sábado, 12 de março de 2016

É tempo de Nyusi se revelar

Mudança policial

Causou alguma surpresa que Filipe Nyusi tenha escolhido um militar de carreira, e não um quadro da Polícia, para suceder a Khalau. Não percebo porquê. Se fosse eu a escolher, muito provavelmente teria escolhido um civil. Porque, para mim, o corpo de polícia deve ser um órgão civil, não militar nem militarizado. Mas não fui eu a escolher e quem o fez actuou de acordo com a realidade actual do país. Isto é, o facto de que, neste mo￾mento, a maioria dos meios po￾liciais do país não está a exercer tarefas policiais mas sim mili￾tares. Em relação às actividades que, normalmente, constituem o principal esforço de uma po￾lícia, deslindar assassinatos e raptos, capturar traficantes de drogas e coisas dessas, nada se ouve, a não ser o habitual “es￾tamos a trabalhar”. Já quando se trata de escoltas armadas nas estradas, tentativas de assalto a bases da Renamo ou apareci￾mentos, em pé de guerra, para impedir actividades políticas da oposição, isso é o pão nosso de cada dia. Ainda por cima com péssimos resultados operativos. Apa￾rentemente, a Renamo nunca conseguiu tanto armamento moderno como desde que foi decidido desarmá-la. O que não deixa de ter alguma lógica na medida em que grande parte desse armamento foi comprado com os impostos pagos pelos militantes e simpatizantes da￾quele partido. De qualquer forma, nas cir￾cunstâncias actuais, faz perfei￾tamente sentido ir buscar um general de carreira para dirigir um órgão cuja principal activi￾dade é, neste momento, de ca￾rácter militar. Se o general Jane vai dar conta do recado onde Khalau falhou isso é o que o futuro nos dirá. Em relação a ter uma PIC a funcionar devidamente, segu￾rança nas ruas, uma Polícia de Trânsito menos corrupta e ou￾tras coisas do género não tenho grandes esperanças na mudan- ça. Preferia, no entanto, que as habilidades militares do novo Comandante Geral da Polícia não tivessem oportunidade de ser demonstradas, por o país ter entrado, finalmente, num pro￾cesso sério de negociações para uma Paz duradoura. Só que não sei se o bom sen￾so demonstrado na retirada de Khalau é suficiente para afastar da paisagem política as múmias que impedem o avanço desse sentido.

Neste momento, os dois principais partidos do nosso parla￾mento tri-partido têm unanimidade sobre um único pon￾to. Uma rara excepcionalidade em si, considerando o seu patológico antagonismo. Embora a partir de abordagens completamente distintas, quer a Frelimo quer a Renamo estão de acordo quanto à necessidade de se avançar com um processo de revisão da Constituição da República. A única coisa que os distingue é o alcance dessa revisão constitu￾cional. A Renamo quer que seja um acto pontual, destinado apenas a permitir que ela governe seis províncias que se situam a norte do Rio Save, onde reivindica ter obtido maioria nas eleições gerais de 2014. Por seu lado, a Frelimo pretende que a revisão seja mais abrangen￾te. Mais abrangente do que a sua própria versão de revisão pontual na legislatura passada. O processo de produção de uma Constituição, que de entre outras coisas implica fazer escolhas sobre como a sociedade se organiza é, eminentemente, um acto político que deve ter como base expe￾riências do passado, ao mesmo tempo que incorpora as aspirações do futuro. A actual Constituição em vigor foi um esforço para o estabele￾cimento do Estado de Direito, dentro de um novo contexto de democracia multipartidária introduzida pela revisão de 1990. De facto, foi a primeira Constituição da República a ser aprovada por um parlamento resultante de eleições multipartidárias. Uma revisão constitucional do tipo daquela que é proposta pela Renamo tem algumas limitações óbvias. Cria para um conjunto de províncias um estatuto que as diferencia das restantes em termos da sua relação com o poder central. Assim teríamos as três provín￾cias do sul e uma do norte a serem regidas pela actual Constituição, e as restantes por um novo dispositivo consagrado a título pontual. É desnecessário dizer que este cocktail será o ponto de partida para o desmembramento do Estado moçambicano na sua actual configuração. Os que defendem esta posição insistem que esse não é o objectivo, mas em termos práticos é isso mesmo o que se pre￾tende; dois países num único Estado. Se há necessidade de conferir uma maior autonomia às províncias, tal como isso tem vindo a ser defendido em vários sectores, é importante que esse processo seja conduzido numa base de igualdade. Mas há outras questões que a futura revisão da Constituição deve levar em conta. Uma delas é como garantir que o Presidente da República seja uma figura que se coloca acima de interesses par￾tidários. No actual figurino, tem sido prática que o candidato à Presidência da República seja também o presidente do partido pelo qual ele concorre. Torna-se difícil que nessas circunstâncias, e no exercício das suas funções, ele não seja influenciado nas suas decisões pelo estatuto que ocupa como presidente de um partido. O actual de￾bate sobre a despartidarização do Estado tem a ver em parte com esta coincidência das funções de Presidente da República com as de líder de um partido. Os recursos que são destacados para o pre￾sidente do partido, em missões de natureza puramente partidária, são muitas vezes confundidos com os que são colocados à sua dis￾posição na qualidade de Chefe do Estado. Numa outra vertente, a transparência que se deseja no funciona￾mento das instituições do Estado poderia ser minimamente garan￾tida se cargos como os do Governador do Banco de Moçambique, do Presidente do Tribunal Supremo e dos presidentes dos conse￾lhos de administração das empresas públicas fossem preenchidos através de concursos públicos. Um modelo como este poderia também possivelmente aliviar os titulares destes cargos da pressão política que muitas vezes sofrem no processo de tomada de decisões por parte dos seus superiores na hierarquia partidária. E certamente que ajudaria muito a afastar os fantasmas da exclusão.
