sábado, 12 de março de 2016

Chipande posiciona-se para negócio de Gasoduto

É mais um daqueles casos que encerram a promiscuidade entre a política e os negó- cios em Moçambique, onde os grandes empreendimentos com participação privada, regra geral, caem nas mãos da elite frelimista. Com tentáculos em vários negócios, alguns dos quais conseguidos à meia- -noite, fruto de negociatas encober￾tas pela sua forte influência política, o general Alberto Chipande, tio do actual presidente da República, Fi￾lipe Nyusi, é, juntamente com sua esposa, Hortência Chipande, um dos accionistas do consórcio SacOil- -ENH-Profin que, semana finda, anunciou uma ambiciosa intenção de construir um gasoduto de 2600 quilómetros ligando a província de Cabo Delgado, em Moçambique, à província sul-africana de Gauteng, num orçamento de seis bilhões de dólares. Quando a notícia chegou, semana passada, a partir da África do Sul, criou alguma preocupação para aque￾les que, nas memórias, guardam o histórico de um negócio que em 10 anos, de acordo com uma pesqui￾sa publicada em 2013 pelo Centro de Integridade Pública (CIP), qua￾se nada rendeu para Moçambique, nomeadamente, a exploração de gás de Pande e Temane, na província de Inhambane, pela multinacional sul- -africana SASOL que, em contra￾partida, era apontada como estando a arrecadar fabulosos lucros no negócio. Foi assim que, esta semana, o SAVA￾NA foi atrás de entendidos na ma￾téria para perceber os contornos do anúncio da SacOil-ENH-Profin. O director do Centro de Integridade Pública, Adriano Nuvunga, abriu as portas do CIP, esta quarta-feira, para abordar o dossier que ainda está en￾volto a muitas zonas de penumbra. Mais do que dar explicações, Nu￾vunga deixou recomendações àqueles que, caso o projecto se materialize, terão de tomar decisões. O negócio que Chipande quer Momentos depois da entrevista, o CIP lançava um artigo que revela as ligações do general Alberto Chi￾pande com o consórcio que pretende construir o gasoduto apelidado por Renascimento Africano. De acordo com o CIP, a Profin, parte do consórcio que inclui a sul africana SacOil e a Empresa Nacional de Hi￾drocarbonetos (ENH), é uma socie￾dade anónima constituída e registada no 1º Cartório Notarial de Maputo, a 23 de Julho de 2015, por duas empre￾sas e uma pessoa singular. Trata-se da Chetu, Limitada, com 46,7% das acções; a Phambile - In￾vestimentos, Imobiliária, Logística e Procurment, Sociedade Unipessoal Limitada, com 18,7% e Joice Rebeca Quilambo, com a restante percenta￾gem. “Por sua vez, a Chetu, Lda. é proprie￾dade de Alberto Joaquim Chipande, antigo Ministro da Defesa, membro da Comissão Política do partido Fre￾limo, e sua esposa Hortência Corné- lio João Mandanda Chipande. Cada um dos accionistas detém 50% da Chetu”, refere a análise, acrescentan￾do que “no dia 23 de Junho de 2015, o casal Chipande, aliás, os sócios da Chetu Lda., deliberaram em Assem￾bleia Geral Extraordinária, realizada na sede da empresa (que coincide com a residência do casal) a partici￾pação da Chetu, Limitada na socie￾dade Profin Consulting, SA”. No acto da constituição da Profin, o casal Chipande foi representado pela sua filha Doroteia Alberto Chipande e o CIP publicou documentos oficiais que comprovam todas as ligações. No seu comunicado, o consórcio SacOil-ENH-Profin diz ter priori￾zado a participação do empresariado nacional, uma vez que integra na sua estrutura accionista a Profin, empresa de capitais privados moçambicanos. “De resto, a garantia da participação do empresariado nacional nos pro￾jectos do sector extractivo e de ou￾tras infra-estruturas tem sido feita através de empresas da elite política ligada ao partido no poder, como a Profin”, repara a organização que luta pela boa governação, transparência e integridade. Em Outubro de 2015, a estatal ENH e a Profin do todo-poderoso Alberto Chipande assinaram um acordo para a “participação como um parceiro de joint-venture nos projectos de gás natural integrada, sob reserva da sua exequibilidade técnica e viabilidade comercial”, anunciou a SacOil. Assim, o recém-anunciado projecto para a construção do gasoduto