Sunday, August 21, 2016

Mulher transgénero queimada expõe clima de intolerância na Turquia


Comunidade LGBT marcou para este domingo protesto na praça Taksim, em Istambul. Caso mostra ambiente crescente de transfobia e homofobia que se vive no país.


Marcha LGBT de Istambul em 2014 Bulent Kilic/AFP



Hande Kader fez-se notar em Junho de 2015. A marcha LGBT tinha sido proibida em Istambul, onde acontecia desde 2003, mas a jovem foi à mesma para a rua e fez frente à polícia de choque - foi apanhada pelas câmaras fotográficas. “Hande era uma das pessoas mais simpáticas do mundo. Ela era normalmente muito calma, mas também era hiperactiva. Ia sempre às marchas LGBT. Lutou até ao fim por uma causa que sentia ser a causa certa”, disse Davut Dengiler, falando à BBC da sua amiga transgénero, com quem dividia a casa.
Foi Davut Dengiler quem identificou um corpo queimado numa morgue de Istambul como sendo o de Hande Kader, encontrado a 8 de Agosto. O assassínio desta activista transgénero e trabalhadora do sexo de 23 anos está a causar uma vaga de protestos nas redes sociais. Está marcado um protesto na praça Taksim, em Istambul, para este domingo, numa altura em que a comunidade LGBT se sente particularmente desprotegida pelas autoridades e pelo Governo do Presidente turco Recep Erdogan.
“Hande enlouquecia quando pessoas transgénero eram mortas. Ela ficava tão triste… No passado, ela já tinha sido esfaqueada e já lhe tinham batido. Isto não aconteceu apenas à Hande. Está sempre a acontecer”, explicou Davut Dengiler.
“Estamos a ser mortos, e eles não ouvem as nossas vozes, porque as leis na Turquia não nos protegem”, disse Emirhan Deniz Celebi, director da organização LGBT Turca, citado pelo site de notícias Inquisitr. A Turquia é o país da Europa mais perigoso para se ser transgénero. Entre 2008 e 2015, foram assassinadas 41 pessoas transgéneros, de acordo com a associação Transgender Europe.
No último mês houve outro caso que chegou aos media. Muhammad Wisam Sankari, um refugiado sírio homossexual de 25 anos, foi degolado em Julho. O seu corpo apareceu em Yenikapi, um bairro de Istambul, a 25 de Julho. Cinco meses antes, tinha sido raptado por um grupo de homens, que bateu no sírio e o violou. “Queixámo-nos no posto de polícia mas não aconteceu nada”, disse um amigo da vítima à BBC, no início deste mês. “Eu recebo ameaças pelo telefone… Tanto faz se somos sírios ou turcos, quando se é gay, passa-se a ser um alvo de toda a gente”, disse Diya, outro amigo do sírio assassinado.
Os activistas LGBT queixam-se de complacência por parte das autoridades. O caso da proibição das marchas LGBT em Istambul em 2015 e 2016 é paradigmático. A desculpa para a proibição é ser o mês do Ramadão. Mas a ameaça vem de grupos extremistas que exigiram o fim daquela celebração anual.
“Não queremos que eles caminhem nus em solo sagrado do nosso país no mês abençoado do Ramadão”, declarou a Associação Juventude Muçulmana da Anatólia, um grupo islamista citado pelo jornal britânico The Guardian. Numa conferência de imprensa, um outro grupo de jovens de extrema-direita chamado Aleperen Hearths juntou-se ao protesto fazendo ameaças. “Não somos responsáveis pelo que possa acontecer a partir deste momento”, disseram numa conferência de imprensa. “Aos degenerados não lhes vai ser permitido continuarem com as suas fantasias nesta terra.”
A câmara de Istambul cedeu à ameaça. Em 2013, cerca de cem mil pessoas participaram na marcha. Em Junho último, a polícia turca disparou balas de borracha e libertou gás lacrimogéneo para dispersar os activistas LGBT que tentaram marchar apesar da proibição.
Para os extremistas, os “degenerados” não são apenas transgéneros, lésbicas e gays. Também em Junho, jovens que cantavam e ouviam músicas da banda inglesa Radiohead junto a um bar num bairro alternativo de Istambul foram alvo de agressões por um grupo de homens. Para Erdogan, tanto os atacantes como os jovens a ouvir música tiveram culpa pelo que aconteceu: “Aqueles que não respeitam as sensibilidades da sua nação e da sua cidade, e aqueles que respondem a esta situação com uma reacção não democrática, infelizmente ensombram a nossa hospitalidade com a rixa que iniciaram.”