A filosofia na África Lusófona desde sempre representa uma parte extremamente marginal do pensamento filosófico afri￾cano que, por seu turno, é periférico se comparado com os eixos fundamentais do pensamento moderno e contempo￾râneo. Esta situação de «dupla perife￾ricidade» não é difícil de entender, uma vez que o continente africano não está no centro da economia e das relações internacionais e, dentro deste continen￾te, os países de língua oficial portugue￾sa (PALOPs) também encontram-se numa situação de marginalidade. Assim sendo, são raros os congressos e as conferências internacionais, sem falar das publicações, em que pensadores da África Lusófona conseguem mostrar as suas reflexões sobre a sociedade actual, nomeadamente sobre os países em que eles encontram-se a actuar. A revista internacional «Philosophia Africana», no seu primeiro número de 2015 (o Volume 17 da sua história), procura suprir parcialmente a esta la￾cuna. Fá-lo através das intervenções de investigadores da área das ciências sociais e da filosofia, que reflectem so￾bre o papel que esta disciplina tem de￾sempenhado e continua a desempenhar hoje em dia. O foco exclusivo é sobre Moçambique, o país que mais de todos os outros tem contribuído ao avanço da filosofia nos PALOPs. A figura central deste número da «Phi￾losophia Africana» é sem dúvidas Se￾verino Ngoenha, actualmente Reitor da Universidade Técnica de Moçambique (UDM), considerado por todos os ou￾tros como o iniciador dum pensamento filosófico autónomo em Moçambique. De forma mais ou menos explícita, os textos de Elísio Macamo, José Castia￾no, Ergimino Pedro Mucale e Marco Massoni reflectem a volta da proposta filosófica de Ngoenha, principalmente no que diz respeito ao paradigma de libertação que ele há muito tempo vem propondo, juntamente com o novo con￾trato social pensado para Moçambique. Anke Graness, da Universidade de Vie￾na, organizadora deste número especial 

 Por Luca Bussotti* da revista «Philosophia Africana», é quem conduz a entrevista central jun￾to com Severino Ngoenha. Dos mui￾tos assuntos que a entrevista aborda (e que os vários artigos dos autores acima mencionados tocam e desenvolvem, cada um à sua maneira), gostaria aqui de realçar dois, mutuando inclusive al￾guma temática do último livro de Ngo￾enha, Terceira Questão. O primeiro tópico tem a ver com a pos￾tura da filosofia moçambicana relativa￾mente às questões fundamentais que ela aborda, desde a sua recente origem. Como Ngoenha destaca, o objectivo sempre foi, desde o início, olhar para o futuro muito mais do que para o pas￾sado. E isso significa, citando Derrida, procurar inter-relações, intercultura￾lidades e encontros, uma vez que «a filosofia não tem passaporte». Parecem afirmações banais, mas não o são: se a filosofia de Ngoenha, Castiano, Ma￾zula, ou seja, dos iniciadores, tivesse olhado para o passado, isto ia significar, primeiro, criar uma fratura insanável entre antigos colonizadores e, por ex￾tensão, Europeus, e o novo Moçambi￾que, acima de tudo do ponto de vista das referências culturais e éticas; segun￾do, e mais grave, ia significar continuar a reproduzir o conflito, ora explícito, ora latente, entre Moçambicanos, pro￾curando responsabilizar esta ou aquela fação política relativamente às circuns￾tâncias que levaram ao conflito dos 16 anos, que infelizmente foi retomado em 2013 e continua até hoje. Olhar para o futuro duma maneira intercultural, portanto, revela o intuito de construir uma sociedade nova e possível, em que pessoas e grupos diferentes do ponto de vista das suas ideias políticas, religiosas, éticas, culturais, conseguem conviver pacificamente entre elas, dando uma esperança concreta às novas gerações. O outro aspecto que convém realçar, e que encontra uma explicação clara sobretudo nas análises de Castiano e Mucale, além que em Terceira Questão do próprio Severino Ngoenha, tem a ver com o papel que o filósofo pode de￾sempenhar na sociedade moçambicana contemporânea. Aqui o jogo de cintura resulta evidente, assim como as dificul￾dades de propor um pensamento livre e de libertação no interior dum país que se encontra ainda «amarrado» aos fan￾tasmas do seu passado e às promissoras riquezas do seu presente e futuro. Que tipo de espaço poderá haver um filósofo que pauta pela procura duma democra￾cia «autêntica», participada e conscien￾te? Que tipo de espaço poderá haver um filósofo que coloca no centro das suas reflexões e, porque não, sugestões, a questão «ética», o «bem comum», ou seja, todos aqueles elementos que, desde o seu surgimento, a filosofia considerou como fundantes duma sociedade justa e transparente? Responder a estas perguntas é tarefa complicada, pois o filósofo – e disso Severino Ngoenha e todos os outros têm pleno conhecimento – vive e ac￾tua dentro dum meio social e político determinado historicamente e social￾mente. Isso significa que ele não tem o mesmo espaço de actuação (ou quere￾mos usar a palavra certa: de liberdade?) independentemente do país onde ele se encontra. Por esta razão ele tem de compreender os âmbitos de manobra possíveis em Moçambique hoje, assim como os dirigentes políticos deveriam melhor delinear onde é que o filósofo (ou, mais em geral, o cientista social) poderá contribuir para que um cami￾nho de paz e de bem-estar para todos possa ser retomado, independentemen￾te dos posicionamentos partidários. A pergunta final que surge espontânea é a seguinte: será que não estamos a precisar dum novo contrato, além dos que Ngoenha tem proposto há muito tempo, em que os filósofos (e, no geral, os cientistas sociais) concordam com os dirigentes políticos um inédito espaço recíproco de respeito, acção e interven- ção, muito além das simpatias partidá- rias que cada um pode ter? Se Moçambique estiver preparado para este desafio, o caminho da filosofia e da liberdade poderá continuar a ter evolu- ções particularmente interessantes.