é o primeiro grande empreendimento de infra-estrutura ao serviço do gás natural da Bacia do Rovuma em que a Profin participa, no âmbito do refe￾rido acordo assinado entre a empresa privada do tio e conterrâneo de Filipe Nyusi e a ENH. Em 2015, Alberto Chipande, depu￾tado da Assembleia da República e Membro da Comissão Permanente, disse tom alto, em plena Universida￾de Eduardo Mondlane (UEM), qual￾quer coisa como não era problema que os “libertadores” ficassem ricos porque são eles que foram à luta. Numa altura em que choviam críti￾cas de todos os cantos sobre a forma nada transparente, e até de contornos criminosos, como foi criada a insus￾tentável Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), Chipande che￾gou a afirmar que os desfalques ao erário público irão continuar porque os homens não são santos. O que é certo é que a promiscuida￾de entre a política e os negócios em Moçambique não é de hoje e, nos últimos 10 anos, transformou-se uma regra. Nos dois mandatos do presi￾dente Armando Guebuza, ser mem￾bro da Frelimo era um passo decisivo para triunfar nos grandes negócios. Os exemplos são vários e o CIP cita um dos últimos casos em que o Go￾verno de Armando Guebuza con￾cessionou serviços do Estado a uma empresa participada pela família do então Chefe de Estado, nome￾adamente, o negócio da Migração Digital da Radiodifusão que, sem concurso público, foi adjudicado à StarTimes, uma empresa participada pela Focus 21 de Armando Guebuza e seus filhos. O general vem de uma derrota A corrida de Alberto Chipande para o negócio da construção do gasodu￾to que poderá ligar Cabo Delgado e Gauteng acontece meses depois de o “homem do primeiro tiro”, juntamen￾te com outras figuras sonantes como Raimundo Pachinuapa, José Katu￾pha, Oldivanda Bacar, Abdul Magid Osman e Carimo Abdul Mahomed Issa, ter perdido, em finais de 2015, a batalha na quinta ronda de concur￾so para a concessão de projectos de pesquisa e exploração de hidrocar￾bonetos na bacia de Angoche, onde estavam em jogo 15 concessões, em terra e no mar, com potenciais blocos com poços de petróleo naquele distri￾to costeiro da província de Nampula. Mas a empresa dessa nomenklatura, a Petroinvest, criada em 2014 e sem credenciais petrolíferas conhecidas, não conseguiu inclusão em nenhu￾ma das propostas de multinacionais concorrentes. Mais do que isso, a sua proposta de última hora de se can￾didatar como não operador em duas concessões na Bacia de Angoche foi desqualificada pelo Instituto Nacio￾nal de Petróleos, justamente com ar￾gumentos da ausência de experiência comprovada na área. O martelo está com o governo A pretensão da SacOil-ENH-Profin é de construir um gasoduto com 2600 quilómetros conectando o norte de Moçambique e a África do Sul. Com um orçamento de seis bilhões de dólares, a infra-estrutura, caso proceda, será executada pela China Petroleum Pipeline Bureau. No co￾municado da semana finda, empresa é descrita como tendo mais de 40 anos de experiência na área de pes￾quisa, engenharia, construção e tec￾nologia de construção de gasodutos. A empresa sul-africana de gás e pe￾tróleo, a SacOil, que anunciou a for￾mação do consórcio que vai propor ao Governo moçambicano a constru- ção do empreendimento, disse que o mesmo terá ramificações em “cidades e assentamentos urbanos” em Mo- çambique. De acordo com o CIP, entretanto, para a sua execução, todos os pro￾jectos dependerão da avaliação e aprovação do Governo, mediante concurso público que, nos termos da transparência governativa, deverá ser lançado para o efeito. É que, até aqui, tudo o que existe são apenas projectos privados de empresas interessadas na execução do gasoduto que faz parte do plano nacional de desenvolvimen￾to do gás natural nacional. Por isso, depois do anúncio, seguir- -se-ão etapas de estudos de viabili￾dade económica e social do projecto bem como a elaboração do projecto de construção do gasoduto, um pro￾cesso que não deverá durar menos de seis meses. Depois será submetido ao Governo para análise que se espera seja em concurso público. Para além da Chetu, Lda. de Alberto Chipande, a Profin, de acordo com ofícios