É mais um daqueles casos que
encerram a promiscuidade
entre a política e os negó-
cios em Moçambique, onde
os grandes empreendimentos com
participação privada, regra geral,
caem nas mãos da elite frelimista.
Com tentáculos em vários negócios,
alguns dos quais conseguidos à meia-
-noite, fruto de negociatas encobertas pela sua forte influência política,
o general Alberto Chipande, tio do
actual presidente da República, Filipe Nyusi, é, juntamente com sua
esposa, Hortência Chipande, um
dos accionistas do consórcio SacOil-
-ENH-Profin que, semana finda,
anunciou uma ambiciosa intenção
de construir um gasoduto de 2600
quilómetros ligando a província de
Cabo Delgado, em Moçambique, à
província sul-africana de Gauteng,
num orçamento de seis bilhões de
dólares.
Quando a notícia chegou, semana
passada, a partir da África do Sul,
criou alguma preocupação para aqueles que, nas memórias, guardam o
histórico de um negócio que em 10
anos, de acordo com uma pesquisa publicada em 2013 pelo Centro
de Integridade Pública (CIP), quase nada rendeu para Moçambique,
nomeadamente, a exploração de gás
de Pande e Temane, na província de
Inhambane, pela multinacional sul-
-africana SASOL que, em contrapartida, era apontada como estando a
arrecadar fabulosos lucros no negócio.
Foi assim que, esta semana, o SAVANA foi atrás de entendidos na matéria para perceber os contornos do
anúncio da SacOil-ENH-Profin.
O director do Centro de Integridade
Pública, Adriano Nuvunga, abriu as
portas do CIP, esta quarta-feira, para
abordar o dossier que ainda está envolto a muitas zonas de penumbra.
Mais do que dar explicações, Nuvunga deixou recomendações àqueles
que, caso o projecto se materialize,
terão de tomar decisões.
O negócio que Chipande quer
Momentos depois da entrevista, o
CIP lançava um artigo que revela
as ligações do general Alberto Chipande com o consórcio que pretende
construir o gasoduto apelidado por
Renascimento Africano.
De acordo com o CIP, a Profin, parte
do consórcio que inclui a sul africana
SacOil e a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), é uma sociedade anónima constituída e registada
no 1º Cartório Notarial de Maputo, a
23 de Julho de 2015, por duas empresas e uma pessoa singular.
Trata-se da Chetu, Limitada, com
46,7% das acções; a Phambile - Investimentos, Imobiliária, Logística e
Procurment, Sociedade Unipessoal
Limitada, com 18,7% e Joice Rebeca
Quilambo, com a restante percentagem.
“Por sua vez, a Chetu, Lda. é propriedade de Alberto Joaquim Chipande,
antigo Ministro da Defesa, membro
da Comissão Política do partido Frelimo, e sua esposa Hortência Corné-
lio João Mandanda Chipande. Cada
um dos accionistas detém 50% da
Chetu”, refere a análise, acrescentando que “no dia 23 de Junho de 2015,
o casal Chipande, aliás, os sócios da
Chetu Lda., deliberaram em Assembleia Geral Extraordinária, realizada
na sede da empresa (que coincide
com a residência do casal) a participação da Chetu, Limitada na sociedade Profin Consulting, SA”.
No acto da constituição da Profin, o
casal Chipande foi representado pela
sua filha Doroteia Alberto Chipande
e o CIP publicou documentos oficiais
que comprovam todas as ligações.
No seu comunicado, o consórcio
SacOil-ENH-Profin diz ter priorizado a participação do empresariado
nacional, uma vez que integra na sua
estrutura accionista a Profin, empresa
de capitais privados moçambicanos.
“De resto, a garantia da participação
do empresariado nacional nos projectos do sector extractivo e de outras infra-estruturas tem sido feita
através de empresas da elite política
ligada ao partido no poder, como a
Profin”, repara a organização que luta
pela boa governação, transparência e
integridade.
Em Outubro de 2015, a estatal ENH
e a Profin do todo-poderoso Alberto
Chipande assinaram um acordo para
a “participação como um parceiro de
joint-venture nos projectos de gás
natural integrada, sob reserva da sua
exequibilidade técnica e viabilidade
comercial”, anunciou a SacOil.
