24.10.2015
DOMINGOS DE ANDRADE
Enchemos a boca de democracia para crispar palavras contra o discurso duríssimo e a ultrapassar as fronteiras do razoável do presidente da República, quando anunciou a indigitação de Pedro Passos Coelho. Ocultamos o centralismo democrático quando vemos normalidade na sujeição dos deputados a férrea disciplina partidária. Os mesmos que são eleitos como representantes do povo e a quem cabe escolher quem nos vai governar. Mas que dependem de um líder.
Achamos insolente que Cavaco Silva nomeie a coligação para apresentar um Governo que deverá cair no Parlamento. Calamo-nos quando dois líderes, em negociações para criar uma alternativa, se insurgem contra a "perda de tempo" que é ter de ser o Parlamento a decidir. O dos tais deputados obedientes. E andamos, felizes, a assistir à radicalização da política, como se daí não adviessem danos para a nossa vida.
Claro que a primeira responsabilidade é de António Costa. A segunda de Pedro Passos Coelho. A terceira de Cavaco Silva.
Do primeiro, esperava-se vontade de negociar também à direita. E fica claro que nunca o quis. Não há memória, nos 40 anos de democracia, de os dois partidos ao centro deixarem de se apoiar em circunstâncias difíceis.
Do segundo, porque demorou demasiado tempo a ter uma cultura de diálogo quando gozava de uma maioria. Nunca seria fácil, estando ele ancorado na necessidade de manter Portas sossegado. Mas só tentou agora.
Do terceiro, por ter sido vítima da sua própria estratégia. E por ter cometido um erro básico em política: tomar os desejos por realidade. Acreditou e quis um Governo de Bloco Central. Criou expectativas na boa vontade negocial de Costa. O discurso dele reflete essa desilusão. Acabou a conseguir um feito que a Esquerda nunca tinha alcançado. A união. Ao empurrar para um "gueto" PCP e BE com as linhas vermelhas que traçou, obrigou o PS a socorrer os partidos da sua ala. Por muito que os discursos sejam acintosos, nunca os socialistas deixaram cair o PCP. Não podem. Como o PSD nunca o fez ao CDS.
Nada disto, no entanto, menoriza a decisão do presidente da República. Cavaco Silva foi longe de mais ao ostracizar dois partidos que representam 20% dos votos. E que encerram contradições entre a prática e a teoria que apregoam. Mas tinha de nomear o partido mais votado. Agora, não pode fazer muito mais. São dele os calendários que o manietam.
Resta que a coligação apresente ao Parlamento um Governo. E que este seja apreciado como tal e não derrubado antes de o ser. Como resta, a ser assim e então sim, ao presidente da República chamar a segunda força partidária mais votada e ver as efetivas condições de governação que apresenta. E resta, por último e a Cavaco, dar posse, ou não, a esse hipotético Governo de Esquerda. A ele, eleito à primeira volta nas presidenciais, logo, com a legitimidade do voto e do cargo.
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