publicados pelo Centro de Integridade Pública, tem na sua es￾trutura accionista, a Phambile - In￾vestimentos, Imobiliária, Logística e Procurment, Sociedade Unipessoal Limitada, com 18,7%, uma empre￾sa detida por Milva Luís Ribeiro dos Santos, que em perfis públicos apresenta-se como gestora de vendas e marketing no Serena Polana Hotel. Foi a 19 de Junho de 2015 que a úni￾ca accionista da empresa decidiu, em assembleia-geral extraordinária, par￾ticipar na Profin. Advogada, especialista em Direito da Propriedade Intelectual, Contencio￾so, Comercial e Imobiliário, Joice Re￾beca Quilambo é a terceira accionista singular da Profin. Para além da Pro- fin, Quilambo tem uma outra empre￾sa registada em seu nome, denomina￾da J. Quilambo - Industrial Property, Limitada, na qual tem como sócio Stayleir Marroquim, advogado e can￾didato a Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM). “Que não seja EMATUM 2” - Adriano Nuvunga Em entrevista ao nosso jornal, o di￾rector do CIP, muitas vezes crítico ao Governo, diz que não há problema em construir um gasoduto desta di￾mensão. Para Adriano Nuvunga, o problemá- tico é se o gás a ser bombeado para a África do Sul for a da cota reservada ao mercado moçambicano. “Não está claro ainda se esse gás é parte da cota do gás doméstico ou é a parte do gás que as multinacionais, nomeadamente, a Anadarko e a ENI têm” diz, reiterando que é preciso as￾segurar que não seja a cota do gás re￾servado ao gás doméstico que há-de ir para o país vizinho. Para o entrevistado, a ser essa cota, é preciso assegurar que o gás seja ven￾dido ao preço do mercado, ressalvan￾do contudo que as iniciativas domés￾ticas moçambicanas não podem ficar com défice de provisão de gás porque o mesmo está a ser exportado para a África do Sul. Entende, por outro lado, que é pre￾ciso assegurar que a construção des￾ta mega infra-estrutura não seja, em si, lesiva ao Estado, ou seja, nada de Moçambique aparecer no negócio como avalista conforme fez com a Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) que hoje penaliza os moçambicanos. “Isso significa que não deve ser o Es￾tado moçambicano a construir ou o Estado moçambicano a dar garantias soberanas para a construção desse pi￾peline. Essa tem de ser uma iniciati￾va puramente privada, impulsionada pela demanda do gás na África do Sul” recomendou, sublinhando: “é preciso assegurar que a própria infra- -estrutura não seja EMATUM 2”. Fora esses dois pontos, Nuvunga diz que o CIP recebeu a notícia da cons￾trução do “Renascimento Africano” com bastante tranquilidade, uma vez que o gás a sair da bacia do Rovuma precisará de mercado para a sua co￾mercialização. Até porque considera inevitável a infra-estrutura e esclarece que tem uma diferença fundamental com o projecto da SASOL. “O acordo que a SASOL teve foi de exportar todo o seu gás para a Áfri￾ca do Sul. A SASOL veio para aqui construir uma arquitectura de um projecto que envolvia pipeline para a exploração e a exportação do gás para a África do Sul. É diferente deste caso em que temos duas concessioná- rias, o grupo da Anadarko e o grupo da ENI que vão explorar quantida￾des enormíssimas de gás. Então, eles precisam vender o gás. Este grupo (SacOil-ENH-Profin) não faz parte da estrutura accionista das concessio￾nárias do gás”, tranquiliza. Nuvunga diz ainda que o que há até aqui é que a empresa sul-africana de gás e petróleo, a SacOil, associou-se à Profin para fazer um estudo de viabi￾lidade para financiarem e executarem este projecto. “Não ganharam nenhum concurso, não houve nenhum concurso, não houve nenhuma concessão do Go￾verno ou do Estado moçambicano para este grupo. Este grupo interes￾sou-se pelo projecto. Se constituiu, buscou um parceiro em Moçambique que se chama Profin que foi constitu- ída a propósito por pessoas politica￾mente conectadas (família Chipan￾de). Essas pessoas constituíram um consórcio e disseram que hão-de ir buscar financiamento na China. Não tem financiamento, este consórcio é para fazer estudo de viabilidade. Esse consórcio não ganhou nenhuma con￾cessão”, diz

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