Em entrevista exclusiva à DW, o Presidente moçambicano culpa a RENAMO por não aceitar as regras do jogo democrático, pondo em perigo a paz. Filipe Nyusi desvaloriza ainda as notícias sobre os escândalos económicos.
De visita à capital alemã, Berlim, Filipe Nyusi destaca a sua vontade pessoal, assim como do seu partido, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e o seu Executivo, de encontrar soluções pacíficas, políticas e negociadas para o conflito político-militar que assola o país. "Porque a paz é o garante de todos os investimentos", sublinha.
A chanceler Angela Merkel anunciou terça-feira (19.04) que a Alemanha está disponível para apoiar o restabelecimento da paz em Moçambique. "Vamos ver que canais podem ser aproveitados para melhorar as possibilidades de diálogo e claro que isso tem de ser levado a cabo pelos representantes do Governo e da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO)", afirmou Merkel, após um encontro com Nyusi.
A chanceler assegurou ainda que os Governos de Berlim e Maputo vão prosseguir os contactos, envolvendo também a União Europeia (UE). "E ver onde é que a Europa pode dar o seu contributo", declarou.
Na entrevista à DW África, o chefe de Estado moçambicano desvaloriza ainda as notícias sobre sucessivos escândalos económicos e financeiros no seu país, que surgiram nos últimos tempos, e que levaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) a suspender as suas negociações com Moçambique. "Estamos de cabeça erguida", afirma Nyusi.
DW África: Veio aqui à Alemanha falar com a chanceler Angela Merkel. Também esteve com o presidente da República Federal da Alemanha, Joachim Gauck. Que mensagem lhe veio passar sobre a situação atual em Moçambique?
Filipe Nyusi (FN): Nós não nos desviamos da agenda principal. Moçambique e Alemanha têm relações há 40 anos, relações diplomáticas, de amizade e cooperação. Já construímos uma reserva memorial suficiente para podermos, de tempo em tempo, avaliar e o que significa esta cooperação. Inauguramos um novo ciclo de governação em Moçambique no dia 25 de janeiro do ano passado e recebemos imediatamente o convite para visitar este país.
Normalmente, quando os ciclos mudam, há um esforço de poder alinhar o pensamento e as atividades para poder lograr mais êxitos. Viemos mais para reforçar a nossa cooperação com este país e reafirmar que continuaremos aquilo que foi dito, mas sobretudo viemos manifestar a nossa ambição de querer mais. E neste querer mais trilhamos mais por uma cooperação e uma diplomacia económica, razão pela qual também venho muito acompanhado pelo empresariado moçambicano.
DW África: Quais foram os pontos mais importantes que focou com a parte alemã?
FN: Durante a nossa conversa, com a chanceler e o Presidente, um dos pontos que mais focamos foi a necessidade de aprimorar a paz em Moçambique. Porque a paz é o garante de todos os investimentos. A Alemanha, por ser um país amigo e irmão, anseia que os moçambicanos vivam tranquilos e, por isso passamos algum tempo a discutir o dossier da paz. Apesar de Moçambique ser um país estável, há esses focos de desestabilização em algumas zonas. Falamos também da atividade económica e empresarial, que é base da nossa deslocação. Acreditamos que a nossa política e a nossa diplomacia só se tornam sustentáveis se existirmos economicamente.
DW África: Falando da questão da paz, o que é que o senhor e o seu Governo fazem concretamente para assegurar que exista uma solução pacífica e negociada?
FN: Em princípio, os que conhecem o que acontece em Moçambique, normalmente não questionam a negociação de uma forma linear. Porque a negociação de um país democrático são as regras que estabelece antes dos seus pleitos eleitorais. É uma competição, um jogo. O Bayern de Munique antes de jogar com o Manchester United sabe o que é um fora de jogo, o que é um pénalti. Essas regras foram estabelecidas para nós e temos ido a eleições ciclicamente, de cinco em cinco anos, como também fomos agora (2014). E as eleições foram declaradas livres e transparentes.
Em algumas zonas foram feitas algumas observações, mas em todos os comunicados e declarações ficou claro que não havia nada que impedisse que o resultado seguisse. Quando começam a aparecer regras a posteriori, implicando negociação, estamos a abrir um precedente que vai criar a dificuldade de se acreditar na democracia. Se faz sentido ou não. Ou faz-se eleições, mas quando alguém ganha tem de se renegociar.
DW África: Quer isso dizer que o seu Governo não aceita mudar as regras para garantir a paz? Isso não significa que o conflito em Moçambique vai continuar?