O Presidente da Repúbli￾ca (PR), Filipe Jacinto Nyusi, enviou, na última sexta-feira, 4 de Março, por via do seu gabinete, uma carta à liderança da Renamo, o maior partido da oposição em Moçam￾bique, através da qual o Chefe do Estado convida Afonso Macacho Marceta Dhlakama e o seu parti￾do ao reatamento do diálogo, sem pré-condições, visando o reesta￾belecimento da paz efectiva no país. O convite de Nyusi a Dhlakama ocorre uma semana depois de o PR, na sua qualidade de coman￾dante-chefe das Forças de Defesa e Segurança, ter presidido a um encontro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança (CNDS), de tal sorte que o próprio convite ao líder da Renamo referia que o mesmo era feito como corolário 7HPSRGH1\XVLVHUHYHODU das “decisões” do CNDS, o que se nos afigura no mínimo “inte￾ressante”, por este órgão, à seme￾lhança do Conselho de Estado, não nos parecer ter competências para decidir seja o que for, limi￾tando-se apenas à produção de recomendações. Por outro lado, o convite de Nyu￾si é feito numa altura em que a Renamo já dissera, publicamente, que a condição prévia para o re￾atamento do diálogo era que ela assumisse, primeiro, plena e efec￾tivamente, a governação nas seis províncias em que, supostamente, venceu nas eleições de 2014; outra exigência da Renamo, de há duas semanas, igualmente em jeito de condição prévia, é no sentido de a União Europeia (UE) fazer parte da equipa de mediadores, juntamente com o Presidente da África do Sul, Jacob Zuma, e a Igreja Católica, duas entidades avançadas pelo maior partido da oposição moçambicana em finais de 2015. Esta segunda-feira, 7 de Março, a Renamo anunciou, em conferên￾cia de imprensa, ter já respondido ao convite que lhe foi endereçado pelo PR, tendo declinado entrar em detalhes, alegadamente por somente o gabinete de Nyusi ter legitimidade para tal. Entretan￾to, a mesma foi por outras vias tornada pública, significando, si￾multaneamente, uma vitória e um desafio ao PR: se, por um lado, a Renamo desiste do início da go￾vernação nas seis províncias em que reivindica ter ganho, manten￾do, entretanto, Jacob Zuma, Igre￾ja Católica e a UE como media￾dores (o que nos parece ser uma vitória parcial para o PR), há, por outro, o facto de a Renamo ter, no mais curto espaço de tempo possível, “devolvido a bola”, como se diz na gíria desportiva, ao PR (um claro desafio), a quem com￾pete, igualmente, agir de imedia￾to, a bem deste direito natural: a paz! Apesar de a Renamo manter al￾gumas questões prévias, o que, a nosso ver, até se acham justifi- cáveis, por a confiança entre as partes quase inexistir em abso￾luto por estes dias, o facto de ela ter recuado da exigência que, em boa verdade, constitui o âmago da questão em diferendo (gover￾nação das seis províncias em que diz ter ganho), é uma boa notícia. Defendendo ele que “a única al￾ternativa à paz é a própria paz”, apesar de tal ainda carecer de consubstanciação material, preve￾mos que o PR parta de imedia￾to para a discussão das questões prévias colocadas pela Renamo. Muito provavelmente, talvez terá que admitir a mediação de parte dos entes que são propostos pela Renamo ( Jacob Zuma e Igreja Católica), sendo pouco provável que faça o mesmo em relação à UE. Nisso, não será de estranhar que o PR também proponha um ou outro mediador, eventualmen￾te para ‘desequilibrar’ o aparente ‘equilíbrio’ existente entre Jacob Zuma e a Igreja Católica. Seja como for, há uma questão de fundo nisto: quando endereçou a carta-convite à Renamo, Nyusi constituiu uma equipa, consti￾tuída por três moçambicanos da sua confiança, para cuidarem da preparação logístico-operacional desse encontro entre si e Dhlaka￾ma, mas a Renamo, na sua tem￾pestiva resposta, primou pelo silêncio quanto a isso. Achamos nós que se o maior partido da oposição tivesse proposto quadros seus ou da sua confiança para, também, cuidarem das questões práticas de preparação do encon￾tro (incluindo, nisso, a discussão de mediadores), tal seria ao todo positivo, pois o tempo urge. Enquanto isso, quanto mais o tempo passa parece crescer a pressão sobre Nyusi, que, há cerca de um mês, admitiu publi￾camente que já estava a perder paciência. Ou seja, Nyusi está já a caminhar para o segundo ano da sua administração, com muito pouco, senão quase nada, de ma￾terialmente relevante em termos de resultados, tendo em conta que o ambiente de quase guerra acaba esvaziando o pouco que ainda se poderia citar como avanços. O próximo (2017) será o último da governação de Nyusi que não seja um ano eleitoral, tendo em conta que o país vai a eleições em 2018 (autárquicas) e em 2019 (gerais e para as assembleias pro￾vinciais). Se a questão da insta￾bilidade político-militar não for resolvida este ano, não é preciso ser génio para prever que tal po￾derá ter custos políticos elevados para a Frelimo, de que Nyusi é presidente desde 29 de Março de 2015. Diferentemente de muitos, que dizem que Nyusi teve o azar de se tornar PR num momento com￾plicado para o país (conjuntura económica