DISCURSOS “CONTUNDENTES E INFLAMATÓRIOS” que podem pôr em causa as causas da Sociedade Civil
Aviso: este post é longo!
I. DECLARAÇÃO DE INTERESSES
Começo este post com uma “DECLARAÇÃO DE INTERESSES” que julgo ser importante por causa do que vou dizer a seguire a ela:
i) Já trabalhei para o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, em outros países, como consultor ou como contratado em períodos de longa duração, embora nunca tenha feito parte de pessoal permanente dessas organizações internacionais; quando 27 (vinte e sete) anos atrás prestei um serviço em Moçambique relacionado com um projecto do Banco Mundial, fi-lo sob contrato do Governo Moçambicano; nunca prestei serviços ao FMI em Moçambique, e quando recentemente trabahaei para o FMI na região, e em resultado da minha posição Moçambique esteve no meu portfolio, sempre evitei envolver-me em assuntos relacionados com o nosso país, e nesse distanciamento tive a compreensão da instituição;
ii) Presentemente não pertenço, e nunca pertenci a nenhuma organização da Sociedade Civil, em Moçambique ou em qualquer outra parte do mundo, nem presto serviços remunerados a nenhuma organização da sociedade civil, e elas não fazem parte do meu portólio de actividades profissionais com efeitos comerciais ou pecuniários; a última vez que o fiz foi em 2013, e isso passados mais de 10 anos depois de uma outra actividade do género; num caso mais recente em que uma organização da sociedade civil me ofereceu um contrato comercial que mais tarde se revelou uma armadilha, devolvi-lhes o dinheiro (que não era nada pouco e me fazia muita falta!) e retive os meus trabalhos; dito isto, colaboro com organizações da sociedade civil, como parte de manifestação da minha cidadania e apoio as causas justas que algumas delas defendam e com as quais eu me identifique, e quando o faço é a título voluntário e/ou pro-bono (i.e., sem cobrar nada);
iii) Nunca prestei nenhum serviço a nenhuma embaixada, em Moçambique ou em qualquer outra parte do mundo;
iv) Presentemente, e nos últimos 13 (treze) anos nunca prestei nenhum serviço a nenhuma agência de desenvolvimento baseada em Moçambique ou em assuntos sobre Moçambique;
v) Não recebo qualquer tipo de apoio ou subvenção de nenhuma embaixada ou agência de desenvolvimento;
vi) Nos últimos 27 anos, mais de 90% dos meus rendimentos provêm de actividades que desempenho fora de Moçambique; entretanto, gasto tudo e pago os meus impostos em Moçambique, e quando posso faço as minhas poupanças em Moçambique.
Todas estas afirmações podem ser documentalmente provadas e sujeitas a auditoria de quem quer que seja na base de documentos oficiais, incluindo declarações de relatórios e contas ao fisco em Moçambique bem como em qualquer país onde eu possa ter trabalhado desde que iniciei a minha carreira de economista. Os meus contratos com os meus clientes são depositados junto dos meus bancos em Moçambique, que assim o têm exigido para aferirem a licitude das fontes dos meus rendimentos no estrangeiro, em casos onde elas tenham dúvidas, como manda a lei. Quando em alguma ocasião me esqueci de fazer o depósito dum contrato junto dos meus bancos (algo que faço sempre voluntariamente!), aparentemente cumprindo instruções do Banco de Moçambique eles congelaram-me os parcos rendimentos, e tive que apresentar os contratos que os justificam. Tal é o cerco. E eu me predisponho a colaborar com quem quer que seja que um dia queira verificar isso NA BASE DE INTERESSE PÚBLICO.
Esta declaração, que é feita porque interessa devido à natureza do que se segue, deve servir também para ajudar (a quem interesse) dissipar equívocos que se tentaram veicular semanas atrás acerca da minha pessoa quando fui mencionado como receptáculo de dinheiros de doadores, e nisso metendo-me num saco com a “Sociedade Civil”. Na altura não respondi a isso porque não me pareceu relevante e só poderia dar espaço de publicidade a pessoas que maliciosamente fazem estas especulações. Mas hoje ela pode ser de interesse.
