…com as armas do Estado directamente apontadas no meu cérebro!
Eu, ARMANDO MARTINS NENANE, de nacionalidade moçambicana, portador do B.I. No 11010038271 A, nascido aos 12 de Fevereiro de 1983, residente no bairro de Minkadjuine, Q. 20, CNo 7, solteiro, jornalista de profissão, sirvo-me da presente para agradecer à Liga dos Direitos Humanos (LDH), mais concretamente à respectiva presidente, Dra. Maria Alice Mabota, pelo facto de ter aceite de braços abertos conceder-me, a título não oneroso e no contexto da sua intervenção na defesa dos direitos humanos, a assistência e o patrocínio jurídico no processo-crime que corre os seus trâmites legais contra quatro agentes da Força de Intervenção Rápida (FIR) que me espancaram brutalmente e tentaram-me assassinar na noite do dia 17 de Maio corrente, por volta das 21 horas, depois de me haverem interpelado, alegadamente por não trazer comigo o Bilhete de Identidade que eles pediram que lhes apresentasse. À Dra. Alice Mabota, bem como aos seus colegas Alfredo Samuel Gomes, Jorge Como e Jaime Marqueza, vai o meu profundo reconhecimento pelo facto de haverem assumido todos os poderes forenses necessários e por lei admitidos para me representar em conjunto ou separadamente em todas as instituições públicas e privadas, designadamente Procuradoria da República, Esquadras, Polícia de Investigação Criminal e Tribunais, podendo transigir em defesa dos meus interesses, sendo no âmbito desses interesses que mais dia ou menos dias irá iniciar o julgamento contra aqueles quatro agentes da FIR. Na noite do dia 17 de Maio, aqueles agentes interpelaram-me, ameaçaram-me recolher aos calabouços em virtude de não apresentar identificação, pelo que ofereci resistência em seguir com eles, tendo por isso começado a ser espancado. Para dispersar os populares e vizinhos que se aproximaram do local, aqueles agentes a quem eu chamo “bandidos armados” dispararam tiros para o ar, tendo de seguida me arrastado aos chutos, pontapés e coronhadas até a Escola Primária da Munhuana, onde me puseram deitado no capim lamacento, pisaram-me com as suas botas andrajosas e apontaram-me armas na cabeça. Foi nesse instante que amigos, vizinhos e outros populares invadiram a escola, foram para cima deles e eles fugiram em debandada do outro lado da escola abandonada. Não sendo esta a primeira vez que sou torturado por agentes da FIR, dado que o mesmo aconteceu no dia 24 de Dezembro de 2011, escrevi primeiramente uma exposição para o Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique solicitando a sua intervenção no sentido de restabelecer a normalidade, dado que me sinto em situação de insegurança pela repetição dos factos. Em resposta a minha exposição, o Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique remeteu o caso para a Direcção de Informação Interna (Central). Por seu turno, a Direcção de Informação Interna da PRM remeteu o assunto para o Comando da Unidade de Intevenção Rápida (UIR). Posteriormente, recebi uma chamada do agente Luís, da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), a fim de que eu me apresentasse naquela unidade para prestar declarações. Fui-me apresentar na unidade acompanhado pelo meu amigo Jerónimo Fabião Macamo, que assistiu os maus tratos contra mim protagonizados pelos quatro agentes da UIR e que interveio junto com outros amigos, vizinhos e populares quando estava prestes a ser assassinado por aqueles agentes, pondo estes a fugir em debandada do outro lado da escola abandonada. Na sequência das declarações que prestei, o agente Luís, assistido pelo agente Jerry, trazido do Comando Provincial da UIR – Matola, iniciou com as demarches necessárias no sentido de identificar os quatro agentes que me torturaram no dia 17 de Maio, dado que eu não consegui me lembrar das caras deles para poder identificá-los. Enquanto