Para um regime que vocifera contra Portugal por perseguir o seu filho dilecto, Manuel Vicente, acenando com todos os fantasmas do passado colonial, não deixa de ser irónico ter em vigor um Código Penal que foi aprovado por um decreto em nome de el-rei de Portugal, D. Luís, datado de 1886.
É verdade que estava em discussão um projecto de Código Penal na Assembleia Nacional, antes das eleições de Agosto de 2017. Contudo, a senhora engenheira princesa Isabel dos Santos, não se sabe bem em que qualidade, resolveu interferir, arvorando-se em defensora das mulheres e da modernidade, e condenando a inserção nesse projecto de uma norma punitiva do aborto.
Aí, tudo parou.
Certamente que os deputados reconheceram razão à princesa, e perceberam que a norma respeitante ao aborto era um anacronismo e que violava os direitos das mulheres, mas tiveram medo das reacções da Igreja Católica (e das outras) em tempo de eleições.
Assim, adiaram a aprovação do Código, e como resultado continuamos a ter em vigor o Código de Portugal, que desde 1982 já não está em vigor no seu país de origem, porque foi considerado antiquado e antidemocrático. O Código Penal que nem sequer já serve para Portugal ainda serve para Angola!
Acresce, também, que o projecto de novo Código Penal angolano, sobretudo na sua parte geral, se inspira em demasia no Código português de 1982, não se percebendo por que razão continua Angola a imitar Portugal, quando se sabe que a justiça na antiga potência colonizadora funciona mal e é muito duvidosa. É tempo de buscar outros exemplos e outras inspirações, que tenham em conta as novas criminalidades ligadas à globalização e dêem lugar a uma justiça mais equilibrada e ágil do que a portuguesa.
Sabendo-se que o Direito é a ordenação da vida em sociedade, acaba por ser irónico que um país independente como Angola tenha a sua sociedade ordenada segundo as normas de outro país, especialmente quando esse outro é a antiga potência colonizadora.
É por isso que os professores, os magistrados, os advogados e os consultores portugueses em geral são pagos a peso de ouro e mantêm um monopólio intelectual sobre Angola que só menoriza a nação.
Na prática, temos um sistema judicial que simultaneamente é dependente do poder político e de Portugal. Se lermos uma sentença ou um acórdão, veremos que a doutrina e a jurisprudência maioritariamente citadas são sempre portuguesas.
E, pergunta-se, mais de 40 anos volvidos sobre a independência, Angola não teve intelectuais à altura para criar um sistema jurídico próprio? Tem de estar sempre a beber dos portugueses, cujas doutrinas não cruzam os Pirenéus e são ignoradas por toda a Europa? Portugal mantém um sistema judicial dos mais lentos e injustos do mundo, e Angola quer continuar a imitá-lo?
Em Angola, o Código Civil é de 1966, o Código do Processo Civil, de 1939, o Código Comercial, de 1880, o Código do Processo Penal, de 1929. Todos os códigos são portugueses, os quais, com excepção do Código Civil e de parte do Código Comercial, nem sequer estão já em vigor em Portugal.
Isto é uma aberração. O regime angolano ataca publicamente Portugal, para, de facto, se manter na condição de crónico dependente dos anacronismos coloniais portugueses.
É o neocolonialismo invertido. Isto é, os governantes angolanos socorrem-se dos mesmos instrumentos do colonizador para continuar a dominar a população. Não mudam as leis, não mudam os casacos, não mudam as gravatas, apenas mudam as pessoas que oprimem a população.
A preguiça mental dos governantes angolanos e a sua falta de capacidade podem justificar esta aberração: temos um ordenamento jurídico estruturado pelas leis portuguesas e aceitamos a interpretação e a falsa sabedoria portuguesas.
É tempo de mudar todos os códigos portugueses e dotar Angola de verdadeiras leis nacionais, feitas com a colaboração de todos, mas com a palavra final dos angolanos. Não se criam boas escolas de Direito se não se confiar nos profissionais nacionais, obrigando-os a trabalhar, e não a copiar. Comparar o Direito e procurar as melhores soluções está certo. Copiar o Direito está errado.
Basta de aberrações jurídicas.
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