A purga de Erdogan vira-se agora para os grandes grupos económicos

Ministério Público emitiu mandados de captura contra 187 pessoas, incluindo donos de alguns dos maiores conglomerados do país. São suspeitos de financiarem a rede de Fetullah Gülen.
Um dos militares suspeitos de envolvimento no golpe militar é levadoi a julgamento Kenan Gurbuz/AFP
O Presidente Recep Tayyip Erdogan ameaçou e, nesta quinta-feira, o Ministério Público turco começou a executar o que tinha sido prometido – para estrangular o que diz serem as fontes de financiamento de Fetullah Gülen, emitiu mandados de captura contra 187 pessoas suspeitas de pertencerem ou canalizarem dinheiro para o movimento do imã radicado nos EUA. Entre os visados estão os donos de alguns dos maiores conglomerados do país.
Mais de mil polícias das brigadas de combate à criminalidade económica participaram em buscas em 204 casas e empresas situadas em Istambul, o motor da economia turca, e em outras 18 províncias do país. Pelo menos 60 pessoas foram detidas, acrescentou a agência pró-governamental Dogan, adiantando que entre os visados pelos mandados de captura está Rizanur Meral, presidente da Tüskon, confederação industrial com mais de 55 mil associados e que é agora suspeita de ligações a Gülen, que Ancara diz ter sido o mentor e promotor do golpe militar fracasso de 15 de Julho.
A estação CNN-Turk revelou que a polícia efectuou buscas nas sedes dos grupos Aydinli e Eroglu, duas das maiores cadeias de pronto-a-vestir, com fábricas e dezenas de lojas dentro e fora do país. Empregando milhares de pessoas, integram ambas a lista 500 da revista Fortune. Igualmente visado foi a conhecida fabricante de doçaria Gulluoglu Baklava, que confirmou a detenção do presidente da empresa.
Os grandes conglomerados, detidos por famílias influentes, são um dos pilares da economia turca, recorda a AFP, sublinhando que o poder económico de vários deles foi importante para a ascensão política de Erdogan e do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), no poder desde 2002. Mas o Presidente acredita agora que estes mesmos grupos são o suporte económico do movimento de Gülen, o antigo aliado político que acusa de ter estado por trás do golpe militar.
No início do mês, Erdogan avisara que a purga lançada para libertar a Turquia deste “Estado paralelo” – e que já levou ao despedimento de quase 80 mil funcionários públicos, à detenção de mais de 40 mil pessoas e ao encerramento de quatro mil instituições – iria estender-se às empresas que o financiavam. Logo depois do golpe, foi detido o presidente da Boydak Holding, um dos maiores grupos familiares da Turquia com interesses no sector energético, banca e imobiliário. E na terça-feira, mais de cem pessoas ligadas a uma cadeia de supermercados e ao grupo de construção Akfa foram detidas. Segundo o jornal Hurriyet, o Akfa terá transferido nos últimos quatro anos cerca de 35 milhões de euros para os EUA através de um banco igualmente ligado ao FETO (Organização de Terror Fethullah), acrónimo pelo qual é agora tratado o movimento de Gülen.
Mas esta vaga de detenções é o sinal mais claro de que Erdogan – acusado já de estar a usar o golpe de Estado como pretexto para silenciar opositores – está disposto a levar a sua guerra contra Gülen às últimas consequências, mesmo arriscando agravar a turbulência económica no país.
A nova vaga de detenções coincidiu com os primeiros atentados atribuídos à guerrilha do PKK fora das zonas maioria curda, no sudeste do país, desde o golpe militar. Pelo menos 12 pessoas morreram e mais de 200 ficaram feridas em três explosões, a mais violenta das quais aconteceu na cidade de Elazig, um bastião do AKP no Leste do país, que nunca tinha sido visada pela guerrilha curda. Com o fim da trégua, em 2015, a violência voltou a subir no sudeste da Turquia – com atentados de um lado e repressão do outro –, mas o golpe militar trouxe uma acalmia.
Numa declaração ao país, Erdogan ligou os dois acontecimentos, acusando os seguidores de Gülen de cumplicidade nos atentados. A Turquia, acrescentou, confronta-se com ataques coordenados de várias organizações terroristas que agem em conjunto”.