Assim, o recém-anunciado projecto
para a construção do gasoduto é o
primeiro grande empreendimento
de infra-estrutura ao serviço do gás
natural da Bacia do Rovuma em que
a Profin participa, no âmbito do referido acordo assinado entre a empresa
privada do tio e conterrâneo de Filipe
Nyusi e a ENH.
Em 2015, Alberto Chipande, deputado da Assembleia da República e
Membro da Comissão Permanente,
disse tom alto, em plena Universidade Eduardo Mondlane (UEM), qualquer coisa como não era problema
que os “libertadores” ficassem ricos
porque são eles que foram à luta.
Numa altura em que choviam críticas de todos os cantos sobre a forma
nada transparente, e até de contornos
criminosos, como foi criada a insustentável Empresa Moçambicana de
Atum (EMATUM), Chipande chegou a afirmar que os desfalques ao
erário público irão continuar porque
os homens não são santos.
O que é certo é que a promiscuidade entre a política e os negócios em
Moçambique não é de hoje e, nos
últimos 10 anos, transformou-se uma
regra. Nos dois mandatos do presidente Armando Guebuza, ser membro da Frelimo era um passo decisivo
para triunfar nos grandes negócios.
Os exemplos são vários e o CIP cita
um dos últimos casos em que o Governo de Armando Guebuza concessionou serviços do Estado a uma
empresa participada pela família
do então Chefe de Estado, nomeadamente, o negócio da Migração
Digital da Radiodifusão que, sem
concurso público, foi adjudicado à
StarTimes, uma empresa participada
pela Focus 21 de Armando Guebuza
e seus filhos.
O general vem de uma derrota
A corrida de Alberto Chipande para
o negócio da construção do gasoduto que poderá ligar Cabo Delgado e
Gauteng acontece meses depois de o
“homem do primeiro tiro”, juntamente com outras figuras sonantes como
Raimundo Pachinuapa, José Katupha, Oldivanda Bacar, Abdul Magid
Osman e Carimo Abdul Mahomed
Issa, ter perdido, em finais de 2015,
a batalha na quinta ronda de concurso para a concessão de projectos de
pesquisa e exploração de hidrocarbonetos na bacia de Angoche, onde
estavam em jogo 15 concessões, em
terra e no mar, com potenciais blocos
com poços de petróleo naquele distrito costeiro da província de Nampula.
Mas a empresa dessa nomenklatura,
a Petroinvest, criada em 2014 e sem
credenciais petrolíferas conhecidas,
não conseguiu inclusão em nenhuma das propostas de multinacionais
concorrentes. Mais do que isso, a sua
proposta de última hora de se candidatar como não operador em duas
concessões na Bacia de Angoche foi
desqualificada pelo Instituto Nacional de Petróleos, justamente com argumentos da ausência de experiência
comprovada na área.
O martelo está com o governo
A pretensão da SacOil-ENH-Profin
é de construir um gasoduto com 2600
quilómetros conectando o norte de
Moçambique e a África do Sul.
Com um orçamento de seis bilhões
de dólares, a infra-estrutura, caso
proceda, será executada pela China
Petroleum Pipeline Bureau. No comunicado da semana finda, empresa
é descrita como tendo mais de 40
anos de experiência na área de pesquisa, engenharia, construção e tecnologia de construção de gasodutos.
A empresa sul-africana de gás e petróleo, a SacOil, que anunciou a formação do consórcio que vai propor
ao Governo moçambicano a constru-
ção do empreendimento, disse que o
mesmo terá ramificações em “cidades
e assentamentos urbanos” em Mo-
çambique.
De acordo com o CIP, entretanto,
para a sua execução, todos os projectos dependerão da avaliação e
aprovação do Governo, mediante
concurso público que, nos termos da
transparência governativa, deverá ser
lançado para o efeito. É que, até aqui,
tudo o que existe são apenas projectos
privados de empresas interessadas na
execução do gasoduto que faz parte
do plano nacional de desenvolvimento do gás natural nacional.
Por isso, depois do anúncio, seguir-
-se-ão etapas de estudos de viabilidade económica e social do projecto
bem como a elaboração do projecto
de construção do gasoduto, um processo que não deverá durar menos de
seis meses. Depois será submetido ao
Governo para análise que se espera
seja em concurso público.