II. CONTRADIÇÕES DE PRONUNCIAMENTOS “CONTUNDENTES E INFLAMATÓRIOS” SEM FUNDAMENTO ANALÍTICO
De acordo com o semanário Savana do passado dia 20 do corrente mês de Abril, 2018, o Parlamento Juvenil (PJ) juntou na manhã de Quarta-Feira dia 17 centenas de jovens de diferentes esferas da sociedade, académicos e jornalistas para debaterem sobre as dívidas ocultas. O semanário Savana reporta que “O encontro que durou mais de cinco horas começou com um discurso contundente e inflamatório do líder do PJ, Salomãlo Muchanga”.
Baseando-me ainda nos sumários e citações do semanário Savana, esse discurso tem elementos que estão em linha com um grande segmento da sociedade Moçambicana. Para começar, há naquele discurso muitas coisas que o líder do Parlamento Juvenil parece ter falado e com as quais eu (e muitos) não tenho reservas em apoiar, nomeadamente: a) a importância de se co-responsabilizarem os bancos que iniciaram o processo e mesmo aqueles credores que atualmente o são em virtude de terem comprado essas dívidas a esses bancos; b) que é necessário a PGR agir na publicação do Relatório Kroll e na responsabilização judicial dos atores moçambicanos neste imbróglio; e b) que em todas as soluções que se encontrem, não se deve sacrificar mais o povo moçambicano.
A parte que a mim me preocupa no discurso do Presidente do Parlamento Juvenil, refere-se as suas ambíguidades, contradições e aparente desvalorização de factos fundamentais na questão de QUEM está a sacrificar o povo moçambicano. E essa parte é aquela em que ele faz um ataque “contudente e inflamatório” infundado ao papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) no processo das dívidas ocultas em Moçambique. O Savana cita o Presidente do Parlamento Juvenil extensiva e explicitamente (verbatim) neste ponto, com ele a dizer o seguinte: “Não podemos tolerar que o FMI continue a penalizar as vítimas da crise e a premiar os seus próprios responsáveis, a elite predadora do Estado. Não podemos ser cúmplices da neocolonização à nação moçambicana. A crise nasceu e cresceu e agora confia na capacidade de produção e produtividade do povo. É o povo no my love a caminho de hospitais sem medicamentos e de escolas vazias. Os assessores transformaram-se em assessores técnicos e assassinos económicos, pois são eles que gerenciam o nosso Estado.”
Creio que a última frase dessa citação é aquela que dá direito ao Savana de legitimamente dizer que este discurso é “inflamatório”. O Savana ainda menciona o líder do Parlamento Juvenil dizendo que: “o grito de Maputo deve ser escutado em Washington, pelo que o FMI não pode ter o apoio da sociedade civil.”
Estas são as passagens que suscitam as minhas preocupações em relação ao discurso do Presidente do Parlamento Juvenil. E explico-me:
PRIMEIRO: É no minimo ridículo ignorar o papel que o FMI desempenhou para fazer o governo de Moçambique aceitar abrir o jogo (até ao ponto que hoje o fez) neste imbróglio das dívidas ocultas. Se não tivesse sido o FMI em 2016 a recusar-se a dialogar com o Ministro das Finanças que havia sido o porta-voz da mentira oficial que dizia que não existem dividas ocultas, e se não tivesse sido o mesmo FMI a também mandar de volta o Primeiro Ministro do governo de Moçambique para vir primeiro explicar o Parlamento e revelar ao povo Moçambicano o que existia sobre dívidas ocultas, e só depois disso voltar lá para falar com eles, hoje ou ainda não saberíamos nada, ou saberíamos de fora como foi o caso no início, mas a continuarmos a ouvir o Governo a dizer que não há nada de dívidas ocultas. Lembremo-nos que quando a oposição no Parlamento propôs a abertura de um Inquérito Parlamentar sobre as dívidas ocultas, a bancada da FRELIMO bloqueou, e o governo continuou a dizer que não há dívidas ocultas. Foi necessário o FMI recusar-se a dialogar com o Governo Moçambicano se este não falasse primeiro com o seu povo através do Parlamento e se explicasse e revelasse tudo lá. Isto é um facto irrefutável. E bem conhecido de todos nós.