Turquia vai libertar 38 mil pessoas condenadas antes do golpe de Estado

Medida é vista como uma tentativa para diminuir sobrelotação nas prisões. Desde 15 de Julho foram detidas 35 mil pessoas, 23 mil das quais continuam atrás das grades.
Soldados detidos após o golpe antes de serem presentes a tribunal Ozan Kose/AFP
O Governo turco começou nesta quarta-feira a libertar 38 mil detidos por factos ocorridos antes do golpe de Estado de 15 de Julho. A decisão, adoptada ao abrigo do estado de emergência em vigor no país, é vista como uma tentativa para reduzir a sobrelotação nas prisões turcas, agravada pelas detenções em massa efectuadas no último mês.
O ministro da Justiça, Bekir Bozdag, não avançou as razões para esta reforma penal, referindo apenas que quem tiver cumprido metade da pena e não lhe restar mais do que dois anos de prisão poderá sair em liberdade condicional. Excluídos ficam os condenados por homicídio, terrorismo, crimes sexuais, tráfico de droga, ou acções que atentem contra a segurança do Estado. Até agora, um detido só era elegível para libertação condicional quando tivesse cumprido dois terços da pena, não lhe restando mais do que um ano na prisão.
“Em consequência desta medida, cerca de 38 mil pessoas serão libertadas numa primeira fase”, anunciou Bozdag, através do Twitter, deixando em aberto a possibilidade de outros detidos, com condenações anteriores ao dia 1 de Julho, virem a ser libertados ao abrigo desta medida. Mais tarde, numa entrevista na televisão, admitiu que até 99 mil pessoas possam vir a sair das prisões, mas a sua libertação será sujeita uma “avaliação de risco” prévia.
Os primeiros detidos começaram pouco depois a ser libertados. “Não estava à espera disto”, disse à agência turca Anadolu Turgay Aydin, acabado de sair da prisão de Silivri, em Istambul. “Agradecemos ao Presidente e a partir de agora vamos trabalhar para sermos melhores pessoas”, acrescentou.
As libertações surgem depois de vários relatos a denunciar a sobrelotação nas cadeias. Após o golpe militar fracassado, durante o qual foram mortas 240 pessoas, na maioria civis, o Presidente Recep Tayyip Erdogan prometeu purgar o país da rede de apoiantes do imã Fethullah Gülen, a quem acusa de ser o mentor da intentona. Desde então, foram detidas perto de 35 mil pessoas, das quais 23 mil continuam atrás das grades.
Vivem-se “tempos muito maus” na Turquia, em cima “de tempos já maus”
Detenções que aumentam drasticamente a população prisional na Turquia que em Março incluía já 188 mil pessoas, oito mil acima da capacidade prevista para as cadeias do país, recorda a Reuters.
Além dos detidos, cerca de 75 mil pessoas, sobretudo funcionários públicos, perderam o seu trabalho ou estão suspensas por ligações ao Hizmet (serviço), o movimento fundado por Güllen, um imã considerado moderado e que construiu nas últimas quatro décadas uma rede de influência que incluía escolas e universidade em mais de uma centena de países, dezenas de órgãos de comunicação social e empresas. Güllen, que foi um dos principais aliados de Erdogan desde que este chegou ao poder, em 2002, nega ter estado por detrás do golpe.
Depois de juízes, polícias, professores e jornalistas, as atenções viraram-se na última semana para empresas que o Governo suspeita de financiarem o Hizmet – terça-feira, a polícia efectuou buscas nos escritórios de uma cadeia de supermercados e de uma empresa na área da saúde, tendo detido vários administradores.
E, mais de um mês depois do golpe, a purga parece longe de terminada, apesar das críticas internacionais às prisões e despedimentos em massa. Já nesta quarta-feira, o Governo anunciou, através do diário oficial, o despedimento de mais 2692 funcionários, na sua maioria agentes e oficiais de polícia.

