sábado, 7 de março de 2015

Portagens: indemnizem-me


08.03.2015
JOSÉ MENDES
Primeiro foram as autoestradas desnecessárias, sem tráfego, que pagámos com os nossos impostos. Depois foi o desastroso sistema de portagens virtuais, com pórticos que exigem dispositivo de via verde e pagamento por junto.
Para quem tem dificuldade em lidar com o sistema, incluindo os estrangeiros, chegam as multas. São aos milhares e têm o condão de fazer explodir o valor das portagens em falta, transformando cêntimos em dívidas de milhares, com o extra de se reproduzirem ao longo da mesma viagem. Por fim, apesar de se tratar de uma transação entre um cliente privado (o automobilista) e uma empresa (a concessionária), as dívidas passaram a ser cobradas, imagine-se, pelo Fisco. Sim, esse mesmo, que acedeu a disponibilizar as suas competências de cobrador impiedoso, colocando-as ao serviço de um privado. Com a vantagem suplementar de ser uma máquina paga, de novo, com os nossos impostos.
Para alguém que, como eu, passou a vida na estrada, este assunto causa urticária. Em pequeno, vivia em Lisboa e vinha ao Norte ver a família (pela EN1); já crescido, vivo no Norte e marcho, como tantos outros, para Lisboa porque é lá que tudo se passa. Ou seja, é vasto o meu conhecimento empírico na temática das autoestradas. E é também vasta a minha revolta.
A ver se me faço entender. As decisões de construir as Scut, de criar aquele sistema imperfeito de cobrança de portagens, de criar o enquadramento legal e regulamentar que permite aquelas multas, que mais parecem assaltos, e de pôr a máquina do Fisco a cobrar dívidas de privados foram tomadas unilateralmente por decisores políticos. Uma sequência de decisões incompetentes, por vezes dolosas, cujas consequências esmagam as vítimas do costume, que neste caso são afetados duplamente nas condições de cliente e de contribuinte. Só em Portugal é que isto é possível.
Bem conheço o argumento de que só usa as ex-Scut quem quer. A esses, recomendo deslocar-se num município como a Maia, toda cercada de autoestradas. Onde estão as alternativas?
Há dias, chegou-me a cereja no topo do bolo. Precisando, para a sua atividade profissional, de uma declaração de não dívida ao Fisco, um amigo constatou no portal das Finanças que a mesma não poderia ser emitida por estar pendente uma dívida fiscal. Surpresa! Tinha a ver com uma portagem não paga, uma qualquer bagatela que nada tinha a ver com impostos.
A coisa é simples. Num Estado de direito, quem tinha de pagar numa situação destas era o Estado ao utente. Mesmo não tendo sido multado, apetece-me dizer: eu, automobilista que viajo em autoestradas ex-Scut, exijo ser indemnizado.
PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO MINHO

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