desfavorável, severi￾dade das mudanças climáticas, instabilidade político-militar, etc.), continuamos a pensar que tal deve ser relativizado, pois é em momentos destes que os líderes se revelam. Como diria o outro: um PR deve resolver os problemas do povo e não se transformar em mero analista ou comentador! ( ssineta, sim, com dois esses. Mas podes tratar-me por Netinha. Hahaha… É um tratamento de uso restrito, mas traz-me à memória os mo￾mentos mais felizes da minha vida; traz-me à memória a minha infân￾cia livre e despreocupada, feita de cores e sons. A cor verde, de finais de ano e princípios de outro, quando os ca￾jueiros ficavam verdes, de um verde profundo e denso, quando as man￾gueiras também ficavam densas, quando as mafurreiras e as árvores de jambolão - a que na nossa in￾génua infantilidade chamávamos jambalão - assim também ficavam. E mesmo assim, era um verde que contrastava profundamente com o vermelho do fruto, sob o peso do qual essas mesmas árvores quase que se ajoelhavam. Era o caju, era a mafurra, eram as mangas, era o jambolão. Mas também me traz a cor ala￾ranjada de Maio e Junho, quando as tangerineiras, as laranjeiras e os ananaseiros estavam em flor e se distribuía no ar a fragrância delico- -doce das flores dessas fruteiras. Era um prazer de vida. Uma cor que me marca muito e me marcou desde essa altura é o azul – o azul do mar e o azul do céu –, porque me punham e ainda hoje me põem essa necessidade e ur￾gência de partir. Partir sem destino, mas também sem vontade própria de partir. Quer dizer, apetece-me Depoimento 3 partir, ficando; ou me apetece ficar, partindo. O azul do céu e o azul do mar sugerem-me um universo sem limites, uma vontade de ser e não ser. Netinha também me sugere ou￾tros momentos de felicidade, mui￾to mais tarde: quando o céu ficava sem estrelas e eu me enroscava no corpo do Amós, meu marido, que Deus o tenha, feita um novelo de lã, ou de linho ou de seda; um cáli￾ce de néctar, os meus seios túrgidos, duros de encontro ao peito dele, os meus cabelos confundindo-se com os pêlos do seu peito. Sim, porque o Amós tinha essa particularidade que eu adorava e que muito pou￾cas mulheres conheciam. Talvez eu fosse a única, tirando a mãe dele: o Amós tinha um peito cheio de pêlos. E no meio desse devaneio de dilúvio, quando se dava o fragor de terramoto sobre nós e os nossos lábios se transformavam em tentá- culos de mel, a única coisa que ele conseguia dizer aos meus ouvidos era esse meu diminutivo: “Netinha, Netinha minha filha.” Netinha é diminutivo. De nome completo chamo-me Essineta João Macassa, nasci em Morrumbe￾ne, fiz os meus estudos aqui mes￾mo perto, na Missão de Cambine. Agora, que tenho 90 anos, cultivo esta vontade que me vem de dentro de tentar criar à volta de mim este universo de esperança que é feito desta casa onde albergo meia dúzia de adolescentes e jovens a quem a sociedade quer pôr de lado por razões que nem têm racionalidade nenhuma, ou seja, tenho aqui seis raparigas declaradamente lésbicas. Tenho também homossexuais e transsexuais, e tenho duas senho￾ras a quem a vida quis pôr de lado, mas que agora, aos 40 anos, sentem que podem mudar um pouco de estilo de vida sendo prestáveis para a sociedade. Eram prostitutas, tra￾balharam durante muito tempo na Rua Araújo, no Dancing Penguin. Dou-me muito bem com todos eles. Apesar dos meus 90 anos, ainda me sinto bem quando os bisnetos ou trinetos me tratam por “vovó Netinha”. Eu fui muito bela, sabes! E, aliás, se reparares bem em mim, vais notar que ainda tenho traços dessa beleza no meu rosto. O meu cabelo está todo branco, o que me dá um ar, não digo de superiorida￾de, mas de felicidade e autoridade moral para abraçar quem quer que seja a qualquer momento. E mesmo assim, nunca perco a oportunidade de dar um beijo na boca àqueles a quem desejo bem, que não são pou￾cos. Podes tratar-me por Netinha, é assim que gosto que me tratem, porque gosto que as pessoas perce￾bam que sou capaz de amar, e amar profundamente e sem interesse ne￾nhum imediato subjacente a esse amor. Amo por uma questão muito simples: gosto de amar. Sinto-me bem quando amo. A s más condições de vida de muitas das nossas crianças podem afec￾tar negativamente a sua saúde e, por consequência, o ren￾dimento escolar. São múltiplas as situações de vida responsáveis por problemas de saúde e pelo mau rendimento escolar. Por exemplo: casas sem ventilação ou com ventilação deficiente, falta de protecção na estação fresca, água não potável e não canaliza￾da, higiene, etc. Malária, parasitoses e anemia Crianças e aprendizagem ancilostomótica são outros pro￾blemas sérios que afectam o ren￾dimento escolar. O rendimento escolar pode ain￾da ser afectado pela distância que medeia entre a casa do aluno e a escola. São muitas as nossas crianças que, diariamente, em particular nas zonas rurais, têm de percorrer enormes distâncias entre as suas casas e as escolas, não poucas vezes sem terem co￾mido o que quer que seja. Esse esforço tem efeitos negativos no rendimento escolar.

