Editorial
Moçambique comemora amanhã o 23º aniversário do Acordo Geral de Paz (AGP), assinado em Roma pelo Governo, então dirigido por Joaquim Chissano, e pela Renamo, liderada por Afonso Dhlakama. Este armistício pôs fim a 16 anos de guerra que matou um milhão de pessoas, além de provocar cerca de 4.5 milhões de deslocados internos e mais de 1.5 milhões de refugiados no exterior, com reflexos dramáticos no tecido social do país.
Entre outras consequências, há o registo de prejuízos para a economia nacional acima de sete biliões de dólares norte-americanos, com a destruição ou inviabilização de mais de metade da rede rodoviária, o mesmo destino para mais de 50 por cento das unidades sanitárias, mais de 1.800 estabelecimentos de ensino e 1.500 lojas rurais. Isso colocou um terço da população moçambicana malnutrida e dois terços na pobreza absoluta.
Estes dados, embora parciais, são suficientemente demonstrativos do quão devastador foi esse conflito armado e dão a indicação da dimensão do investimento que foi necessário mobilizar, no exterior, para a reconstrução de tudo o que foi arrasado, de modo a que Moçambique se apresentasse no estado em que está hoje.
Entretanto, no lugar de festejar, os moçambicanos vão celebrar o 4 de Outubro numa situação de iminente reinício da guerra, tendo em conta os recentes acontecimentos no país. Infelizmente, tal ocorre numa altura em que de todos os segmentos da sociedade ouvem-se insistentes apelos à paz e ao diálogo para a superação de diferenças ou divergências políticas.
Importa recordar que as actuais confrontações já foram ensaiadas de 2013 a 2014, quando a Renamo desencadeou ataques contra alvos civis e militares no troço da N1 entre Muxúguè e Save, na província de Sofala, que gradualmente foram estendidos para outras regiões do território nacional.
O argumento então apresentado era, fundamentalmente, a paridade na composição dos órgãos eleitoras a todos os níveis, o que viria a concretizar-se com a aprovação de todas as exigências feitas pelo maior partido da oposição. Consequentemente, foi assinado o acordo de cessação das hostilidades militares que, entre outros aspectos, determinava o desarmamento dos homens que a Renamo escondeu aquando da desmobilização ditada pelo AGP.
Mas, contra todas as expectativas, o acordo assinado em Setembro do ano passado por Armando Guebuza e Afonso Dhlakama não foi cumprido, particularmente no que diz respeito à desactivação do exército ilegal da Renamo. Isto porque, depois de ter pedido as eleições gerais de Outubro de 2014, este partido introduziu novas reivindicações no diálogo com o Governo e que acaba de abandonar de forma unilateral.
Nos últimos meses, Dhlakama endureceu o seu discurso incendiário, com ameaças de instalar quartéis e tomar o poder pela força, expulsando os administradores distritais e governadores das províncias onde obteve a maioria dos votos eleitorais. Aliás, a arrogância deste homem foi ao extremo de rejeitar o convite que lhe foi endereçado para o encontro com o Chefe de Estado.
Quer dizer, a Renamo e o seu líder empenharam-se na busca duma reacção governamental que constituísse um pretexto para o regresso às matas, para desencadear uma nova guerra em Moçambique, uma vez convencidos da sua invencibilidade.
Por isso, os tristes acontecimentos de Gondola não são de todo uma surpresa, já eram previsíveis e sempre foram no sentido de desafiar o esforço de contenção por parte das Forças de Defesa e Segurança.
Ora, se de facto Afonso Dhlakama e o seu partido não querem ser protagonistas dum novo conflito armado, como o têm dito e redito, apesar de o seu comportamento indicar o contrário, o melhor que devem fazer é retomar o diálogo que romperam com o Governo, para o bem dos moçambicanos que amanhã vão comemorar o 23º aniversário do AGP com uma guerra iminente.
Sem comentários:
Enviar um comentário