SEGUNDO, na sequência deste posicionamento do FMI, os doadores também cortaram a assistência direta ao Orçamento, e aumentaram a assistência por via dos projetos. O próprio Presidente da República reconheceu na sua intervenção em Londres que a ajuda por via de projectos continua. E nós vimos todos os dias nas televisões e lemos nos jornais uma série de projectos que são financiados pelos doadores, alguns mesmo iniciados depois de eles (os doadores) terem iniciado isso que alguns chamam de “boqueio” externo. Muitos dos lançamentos da primeira pedra e dos cortes das fitas que o Presidente da República e seus Ministros andam a fazer nos últimso tempos são de empreendimentos financiados na sua grande maioria (senão no todo) pelos doadores. Isto acontece por via de projectos com controlo dos doadores (e nao de apoio direto ao Orcamento Geral do Estado) precisamente para garantir que o povo moçambicano continue a ter assistência de outros povos, mas que esta assitência não vá ser gerida e desviada pela “elite predadora do Estado.”
Perante estes factos fáceis de observar e comprovar, para mim fica um absurdo o Presidente do Parlamento Juvenil vir hoje acusar o FMI e doadores de estarem a “penalizar as vítimas da crise e a premiar os seus próprios responsáveis”.
Preocupa-me também que as ambiguidades e contradições do discurso do Presidnete do Parlamento Juvenil coincidam com aquelas reveladas no discurso do Presidente Nyusi em Londres. Ele também lá falou sugerindo que o corte que os doadores fizeram ao financiamento directo do Orçamento do Estado (na sequência da descoberta das dívidas ocultas e na recusa do governo de completar o exercício do relatório Kroll com os esclarecimentos necessários) pode estar a scrificar o povo moçambicano. Isto para induzir as pessoas a pensarem que quem sacrifica o povo mocambicano é o FMI e os doadores e credores, omitindo deliberadamente que quem faz isso é quem violou as leis do país para contrair essas dívidas insustentáveis, secretamente, e hoje ainda se recusa a vir com o esclarecimento cabal das mesmas e a responsabilização dos agentes do Estado que as criaram.
Como é que se pode entender que o Presidente de uma organização como o Parlamento Juvenil seja capaz de em consciênca vir a fazer tais afirmações? Eu não ficaria admirado se tais afirmações viessem da OJM ou OMM, mas de um líder daquele Parlamento Juvenil que eu conheço, uma organização que tem aqueles jovens com quem eu tive o privilágio de interagir em múltiplas ocasiões, me causa não só estranheza como também grande comoção.
III. UMA ADVOCACIA EFICAZ DEVE BASEAR-SE NUM TRABALHO ANALÍTICO SÉRIO
Na minha opinião uma sociedade civil que faz discursos “contudentes e inflamatórios” que não se fundamentem em análises objectivas, desapaixonadas e profundas dos fenómenos corre o risco de vender as suas próprias causas.
Agora, é evidente que as organizaçs da sociedade civil não têm as mesmas valências em todos os campos. Umas terão maior capacidade de organização de base, e moutras terão vantagem comparativa no trabalho analítico, e outras ainda terão capacidade e experiência de fazer lobbies ao nível nacional e internacional. Seria bom se elas se pudessem fortificar e completar mutuamente nessas valências.
O Parlamento Juvenil tem muitos jovens que se não podem eles próprios iniciar certas pesquisas, pelo menos têm a capacidade de abosrver os trabalhos feitos por outras organizações ou centros de pesquisa de modo a construir argumentos sólidos e coerentes para as suas causas. Faço votos que tomem a sério, se organizem e façam esse trabalho, pois advocacia baseada em discursos “contudentes e inflamatórios” somente pode virar um tiro no pé!
IV. OS DOADORES NÃO SÃO “SANTOS” MAS PODEM OUVIR UMA MENSAGEM BEM CONSTRUÍDA
Eu pessoalmente não subscrevo nunca TUDO o que os doadores têm feito em Moçambique. Em 2005 eu fui co-autor de um livro que muito claramente colocou a nu alguns dos efeitos nefastos na actuação dos doadores em Moçambique. O livro tem o título ‘A ECONOMIA POLÍTICA DO ORÇAMENTO EM MOÇAMNIQUE” (publicado pela Princípia, editores académicos, Cascais, 2005). Nele eu e o Antony Hodges dissecamos o processo orçamental, os seus atores, as suas motivações e os resultados. Para esse livro não só lemos documentação e tratamos dados estatisticos, como fizemos entrevistas a todas as partes interessadas: Governo a todos os níveis excepto Presidente da República, Assembleia da República, Organizações da Sociedade Civil de quase todas as áreas de intervenção, Jornalistas e suas organizações e gestores empresariais no ramo, empresários de vários ramos da economia e suas associações, doadores (do OGE e outros fora do Grupo de assistência directa ao OGE), Fundo Monetário Internacional, e Banco Mundial.