6$&2$=8/ 3RU/XtV*XHYDQH 3RU0DFKDGRGD*UDoD $ 3 O provável retomar do diálogo com vista a estabelecer novos caminhos para a paz em Moçambique já está a dar os seus sinais positivos. A Renamo pode ter ponderado, assim, a go￾vernação nas “suas províncias”. As partes em conflito, por esta via, dão indicações de abandono de hostilidades de índole políti￾co-militar que têm produzido um conside￾rável número de óbitos (sobretudo jovens). Os acontecimentos ocorridos no centro do país, que nos fizeram temer a reedição do triste passado que Moçambique atravessou com a Guerra dos 16 anos, serviram uma vez mais para voltarmos a perceber que o diálogo entre o Governo/Frelimo e a Re￾namo é fundamental para o progresso deste país, que é mister reformular e/ou recriar a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e respectivo Secretariado Técnico de Admi- $PiTXLQDHOHLWRUDO nistração Eleitoral (STAE) para que ninguém duvide dos resultados eleitorais e que isso não cause mortes e destruições. Há em Moçambique, recorrentemente, uma fortíssima ligação entre os problemas político- -militares e o tipo e qualidade de trabalho realizado pela CNE e STAE (sobretudo em momentos de pico eleitoral). É importante que estes órgãos de gestão eleitoral sejam potencia￾dos e realimentados em termos de ética eleito￾ral, em termos de reinterpretação do significado de “eleições livres, justas e transparentes”. Pode- -se dizer, aqui e ali, que as eleições na África subsaariana valem pelas reclamações de fraude, mas esta suposta verdade obriga-nos a que não nos acomodemos nesse rótulo. O que é mau não pode ser bom para nós! Ao que parece, para o nosso caso, as eleições gerais aparentam ter muito menos qualidade relativamente às municipais, em termos de con￾trolo e isenção. Não basta cantarolar que a Re￾namo sempre reclama dos resultados eleitorais, é preciso, isso sim, não dar motivos para que ela se sinta obrigada a isso. Qual o alcance e o significado quando ressurgem expressões como “roubaram votos”, “encheram urnas”, “destru- íram editais”? E por outro lado reprova-se ou rejeitam-se tais pronunciamentos alegando que não devem reclamar porque eles estavam lá pre￾sentes. Ou seja, houve enchimento porque uns e outros distraíram-se. A vontade popular pode ser, assim, manipulada. Como dizia, é preciso repensar ou debater-se profundamente sobre a composição e o mérito que se pretende da CNE e do STAE. É que os políticos estão sempre a estragar a sopa. Esta é consumida em ambiente de repulsa (por todos) e, em função da “cami￾sola partidária”, cada um diz se a sopa é boa ou péssima. O que se espera que as partes dialoguem, que ainda não dialogaram? O provável reto￾mar do diálogo deve sanar a problemática da nossa máquina eleitoral. Esta é uma das questões de fundo. Muitos moçambicanos perderam a vida devido ao impacto negati￾vo da problemática surgida da contestação dos últimos resultados eleitorais. A máquina eleitoral não pode e nem deve ser, directa ou indirectamente, uma máquina de produção de mortes, emigração forçada e exclusão. Su￾gerimos, deste modo, que este aspecto seja, sem delongas, um dos pontos em discussão entre as partes. A democracia tem os seus custos: à imagem, por exemplo, da Nigéria, Costa do Marfim e Tanzânia, já é tempo de enveredarmos pelo “voto electrónico” como solução, como motivação para a coesão entre os moçambicanos.