Para além da Chetu, Lda. de Alberto
Chipande, a Profin, de acordo com
ofícios publicados pelo Centro de
Integridade Pública, tem na sua estrutura accionista, a Phambile - Investimentos, Imobiliária, Logística e
Procurment, Sociedade Unipessoal
Limitada, com 18,7%, uma empresa detida por Milva Luís Ribeiro
dos Santos, que em perfis públicos
apresenta-se como gestora de vendas
e marketing no Serena Polana Hotel.
Foi a 19 de Junho de 2015 que a única accionista da empresa decidiu, em
assembleia-geral extraordinária, participar na Profin.
Advogada, especialista em Direito da
Propriedade Intelectual, Contencioso, Comercial e Imobiliário, Joice Rebeca Quilambo é a terceira accionista
singular da Profin. Para além da Pro-
fin, Quilambo tem uma outra empresa registada em seu nome, denominada J. Quilambo - Industrial Property,
Limitada, na qual tem como sócio
Stayleir Marroquim, advogado e candidato a Bastonário da Ordem dos
Advogados de Moçambique (OAM).
“Que não seja EMATUM 2”
- Adriano Nuvunga
Em entrevista ao nosso jornal, o director do CIP, muitas vezes crítico ao
Governo, diz que não há problema
em construir um gasoduto desta dimensão.
Para Adriano Nuvunga, o problemá-
tico é se o gás a ser bombeado para a
África do Sul for a da cota reservada
ao mercado moçambicano.
“Não está claro ainda se esse gás é
parte da cota do gás doméstico ou é
a parte do gás que as multinacionais,
nomeadamente, a Anadarko e a ENI
têm” diz, reiterando que é preciso assegurar que não seja a cota do gás reservado ao gás doméstico que há-de
ir para o país vizinho.
Para o entrevistado, a ser essa cota, é
preciso assegurar que o gás seja vendido ao preço do mercado, ressalvando contudo que as iniciativas domésticas moçambicanas não podem ficar
com défice de provisão de gás porque
o mesmo está a ser exportado para a
África do Sul.
Entende, por outro lado, que é preciso assegurar que a construção desta mega infra-estrutura não seja, em
si, lesiva ao Estado, ou seja, nada de
Moçambique aparecer no negócio
como avalista conforme fez com a
Empresa Moçambicana de Atum
(EMATUM) que hoje penaliza os
moçambicanos.
“Isso significa que não deve ser o Estado moçambicano a construir ou o
Estado moçambicano a dar garantias
soberanas para a construção desse pipeline. Essa tem de ser uma iniciativa puramente privada, impulsionada
pela demanda do gás na África do
Sul” recomendou, sublinhando: “é
preciso assegurar que a própria infra-
-estrutura não seja EMATUM 2”.
Fora esses dois pontos, Nuvunga diz
que o CIP recebeu a notícia da construção do “Renascimento Africano”
com bastante tranquilidade, uma vez
que o gás a sair da bacia do Rovuma
precisará de mercado para a sua comercialização.
Até porque considera inevitável a
infra-estrutura e esclarece que tem
uma diferença fundamental com o
projecto da SASOL.
“O acordo que a SASOL teve foi de
exportar todo o seu gás para a África do Sul. A SASOL veio para aqui
construir uma arquitectura de um
projecto que envolvia pipeline para a
exploração e a exportação do gás para
a África do Sul. É diferente deste
caso em que temos duas concessioná-
rias, o grupo da Anadarko e o grupo
da ENI que vão explorar quantidades enormíssimas de gás. Então, eles
precisam vender o gás. Este grupo
(SacOil-ENH-Profin) não faz parte
da estrutura accionista das concessionárias do gás”, tranquiliza.
Nuvunga diz ainda que o que há até
aqui é que a empresa sul-africana de
gás e petróleo, a SacOil, associou-se à
Profin para fazer um estudo de viabilidade para financiarem e executarem
este projecto.
“Não ganharam nenhum concurso,
não houve nenhum concurso, não
houve nenhuma concessão do Governo ou do Estado moçambicano
para este grupo. Este grupo interessou-se pelo projecto. Se constituiu,
buscou um parceiro em Moçambique
que se chama Profin que foi constitu-
ída a propósito por pessoas politicamente conectadas (família Chipande). Essas pessoas constituíram um
consórcio e disseram que hão-de ir
buscar financiamento na China. Não
tem financiamento, este consórcio é
para fazer estudo de viabilidade. Esse
consórcio não ganhou nenhuma concessão”, diz
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