Assim titula o meu amigo e colega Armindo Chavana o seu artigo de opinião sobre as chamadas "dívidas escondidas" contraidas pelo Governo. Partilho-o, com a devida vénia, por ter encontrado nele informação pertinente sobre o assunto, e convencido de que tenta esclarecer o que muitos, como eu, ignoram.
"Em 1995 Moçambique comprometeu-se, perante o FMI, a não exceder 2.4% do seu GDP com gastos militares. Porém, por razões estratégicas (sobretudo decorrentes de investimentos externos acima de 100 biliões de dólares, só no Rovuma, e desafios à sua segurança nacional, reais ou percebidos) o país poderá ter efectuado, com o conhecimento tácito do FMI, (e até da sua sociedade civil) despesas militares off-budget, ou camufladas noutras rubricas orçamentais. Segundo Stephen Bailely-Smith, director do Standard Bank PLc, de Londres, falando a Blooomberg, o grau de informação que Moçambique apresenta nos seus pedidos de empréstimos é suficiente para justificar qualquer investimento no país, antes do boom das suas comodities. (O expediente da EMATUM passou só com 3 páginas, e nenhuma delas com informação relevante sobre a situação financeira global do país). O que há, então, para perceber entre esta quase ausência de due delligence, por parte dos financiadores, o não alarme (quase inevitável) na “central” interbancária internacional de risco e o alvoroço, só agora?
Até este momento, o argumento é que Moçambique excedeu-se, de forma extraordinária, no seu endividamento público, sem que tenha submetido o necessário pedido de autorização ao parlamento, (e por essa via, a todos nós), ou, ainda, reportado as dívidas ao FMI, mas isso explica tudo?
A 27 de abril corrente, o primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, deu algumas respostas: afirmou que é um grande desafio partilhar informação sensível, e de segurança estratégica, com um parlamento que acomoda no seu seio uma oposição armada em guerra aberta contra o Estado; que, se as operações da ENI e da Anadarko não se tivessem atrasado (as que a Proindicus foi constituída para proteger), esta teria (terá) toda a viabilidade financeira para se pagar por si própria; que o financiamento à Proindicus só se cobriu de garantias soberanas no contexto desse atraso (pode ser até que essas garantias soberanas não venham sequer a ser accionadas na globalidade); que Moçambique vai continuar a privilegiar as suas parcerias no sistema financeiro internacional sem descurar nunca os seus interesses nacionais.
Para perceber este “imbróglio” pergunto também se os seus parceiros multilaterais (no âmbito do FMI) teriam autorizado o financiamento de que o país precisava para tomar as suas oportunidades no negócio do gás, em tempo oportuno, para além do benefício das mais-valias.
Se haveria outro momento, para além daquele, (2013/14) para Moçambique embarcar na logística do processo. Na indústria extractiva, dados os valores envolvidos nas operações (quer do core business, quer auxiliares) os contractos são de longa duração, e são rubricados com bastante antecedência. A logística do gás que sai em 2018 (dos primeiros volumes segundo a previsão), já deve estar toda fechada neste momento. A Proindicus esperaria no mínimo vinte anos (ou mesmo nunca) para substituir uma multinacional de segurança que tivesse ficado com o negócio da protecção das “nossas” plataformas petrolíferas. E, note-se que essas multinacionais como a Blackwater, hoje Academi, constituídas, sobretudo, à base de antigos SEAL, (marines) são verdadeiros exércitos com um poderio militar que envolve capacidade de intercepção. O mesmo quadro seria também possível no carvão. As multinacionais investiram biliões de dólares para viabilizar o escoamento do coque de Moatize para os portos da Beira, e de Nacala. Nas presentes circunstâncias, segundo o representante da Vale em Moçambique, é mais barato levar o carvão da Austrália à China, do que de Moatize ao porto da Beira. Imaginemos que todos esses investimentos são protegidos por entidades militares de fora, num cenário de quase total incapacidade das nossas próprias forças de defesa e segurança, na verdade desarmadas em 1992, no âmbito do AGP. Seria como se viajássemos na primeira noite de núpcias deixando a noiva, o champanhe e a chave do quarto com o padrinho (em 1992, cerca de 8 brigadas das FPLM foram completamente desmanteladas, incluindo a brigada técnica de radares e o batalhão de foguetes que controlavam o espaço aéreo. Mais de 6 mil quadros formados em academias foram desmobilizados por falta de meios e tarefas. A ONUMOZ até mandou destruir unidades novas de MIGs 21, ainda em caixas. No principio do fim da guerra fria parecia que queria só acabar com os vestígios da presença militar soviético no país mas, e então a capacidade de patrulha costeira da TTA que também foi desarticulada no âmbito do mesmo processo?).