Assad obriga EUA a defender curdos

Pela primeira vez, Damasco bombardeou milícias curdas e pôs em risco os conselheiros militares americanos no Norte da Síria. Aviões americanos foram ao encontro dos de Assad.
Milhares de pessoas fugiram de Hassakah por causa dos bombardeamentos Rodi Said/REUTERS
Numa cidade do Norte da Síria disputada entre os curdos e o regime sírio, os aviões dos Estados Unidos enfrentaram pela primeira vez a aviação de Bashar Al-Assad. O regime de Damasco está a bombardear desde quinta-feira posições curdas na cidade de Hassaka, ao redor da qual há base onde se encontram alguns dos de cerca de 300 militares norte-americanos, que aconselham as milícias YPG, as forças paramilitares curdas que têm sido as mais eficazes no terreno a conter o avanço do Estado Islâmico.
Foram enviados caças norte-americanos ao encontro de aviões sírios SU-24, que bateram em retirada. “Isto foi feito para proteger as forças da coligação” anti-jihadista, explicou o capitão Jeff Javis, porta-voz do Pentágono. Não há tropas americanas em Hassaka, mas há bases americanas a cerca de seis quilómetros para Norte da cidade. “Mostrámos claramente que os aviões americanos defenderiam as tropas no solo se fossem ameaçadas.”
Mas este sábado os aviões sírios regressaram, diz a AFP.
Os bombardeamentos da aviação síria contra alvos curdos são uma novidade nesta complexa guerra que se arrasta desde Março de 2011. Assad e o Estado Islâmico (EI) são um inimigo comum das Unidades de Defesa do Povo (YPG) curdas, pelo que o regime de Damasco tem mais ou menos fechado os olhos ao estabelecimento de uma entidade curda que se diz federal e se tornou virtualmente independente no Norte da Síria.
Esta entidade, Rojava, transformou-se também no maior aliado dos norte-americanos e coligação internacional na luta contra o terrorismo, que têm dado aos curdos treino militar e armas para que eles possam lutar contra o EI na sua terra.
Esse apoio, que alimenta as ambições curdas de construir um Estado verdadeiramente independente, em territórios retirados à Síria e Turquia, não é vista com bons olhos em Ancara – que sublinha as ligações das YPG ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), uma organização classificada como terrorista. A Turquia tem bombardeado sem cessar as posições curdas, temendo que a entidade independente curda criada na Síria se estenda para o seu Sudeste, de maioria curda, formando uma nova nação. Por isso, trata esta região com mão-de--ferro.
Por essa razão, embora a Turquia faça parte da NATO e considere Assad um inimigo, saudou os bombardeamentos da aviação do Presidente Assad sobre Hassaka: “É uma situação nova. Parece claro que o regime [sírio] compreendeu que a estrutura que os curdos tentam formar no Norte do país começou a tornar-se uma ameaça também para a Síria”, declarou o primeiro-ministro turco Binali Yildirim, citado pela AFP.
As causas próximas dos bombardeamentos da aviação de Damasco parecem ter a ver com uma ofensiva curda lançada para obter o controlo total da cidade de Hassaka, que antes da guerra tinha 300 mil habitantes, metade árabes e metade curdos, e ainda acolheu 114 mil deslocados. Hoje, dois terços dacidade estão na posse das YPG, e o centro é controlado pelas milícias leais a Assad. Mas nas últimas duas semanas tem havido grandes tensões na cidade, com violentos combates e acusações mútuas de detenções e raptos, diz o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma organização com informadores no terreno.
Milhares de pessoas fugiram na cidade, em resultado dos combates. Os curdos exigem a dissolução das Forças de Defesa Nacional (milícias pró-regime) nesta cidade. Por seu lado, o exército sírio acusou a polícia curda (Asayish) de estar na origem da violência, de ter criado “provocações, incluindo o bombardeamento de posições da milícia que levaram à morte de soldados e civis.
Estes bombardeamentos, disse uma fonte governamental local à AFP, “são uma mensagem para os curdos, para que deixem de fazer este tipo de reivindicações territoriais que afectam a soberania nacional”.
Até que ponto se abre uma nova frente de batalha, não é ainda certo. Mas este sábado ter-se-ão realizado conversações de paz preliminares, anunciou a rádio Sham FM, próxima do Governo de Damasco, diz a Reuters – num indício da relutância em criar uma nova frente nesta guerra, sobretudo quando o regime está a investir na tomada de Alepo.

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