aguardava pelos resultados das investigações levadas a cabo ao nível do Comando da UIR da Cidade de Maputo – Brigada Montada, por forma a identificar os agentes que me torturaram, eis pois que tomei conhecimento de que um vizinho meu, que vive do outro lado da minha rua, foi barbaramente torturado por agentes da FIR no dia 10 de Junho, sábado, pelas 21 horas. Imediatamente, acorri a casa dele, a fim de apurar os factos. Em sua casa, testemunhei que ele se encontrava acamado, com um gesso na perna esquerda, devido às lesões contraídas no joelho. Nesse instante, liguei para o agente Luís, da UIR, dando conta da situação desse meu amigo, de nome Teodósio Jorge Lúcio Domingos Hause, uma informação que deixou intrigado o agente Luís, que manifestou a sua preocupação com os factos. O agente Luís deu orientações ao agente Mesa para que fosse em tempo útil testemunhar os factos na casa do Teodósio Jorge Lúcio Domingos Hause. No mesmo dia, o agente Mesa fez-se à casa do Teodósio, onde encontrou-o acamado, em estado de convalescença, cospindo bolhas de sangue, sinal de quem poderia ter contraído uma hemorragia interna por conta das agressões físicas. Fez o levantamento dos factos, tendo perguntado se o Teodósio era capaz de reconhecer os agentes da UIR que lhe torturaram. Teodósio disse que podia reconhecer, dado que todos os dias sonhava com as caras deles a torturá-lo, pelo que no dia seguinte fomos levados ao Comando da UIR – Brigada Montada para identifica-los. Teodósio identificou quatro agentes da UIR que lhe torturaram, incluindo o Comandante do Pelotão, de nome Lecks Leong Luciano Carlos. Teodósio foi torturado na noite do dia 10 de Junho, sábado, pelas 21h45. Os oito agentes que torturaram Teodósio acusaram-no de ser portador de soruma, a fim de que lhes desse dinheiro. Extorquiram-no 1000 meticais, mas mesmo assim queriam mais dinheiro, por isso levaram-no para a Escola Primária da Munhuana, abandonada, onde continuaram a torturá-lo, a fim de que lhes desse mais dinheiro. Quiseram levá-lo ao Posto Policial da Mafalala, por isso ele resistiu nas imediações da barraca do Hansengue, tendo dito que ele pertencia ao Xipamanine, pelo que deviam levá-lo à 9ª Esquadra que superintende o bairro e não ao posto policial da Mafalala. Eles acabaram por aceitar levá-lo à 9ª Esquadra, mas quando estavam nas imediações da 9ª quiseram voltar para trás por não terem fundamento para tal acção criminosa, pelo que ele correu em direcção à esquadra e os agentes seguiram-no. Na esquadra, os agentes fizeram a entrega do Teodósio, mas apresentaram nomes falsos e foram-se embora sem abrir processo contra ele muito menos efectuar o registo da ocorrência. Os agentes da 9ª Esquadra perceberam que era uma situação de extorsão, por isso disseram ao Teodósio para que fosse ao Hospital a fim de ser tratado, dado que este se apresentava num estado debilitado por conta das lesões causadas pelos golpes disferidos pelos agentes da FIR. Teodósio foi ao hospital. Numa certa manhã, fomos levados ao Comando da FIR da Brigada Montada, onde diante de três pelotões constituidos por cerca de 300 homens da FIR, Teodósio conseguiu identificar os agentes que lhe torturaram. Tendo identificado quatro agentes no Comando da UIR – Brigada Montada, estes por sua vez identificaram mais três, os quais apontaram-se uns aos outros até completarem oito agentes. Neste momento, correm dois processos disciplinares na UIR contra aqueles agentes que me torturaram e também contra os que torturaram o jovem Teodósio. Na UIR, fomos recebidos não só pelo agente Mesa, mas também pelo agente Luís, assim como fomos recebidos pelo Chefe do Estado Maior General da Unidade de Intervenção Rápida, Cornélio Alberto Manguku, Superintendente Principal da Polícia, em sua sala, onde nos serviram chá com pão e ovo. Em nome