Um mapeamento do grande capital financeiro internacional pode elucidar-nos dos seus círculos concêntricos, e ajudar-nos a perceber alguns quadros. Em 2013, a administração Obama rubricou um contracto de 342 milhões de dólares com a Blackwater/Academi para a protecção de infraestruturas da CIA, e do Departamento de Estado. (Usamos o exemplo da Blackwater/Academi só para ilustrar o perfil das companhias de segurança que teríamos na Bacia do Rovuma). Também, em 2014, o governo italiano expediu um porta-aviões que permaneceu dois meses na Bacia do Rovuma, protegendo os interesses da ENI, que é privada.
Não estaríamos a ver o jogo se pensássemos que o endividamento (no sentido da constituição de uma capacidade própria de defesa, e protecção) é o dano maior, equacionada a falta de visão, e de oportunidade estratégica. E não é só soberania, é também potenciarmos, em beneficio próprio, para além das mais-valias, outras oportunidades económicas na cadeia de valor do negócio. Segundo Mark Shroeder, vice presidente da Africa Analysis (Stratfor) também citado pela Bloomberg, agora que Moçambique tem um grande interesse em desenvolver e explorar os seus recursos naturais, como o gás, não vai aceitar o outsourcing da sua segurança costeira.
A protecção de uma plataforma custa pelo menos 250 mil dólares/dia. Sai o gás (processado todo onshore como queriam as multinacionais), e todo o dinheiro da segurança, (das áreas de produção, aos portos de escoamento).
De novo a pergunta: o país teria (olhando toda a planilha de interesses) conseguido, noutros termos, e nos timings mais adequados, os recursos financeiros de que precisava para viabilizar a sua participação estratégica?
Não é o endividamento que nos devia indignar, é a estrutura da nossa economia, que expõe a nossa fragilidade: fazemos ressonância magnética no estrangeiro com junta médica do estado, e não compramos a máquina para os nossos hospitais nacionais; construímos Nelspruit, e Malelane já se levante exuberante com os dinheiros da nossa classe média emergente; apesar de todo o potencial turístico da nossa costa, em toda a marginal da nossa cidade, de perto de dois milhões de habitantes, só temos o Coconuts; temos um dos piores rácios de extensionistas por habitantes, num país principalmente agrícola; queremos ser uma nação forte e competitiva sem sabermos o que isso custa. Felizmente, há dez/doze anos começamos a reverter este quadro. Se ficarmos serenos como diz o presidente vamos perceber que ainda tiramos chapéu a nós próprios e que a crise não é somente nossa. Também vamos perceber como tudo vale para se recuperar o ascendente político (da parte das agências “doadoras” e dos parceiros bilaterais) sobre Moçambique, a enfraquecer desde que começou a desequilibrar-se a balança entre o que nos dão, e o que querem nas contrapartidas. Também se olharmos o quadro da “guerra” entre o Banco Central dos Estados Unidos e o FMI que deixou as reservas líquidas deste abaixo de metade, podemos tirar algumas ilações, e percebermos o que acontece, por tabela, a nós, na órbita. (mas deixo isso para os economistas).
Em voz baixa, nunca percebo como um país inteiro, sobretudo alguma juventude, deixa que os ódios, rancores e preconceitos de estimação de um grupo contra o Armando Emílio Guebuza, se transformem na agenda nacional dos moçambicanos.(x)
Ps. O FMI teria financiado a Grande Circular de Maputo ou a ponte da Catembe? Não pareceríamos nesta altura um país de atrasados mentais a tentar atravessar todo o seu parque automóvel (na sua ligação norte-sul, e vice-versa) pelo buraco de agulha que era a zona do Benfica?
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