N os últimos dias a memória de Mandela asso￾ciada ao que vivi na África do Sul, entre 1985 e 1997, não me sai da cabeça. Sim, falo desse herói que fez a primeira página dos jornais e a primeira notícia nas TVs em todos os cinco continen￾tes do planeta quando morreu há pouco mais de dois anos, serenamente, de doença e idade avançada. Nem a morte de Samora, esse sim desaparecido em circuns￾tâncias dramáticas, teve tal impacto. O que fez de Mandela uma personalidade fora do comum, admirado sem contestação pelos seus pares e amado por gente de países distantes nas geografias mais diversas, resumo-a assim: foi um jovem com so￾nhos simples a nível pessoal, mas com grandes ambi- ções para a África do Sul. Dedicou a vida ao ANC enquanto organização que devia libertar o povo sul- -africano do regime do apartheid e morreu com essa missão cumprida. Foram as suas qualidades morais e intelectuais aliadas à integridade e firmeza nos propó- sitos, que mais contribuíram para a rendição dos ini￾migos. O que se passa com Moçambique que não tirou lições da história do país vizinho quando, infelizmente, nos seus 40 anos de independência não teve praticamente uma década em paz? Mandela, como homem não teve uma vida comum, tranquila ou sem dramas. Casamentos e divórcios, a dor de perder um dos filhos, a sua ausência como chefe de família que não lhe permitiu cumprir esse papel, fo￾ram o fardo pessoal que carregou durante a maior parte da sua vida. Mas isso nunca o desviou da grande causa a que escolheu como destino: a luta por uma África do Sul livre, de vários povos reconciliados e unidos em torno de uma Constituição democrática, sem racismo e sem discriminações. O que se destaca na vida de Mandela é, em primeiro lugar, a maneira como se preparou para cumprir o des￾tino que escolheu para si. Preparou-se estudando, tra￾balhando como profissional e nas estruturas do ANC. Criou o seu círculo de camaradas e amigos próximos que o viriam a acompanhar de perto até ao resto da vida, alguns deles a seu lado na cadeia. Foram eles que melhor compreenderam e reconheceram na sua gran￾deza moral, inteligência e sabedoria as qualidades ne￾cessárias para os dirigir nas tarefas e nos sacrifícios que a sua missão exigia. É hoje conhecido que Mandela, ainda como prisionei￾ro, consciente da evolução da situação política mundial mais favorável ao ANC, cedo na década de 80 come- çou conversações secretas com o governo do apartheid – mantendo aberta a opção da luta armada em caso de fracasso do diálogo. Mesmo correndo o risco de ser mal compreendido pelos seus próprios camaradas, ele sabia que aquele era o tempo da negociação e não do derramamento de sangue. E assumindo todos os riscos, corajosamente avançou. Esta situação durou quase uma década: camaradas seus iam sendo libertados, o apartheid procedia a algumas mudanças e chegou o dia da sua própria libertação. A partir daí o diálogo, agora já não em segredo, mas se￾guido e escrutinado pelos media nacionais e de todo o mundo, ia mostrando a complexa situação da África do Sul e as crises sucessivas a que Mandela, sempre ele, tinha de acudir. Conflitos que não degeneraram em banhos de sangue porque o país ouviu dele as palavras oportunas. Várias vezes a guerra civil e fratricida pare￾ceu inevitável, mas ele sempre soube lidar com diferen￾tes adversários usando a argumentação certa. Entretan￾to, as conversações terminaram, a Nova Constituição foi acordada, e os sul-africanos festejaram a vitória e exaltaram o seu principal protagonista, Nelson Man￾dela. Mandela sabia ser intransigente nos princípios e flexí- vel nos detalhes. Mas nunca lhe faltou o discernimento para separar o essencial do secundário e só assim diálo￾go e negociação podem avançar. Quando teve de fazer cedências, e conhecemos-lhe muitas, nunca saiu delas diminuído. Quem me está a ler já se perguntou a que propósito vem este elogio a Mandela? Vem a propósito do que estamos a viver em Moçambique neste preciso mo￾mento em que escrevo. Será possível que o conflito ar￾mado, que quase destruiu este país durante 16 anos de atrocidades e horrores, se vai repetir? O que se passa já não são sinais, já não são avisos, já não são ensaios. É um perigosíssimo jogo entre adversários que têm tudo em mente menos a vida do povo moçambicano que os suporta há demasiado tempo. É um jogo que ninguém ganhará mas que já sabemos quem perde: os moçambi￾canos jovens que atrasarão anos do seu futuro por causa dos que se entregam aos seus estúpidos desafios pelo poder. As crianças, os inocentes entre os inocentes, já não chegarão a viver uma vida digna desse nome por causa dos estragos que já foram feitos, somados aos que hão-de vir, e que resultam da ganância pelas coisas mais mesquinhas que vêm com o poder de decidir sobre ou￾tros. Perderemos todos nós, sem excepção, porque não há ilha para onde alguém possa fugir e sobreviver. Quem poderia ter imaginado isto em 1992 quando parecia que os desavindos se tinham finalmente enten￾dido e assinado um Acordo de Paz em Roma? Onde estão os Mandela de Moçambique? 

N uma atitude ousada, o ministro da Juventu￾de e Desportos, Alberto Nkutumula, surpreen￾deu meio-mundo, ao afastar dos seus cargos figuras com larga ex￾periência no dirigismo. Entre os sacrificados, conta-se António Munguambe, que já ocupou várias pastas no ministério, entre elas, as de director nacional de Desportos, director nacional adjunto, director de Estudos e Projectos, director da Juventude e Desportos da cida￾de de Maputo, director-geral do Instituto Nacional de Desportos, INADE, entre outras. Para além de Munguambe, Antó- nio Enes e José de Sousa Pereira, director-geral e director-geral ad￾junto do Complexo Desportivo do Zimpeto, foram despromovidos. Enes já esteve afecto à Direcção Provincial da Juventude e Des￾Nkutumula afasta pesos-pesados portos de Cabo Delgado, enquan￾to que Pereira já foi porta-voz do Ministério. O assessor Inácio Bernardo, que também já foi director nacional e director nacional adjunto dos Desportos e director do Fundo de Promoção Desportiva não esca￾pou à vassourada. Outros afasta￾dos foram: Alexandre Zandamela, jornalista sénior e antigo chefe da redacção desportiva do Notícias, e Ceise Mabjaia, que, entretanto, passa a chefiar o departamento de Gestão de Património no Fundo de Promoção Desportiva . Mas a vassourada de Nkutumu￾la não termina por aqui, pois do Fundo de Promoção Desportiva mandou cessar funções Martinha Mulungo, chefe do Departamento de Administração, e Sandra Tembe, chefe do Departamento de Planifi- cação e Estatística. Cessaram ainda os directores pro￾vinciais da Juventude e Desportos de Gaza, Fernando Pinho, mas, entretanto, nomeado para o mesmo cargo em Sofala; Cruz Coimbra, de Sofala; Albino Perieia, de Cabo Delgado, e Ângela Reane, de Nam￾pula. Nkutumula nomeou, ainda, Cláu￾dio Njudi, para o cargo de director provincial da Juventude e Despor￾tos de Cabo Delgado; Cachimo Raul, para Nampula e Rui de Sou￾sa, para Gaza. A nível central, Sandra Tembe passa a dirigir o Departamento da Administração no Fundo de Pro￾moção Desportiva e Ivan Ernesto, o Departamento de Planificação.

