MOÇAMBIQUE
Polémica à volta da migração da fase analógica para a digital na radiodifusão de Moçambique. Os operadores privados teem ainda dúvidas sobre a operacionalidade do processo.
Em Moçambique, a migração da fase analógica para a digital na radiodifusão deve ter início em junho próximo, segundo estipulou o Governo. Este é um assunto polémico no país, a começar pelo facto da empresa responsável pelo processo ser detida, também, pela filha do ex-Presidente Armando Guebuza, Valentina.
A Startimes conseguiu para o efeito 300 milhões de dólares (cerca de 282 milhões de euros) do Estado sem ter passado por nenhum concurso público. Por outro lado, em termos técnicos há muita desinformação, falta de diálogo e muitas dúvidas no seio dos operadores privados.
Sobre o assunto a DW África entrevistou João Ribeiro, diretor da Televisão Independente de Moçambique (TIM), um canal privado.
DW África: Quais são as vantagens dessa transição:
João Ribeiro (JR): São muitas e posso citar algumas, sendo a primeira, uma melhoria na qualidade das imagens. Se todos os serviços seguirem a norma serão mais serviços que prestamos ao consumidor. Por exemplo, o telespetador poderá saber quando começa e acaba um programa, pode programar uma gravação, entre outros. Será tudo com mais qualidade e não como acontece hoje onde há zonas de menor cobertura, o sinal é muito mau e a pessoa acaba por não conseguir ver o programa com qualidade. Uma outra vantagem é que a propagação do sinal será uma outra forma, e obviamente, a cobertura vai melhorar. Vai haver uma maior cobertura se forem montados emissores com potências recomendadas. Se houver um transportador coletivo do sinal de todas as estações há ganhos grandes para nós como estações porque não teremos que investir em equipamentos. Pagamos um serviço e não teremos preocupações com a compra, substituição ou manutenção desses materiais.
DW África: Entretanto, esta digitalização traz também alguns desafios...
JR: Claro, uma coisa é o que está previsto e o seu objetivo e outra é o processo para se atingir este objetivo. Mas este processo foi, desde o princípio, muito mal conduzido pelo Governo, pelo Estado. Os operadores privados nunca foram ouvidos como deveria ter sido. Houve uma comissão formada por pessoas que fizeram o trabalho até hoje, mas esse comité nunca teve a participação efetiva da comunicação social privada, principalmente a rádio e a televisão. Havia uma espécie de representação que nunca aconteceu, arrancou mal desde o início e portanto nunca hove uma comunicação efetiva entre as partes e o Estado foi tomando decisões. E hoje anuncia uma data para o início da transição. Veja o que se passa hoje com seis emissores em seis cidades apenas.Tenho sinceras dúvidas em relação à isso. Não está nada claro como é que tudo isso vai acontecer, se as frequências que vamos usar são as mesmas que usamos hoje e que se assim for então terá que haver dupla legislação, uma parte em analógico e uma parte em digital e qual será o período do digital e qual será o analógico. Não há nada em concreto. O problema da mudança do equipamento nas casas das pessoas, elas terão que adquirir numa primeira fase um aparelho descodificador que tem um custo, não está claro se vão vender ou se vão oferecer esse equipamento, se vai haver uma licença para a sua aquisição. O público não tem condições financeiras para comprar seja o que for a esse nível. As pessoas teem outras prioridades.
DW África: Este custo adicional para o público poderá provocar, numa primeira fase, uma baixa de audiência para os canais televisivos?
JR: Se o Estado optar pela dupla eliminação, portanto uma parte do período analógico e uma parte do período digital, obviamente vai haver cortes porque as pessoas não vão ter acesso, mesmo que sejam alvo de uma distribuição gratuita do aparelho, como vai ser distribuído gratuitamente, até onde vai conseguir distribuir, por onde vai começar? Quem são as pessoas que vão ter acesso ao descodificador, será que elas também sabem lidar com o equipamento? Há todo um conjunto de questões e não há campanha nenhuma. Se não cumprirmos as regras as pessoas não sabem o que estará a acontecer. Já houve pequenas reuniões feitas por essa comissão que foi falar com os administradores do setor público e os próprios administradores levantaram a questão: Se eu que sou administrador encarregado do Governo não conheço nada disto imaginem o povo. Para mim é a primeira vez que estou a ouvir falar disso.
DW África: A concessionária que deve gerir este processo inclui apenas órgãos do Estado, nomeadamente a Televisão de Moçambique e a Rádio de Moçambique. Como vê a exclusão do setor privado deste processo?
JR: Não tenho nada contra sobre quem vai fazer esta gestão. Não acredito que haja problemas. Acho que temos que evoluir e atingir um outro nível de prestação de serviço quer seja público ou privado. Portanto não me preocupa que essa empresa vai fazer a gestão do sinal e o sector privado não esteja presente. O que me preocupa é que o setor privado nunca esteve presente nas discussões sobre este modelo. Para mim isso é o mais grave. A discussão do processo de transmissão, dos custos, do crescimento, daquilo que vai ser o futuro, dos requisitos, da norma, tudo isso é que me preocupa porque não feito feito com o nosso envolvimento. E já é tarde.
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- Data 17.03.2015
- Autoria Nádia Issufo
- Palavras-chave analógico, digital, transição, radiodifusão, Guebuza, Valentina, João Ribeiro, TIM
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