FN: Obviamente que nós, como moçambicanos, não somos um povo conflituoso. Somos um povo que acredita que as pessoas quando falam chegam a conclusões, a soluções. E o é que estamos a fazer agora. O meu Governo está a aprimorar e a dar prioridade ao diálogo, com toda a tolerância possível e às vezes até tolerância em demasia. Não imagino que país europeu iria permitir um partido armado… Qualquer que seja a explicação, o modelo de democracia ou a razão, ninguém está em condições de acreditar nisso. Mas estamos a fazer tudo para que a própria Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) se desarme sozinha e depois volte à mesa do diálogo. Acreditamos que falando, nós, moçambicanos, encontramos soluções.
DW África: Quanto aos refugiados da província de Tete que fogem para o Malawi, o que sabe sobre esta questão? Por que motivo as pessoas fogem dessa região?
FN: Pelo que ouvimos, as pessoas fugiram de maus-tratos e de algumas atitudes desumanas. Só que é preciso estudar o povo moçambicano. O Exército moçambicano já teve missões de glória, no Burundi, por exemplo, nas missões de pacificação nesse país e não há registo de casos como esses. Mas neste caso concreto dos moçambicanos que estão no Malawi, diz-se que estão a fugir a atos de guerra na zona centro do país. As pessoas não devem sofrer. Se saem de uma zona onde não se sentem confortáveis, se para onde vão forem acolhidos, isso nós saudamos e solidarizámo-nos. E tudo fazemos para que seja esclarecido e que sejam apoiados.
DW África: Mas porque é que as pessoas fogem concretamente da zona de Nkondedzi, na provínca deTete?
FN: Como se sabe, perto dessa zona de Nkondedzi está Moatize, uma cidade onde vivem pessoas. Existe Tete… As pessoas não tinham necessariamente de atravessar a fronteira e ir para um sítio perto onde podem viver bem. Ouvi no outro dia que saíram de Nkondedzi para a zona de Kapise, no Malawi, mais de 11 mil moçambicanos. É estranho porque na zona de Nkondedzi não há 11 mil pessoas. Se saíram 11 mil pessoas, já não há ninguém. Eu penso que é possível que estejam lá moçambicanos, e há moçambicanos, mas não na dimensão que se diz… Malawi é um centro onde se dá comida e as pessoas naquela zona estão com problemas de seca, sobretudo do lado do Malawi. O meu Governo esteve no local e eu, pessoalmente, estou a organizar-me para ir compreender melhor qual é o tipo de apoio que podemos dar a esses moçambicanos.
DW África: O que pode dizer sobre a situação económica de Moçambique? E a que se devem os atuais problemas económicos?
FN: Avaliar a economia de Moçambique dissociando-a da economia do mundo é uma distração fatal. É claro o que está a acontecer. As importações aumentaram em detrimento das exportações e, como se não bastasse, os preços de grandes mercadorias, como o camarão, o caju, algodão e o próprio carvão, baixaram no mundo. É preciso vermos a conjuntura. Este ano é um ano desafiante.
DW África: E nos últimos dias o seu Governo até chegou a falar de estado de calamidade em algumas regiões de Moçambique.
FN: Temos problemas de seca no sul. Nem o nosso gado tem água para beber. Temos enxurradas no norte e os campos agrícolas estão inundados. São fenómenos exógenos que temos de gerir. O importante é não cairmos em desespero.
DW África: Outro desafio para o seu Governo deve ser manter a credibilidade financeira de Moçambique. Não deixar que o rating baixe demasiadamente. Também tem havido problemas neste aspecto.
FN: Estamos a gerir uma dívida, já conhecida, e estamos a trabalhar com as instituições financeiras internacionais. Naturalmente queremos ver como podemos escalonar o pagamento. Há medidas que estão a ser tomadas porque não queremos cair no desespero. Estamos de cabeça erguida. O importante é sabermos esclarecer as nossas preocupações e possibilidades e traçar medidas sustentáveis de contenção, de transparência e de abertura. Achamos quie vamos controlar, mas ainda vai levar algum tempo.
DW África: E não haverá consequências dos casos EMATUM e Proindicus? Não haverá demissões e mudanças no seu Governo por causa disso?
FN: Eu não trabalho assim. Trabalho na base de factos. Ir para a imprensa dizer que vai haver isso por causa disso… Primeiro vamos lidar com o problema, percebê-lo e sempre na perspetiva de sairmos airosos e de resolvermos o problema.
DW África: O FMI interrompeu os contactos que tinha com Moçambique. Como avalia isso?
FN: Demos a cara quando soubemos e isso significa trabalhar com o FMI. Estamos satisfeitos porque eles aceitam trabalhar connosco para juntos podermos esclarecer o problema. E esse é um passo fundamental nesse processo.
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- Data 20.04.2016
- Autoria António Cascais (Berlim)
- Assuntos relacionados Joachim Gauck, Camarote.21, Cerveja
- Palavras-chave Filipe Nyusi, Alemanha, Berlim, Moçambique, Maputo, FRELIMO, RENAMO, Angela Merkel, Joachim Gauck, cooperação, EMATUM, Proindicus, Malawi
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