L úcio Lara morreu aos 86 anos em Lu￾anda, no passado dia 27 de Fevereiro corrente. Lara foi um dos fundadores Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e foi Secretário-geral do MPLA durante a guerra pela independência de Angola e durante a guerra civil. Foi um dos fundadores do MAC (Movimen￾to Anti-Colonialista / Movimento Anti-Co￾lonial), que também incluiu Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Noémia de Sousa, Humberto Machado e Eduardo dos Santos, entre outros. Lúcio Lara, filho de pai português e mãe angolana, natural da província do Huam￾bo, fez os seus estudos em Portugal. A sua militância no partido maioritário iniciou-se na década de 1950, em Angola e entre an￾golanos no exílio, tendo sido eleito secretário da organização e dos quadros do partido na primeira conferência nacional do MPLA, em Dezembro de 1962. Posteriormente, passou a secretário-geral. Para se saber com exactidão quem foi, na óp￾tica do regime, Lúcio Lara, nada melhor do que transcrever o texto do Jornal de Angola: “Também conhecido por Tchiweka, pseudó- nimo de guerra escolhido em homenagem à terra da sua mãe, uma aldeia situada no Hu￾ambo, a morte de Lúcio Lara é a partida de uma das principais figuras da luta pela inde￾pendência do país do jugo colonial. Lúcio Lara foi o exemplo de jovens que, na década de 40 do século XX, abraçaram os ideais de liberdade e de progresso e, deter￾minados, formaram um amplo movimento de libertação nacional com o objectivo de quebrar as algemas da repressão e devolver Lúcio Lara empossou Agostinho Neto e Eduardo dos Santos ao povo angolano o sonho de independên￾cia que a implantação do colonialismo havia roubado. A repressão colonial fascista fez emergir uma geração de angolanos que procurou, dentro e fora do país, criar as condições para que o processo de luta anti-colonial ganhasse uma outra dinâmica e reconhecimento a nível africano e internacional. É neste contexto que Lúcio Lara se destaca como um dos impulsionadores de todo o pro￾cesso de organização política que veio a de￾senvolver-se, tendo como ponto de partida a Casa dos Estudantes do Império, em Coim￾bra, onde se encontrava a estudar e onde deu início à actividade política, em 1949. Com Agostinho Neto, Humberto Machado, Zito Van-Dúnem, e outros nacionalistas, Lara fa￾zia também parte do Clube Marítimo Africa￾no, em Lisboa, importante ponto de encontro para troca de informações, de documentos e de coordenação da luta clandestina contra o poder colonial. Quando a PIDE (polícia secreta portugue￾sa) desencadeia uma vaga de perseguições e detenções, entre 1950 e 1959, Lúcio Lara refugia-se na Alemanha. É seguindo, depois, a rota Tunes (Tunísia), Rabat (Marrocos) e Conacry (Guiné Conacry) que faz o regresso ao continente. A partir desta última capital, enceta um intenso trabalho político que, em conjunto com Agostinho Neto e demais na￾cionalistas, o vai guindar à posição de co-fun￾dador do Movimento Popular de Libertação de Angola. A participação na luta de libertação nacional, a entrega total à causa do povo angolano, o empenho para tornar Angola um país uno e indivisível, fizeram de Lúcio Lara uma figura incontornável no seio do MPLA. A luta gloriosa levada a cabo ao longo de 14 anos de guerrilha em Angola, que se espalhou praticamente por todo o país, a par das guer￾ras de libertação que teve de enfrentar nas outras ex-colónias, levaram o poder colonial a claudicar. O golpe de Estado que em 25 de Abril de 1974 pôs fim à ditadura colonial fas￾cista em Portugal foi o corolário de todo esse longo processo de desarticulação da máquina que Salazar havia montado. Como resultado, a 8 de Novembro de 1974 Lúcio Lara aterrava em Luanda à frente da primeira delegação do MPLA que se deslo￾cou à capital angolana depois do derrube da ditadura em Portugal. Viria então preparar o regresso de Agostinho Neto, que teria lugar em Fevereiro de 1975. Foi Lúcio Lara quem empossou Agostinho Neto como primeiro Presidente de Angola, e foi também Lúcio Lara quem deu posse ao Presidente José Eduardo dos Santos, depois do desapareci￾mento físico do fundador da nação. Falar de Lúcio Lara é tão somente falar de um dos grandes vultos da política angolana que, ao lado de Agostinho Neto, marcou de forma inapagável um dos mais ricos períodos da história da luta pela autodeterminação do povo angolano e pela afirmação de Angola como país soberano no concerto das nações. Com a sua morte, parte o último fundador até então vivo do Movimento Popular de Li￾bertação de Angola”. O autor de O Nome da Rosa, que tinha 84 anos, era um dos mais conheci￾dos intelectuais europeus. O escritor italiano Umberto Eco, autor de O Nome da Rosa, morreu na noite de 19 de Fe￾vereiro na sua casa em Milão. Tinha 84 anos e era uma das mais