E depois disto tudo chegamos a uma conclusão fundamentada e dissemos: notamos que os doadores (em particular os de assitência directa ao Orçamento que tinham maior poder de influência nessa altura) estavam a cometer um erro grave em fortificar o Executivo ao mesmo tempo que negligenciavam ou não davam apoio comensurável ao Legislativo, a Soceiedade Civil e a outras organizações da sociedade. Dissemos que isso ajuda a má utilização não só do dinheiro que eles punham no OGE (que vem dos impostos dos seus cidadãos), como também o dinheiro dos impostos dos moçambicnaos. Mostramos os impactos da fraqueza da sociedade civil e do Legislativo, e advogamos pela necessiade de os doadores passarem a dar mais recursos a estes outros sectores a fim de lhes permitir uma capacidade negocial com o governo, e de exercício de contra-peso de poderes, de modo a se terem melhores decisões e políticas que interessem ao povo moçambicano. Hoje eu continuo a advogar a mesma coisa, porque as circunstancias (pelo menos até ao despoletar das dívidas ocultas) não tinham mudado muito. Por isso fico muito desapontado quando noto que organizações “vibrantes” como o Parlamento Juvenil algumas vezes não têm os recuros necessários para fazer o seu trabalho importante.
Mas esse nosso posicionamento foi produto de uma pesquisa profunda, nessa atura até paga por um doador. Mantivemos a nossa independência intelectual e publicamos o resultado num trabalho academico, sem censura do doador, e ainda por cima financiado por ele mesmo. Ainda hoje, passados 13 (treze anos) esse livro é muito lido e citado em Moçambique e pelo mundo fora, e vezes sem conta recebemos pedidos de investigadores, doutorandos, empresários e doadores de agências internacionais para falarmos sobre esse nosso argumento. Deputados da Assembleia da República dessa época leram o livro avidamente e o debateram lá na grande casa.
V. E DAÍ?
Como o disse na minha “DECLARAÇÃO DE INTERESSES”, embora não sendo membro de nenhuma, colaboro e assisto com o meu saber as causas de organizações da sociedade civil com as quais me identifico, e isso é o meu modo de praticar a minha cidadania. Não me associo aquelas organizações que me suscitam dúvidas nas causas que defendem e como o fazem. Reservo-me hoje o direito de discordar profuncamente com o tipo de pronunciamentos acima citados. Acho que mais do que ajudarem a sociadade civil podem até resultar na sua inviabilização como plataforma não partidária para os moçambicanos encontrarem a sua participação na resolução dos problemas que o país enfrenta e para receberem o apoio daquela parte do resto do mundo que connosco se solidarize.
Como diz o Savana o Parlamento Juvenil é uma das a organizações da sociedade civil mais “vibrantes” em Moçambique. No passado eu viajei pelo país fora associando-me a causa e actividades desta e outras organizações da soceidade civil no quadro do Painel de Monitoria das Negociações da Paz. Assinei muitas (quase todas) declarações desse Painel, que teve como hospedeiro exactamente o Parlamento Juvenil. Tenho muito apreço pela coragem desses jovens que no dia 27 de Agosto de 2016, no quadro das actividades desse Painel, sairam a rua para enfretarem a máquina repressiva do Estado gritando pela paz e o fim das matanças selectivas através dos esquadrões da morte, e pelo esclarecimento cabal e responsabilização dos que engendraram as dividas ocultas. Estive la com eles. Iniciei a elaboração de algumas das ideias e propostas principais do Painel, como foi o caso da proposta de uma Assembleia Constituinte (ou Conferência Nacional de TODOS) para derimir assuntos da paz, reconciliação, e governação e gestão da economia. E fui assinante Nr. 1 da carta que submeteu essas propostas ao President da República e ao Presidente da RENAMO (que infelizmente as ignoraram).
Estivemos juntos nessas “trincheiras”, mas do tipo de prounciamentos que li e citei acima me distancio!
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