dos serviços sociais da UIR, ofereceram-nos um saco de arroz, dois sacos de batata, dois sacos de cebola e duas embalagens de farinha como forma de apoiar as famílias das vítimas devido ao facto de não poderem trabalhar, dado que os dois nos apresentavamos engessados, eu na perna esquerda e o Teodósio na perna direita. Seguidamente, convidaram-nos a entrar numa viatura conduzida por um agente da UIR, onde meteram os produtos que nos ofereceram na bagageira. Na bagageira, estava um agente da UIR, armado com uma AKM, que nos escoltou. Levaram-nos para casa, tendo nos sido dito que aqueles produtos não eram pagamento pelos danos causados, ao que agradecemos na esperança de termos a mesma colaboração no âmbito do processo-crime contra aqueles nossos algozes. Teodósio abriu um auto na 9ª esquadra, onde fizemos a entrega dos nomes dos sete agentes identificados, incluindo do Comandante do Pelotão, a fim de que se abrisse o processo-crime. Foram estas as orientações do Comandante da 9ª Esquadra (Cossa), que se manifestou ofendido com a actuação daqueles elementos da Unidade de Intervenção Rápida, que para além de haverem torturado e extorquido o Teodósio, actuaram ilegalmente na jurisdição da 9ª Esquadra sem que tivessem ali se apresentado, para além de haverem apresentado nomes falsos na hora em que deixaram o Teodósio. Há muito que a actuação dos agentes da Unidade de Intervenção Rápida no meu bairro vem sendo a mesma que caracteriza a actuação dos gangsters e disso me dei conta quando eles me torturaram em Dezembro de 2011. Muitos jovens foram torturados no meu bairro ao longo deste tempo todo por esses agentes que actuam ilegalmente e visivelmente desaprumados. Geralmente, eles andam em número descoordenado, muitas vezes com boinas de cores diferentes, alguns com boinas pretas e outros com boinas cor de vinho, alguns com capacetes outros sem capacetes, alguns com armas outros sem armas, geralmente usam cacetetes, não se apresentam na esquadra da jurisdição, nem se percebe facilmente dentre eles quem é o chefe da brigada. Portanto, são criminosos com fardamentos do Estado. No seu discurso, quando se dirigia a mim e ao Teodósio, o Chefe do Estado Maior General da UIR – Brigada Montada, Cornélio Manguku, prometeu fazer de tudo para garantir que sejam neutralizados todos os 12 agentes que nos torturam nos dias 17 de Maio (a mim) e 10 de Junho (ao Teodósio), tendo prometido ainda que tudo será feito para facilitar o processo-crime contra aqueles agentes, ao que nos aconselhou a abrir os autos na 9ª Esquadra. No dia 20 de Junho, aconselhado pelo Comandante da 9ª Esquadra (Cossa), bem como pela procuradora ali afecta, abri um auto com o Nr. 565/9ª/2017 relativo aos maus tratos que sofri nas mãos da FIR no dia 17 de Maio, tendo o processo sido remetido para o SERNIC. Enquanto aguardámos pelo início do julgamento, que está para breve, reitero desde logo o meu reconhecimento profundo ao papel que tem desempenhado a Liga dos Direitos Humanos, a fim de que os processos disciplinar e criminal tenham o devido encaminhamento para que sejam julgados e condenados os 12 agentes da Unidade de Intevenção Rápida, assim como sejam repostos os danos patrimoniais e não patrimoniais que nos foram causados pela acção violenta protagonizada por aqueles “bandidos armados”. Para além do dinheiro e dos telemóveis que perdemos, causaram-nos danos na nossa dignidade, atentaram contra o meu bom nome, honra, reputação e integridade moral. Dispararam tiros à nossa frente, tanto na minha situação do dia 17 de Maio quanto na situação do Teodósio no dia 10 de Junho. O que nós queremos é que a justiça seja feita. Por uma justiça sã e saudável, pela liberdade de imprensa e de expressão e pelos direitos humanos e cidadania, a Luta Continua!
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