relevantes figuras da cul￾tura italiana dos últimos 50 anos. Não foi re￾velada a causa da sua morte, mas o intelectual e professor de Semiótica na Universidade de Bolonha sofria de um cancro há vários anos. O seu último livro, com o título Pape Satàn Aleppe, será publicado em Maio. O seu nome fica ligado a nível internacional ao grande sucesso que teve a obra O Nome da Rosa, editado em 1980, e que se trans￾formou num best-seller internacional. O ro￾mance, um mistério passado num mosteiro medieval, foi traduzido em todo o mundo e vendeu mais de 10 milhões de cópias. Mais tarde, foi adaptado ao cinema pelo realizador Jean-Jacques Annaud, com Sean Connery a desempenhar o papel principal. Umberto Eco foi um pioneiro da semiótica, a ciência dos signos, um teórico da linguagem e autor de vários ensaios filosóficos. Foi só re￾lativamente tarde que publicou o seu primei￾ro romance, precisamente O Nome da Rosa, mas foi este que lhe garantiu uma populari￾dade mundial ao pôr a sua enorme erudição ao serviço da construção do romance históri￾co. “A linguagem, a informação, a retórica dos discursos e a necessidade de compreender as configurações culturais em que vivemos, em comparação com as que existiam outrora, Umberto Eco ajudou a reinventar a figura do intelectual eram os seus temas”, diz o historiador Dio￾go Ramada Curto. “O ensaio, a história mas sobretudo, desde a publicação de O Nome da Rosa, a obra de ficção eram os instrumentos de que se servia para responder tanto às pre￾ocupações pelo presente, como pelo passado.” Dr. Eco nasceu em Alexandria, na região do Piemonte, a 5 de Janeiro de 1932. Cresceu durante a II Guerra Mundial, estudou filo￾sofia e estética e formou-se com uma tese sobre a estética de São Tomás de Aquino mas, sublinha o Le Monde, não se mantém apenas na área da teoria e logo a partir de meados dos anos 50 entra no mundo dos media começando por trabalhar na RAI, a televisão pública italiana, em programas cul￾turais. Ao mesmo tempo, em 1962, publica a Obra Aberta, referência incontornável do seu pensamento na área da semiótica na qual defende que cada obra é composta por uma infinidade de signos e por isso oferece a pos￾sibilidade de múltiplas interpretações. Entre os seus livros mais conhecidos está o já referido O Pêndulo de Foucault, editado em 1988, uma obra na qual cruza templários, kabala e sociedades secretas. Além de vários romances, em que se incluem ainda A Ilha do Dia Anterior (1994), Baudolino (2000), A Misteriosa Chama da Rainha Loana (2004) e O Cemitério de Praga (2011), Eco é autor de inúmeros ensaios sobre semiótica, estética medieval, linguística e filosofia. Mas conside￾rava-se sobretudo “um filósofo”: “Só escrevo romances aos fins-de-semana.” O saxofonista moçambicano Moreira Chonguiça vai par￾ticipar em Portugal, no Moda Lisboa, no dia 13 de Março corrente. O etnomusicólogo moçambi￾cano vai actuar acompanhando o desfi￾le da estilista angolana Nadir Tati. Ela vai apresentar uma colecção denomina￾da A voz de Angola. “O meu trabalho é de “transportar” para o mundo toda uma história africana que passa por um processo de identidade e afirma- ção de um continente que acompanha cada vez mais o mundo num processo de globalização. Drapeados, bordados, transparências, rendas e tecidos africa￾nos irão dar corpo a esta obra criativa desta que é a grande Mestre e Diva da moda angolana”, explica Nadir. Moreira Chonguiça afirma que o traba￾lho conjunto é uma referência na pro￾moção e divulgação de cultura e criati￾vidades africanas. “Conheço a estilista Nadir Tati. Na cultura não há fronteiras e temos os dois a parceria em outros projectos. Essa é mais uma experiência que resulta dessa cooperação existente entre nós como artistas e como países, Moçambique e Angola”. Nadir Tati é a principal referência quando se fala de moda contemporânea em Angola. Formada em Criminolo￾Moreira Chonguiça no Moda Lisboa gia, consultora de imagem e desenho de moda, trabalhou vários anos como manequim, uma profissão que lhe des￾pertou a paixão pelas artes e pelo fas￾cinante mundo da moda, em especial, a moda africana. Nadir Tati afirma que encontra inspira- ção na sua própria vida e na história de vida dos Angolanos. As suas colecções são elegantes, modernas e glamorosas sem, contudo, esquecer a identidade an￾golana . A voz de Angola é o tema da sua mais recente colecção africana. “Dedicada e refinada esta colecção foi inspirada na situação actual da mulher angolana no mundo. Tenho em atenção o desenvol￾vimento e a história da mulher angolana que cada vez mais sofisticada luta para um lugar de destaque na sociedade. É uma colecção sublime de vestidos de noite dourados e vermelhos trabalhados ao detalhe”, finaliza.A.S

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