- SITUAÇÃO DA DÍVIDA EXTERNA EM MOÇAMBIQUE
Saúdo o nobre gesto do Primeiro-Ministro de se dirigir ao povo e de se ter esforçado para, em linguagem muito acessível, explicar o ponto de situação sobre a dívida externa moçambicana, recentemente tornada pública de forma surpreendente e escandalosa. Ele disse que Moçambique está a viver um momento atípico, devido à conjuntura interna e externa desfavorável. Segundo ele, depois de vários e consecutivos anos de crescimento económico rápido no país, há actualmente um abrandamento. Onde é que começou esse "actualmente"? Como e a partir de quando é que isso pode ser fundamentado? Não disse.
O Primeiro-Ministro disse que consumimos muito e produzimos quase nada, daí recorrer-se às importações, donativos e dívidas. Nos últimos 3 anos, importamos 4 vezes mais do que exportamos. Igualmente, os preços dos principais produtos que exportamos (alumínio, algodão e açúcar) têm estado a cair de forma acentuada no mercado internacional. As secas e cheias que têm assolado o país condicionam grandemente a produção agrícola que sustenta a maior parte da população moçambicana, a par das acções de desestabilização da Renamo. Não vi dados a sustentar empiricamente esses factores.
O Primeiro-Ministro disse que a China diminuiu as importações provenientes dos países africanos, por estar em crescimento económico brando, e que o impacto da queda dos preços de produtos de exportação não afecta so Moçambique (também é assim em Angola, na Zâmbia e na África do Sul). Disse também que o investimento directo estrangeiro tem estado a reduzir, devido a causas internas e externas. Quais são essas causas internas? Por que é que elas existem? Não disse.
O Primeiro-Ministro disse que os parceiros de cooperação estão atrasados no desembolso de financiamento (e os volumes de apoio têm estado a reduzir gradualmente nos últimos anos) devido a conjuntura económica nos seus países; em Moçambique não tem estado a acontecer nada para que eles não desembolsem os valores?
O Primeiro-Ministro disse que as importações que o país tem estado a fazer têm sido pagas com recurso a empréstimos e donativos externos. Que importações o país tem estado a fazer? Em que medida? Quais são os números?
O nosso endividamento externo subiu, nos últimos anos, de forma a financiar o desenvolvimento de infra-estruturas e da segurança do país. Para tal, criaram-se algumas empresas, sustentadas pelo Estado. Assuntos de defesa e segurança do Estado em mãos de empresas? De quem são essas empresas?
PRINCIPAIS "NOVIDADES" TRAZIDAS PELO INFORME DO PRIMEIRO MINISTRO:
1. O valor total da nossa dívida pública é de 11, 64 mil milhões de dólares, dos quais 9.89 mil milhões corresponde a dívida externa. Como justificação para a não comunicação antecipada da dívida, o Primeiro-Ministro disse duas coisas:
a) O país estava a viver uma "tensão político-militar". Ora, este assunto não foi encerrado com a assinatura do Acordo de Cessação de Hostilidades um tempo antes da realização das eleições gerais de 2014?!
b) Neste ano e meio que se passou, estava-se ainda a viver o período de transição entre o governo de Guebuza e o governo de Nyusi, bem como a devida transmissão de pastas. Um ano e meio...
2. A EMATUM deve 850 milhões de dólares, que deveriam ser pagos anualmente em tranches de 200 milhões de dólares (e isto traria um encargo financeiro pesado para o país). Como alternativa, o Estado transformou esta dívida comercial em dívida soberana, para passar a pagar apenas os juros anuais da dívida (78 milhões de dólares), durante 7 anos, pagando o capital da dívida (731 milhões) de uma só vez apenas em 2023. Não acham que foram feitas contas muito incompetentemente, na altura do estudo de viabilidade deste negócio? Porque, pelo que me parece, se quem contraiu o empréstimo comercial foi a EMATUM (e não o Estado), por que é que se presume que o pagamento dos 200 milhões de dólares anuais seria extremamente oneroso para o país? Ou já se contava com a ajuda do "Estado amigo"? A EMATUM não é o Estado moçambicano, é uma empresa como outra qualquer. Ou é uma empresa especial, por ser de "alguém especial"?
3. O Estado moçambicano, 3 anos depois de ter criado a EMATUM, ainda está a procura de um parceiro internacional para tornar a empresa produtiva e rentável... À sério?!
4. O Estado moçambicano avalizou os empréstimos contraídos por mais duas empresas privadas: a PROINDICUS (cerca de 622 milhões de dólares) e a MAM (cerca de 535 milhões de dólares). A PROINDICUS é uma empresa de provisão de segurança marítima nos empreendimentos de exploração de gás natural e a MAM é uma empresa de reparação e manutenção das embarcações que serão usadas pela PROINDICUS na segurança marítima da costa moçambicana. Portanto, estas duas empresas foram criadas sabe-se lá por quem (na verdade sabemos muito bem quem são) para rentabilizar negócios privados que nada têm a ver com o cidadão moçambicano. O próprio Governo reconheceu que estas empresas perseguem interesses comerciais que nada têm a ver com o Estado, garantindo estar a fazer pressão para que elas honrem com os seus compromissos. Então por que raios é que o Estado emitiu garantias a favor dos créditos contraídos por estas empresas? Apenas porque elas são propriedade de "pessoas especiais".
5. O Estado contraiu, secretamente, uma outra dívida bilateral, entre 2009 e 2014, no montante global de 221, 4 milhões de dólares, para armar e equipar as nossas forças de defesa e segurança. Interessante, não é verdade? Nem o próprio parlamento, durante 5 (CINCO) anos, foi informado dessa dívida... Atropelo constitucional sério.
6. O Estado ainda se vai endividar, mas desta vez através dos canais normais e legais, tendo em vista tornar competitivos os sectores da agricultura, da energia, de infra-estruturas e do turismo. Segundo o Governo, isto fará com que o país reduza o défice na balança de pagamentos (reduzir as importações e aumentar a arrecadação de divisas), fazendo crescer a produção e produtividade interna, blablablá... O lero-lero dos últimos 20 anos, portanto.
RESUMO
Estamos mal. Se o Governo não conseguir fazer "suficiente pressão" para que estas "empresas especiais" honrem com os seus compromissos (e tudo leva a crer que assim será), nós todos, cidadãos comuns, pagaremos a dívida de meia dúzia das "pessoas especiais" que todos nós conhecemos. Outro facto: O Estado endivida-se ilegalmente (com contornos criminais) por conta de negócios privados mal concebidos e detidos por "pessoas especiais", enquanto faz de conta que é serio em assuntos de interesse nacional com impacto directo na vida de "pessoas comuns".
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