Friday, January 12, 2018

Decreto de contenção de despesa coloca magistrados em rota de colisão com o Governo

Juízes dizem que o diploma é inconstitucional por o Governo regular matéria da exclusiva competência da Assembleia da República.

Atacam o subsídio de renda de 30% do salário-base que, na sua opinião, viola o Estatuto dos Magistrados, que determina que os juízes devem ter uma “casa condigna”.
O Governo aprovou, e já entrou em vigor, o Decreto da Contenção da Despesa
Pública (75/2017, de 27 de Dezembro), através do qual legaliza um novo quadro normativo de austeridade. Uma das inovações é que o Estado vai deixar de pagar rendas aos servidores públicos e vai passar a atribuir um subsídio mensal de renda de casa. O referido subsídio é de 30% do salário-base do beneficiário, conforme o nº  2 do Artigo 2 do referido diploma.
Este, no nº  3 do seu Artigo 1, estabelece que as novas regras não se aplicam ao Presidente da República, presidente e vice-presidente da Assembleia da República, presidente do Conselho Constitucional, presidente do Tribunal
Supremo, presidente do Tribunal Administrativo e procurador-geral e vice-procurador-geral da República.
Ora, os juízes (judiciais e administrativos) entendem que o referido diploma deve também deixá-los de fora, para não padecer de um vício de inconstitucionalidade material. O “Canal de Moçambique” sabe que os juízes estiveram reunidos em Maputo na segunda-feira, para analisarem o diploma e, nos próximos dias, deverão fazer chegar ao primeiro-ministro a sua posição sobre o assunto.
Há dois argumentos que os magistrados judiciais e administrativos arrolam na sua tese. O primeiro argumento é o de que o Governo não tem competência para alterar o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania. O referido diploma é da iniciativa do Governo, estando assinado pelo primeiro-ministro,
Carlos Agostinho do Rosário.
Segundo a alínea q) do nº  2 do Artigo 179 da Constituição da República, compete exclusivamente à Assembleia da República definir o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania. Os juízes consideram que, sendo titulares de órgãos de soberania, o seu estatuto não pode ser definido pelo Governo.
O Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 7/2009, de 11 de Março, revista posteriormente pela Lei 3/2011, de 11 de Janeiro), determina, no seu Artigo 43, que os magistrados têm direito a alojamento “condigno”, devidamente mobilado, fornecido gratuitamente pelo Estado, ou a um subsídio de renda de casa de montante a ser fixado pelo Governo.
Ora, os juízes consideram que, com 30% do salário-base, é impossível garantir o direito a alojamento “condigno”. O “Canal de Moçambique” teve acesso à tabela do salário-base das diferentes categorias de juízes (só os judiciais), e apresenta-se assim:
Juiz de Direito “A”: salário-base de 40.111,00 meticais
Juiz de Direito “B”: salário-base de 34.317,00 meticais
Juiz de Direito “C”: salário-base de 28.969,00 meticais
Juiz de Direito “D”: salário-base de 2. 621, 00 meticais.
Das contas feitas pelo “Canal de Moçambique”, um juiz de Direito “A” terá como subsídio de renda 12.000,00 meticais. Um juiz de Direito “B” terá como subsídio de renda 10.000,00 meticais.
Um juiz de Direito “C” terá como subsídio de renda 8.000,00 meticais.
Um juiz de Direito “D” terá como subsídio 7.000,00 meticais.
Os juízes consideram que, com estes valores, esvazia-se o conceito de “dignidade”, a que o estatuto dos magistrados faz referência.
Para o caso da cidade de Maputo, as rendas de um apartamento mediano rondam os 35.000,00 meticais.
Um outro argumento que os juízes apresentam é que a Constituição da República (Artigos 219 e 233) determina que os juízes em exercício não podem desempenhar quaisquer outras funções públicas ou privadas, excepto a actividade de docência ou de investigação jurídica ou outra de divulgação e publicação científica, literária, artística e técnica, mediante prévia autorização dos Conselhos das respectivas magistraturas.
Os juízes consideram que a exclusividade de funções que se impõe ao juiz resulta da delicadeza do seu trabalho, e por isso o estatuto prevê um conjunto de condições condignas, que, na sua opinião, será desvirtuada se o diploma de contenção de despesa for aplicável a eles.
O “Canal de Moçambique” contactou o juiz Carlos Mondlane, presidente da Associação dos Juízes, que disse que esta instituição ainda está a estudar o decreto, e não entrou em detalhes: “Tomámos conhecimento do decreto, e os juízes ainda estão a examinar a lei e, em momento oportuno, e pelos canais apropriados, iremos pronunciar-nos”. Não nos foi possível obter a reacção dos Conselhos das duas magistraturas. (Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 12.01.2018

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