienação de bens e serviços a que obedece o BNA é o disposto no Decreto 7/96, de 16 de Fevereiro. Este Decreto regulava os procedimentos para as aquisições públicas e foi revogado e substituído pela Lei n.º 20/10, de 7 de Setembro. Por sua vez, esta Lei, no seu artigo 361.º, menciona expressamente a revogação do referido Decreto 7/96.
Quer isto dizer que a qualquer contratação pública efectuada pelo BNA em 2012 era aplicada a Lei da Contratação Pública, Lei n.º 20/10, de 7 de Setembro. Não existem quaisquer dúvidas sobre isto.
Esta norma é muito clara em especificar um regime de exclusão de aplicação em que não cabem as obras referentes ao Museu da Moeda (artigo 5.º) e em determinar que qualquer contratação teria de seguir um procedimento tipificado (artigo 22.º):
- concurso público;
- concurso limitado por prévia qualificação;
- concurso limitado sem apresentação de candidaturas;
- procedimento de negociação.
- concurso público;
- concurso limitado por prévia qualificação;
- concurso limitado sem apresentação de candidaturas;
- procedimento de negociação.
Por sua vez, o artigo 26.º determina que a divisão em lotes é irrelevante quando se trata do mesmo objecto contratual, contando para a definição do seu valor o somatório da totalidade dos lotes.
Assim, torna-se óbvio que qualquer adjudicação da obra deveria ter em conta o estipulado nestes artigos, bem como o exigido no Anexo I da Lei da Contratação Pública, que define os limites monetários para cada tipo de procedimento. Traduzindo em palavras simples: a obra de construção do Museu devia ter ido a concurso público, englobando toda a sua construção.
Não o fazer e dividir em fases constituirá uma ilicitude e fraude jurídico-legal. A ausência de qualquer procedimento concursal tem duas implicações óbvias: Lima Massano não dispunha de poderes para assinar os contratos, e o dinheiro gasto pelo Estado tem de ser devolvido ao tesouro público pelo governador do BNA.
O que se seguiu à assinatura destes contratos foi uma loucura despesista: aumento dos custos das obras, contratos e mais contratos, fases e mais fases, em que se misturam amigos, sócios e comparsas.
Mais uma vez, a Lei proíbe isto tudo. Os artigos 6.º, 7.º e 8.º impediam as contratações em situações de conflito de interesses ou que não obedecessem ao interesse público. Já os artigos 180.º e seguintes regulavam exaustivamente a empreitada de obras públicas.
Num caso e noutro, não seriam permitidas contratações como a da Griner, que é uma empresa de construção civil detida pelo Banco Angolano de Investimentos (BAI), no qual Lima Massano era à época accionista de referência. Tal como não seriam permitidos aumentos de custos de obras como os que ocorreram em finais de 2013, totalizando um aumento de 66,35%.
Em resumo, face à lei em vigor na época, não havendo documentação comprovativa da concretização dos procedimentos concursais adequados e surgindo indícios de claros conflitos de interesses, a posição de Lima Massano é insustentável. Logo, deve devolver o dinheiro gasto com o Museu da Moeda e obviamente demitir-se.
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